sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Hora de decisões


"Quando o Benfica pisar o relvado do Camp Nou na próxima terça-feira, terá só uma certeza: não pode perder.
A vitória expressiva na partida da 1.ª volta, na Luz, parecia proporcionar-nos um cenário mais desafogado para o resto da fase de grupos. Mas a dupla derrota diante do Bayern, conjugado com a dupla vitória catalã frente ao Dínamo de Kiev, deixou as contas assim.
Muita coisa mudou desde o dia 29 de Setembro. No Benfica, que então seguia absolutamente invicto e triunfante, e depois daquela vitória passou por uma crise de resultados que o remeteu para a 3.ª posição da liga portuguesa, crise entretanto ultrapassada com uma goleada ao SC Braga. E sobretudo no Barcelona, que mudou de treinador, e viu recuperados de lesão alguns dos seus principais elementos. Diria que a correlação de forças se alterou ligeiramente, sendo agora (ainda) mais difícil bater os catalães.
Sem outra alternativa, há que arregaçar as mangas, e conseguir um resultado positivo no terreno do 5.º classificado do ranking da UEFA, clube que conquistou 4 Ligas dos Campeões nos últimos 16 anos, e crónico candidato a todos os títulos nacionais e internacionais. Pede-se, pois, mais uma noite gloriosa. Uma noite capaz de remeter a decisão para a última jornada, a disputar na nossa casa.
Uma vitória seria naturalmente o ideal, deixando tudo nas nossas mãos, mas um eventual empate pode também vir a revelar-se positivo no momento em que se fizeram as contas finais do grupo - recordemos que o Barcelona ainda terá de ir a Munique.
Antes, já hoje, há que ultrapassar o Paços de Ferreira, e seguir em frente na Taça de Portugal."

Luís Fialho, in O Benfica

Benfica em destaque


"A EFDN voltou a reunir as fundações e os departamentos de responsabilidade social dos mais de 130 clubes de futebol que compõem a maior rede europeia de futebol social. E em boa hora, depois de ano e meio de reuniões asséticas através de videoconferências intermináveis que, é verdade, tiveram o condão de nos manter ligados apesar de tudo mas produziram comparativamente menos frutos e sinergias entre os clubes.
Apesar do crescente surto de covid que vai despontando por essa Europa fora, os níveis de vacinação e o controlo sanitário irrepreensível tornaram possível esta realização, como outras em vários domínios dentro e fora do desporto. Por isso, de viva voz e em pessoa, voltou a ouvir-se a sentir-se a veia solidária dos milhões de adeptos do futebol europeu. Naturalmente, os resultados foram encorajadores, e uma vez mais a Fundação do nosso Benfica teve honras de palco e apresentou na Europa do futebol a dimensão da obra social benfiquista. E, uma vez mais também, obteve amplo reconhecimento do lugar dianteiro que ocupa justamente com um punhado de fundações que levam a vanguarda do setor. É o que queremos, agora e para o futuro, não pela vaidade do destaque mas pela justiça feita a um dos clubes mais solidários do mundo, o nosso querido e único Sport Lisboa e Benfica!"

Jorge Miranda, in O Benfica

Editorial


"1 - 400 jogos a liderar os destinos da equipa principal do Sport Lisboa e Benfica. Jorge Jesus alcança hoje uma marca histórico - dificilmente ultrapassável nestes tempos de futebol moderno - diante do Paços de Ferreira, em jogo da Taça de Portugal. Ao todo, são já oito temporadas, numa viagem singular cuja radiografia apresentamos nesta edição, que colocam Jorge Jesus como o treinador com mais jogos na história do Benfica, largamente destacado face a nomes imortais como Biri, Ediksson, Otto Glória, Toni ou Mortimore. Ficam os parabéns e um desejo, Mister: que junte ainda mais títulos a um currículo, por esta altura, só por Cosme Damião suplantado;

2 - Outro nome incontornável no Clube: Telma Monteiro. Renovou contrato com o Sport Lisboa e Benfica até 2024, até ao fim deste ciclo olímpico. Que orgulho para todos os benfiquistas continuar a contar com a superação, a garra, a enorme determinação de uma das melhores atletas de sempre. Como explicou a judoca, está há 14 anos no Benfica e sempre foi feliz. Palavras que dizem tudo. Venham mais títulos, mais medalhas, até porque, como disse, mesmo depois de terminar a carreira, a ligação ao Clube vai permanecer. Os símbolos são mesmo assim. Obrigado, Telma;

3 - Ao longo das últimas semanas têm-se multiplicado informações falsas sobre o dia a dia do futebol profissional do Sport Lisboa e Benfica, com inúmeras invenções e envolverem o presidente, a estrutura do futebol, o seu treinador e jogadores. Aos benfiquistas fica uma certeza: aqueles que nos procuram desestabilizar vão tornar-nos mais fortes. Não é com mentiras nem com especulações que nos vão desunir. Temos os objectivos bem traçados e vamos alcança-lo com o apoio dos nossos adeptos. Ganhar. Ganhar sempre é que que nos motiva."

Pedro Pinto, in O Benfica

Em frente na Taça


"Hoje é dia de Taça de Portugal, a competição em atividade mais antiga do calendário competitivo português, aquela em que todos os clubes, assim diz o histórico e sugere o formato, têm mais legítimas aspirações de conquistar.
Nesta 4.ª eliminatória, calhou-nos em sorte o Paços de Ferreira, atual 11.º classificado da Liga Bwin, no melhor palco do país, o nosso Estádio da Luz. O início está agendado para as 20h45 e marca o regresso à competição após paragem para os compromissos das seleções.
Jorge Jesus espera um jogo em que "tudo pode acontecer", precisamente pelas caraterísticas inerentes à Taça de Portugal, a prova em que todos "podem pensar em conquistar o troféu", conforme salientou o nosso treinador, acrescentando que será "um jogo difícil e competitivo para o Benfica", pois a equipa do Paços de Ferreira é "boa, bem organizada quando defende e sabe os momentos do jogo".
Esta é também uma partida especial na carreira de Jorge Jesus, a 400.ª em competições oficiais ao leme do banco benfiquista. Para o nosso treinador, este marco trata-se de "um sinal dos anos" à frente da equipa e motiva "orgulho por estar tantos anos num clube de top europeu e português", razão para "trabalhar diariamente com a mesma paixão e interesse".
Como sempre, o objetivo é vencer!

Entretanto, o mote para o fim de semana já foi dado esta manhã, com uma partida dos Sub-23, no Benfica Campus, frente ao Belenenses SAD. Vencemos por 3-0.
Dos muitos jogos a realizar ao longo do fim de semana, há a destacar o Vitória de Setúbal–Benfica, em andebol (hoje, às 20h30), o dérbi no futsal, no Pavilhão João Rocha (domingo, 20h00) e a receção ao VC Viana, em voleibol (sábado, 18h30).
No que às equipas femininas diz respeito, temos embate com o Colégio de Gaia na Luz (sábado, 15h00), deslocação a Coimbra para defrontar o Olivais, em basquetebol (domingo 18h00), ainda a visita ao Novasemente, em futsal (sábado, 18h00) e um dérbi na Luz, com o Sporting, em voleibol (domingo, 17h00).

Chamamos ainda a atenção para a realização, amanhã, a partir das 9h30, no Pavilhão n.º 1, da cerimónia de entrega dos anéis de platina e emblemas de dedicação, habitualmente realizada por altura do aniversário do Clube, mas adiada neste ano devido à pandemia. Este é, anualmente, um dos momentos mais altos da vida associativa benfiquista, em que o Clube reconhece e distingue, oficial e publicamente, aqueles que atingem 25, 50 e 75 anos de sócio.
Em 2021 serão entregues 92 Anéis de Platina, 226 Emblemas de Ouro e 653 Emblemas de Prata. A lista pode ser consultada no sítio oficial do Clube.
Os sócios do Sport Lisboa e Benfica são o Sport Lisboa e Benfica.
Viva o Benfica!"

Tacuara


"A genialidade dos que o apelidavam de "tosco" deve ser, para sempre, recordada. Os livres de Estugarda e Luz contra o SC Braga, o volley de Goodison Park, qualquer um de Bordéus, aquele em Leverkusen e "ambos os dois" aos turcos. Amo infinitamente a minha mulher, mas vou-me arrepender para a eternidade, de não ter casado com aquele pé esquerdo."

Pouco importa, pouco importa


"Embirro há anos com a canção de adeptos celebrada no Euro 2016. E não é pela melodia, simples e orelhuda, antes pelo conjunto de versos aparentemente inofensivos mas que traduzem todo um pensamento que se instalou – era ver como até os jogadores campeões o entoavam com orgulho - e cuja fatura é agora paga em frustração nacional. “Pouco importa, pouco importa se jogamos bem ou mal”, cantava-se e – para mal dos nossos pecados – continuou a cantar-se, e a praticar-se, nos últimos anos. No fundo, assumia-se um caminho sufragado tacitamente: não interessa a qualidade de jogo desde que haja resultados. O problema é que só muito pontualmente se consegue ter resultados sem qualidade de jogo. E Portugal não só pode como deve - e tem mesmo de - jogar muito melhor. E até já jogou, por exemplo na Liga das Nações, que curiosamente também ganhou e frente a adversários de qualidade, como a Suiça e a então Holanda.
“Portugal jogou para empatar”. Para começar são ideias altamente discutíveis, já que ninguém minimamente conhecedor acredita que os jogadores portugueses não queiram estar no Mundial ou que Fernando Santos tenha sugerido empatar, sendo óbvio que nem sequer se abordou este jogo (em termos de sistema ou de opções para o onze) de modo diferente de tantos outros. Mais que discutível este tipo de debate é essencialmente inútil, que não é decerto a efabular sobre a atitude dos jogadores ou a ambição do treinador que se sai deste labirinto em que a seleção tem vivido e que é essencialmente tático. Vamos ao que interessa e que passa por uma relação fundamental, a que se estabelece entre os jogadores e a forma de jogar.
Pergunta mais repetida ontem: como é que uma equipa com tanto talento tem jogado tão pouco? Jornalisticamente a pergunta é inatacável, o problema é que tem um vício de origem. Muito do talento – destaco Bruno Fernandes, João Félix e Ruben Neves – estava no banco, não no campo. De talento criativo, daqueles jogadores que criam mesmo e descontados os laterais (principalmente Cancelo), de início só havia Bernardo Silva no relvado da Luz. Não, nem Renato Sanches nem Diogo Jota são criadores para os outros, nem a Ronaldo se pede hoje que o consiga ser. Fernando Santos admitiu no fim que só Bernardo quis ter a bola. Só está mal o verbo: Bernardo não quis, Bernardo quer sempre dar critério e ligar com os demais. Não pode é ser só ele a querer, tem de haver mais dos que se associam, dos que protegem a posse. Os outros que começaram o jogo ontem têm qualidades fartas e indiscutíveis, mas não para isso.
Se os nossos melhores são craques de facto é com a bola, convém tê-la mais tempo. E a escolha dos jogadores é determinante para isso. A chamada geração de ouro dominava jogos porque tinha Paulo Sousa, Rui Costa, João Pinto ou Figo, muito mais do que por um modelo de jogo prévio e bem definido. Do mesmo modo que houve acrescento de soluções com Deco, Maniche, Simão e Cristiano e isso valeu ainda mais que a capacidade motivacional de Scolari. Mais que uma ideia de jogo construída com tempo, até porque é mesmo pouco o tempo disponível para treinar numa seleção – quantos treinos de verdade há num conjunto nacional ao longo de um ano? Dez? Quinze? – o mais determinante resume-se em dois pontos: colocar os melhores em campo (o que não tem acontecido) e motivá-los rumo a uma ambição (como bem fez Fernando Santos em 2016).
Aliás, ver Fernando Santos transformado na origem de todos os males, agora que a seleção vacila perante um apuramento cantado, parece-me não só injusto como incoerente, sobretudo por parte de quem antes, na hora dos triunfos, não ousava apontar-lhe nada ou até tomava qualquer análise negativa por crime de lesa-pátria. Com a autoridade de quem sempre foi pontualmente crítico, venho lembrar que Portugal foi eliminado do último Europeu com um meio campo composto pelos jogadores que o “povo” queria e maioria dos comentadores reclamava, designadamente Palhinha e Renato Sanches. Nós somos o país que reclama ter jogadores de talento mas depois vibra é com os mais “físicos”. A propósito, tendo visto o que Bernardo Silva produziu ontem durante mais de uma hora, todos (!) os diários desportivos escolheram Renato Sanches como a unidade de melhor rendimento na seleção portuguesa. Ou seja, queremos um jogar diferente mas desvalorizamos jogadores diferenciados. Pedimos futebol de ataque mas passamos meses inteiros a ouvir elogios ao pragmatismo, sugerimos jogo de risco mas insistimos em que as defesas é que ganham campeonatos, pedimos técnica mas exacerbamos a intensidade, preocupámo-nos mais com a perda de bola do que com o que fazer com ela. Por isso, reclamamos Palhinha a titular, fazemos bruáá a cada arrancada de Renato, mas encolhemos os ombros perante a repetida suplência de João Félix. Queixámo-nos hoje da forma de jogar que mais vezes se vê elogiar. No fundo, o que sentimos após este jogo da seleção pode comparar-se ao despertar após uma noite mal dormida. O que verdadeiramente nos desagrada é a nossa própria imagem refletida no espelho."

Sobre as críticas a Fernando Santos, (...) lembra que “não pode valer ironia provinciana, ridicularização e chacina pública”


"O selecionador nacional tem 67 anos.
Como tantos que amam este mundo, dedicou toda a sua vida ao futebol.
Começou a jogar ainda miúdo e, enquanto atleta, foi campeão nacional pelo Estoril em 1975.
Depois mudou de carreira, mas sem nunca descurar a importância dos estudos. É dos poucos da sua geração que tirou um curso superior e licenciou-se.
É treinador há mais de 30 anos.
Nessa função, esteve em vários clubes portugueses, incluindo FC Porto, Sporting CP e SL Benfica. É um dos poucos treinadores nacionais que dirigiu as três equipas mais representativas do país.
A norte foi campeão, conquistando o penta para os azuis e brancos (1998/99).
Pelo meio ganhou ainda duas Taças de Portugal consecutivas (em 1999/00 e em 2000/01) e duas Supertaças Cândido Oliveira também seguidas (1999 e 2000).
Resumo: cinco títulos pelo FC Porto em três épocas de trabalho.
Viajou para a Grécia onde, no seu primeiro ano, foi vice-campeão pelo AEK (com os mesmos pontos do campeão).
Venceu depois uma Taça helénica (2001-02).
Treinou ainda dois outros grandes clubes gregos: Panathinaikos primeiro e PAOK depois. Outro feito muito raro naquelas bandas.
Mais tarde, viu a Federação Grega de Futebol reconhecer a sua capacidade, convidando-o para selecionador nacional, função que exerceu de 2010 a 2014.
Comandou a seleção da Grécia em 49 jogos. Somou apenas 6 derrotas.
Qualificou os gregos para duas grandes competições internacionais: o Euro 2012 (chegou até aos quartos de final) e o Mundial de 2014 (caíu no desempate por pontapés de penálti, nos oitavos de final).
Pelo seu valor, competência e resultados - vou repetir esta parte: pelo seu valor, competência e resultados -, foi eleito quatro vezes (4X) como o melhor treinador do campeonato grego:
- Em 2001/02, 2004/05, 2008/09 e 2009/10.
Além disso, foi considerado o "Treinador da Década" na Grécia, prémio que venceu tendo em conta o período 2000/2010.
Em 2016 e 2019, foi eleito pela IFFHS como o "Melhor Treinador de Seleções do Mundo".
E esta também me parece uma parte importante para repetir:
- Fernando Santos foi eleito por duas vezes (2X) o melhor treinador de seleções do planeta! A última dessas condecorações foi há 2 anos!
Ainda em 2016, obteve outras distinções de revelo:
- A medalha de Ouro do concelho de Arganil;
- O título de Treinador de Futebol do Ano em Portugal;
- O prémio de Melhor Treinador da Europa;
- O prémio de Melhor Treinador do Mundo, atribuído pela conceituada Global Soccer Awards;
Já em 2017, recebeu o "Globo de Ouro" como Melhor Treinador do país.
Ainda nesse ano, foi considerado pela FIFA como um dos três melhores treinadores do mundo.
De novo? A FIFA considerou-o, há quatro anos, como um dos três melhores treinadores do mundo!
Fernando Santos está no comando da seleção portuguesa desde 2014 (substituiu Paulo Bento). Em sete anos no cargo, conseguiu para Portugal o que nunca nenhum outro selecionador conseguira para o nosso país:
- Ser Campeão da Europa (em 2016) e vencer outra competição internacional (Liga das Nações da UEFA - 2019).
O valor desportivo desses feitos foi imensurável. O retorno a outros níveis - da nossa autoestima enquanto povo à vertente financeira - nem vale a pena mencionar.
Talvez por isso, foi condecorado pelo Presidente da República com a Ordem de Mérito - Grande Oficial, num tributo que visou "distinguir actos ou serviços meritórios que revelem abnegação em favor da coletividade, praticados no exercício de quaisquer funções, públicas ou privadas."
Este é, à data de hoje, o currículo deste homem.
Fernando Santos é um profissional que merece respeito.
A crítica, a opinião que discorda ou a análise técnica que censura a tática são importantes e inevitáveis numa democracia. São imprescindíveis em qualquer função mais ou menos exposta.
Mas o tom, a forma e até algum do conteúdo que se tem visto, lido e ouvido, nos últimos dias, sobre a qualidade do seu trabalho, dão vergonha alheia.
Nenhuma pessoa merece passar por isto, depois de dar tanto a um povo, a um país, a uma nação.
Tenham paciência, mas não pode valer tudo. Não pode valer ironia provinciana, ridicularização e chacina pública.
Fernando Santos já fez mais do que o suficiente para merecer, de todos nós, admiração, elegância e gratidão.
Gratidão!
Fique ou saia, ganhe ou perca, apure ou não Portugal para o mundial.
Fica a opinião desinteressada de quem não confunde direito à crítica com atentado à reputação e integridade profissional."

Do Choupal até à Lapa, sem chão nem flores


"Em 1967, a Académica ficou em segundo lugar no campeonato e perdeu a final da Taça para o V. Setúbal. Depois foi à Madeira

Ao passar pelo cais de Santa Apolónia fiquei, por momentos saudosos, a observar o paquete Funchal, pelos vistos a ser remendado depois de anos e anos perdido no fundo do poço do ablívio. Em 1967, viajei nele para a cidade que lhe deu o nome. O meu pai ia cumprir a sua comissão como juiz de terceira, em Santa Cruz, essa aldeia que me ficou para sempre no ponto mais alto da ternura. É curioso como, agora que só há juízes de primeira sejam todos, ou quase todos, de segunda. De segunda apanha, quero dizer. Figuras sinistras como abutres nas suas vestes negras e de cérebros caliginosos nos quais a prepotência atinge os mesmos níveis do que a ignorância.
Em Santa Cruz aprendi a ler e a escrever, tive um mestre como professor primário, e tive o meu pai como mais mestre ainda quando me sentava ao seu colo, abria as páginas dos jornais e me ia ensinando as letras grossas dos títulos. Os jornais vinham por assinatura, no avião que aterrava e levantava aos sábados no aeroporto minúsculo que tinha uma varanda virada para a pista onde as pessoas assistiam à sua chegada e à sua partida enquanto tomavam capilés.
A Bola saía três vezes por semana e os três exemplares iam lá para casa juntos, amarrados com cordel. Quando comecei a ler sozinho, estendia aqueles lençóis no chão da sala e deitava-me sobre eles numa curiosidade excitada sem saber ainda que um dia, muitos anos mais tarde, iria subir a escadaria em curva de madeira carcomida do n.º 23 da Travessa da Queimada e sentar-me lado a lado com os nomes que aprendera a decorar: Carlos Pinhão, Vítor Santos, Aurélio Márcio, Alfredo Farinha, Carlos Miranda, Homero Serpa...
O meu pai foi estudante de Coimbra e deixou-se apaixonar pela Académica. Como qualquer filho que olhava o pai como centro do meu emergente mundo masculino, também eu ganhei a paixão pela Académica. Precisamente no ano certo. No momento exato em que a Académica era tão grande como o Benfica e o Sporting, acima até de FC Porto e Belenenses, a par com o Vitória de Setúbal. Tempos que não voltam mais.
Nesse ano de 1967 a Académica ficou em segundo lugar do campeonato, a três pontos do Benfica, e perdeu a final da Taça de Portugal para o vitória de Setúbal, eliminando o Benfica pelo caminho. Eu lia os nomes heroicos nas páginas enormes de A Bola e também não sabia que, muito anos depois, viria a ser amigo de tantos deles: o nosso ‘Velho Capitão’, Mário Wilson, o treinador, o meu querido Vasco Gervásio, dono de um sentido de humor tão coimbrão, o Rocha, afilhado de casamento da minha avó Manuela, lá no Olival, Toni meu irmão, Artur Jorge, os manos Vítor e Mário Campos, o Belo, agora na Dinamarca com quem vou falando todas as semanas. Quase todos rapazinhos de vinte anos com aquela camisola fascinantemente negra de losango ao peito e o mundo todo à sua frente numa mistura de rebeldia e alegria que bulia com um país a branco e preto.
Depois a Académica foi à Madeira. Calha-me ter uma memória comprida cujos braços se estendem até aos lugares meio obscuros da mais tenra da infâncias. Era um acontecimento. A Académica no Estádio dos Barreiros, ainda pelado, contra um Marítimo que boiava sem ambições nas divisões secundárias ou distritais, não sei ao certo.
O jogo, amigável, teve momentos pouco amigáveis, com um ou outro energúmeno a atirar garrafas para dentro do campo e os jogadores baixando-se para afastar os cacos. Era amigável mas um jogo, ainda assim. E a Académica, como era sua obrigação, ganhou e por muitos.
À medida que sabia ler e escrever, aprendi a bater à máquina, com um dedo só, como ainda hoje, as fichas dos jogos do campeonato. As fichas de A Bola começavam com um boneco, salvo erro do Francisco Zambujal, com dois jogadores disputando uma bola, cada equipado com as cores da sua equipa embora as cores também fossem a branco e preto e a gente só soubesse distinguir os que tinham riscas ou os que não tinham. Ou ainda os da Académica, fraternamente vestidos de negro por completo.
Em seguida, as fichas iam por ali fora: número de espetadores, tirado a ‘olhómetro’, o nome do estádio, do árbitro e dos fiscais de linha, seguido do nome do clube (em caixa alta) e dos jogadores que se perfilavam em campo com os pontos e vírgulas a fundamentarem as posições. Na final da Taça, foi assim: Maló; Celestino, Rui Rodrigues, Vieira Nunes e Marques; Toni, Vítor Campos, Ernesto e Crispim; Rocha (cap.) e Artur Jorge. O jogo durou 144 minutos até ser resolvido por Jacinto João, no segundo prolongamento, a fazer o 3-2
 A Académica está mergulhada numa classificação tão infeliz que é preciso uma lupa para a descobrir na tabela da II Divisão. A capa do Zeca já não dá no chão abrindo em flores. Do Choupal até à Lapa os sorrisos morreram nos lábios dos rapazes das camisolas negras que brilhavam ao sol."

Matateu: a oitava maravilha do mundo!


"Sebastião Lucas da Fonseca (o Matateu, para o Portugal todo, “desde o Minho a Timor”, como queria o Doutor Salazar) nasceu em Lourenço Marques, em 20 de Julho de 1927 e faleceu, no Canadá, em 27 de Janeiro de 2000. Foi aliás, no Canadá, que ele “arrumou as botas”, como jogador de futebol e com 50 anos de idade. Só com meio século, com os olhos enevoados de furtivas lágrimas, deixou de fartar a avidez do golo, que nele parecia inesgotável. Pisou, pela primeira vez, a relva das Salésias, num domingo de Setembro de 1951, se a memória não me engana.
Foi uma tarde de nervos, mas o jogo terminou com a vitória dos “azuis” por 4-3. E toda a gente se humildou perante a classe do Matateu. Marcou dois golos e ainda “deu” o terceiro. Findo o jogo, muitos dos adeptos do Belenenses, pasmados do alto nível futebolístico do moçambicano, levaram-no em ombros, em voltas sucessivas ao campo, as faces incendiadas de emoção, num desejo incontido de venerar o novo ídolo de Belém. Ouvi dizer, dias depois, que a Censura teria aconselhado os jornais a que não dessem demasiado relevo à fotografia de um preto “às costas” de uma multidão de brancos. Seria um escândalo! Isto, há 70 anos, no meio de tanta publicidade hipócrita à igualdade de direitos, entre os pretos e os brancos, no território português das províncias ultramarinas! Vejo desfilar na tela da memória os meus 18 anos empertigados e atrevidos, com um sorriso de gratidão ao Matateu daquele domingo - e afinal de tantos outros domingos, durante os 13 anos em que ele vestiu o símbolo do meu querido Belenenses. Em 1964, rumou ao Atlético Clube de Portugal, onde foi campeão nacional da segunda divisão. Jogou ainda no Gouveia e no Amora. E, por fim, no Canadá, para onde emigrou e, com 50 anos, jogava ainda, mas já sem sentir aquelas intensas vagas de desejo, que o empurravam à prática de um futebol de que só ele tinha o segredo. É que fintar e driblar, como ele o fazia, dentro da grande-área, rodeado de adversários… nunca vi! Nem eu, nem (assim o penso) ninguém. Tinha, física e tecnicamente, tudo o que tem um “génio da bola”. Os jornalistas, com algum exagero (aceito!) viam nele “a oitava maravilha do mundo”! Mas, se não era, andava lá por perto…
António-Pedro Vasconcelos, cineasta (dos maiores do nosso cinema), ensaísta de muitos méritos e um intelectual de indiscutível brilhantismo, levanta uma questão de premente atualidade: “A Europa tem alguma coisa ainda para nos prometer, para além da exibição turística das suas ruínas e da memória embalsamada de um passado glorioso? E os Estados Unidos terão ainda capacidade de vencer o vírus da descrença e do medo, depois do Vietname e do 11 de Setembro? (…). As velhas nações adormecidas, como a China ou a Rússia, por exemplo, serão capazes de reatar o seu antigo prestígio e acordar para um novo ciclo criador? Ou será da América Latina, dona de uma literatura romanesca original e abundante, que irão despontar essas grandes ficções que a ajudem a libertar-se, enfim, da opressão e da subalternidade a que foi submetida durante cinco séculos e que possam servir-nos de guia para este século?” (António-Pedro Vasconcelos, O Futuro da Ficção, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, 2012, p. 9). Valéry sublinhou que “as civilizações são mortais” e António-Pedro Vasconcelos relembra, muito a propósito: “A grande ficção é premonitória. Entre a exaltação e a denúncia, os grandes ficcionistas são os que nos dão novas armas para interpretar as nossas próprias ansiedades e os que alargam os horizontes do humano. São eles que iluminam e resgatam o que tem sido o lado negro do Ocidente: a tirania e a opressão, a escravatura e a colonização, a perversidade e o cinismo, a ganância e o abuso do poder” (idem, Ibidem, p. 11). O desporto altamente competitivo, mormente o futebol, continuam, como eu o venho dizendo há quatro décadas, a reproduzir e a multiplicar as taras da sociedade capitalista: as manias da competição e do rendimento e do recorde e do predomínio do quantitativo sobre o qualitativo. Ao contrário das frases engalanadas em favor da competição, como fator iniludível de desenvolvimento, escreve Humberto Maturana: “La conducta social está fundada en la cooperacion, no en la competência. La competência es constitutivamente antisocial porque, como fenómeno, consiste en la negación del outro. No existe la sana competência, porque la negación del outro implica la negación de sí mismo al pretender que se valida lo que se niega. La competência es contraria a la seriedade en la acción, pues el que compite no vive en lo que hace, se enajena en la negación del otro” (op. cit., p. 83).
Matateu não conheceu os rigores e a disciplina do profissionalismo do futebol atual. O profissionalismo do futebol começou, em Portugal, no S.L.Benfica, com o treinador Otto Glória. A este propósito, passo a palavra ao jornalista Luís Miguel Pereira: “Com a inauguração do Estádio da Luz, em 1954, o clube pôs fim a quase 50 anos de casa às costas. Mas a contratação de Otto Glória acabou por ser o passo decisivo para a profissionalização do futebol benfiquista. O treinador brasileiro promoveu infra-estruras e implementou regras de profissionalismo muito aproximadas aos moldes que existem hoje. Os modernos métodos de trabalho do treinador foram sempre escudados pela competente presidência de Borges Coutinho” (Luís Miguel Pereira, Bíblia do Benfica, Prime Books, Lisboa, 2008, p. 114). Luís Miguel Pereira, com afetuosa objetividade (porque é um benfiquista de todas as horas) salienta ainda, neste interessantíssimo livro, a criação do Centro de Estágio (Lar do Jogador), as regras que o competente treinador brasileiro implementou, no departamento de futebol do Benfica, o cuidado pela instrução académica dos jogadores, o ensino do inglês, lições de etiqueta, educação moral e religiosa – tudo o que Otto Glória (Otaviano Martins Glória) considerava essencial a um profissional de futebol. Nasceu assim o profissionalismo, no futebol, em Portugal, no Benfica e em 1954. E do Benfica foi amanhecendo, paulatinamente, nos principais clubes portugueses. É de Otto Glória (1917-1986) o célebre dito sentencioso: “o treinador, quando perde, é uma besta; quando ganha, é bestial”. Otto Glória, mesmo nas poucas vezes que perdeu, foi sempre um treinador “bestial” – nunca esqueceu o homem que fundamenta o jogador de futebol. Conversei, com ele, uma tarde, numa pastelaria da baixa lisboeta. Conservo duas frases que me disse: “Sem homens moralmente sãos, não há “craques”. O Pelé é um exemplo”. Pode haver “craques” (digo eu), mas que não deram tudo o que podiam dar ao futebol e à sociedade. E esta: “Quando cheguei, pela primeira vez, a Portugal, tive a clara sensação de que o futebol da América Latina estava em fase mais adiantada do que o futebol português”. E não voltei a encontrar-me com Otto Glória. Faleceu, em 4 de Setembro de 1986, depois de ter treinado o Benfica, o Sporting, a seleção portuguesa de 1966, o Belenenses e o Porto.
Como íamos dizendo, no Belenenses dos anos em que Matateu “jogou futebol” ainda imperava um semi-profissionalismo em que ao futebolista muito se exigia e ao homem-futebolista muito pouco se retribuía, em direitos e em cuidados que promovessem a sua humanidade. Uma ética do humano ainda não se praticava. Um treinador do Belenenses dizia-me convicto, referindo-se aos jogadores: “O que eles são lá fora pouco me interessa, o que me interessa é o que eles são, aqui, no Estádio do Restelo”. No futebol, naquele tempo, as palavras (como se aprende na Filosofia) ainda não estavam grávidas de sentidos existenciais, mormente de “cuidado” pelo homem-jogador. Neste momento, peço licença, para uma curta paragem. E entro de indagar: mas o Matateu “jogou” mesmo? Folheio Gadamer, no seu Verdade e Método: “O jogar não deve entender-se como o desempenho de uma atividade. Em rigor, o verdadeiro sujeito do jogo não é evidentemente a subjetividade daquele que, entre outras atividades, desempenha também aquela de jogar. Pelo contrário, quem joga é o próprio jogo” (Hans-Georg Gadamer, Verdad y Método, Sígueme, Salamanca, 1977, p. 147). “Quem joga é o próprio jogo” diz Gadamer. Aqui, peço licença para não acompanhar Gadamer: para mim, o jogo, designadamente na forma de desporto, não existe, mas os jogadores que o jogam. O desporto é um jogo lúdico-agonístico, com regras universais e, quando em alta competição, com as taras da sociedade capitalista que, acima, enumerei. Há (e gente de incontroverso rigor hermenêutico) que deriva a palavra “cuidado” do latim cogitare (pensar). Que o mesmo é dizer: só se tem cuidado por alguém, quando esse alguém tem importância para nós. Ainda digo de cor as características do jogo, que eu aprendera em Roger Caillois, no seu Les Jeux et les Hommes ( editado pela Gallimard) e repetia, nas aulas, aos meus alunos: o jogo é uma atividade livre (o jogador joga porque quer, como quer e quando quer); separada, no espaço e no tempo, das atividades produtivas; incerta (sem resultado previsível e estimulando por isso a capacidade inventiva do jogador; regulada (sem regras, não há jogo); improdutiva (o jogo não é ofício ou profissão – em princípio, não se joga para amontoar dinheiro ou perseguir a fortuna); fictícia, porque se pratica à margem da vida corrente.
Acresce, como o refere Kostas Axelos, que “o jogo não é apenas uma das forças fundamentais (a saber: a linguagem, o trabalho, o amor, a luta e o jogo) uma das configurações. O jogo penetra nelas todas, ao mesmo tempo que as engloba; todas são jogo e fazem o jogo que não é o jogo de alguém, ou de alguma coisa. Por detrás das máscaras, nada nem ninguém se esconde, a não ser o jogo do mundo (…). Neste, é o homem por inteiro que é o jogador e o joguete, faça ele o que fizer” (in João Tiago Lima, Jogar sem bola, Oficina, Évora, 2018, p. 37). Não é de estranhar, portanto, que o desporto, porque é jogo, em si englobe também o trabalho (no desporto profissional). O jogo está em tudo o que é humano. Daí, o desporto possa educar. Vou citar, agora, Teotónio Lima, professor de educação física e exímio treinador de basquetebol, sempre com pigmentos culturais na prosa dos seus livros que remetiam para a filosofia: “A corrida distingue-se do salto em comprimento, através da organização dos movimentos produzidos pelo atleta e realizados, no aspeto plástico-mecânico, pelo corpo. O pontapé de canto do futebol distingue-se do passo raso, à flor da relva, porque a organização dos movimentois e os respectivos objectivos são diferentes e são evidentemente executados voluntariamente pelo futebolista. Não são de facto as pistas e os recintos desportivos; não são os aparelhos de ginástica; não são as bolas, as raquetes, os engenhos e os materiais utilizados; não são as forças da Natureza que determinam as características das modalidades desportivas, mas sim os movimentos realizados pelo homem” (Teotónio Lima, o desporto está nas suas mãos, Livros Horizonte, Lisboa, 1988, p. 37). De um magnífico livro do filósofo português e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Diogo Ferrer, faço o seguinte recorte: “Não obstante as aparências, não se trata, no inconfessado da retórica, de uma ocultação como dissimulação, mas de uma tematização” (Transparências – Linguagem e Reflexão de Cícero a Pessoa, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2018, p. 28).Quando digo e repito: “Não há jogos, há pessoas que jogam”, apelo sempre ao mesmo sujeito, o ser humano, como o faz Teotónio Lima e segundo os enunciados teóricos do Doutor Diogo Ferrer. É impossível pretender explicar o Desporto, sem invocar o ser humano que o corporiza. No génio futebolístico de Matateu, há o “homo biologicus” e uma cultura de um tempo e de um modo…"