sábado, 22 de janeiro de 2022

Precisamos de falar


"O Nuno Picado e o Sérgio Engrácia decidiram perguntar-se se vale a pena, numa conversa com tanto de inesperada como de inevitável. E estragaram-me mais uma noite de sono. Decidi ouvi-los logo, atentamente, e viraram do avesso a discussão interior que mantenho, durante grande parte do dia, todos os dias: vale a pena? Sou um bom Benfiquista? As minhas acções, por insignificantes que sejam, fazem bem ou mal ao Benfica? Quando é que é tempo de falar? Quando é que devo esperar e ver o que acontece? Vale mesmo a pena?
Nunca encontrei respostas certas. Não existem. Mas sei, hoje, o suficiente para fazer mea culpa e assumir, perante mim próprio, que nem sempre fui o melhor Benfiquista que poderia ser a cada momento, nem sempre me contive, nem sempre pensei antes de falar. Mas, é isso mesmo o amor. Este amor eterno e incondicional. Pelo que voltarei a pecar, certamente.
Lembram-se de quando os convidados do BenficaFM tinham de abrir a dizer que é que significava para eles o Benfica? Já há muito não me perguntava isso. É o primo que se afastou mas continua a gostar de nós? É o pai de olhar distante que anda a lutar contra os seus próprios fantasmas? Somos nós quem se afastou? Serei eu? É o tio que nos levou a sítios onde nunca iríamos, às cavalitas do seu carisma e espírito de aventura? É esse tio que agora namora e deixou de querer saber de nós? Serei, afinal, eu?
Todos gostamos de ver as nossas opiniões validadas, mas dá ainda mais sossego sentir as nossas emoções partilhadas. Tenho-me sentido atormentado por uma certa frieza que me é estranha, nova. No último mês fui a todos os jogos da equipa de futebol e dei um saltinho ao pavilhão. Cada jogo, pela distância, exige planeamento: a compra dos bilhetes, quando é fora; as alterações de agenda no trabalho; as viagens sempre contra o tempo; a coordenação cá em casa por maximizar a eficiência e conciliar horas; aquele formigueiro durante toda a semana; a esperança ingénua na vitória mesmo quando partimos de trás. E, chegado ao meu lugar, só quero vir embora. “Por que é que eu vim?”. E assim volto sempre, assim fui duas vezes rua acima em procissão até ao Dragão, certo de que a pica que aquele sítio me dá iria reverter essa sensação. “Que é que eu estou aqui a fazer?”, outra vez. Pensei que era um problema meu, comentei, até, com alguns consócios o que estava a sentir e se seria de estar a crescer, como pessoa, de alguma forma, de ter mudado sem me aperceber. Assumi que era só eu. Que só a mim causavam estranheza a vibração, o tom, o ambiente, a falta de empatia e reciprocidade na bancada e da bancada. É assustador saber que não é só de mim. Porque eu sou insignificante. Dois, pelo menos, já são demasiados.
Nunca votei em Luís Filipe Vieira. E não o digo senão para contextualizar. Apesar de ter sido sempre crítico da postura, estilo de liderança e falta de transparência do anterior presidente, com ou sem oposição formal, nunca isso me impediu de sentir cada lance, cada jogo. Não era apoiante de LFV no Marquês em 2010, como não o era também num sem número de momentos de êxtase desde então. Até bem recentemente, mesmo. Portanto, não é a política associativa e a disputa democrática e seus resultados que me afastam ou esmorecem no apoio às equipas e no fervor do jogo.
Escrevo para organizar as ideias num exercício de terapia autónoma; partilho-o pela solidariedade com os que se sentem sozinhos nesta maneira, afinal comum, de sentir.
Não tenho, na verdade, diagnóstico algum a apresentar ou uma solução milagrosa a saltar da manga. Não mais do que a certeza de que precisamos de falar. Precisamos muito de falar. E não tenho parado de falar comigo desde que ouvi o Nuno e o Sérgio.
Comecei a escrever em jeito de Rescaldo, mas se me descuidar sei que vai sair um Brinco. Salvaguardando a diferença de que já não estou sequer certo acerca de onde parti, em que ponto mudei ou mudámos, muito menos de para onde vou. Sozinho ou acompanhado.
O resultado mais evidente desta reflexão passa, sobretudo, pela certeza de que não é um problema só meu. Antes fosse. O que representa, hoje, o Benfica na vida de cada um de nós? Na minha, será sempre o espaço consagrado de comunhão inocente e pueril, o porto de abrigo feito em águas revoltas, os amigos, as cervejas, os cânticos da bancada em loop na cabeça, todo o dia, todos os dias. O amor incondicional e apaixonado. Mas para amar não basta o amor, é precisa reciprocidade, de algum modo. E, arrisco dizer, é isso que tem faltado. É esse o factor x desta equação. E já nem ganhar, quando se ganha, ajuda a curar a ferida. Já nem o golo, a vitória e a remontada apaziguam a revolta, o desespero e a frustração. É a isto que chamam, se bem entendo, uma relação tóxica.
Sei que a partir de hoje, na vida, nas redes, nos grupos de Whatsapp, serei mais cuidadoso. Tentarei salvaguardar mais o amor pelo clube em detrimento da vontade de gritar bem alto contra quem o está a roubar de nós. De mim. Já não falta tudo.
E quem o está a roubar de nós não é tão fácil de identificar como pode parecer. Assumo que quando o meu partido governa mal me custa muito mais do que quando são outros; que me apoquenta muito mais uma má acção de um companheiro do que um crime de um desconhecido; que me deixam doente os pecados e omissões dos “nossos”, de tal forma que já nem ligo a erros de arbitragem, orquestrações mediáticas e bocas dos rivais. Mas deveria. Deveríamos todos. Porque é quando os gigantes tropeçam que as hienas se alimentam. E o Benfica continua a ser um gigante. O que me leva a perguntar-me: não seria preferível almejar ser o melhor do que ser, só, o maior? Ganhará mais o Benfica estimulando a participação associativa activa dos seus sócios ou a venda de kits de passividade e descontos? Será um mal só do Benfica ou é transversal à sociedade? É da sociedade, claro. Mas será que o nosso desencanto se prende com a tal ideia vã e inocente de que no Benfica seria diferente? Terá o nosso subconsciente visto no Benfica um falso bastião de uma sociedade que já não existe? Será que isto é efectivamente isto?
Queria poder pôr o Benfica em pausa durante umas semanas, meses ou anos. Parar, assim, decididamente. Mas mal posso esperar pelo próximo jogo."

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