quarta-feira, 31 de março de 2021

Entrevista imperdível


"Pedro Pablo Pichardo, notável atleta do triplo salto, campeão da Europa em pista coberta, uma das figuras de proa do Benfica Olímpico, será o protagonista hoje (quarta-feira, às 17 horas), na BTV, de uma entrevista aberta e intimista em que se dá a conhecer aos benfiquistas.
Pichardo é um atleta extremamente focado no treino e na competição e que se caracteriza pelo enorme talento, formidável aptidão física, impressionante capacidade de superação e incessante motivação para se tornar cada vez melhor.
Avesso a aparições públicas de âmbito social, incluindo entrevistas, o campeão europeu interrompeu brevemente a sua preparação para conceder esta entrevista. Para nosso benefício, reconheça-se, pois teremos assim a oportunidade de conhecermos um pouco mais do que suporta os feitos deste excelente atleta.
Na entrevista já gravada, foram muitos os tópicos abordados. Desde a gratidão ao Benfica à humildade sincera do atleta e a autoexigência que coloca para melhorar os conhecimentos e fluência da língua portuguesa, falou-se de tudo um pouco.
O momento tão ambicionado de cantar o hino nacional, o telefonema do Presidente da República, as mensagens trocadas com Alfredo Quintana, com quem mantinha admiração recíproca, mas que acabou por não conseguir conhecer pessoalmente, a dedicação à família e ao treino em Portugal e os irmãos que deixou em Cuba são outros dos temas incluídos na conversa.
E também, como não poderia deixar de ser, focou-se o lado desportivo, nomeadamente a marca que tanto ambiciona para poder dar o ouro Olímpico aos portugueses, nos Jogos em Tóquio, oferecendo deste modo a sua perspetiva quanto à possibilidade de alcançar mais um grande feito na sua magnífica carreira.
BTV, 17 horas, a não perder!"

Homens do leme e da bola


"Antigos presidentes do Benfica tiveram nos seus currículos o carimbo da prática do futebol. E não só!

Ao longo de 117 anos, o Benfica teve como presidentes da Direcção homens das mais diversas áreas profissionais que, contudo, se uniam em torno de um interesse único: o desporto!
Corria o ano de 1912 quando Cosme Damião reparou nos dotes futebolísticos de um jovem Júlio Ribeiro da Costa, que viria a ser presidente em 1938/39. Vestiu a camisola encarnada como defesa entre 1013 e 1915.
Pela 1.ª categoria, jogou na recém-criada Taça de Honra, em Maio de 1915, frente ao Cruz Quebrada; era então, para além de jogador, secretário da Assembleia Geral. No ano seguinte, rumaria a Coimbra para estudar, onde, pela Briosa, defrontou e foi derrotado pelo Benfica numa digressão feita e jogada totalmente debaixo de água. Retornaria a Lisboa em 1921/22, jogando 7 jogos pela 2.ª categoria do Benfica.
Augusto da Fonseca Júnior, presidente entre 1939 e 1945, também se formou em Coimbra, onde, em 1920, liderou uma revolta estudantil. Antes, alinhou como médio e avançado 'encarnado' por 6 jogos, em 1914/15. No seu último jogo, bisou frente ao SC Império!
Joaquim Ferreira Bogalho, 'o homem do estádio', que dirigiu o Benfica entre 1952 e 1957, guardou a baliza das 3.ª e 4.ª categoria por 11 ocasiões, em 1920/21, anos de calçar as luvas da tesouraria 'encarnada'. Voltaria a jogar enquanto lateral-direito, em 1926/27, numa altura em que assegurava o cargo de secretário da Direcção.
O mais eclético foi Félix Bermudes, presidente em 1916 e 1945, que praticou atletismo, esgrima, natação, ténis, alpinismo, hipismo e futebol, quando esta modalidade ainda se encontrava em crescimento. Jogou como avançado e médio-direito entre 1906 e 1912, tendo sido capitão no primeiro dérbi do Clube frente ao Sporting, em 1 de Dezembro de 1907.
Aos 50 anos, Félix Bermudes participou em provas de tiro nos Jogos Olímpicos, em 1920 e 1924, ano em que também se sagrou campeão em ciclismo numa Volta a Lisboa!
Mente sã em corpo são seria o mote. Félix Bermudes reconheceu, numa entrevista que deu perto de completar os 84 anos, quiçá falando por todos os seus homólogos: 'As possibilidades físicas que ainda hoje possuo, as devo ás práticas constantes de vários desportos!' Curiosamente, Júlio Ribeiro da Costa foi o mais longevo dos presidentes benfiquistas, vivendo 97 anos.
Venha conhecer mais sobre os homens que dirigiram o Clube, na área 28 - Homens do Leme, do Museu Benfica - Cosme Damião."

Pedro S. Amorim, in O Benfica

As 5 melhores contratações a custo zero do SL Benfica


"No passado dia 25 de Março, o SL Benfica fazia questão de arrefecer os ânimos histéricos com a possibilidade de Diego Costa se juntar às suas fileiras. Num comunicado oficial, sublinharam-se as prioridades, que passam pela conquista de todos os jogos até final da temporada. Contratações? Só depois. 
Diego Costa seria mais um a chegar a Lisboa a “custo zero”, numa longa linhagem de 64 nomes desde que Luís Filipe Vieira se juntou à direção encarnada – primeiro enquanto administrador da SAD e diretor desportivo, e depois como presidente.
Marco Caneira, Fyssas, Karagounis, Rui Costa, Nolito, Sulejmani, Taarabt, Carrillo, Zivkovic, Seferovic e o último, Vertonghen, são alguns dos nomes mais destacados que chegaram à Luz por essa via negocial e ajudaram os encarnados a baixo custo, quando comparados com outros colegas que exigiram esforços financeiros mais significativos, nem sempre justificados.
Enunciaremos então cinco nomes que marcaram o seu nome na memória coletiva por razões díspares – uns pela evidente qualidade e números estratosféricos, outros pela relação que conseguiram criar com os adeptos, outros até pela misteriosa forma como encararam a fase portuguesa das suas carreiras como intervalo para ganhar fôlego.

1. Jonas (2014/2015) – Nuno Espírito Santo chega a Valência para guiar os “Che” de volta ao topo do futebol espanhol. Estamos em 2014, Real Madrid CF e FC Barcelona são as melhores equipas do mundo – e o treinador português entende que a melhor coisa a fazer é reestruturar o plantel, com Jonas a perder espaço para Negredo e Paco Alcácer.
O brasileiro compreende, agradece a sinceridade, rescinde contrato e espera pacientemente por contactos. O SL Benfica tinha ficado sem Rodrigo e Cardozo, e só Lima assegurava poder de fogo, além de Talisca. Oportunidade perfeita? Sim, disse Jonas, que ao primeiro toque na bola de águia ao peito aproveita para fazer um “cabrito” a um adversário, no círculo central. Aí, todos sem exceção, perceberam o que se seguiria. Até Nuno.

2. Júlio César (2014/2015) – Na baliza oposta e com olhar atento estava Júlio César, à altura o melhor guarda-redes do planeta. Se não era difícil proteger as redes numa defesa com Maicon, Lúcio, Samuel, Córdoba ou Zanetti, o brasileiro era também um pronto-socorro na Canarinha, justificando a cada jogo o seu estatuto de imprescindível.
Com a saída de Mourinho, ele e o FC Inter não conseguiram manter o nível, numa equipa com média de idades mais avançada do que o aconselhado. Júlio César sairia pouco depois rumo à Premier League, seduzido pelo projeto inovador do Queens Park Rangers fC (onde já estava Adel Taarabt). Não resultou, o clube desceria para o Championship.
Seguia-se o Toronto FC, que competia na MLS e não exigia ao brasileiro compromisso máximo – esta sequência de experiências negativas desembocou no vexame do Mundial 2014. No desastroso 1-7 frente à Alemanha em pleno Maracanã, Júlio foi visto como um dos grandes responsáveis e é neste contexto que aparece o SL Benfica – o casamento perfeito, já que os encarnados precisavam de qualidade imediata depois da saída de Oblak e ele de um grande clube, para se reabilitar em termos emocionais.
Em Lisboa é tricampeão, servindo também como tutor de Ederson Moraes.

3. Hans-Jorg Butt (2007/2008) – Hans Jorg Butt construiu carreira muito respeitável na primeira década dos anos 2000: começa por ser titular na final perdida pelo Bayer 04 Leverkusen frente ao Real Madrid CF, em 2002, e termina na baliza do FC Bayern de Munique, no jogo final da Champions 2009-10, frente ao FC Inter de José Mourinho.
Perdeu as duas vezes – não lhe deram oportunidade para marcar uma grande penalidade, exercício através do qual conseguiu 26 golos –, mas que não se pense ser obra do acaso ou testemunho curto da sua competência. Ao serviço da seleção, vai aos Mundiais de 2002 e 2006, já depois do Euro 2000, sempre na sombra do inevitável Oliver Kahn.
Causará estranheza, portanto, a quem aferir os dados do currículo, observar que num SL Benfica instável (que terminou a Primeira Liga no quarto posto) não tenha conseguido ultrapassar a concorrência de Quim – somou 1 jogo apenas, em substituição deste numa partida para a Primeira Liga. Estávamos em 2007 e poucos adivinhariam que seria ele a sofrer o bis de Milito naquela noite no Bernabéu, uns anos depois…

4. Geovanni (2003/2004) – Depois do empréstimo para a segunda metade de 2002-03, a desvinculação junto do FC Barcelona proporcionou ligação permanente ao SL Benfica até 2006. “Soneca” para a massa adepta, que demorou a compreender a forma descomplexada como o brasileiro encarava as épocas: para marcar sempre aos adversários mais fortes, havia que se conservar em desafios de menor importância.
Marca em Alvalade na penúltima jornada de 2003-04, assegurando a qualificação para a Champions à lei da bomba. É ele quem assegura o golo do empate no Dragão, em 2004-05, jogo crucial para o título de Trapattoni. No mesmo ano, alia-se a Simão e elimina o Sporting CP da Taça de Portugal (naquele elétrico 3-3), e é dele o golo que elimina o grande Manchester United FC de Alex Ferguson no ano seguinte, num salto à peixinho que pôs a Luz em delírio.
A Inglaterra chega em 2007, para representar os rivais da cidade – no Manchester City FC estreia-se frente ao West Ham United FC com um golo. Na semana seguinte, outra vez o Manchester United FC pela frente e outro golo, desta vez num remate fora da área. Mas ainda não acabou: no ano seguinte é contratado pelo Hull City FC, acabado de subir pela primeira vez na história à Premier League. Não é preciso dizer quem marcou o primeiro golo de sempre, pois não?

5. Nuno Gomes (2002/2003) – Voltou a Lisboa de contrato na mão, depois da falência técnica da Fiorentina FC. O crescimento tático naquela Serie A, o melhor campeonato europeu à altura, retirou-lhe confiança com o golo – no SL Benfica, de 1997 a 2000, marca 71 vezes em pouco mais de 120 jogos, mostrando apetências fabulosas para a finalização.
No auge das suas potencialidades, viaja até aos Países Baixos selecionado por Humberto Coelho para o Euro 2000 e torna-se o melhor marcador da competição, o que lhe valeu o contrato italiano. Em Itália foi treinado por Fatih Terim e Mancini, partilhou balneário com Rui Costa ou Chiesa e aprimorou noções táticas, que o transformaram num portentoso jogador de equipa – o que lhe custou a proximidade com a baliza adversária.
Só Koeman, em 2005-06, o conseguiu espevitar nesse sentido, numa primeira volta portentosa com 15 golos, dois deles no Dragão, uma vitória encarnada na Invicta que não acontecia desde o bis de César Brito, em 1992!"

Andreas Samaris | O fim de um ciclo?


"A ausência de Andreas Samaris, quer do onze inicial quer da convocatória, começou a causar alarme aos adeptos benfiquistas. Para eles, o grego é um jogador indispensável, não só dentro do terreno de jogo, como também no balneário. O número 22 das “águias” é acarinhado pelos adeptos desde o dia em que chegou, e era uma aposta recorrente dos treinadores que estavam à frente da equipa, nas épocas passadas.
Esta época o caso alterou-se – só vestiu o “manto sagrado” nove vezes. Muitos questionavam se era “birra” de Jorge Jesus ou se havia um problema mais sério relacionado com o jogador. O certo é que, no dia 20 de fevereiro, na conferência de imprensa de antevisão do jogo frente ao SC Farense, Jorge Jesus decidiu dar uma justificação para a ausência do grego: “O Samaris tem um problema físico e há possibilidade até de ser operado”.
O que os benfiquistas mais temiam veio mesmo a confirmar-se: Samaris tem um problema físico e não vai jogar mais esta época. O SL Benfica esclareceu a situação do jogador, dizendo que este foi submetido com sucesso a uma cirurgia, em Madrid, tendo sido acompanhado pelo departamento médico da equipa, no passado dia 26 de março. A operação realizada tem como objetivo o “tratamento de uma tendinopatia cálcica insercional do Aquiles direito”, problema que já acompanha o jogador desde a época passada.
Importa frisar que o médio-defensivo recorreu às redes sociais para confirmar que não vai voltar a envergar a camisola das “águias” no que resta da presente época. No vídeo publicado, o jogador disse aos benfiquistas que este “é apenas um momento menos bom que faz parte da carreira de um jogador” e prometeu que, nos próximos meses, ainda que seja fora de campo, vai ser “sempre mais um, fiel a lutar e a honrar o manto sagrado”.
A questão que se coloca agora é “será que o final da carreira de Samaris está à vista?”. O jogador afirmou que vai “voltar melhor do que nunca”, mas será que volta para representar a equipa dentro das quatro linhas ou apenas como um jogador imprescindível para manter a paixão pelo clube e o espírito de equipa no balneário? Todos sabemos que a carreira de um jogador é curta e o médio já tem 31 anos. 
Katsouranis uma vez confessou que Samaris queria acabar a carreira no SL Benfica, clube que tem no coração mas, apesar do grego já ter demonstrado que essa hipótese é viável, isso é algo que lhe cabe apenas a ele decidir. Por agora a única coisa que os adeptos podem fazer é esperar que a recuperação corra bem e o mais rápido possível.
Ainda que o final da “era” de Samaris, enquanto jogador, possa estar à vista, ninguém tem dúvidas quanto à sua importância. Jogadores como ele são referências para os mais novos e para os que chegam ao clube e, por isso, devem ser “mantidos por perto”. Se o final da carreira se confirmar, há algo que não termina – a sua ligação ao clube e o amor que tem por este. Os adeptos podem sempre encontrá-lo no estádio, a apoiar a equipa, ou quem sabe, vê-lo a exercer outras funções no clube."

A presidência portuguesa da União Europeia e o desporto


"Os três primeiros meses da presidência portuguesa da União Europeia, no que ao desporto respeita, são uma desilusão. Não se encontra uma ideia, um projeto, um sinal de concertação e solidariedades no contexto do espaço europeu.
A pandemia não poupou ninguém nem nenhum país, devastou a generalidade dos sistemas desportivos dos países europeus pelo que era expectável que a concertação de uma resposta conjunta à situação estivesse na primeira linha das preocupações dos responsáveis europeus. Até ao momento, o que se constata, e que seja do conhecimento público, é que são vagas as referências ao tema na agenda política europeia, deixando ao critério de cada Estado o encontrar de soluções.
Um exemplo desta falta de liderança política da situação está no modo como se tratou a oferta das vacinas por parte do Comité Olímpico Internacional, que requeria uma convergência dos Estados membros no sentido de definir uma orientação que, entre outros passos, passaria pela avaliação por parte das autoridades de saúde europeia da vacina oferecida com origem na China.
Ora, como muito bem disse o coordenador nacional da task force nacional, é desejável "a aquisição de todas as vacinas que seja possível trazer ao processo português, desde que tenham qualidade, as garantias necessárias de reguladores credíveis e possam ser administradas em território nacional".
A própria retoma desportiva tem cambiantes distintas em cada país, determinada não tanto pela situação epidemiológica, mas por critérios de natureza técnica distintos, relativos ao grau de risco de contágio. 
Num quadro de enorme instabilidade para os sistemas desportivos dos Estados membros, a União Europeia manifesta-se incapaz de refletir sobre o problema e, por consequência, de estudar medidas comuns de redução dos impactos negativos ocorridos.
Temas como a Inovação no Desporto ou a Diplomacia no Desporto surgem na agenda da presidência portuguesa exprimindo preocupações que dificilmente podem secundarizar aquilo que neste momento é prioritário no espaço europeu: recuperar económica e socialmente os países, neles incluindo os respetivos sistemas desportivos. Na prática, foi construída uma agenda sem agilidade, longe de conseguir responder às necessidades impostas pela conjuntura crítica da pandemia. E políticas sem alcance prático não são mais do que exercícios retóricos fúteis e dispendiosos.
Justiça seja feita ao Conselho da Europa, cuja assembleia parlamentar se prepara para adotar uma resolução sobre a situação que se vive no desporto na Europa após a pandemia, tendo por base a moção "Políticas Desportivas em Tempos de Crise", curiosamente redigida por um deputado português.
Este trabalho tem como propósito desenvolver um plano de ação concreto sobre as consequências de longo prazo da pandemia na sustentabilidade do movimento desportivo europeu, com medidas destinadas a desenvolver políticas intersetoriais que promovam o desporto de base num ambiente seguro e protegido das ameaças crescentes à sua integridade e viabilidade económica.
Está em causa para o Conselho da Europa a salvaguarda do modelo europeu de desporto - que é hoje o maior garante para que a resiliência e demais benefícios da prática desportiva continuem a ser prestados junto da sociedade e dos indivíduos, particularmente os mais carenciados - e que está longe dos horizontes da presidência portuguesa, nomeadamente quando o tecido desportivo do país vive há mais de um ano sem qualquer medida extraordinária que acuda ou mitigue os efeitos imediatos da pandemia num dos setores mais atingidos por esta.
Pode ser que no segundo trimestre se passe das palavras aos atos e nos traga a inspiração que o primeiro não motivou sob pena de a presidência portuguesa da União Europeia se traduzir, para o desporto, numa oportunidade política perdida, adiando as expectativas de agentes e organizações desportivas que desesperam pelo tempo que há muito se arrasta para concretizar aquilo que se proclama."

Estranha mania das tangentes


"Não sei bem porquê mas parece haver no espírito do português um mórbido prazer na vizinhança da desgraça - em montar a tenda bem à beirinha do precipício.
Quando, na sequência do recente jogo com a Sérvia, perguntaram ao seleccionador-treinador como explicava a passagem de uma primeira parte quase perfeita para uma segunda de aflitos, ele, simplesmente, respondeu: “não sei explicar...tínhamos tudo preparado “.
Aqui vai uma ajudinha: nessa exaustiva preparação se incluiu a enfática verbalização dos nomes dos jogadores sérvios - quase todos!- que, para o nosso treinador, constituíam sério perigo para as nossas cores. Pois é, tem-se aquilo que se teme. É aquilo a que os psicólogos chamam “profecia auto-realizada”.
Depois, sabem, parece, de facto, haver em nós um gosto esquisito, quase perverso, pela tangente: quando as coisas estão bem encaminhadas, logo tratamos de as pôr assim-assim- esse tópico consagrado da nossa pegajosa mediania.
Não vou ao ponto de afirmar que o povo português do que gosta é de chicote, embora pareça por vezes, mas é certamente um povo para quem o prazer máximo parece residir no intervalo mínimo entre cada chicotada.
E o que mais me incomoda é pensar que nem sempre fomos assim: que o diga Cabral, Gama, Bartolomeu Dias ou Fernão de Magalhães. Se assim tivéssemos sido sempre não teríamos vencido em São Mamede, Atoleiros ou Aljubarrota.
Então, o que é que nos terá tornado assim tão íntimos da tangente lamentosa? O desastre de Alcácer-Quibir? O terramoto de 1755? (Voltaire viu nele um trágico abalo no optimismo que a Enciclopédia tão ufanamente ostentava), terá sido a decepação do braço imperial, a separação política do Brasil?, o regicídio da Rua do Arsenal?, o assassinato do Sidónio, a esperança do povo? Que coisa é essa que parece impelir-nos para os braços de uma triste sina? O fado? Ou o fado é já ele consequência de assim sermos?
Naquele famigerado jogo de Belgrado, tínhamos tudo tão certinho e até fizemos um golo que não valeu nos últimos instantes... 
Mas este episódio tão ao jeito da nossa clássica propensão para assumir o papel de vítima faz-me lembrar aquela viúva fingida que, com ar compungido, se compraz em ser engolida em abraços e condolências- é o seu secreto consolo.
Imagine-se que até de Espanha surgiram manifestações de solidariedade com o inconsolável Cristiano - não por ele ser nosso, mas por o considerarem deles!
Enfim, não havia necessidade de nos expormos assim tão descaradamente à universal compaixão: bastaria que, em vez do medo de perder, tivessem interiorizado a certeza de ganhar. Mas falta-nos assumir o pleno estatuto de comensais do céu: achamos sempre que algo de infernal nos espreita.
Mas se na Escola de Sagres se tivesse implantado o medo do Adamastor, nunca Portugal teria sido o primeiro campeão mundial da globalização.
Os nossos treinadores não há meio de se convencerem que não é verbalizando, com erudita clarividência, os perigos que deles se livram, bem pelo contrário - é a maneira mais indefectível de os atrair.
Entretanto, revolvemo-nos no prazer espúrio de uma generalizada compaixão que mais não faz que confirmar-nos no nosso atávico sentimento de uma resinosa pequenez. Pensemos alto e ir-se-nos-á essa estranha mania das tangentes.
Somos bons em exercícios de equilíbrio instável: nosso meio de vida é a corda bamba. Mas, cuidado, não vá escorregar-nos o pé e cairmos no buraco, buraco que segue a nossa sombra."

José Antunes de Sousa, in A Bola

Quatro cavalos e um português


"Ruy Lopez, um dos grandes do xadrez de todos os tempos, aprendeu muito com Pedro Damião, um boticário de Odemira que teve de fugir para Roma...

Zafra não fica longe e vale a pena lá ir. É assim como ir a Badajoz, virar à direita e descer um bocado. Chamam-lhe a Pequena Sevilha. Quando o Papa Pio IV resolveu chamar a Roma Rodrigo Lopez de Segura, mais conhecido por Ruy, este não deixou de revelar algum espanto. A missiva só indicava: «Assuntos eclesiásticos». Gaspacho! Cabia um nunca mais de coisas em assuntos desse género. Fez-se à estrada. Afinal Papa era Papa e, em 1559, podia esperar-se tudo de um Papa, até uma ordem azeda de um desanque valente de chicote no lombo. Ainda por cima, Pio IV não era apenas Papa, era um Medici, Giovanni Angelo Medici, da Casa dos Medici, de Florença, gente que nascera sem nobreza acoplada mas fizera fortuna à base do comércio de têxteis e acabaram por se tornar líderes hereditários do Ducado de Florença, pouco tempo depois elevado a Grão Ducado. Não valia a pena embirrar com um Papa, ainda por cima Medici, vamos e venhamos. E sair da modorra de Zafra também não deixava de ser uma aventura para um rapaz como Ruy que tomara recentemente as vestes de pároco e estava à beira dos 20 anos.
Os seus pais não nadavam em dinheiro. Eram comerciantes acomodados, com um palacete na Plaza Grande, e o jovem Rodrigo ia-se entretendo com as confissões das moças da zona na sua função de clérigo da paróquia de Candelabria. Veio a descobrir, já em Roma, que o apelo papal não tinha grande coisa a ver com a sua maior ou menor proximidade com Deus, com Cristo, com o Espírito Santo ou com os Santos Óleos. Pio IV queria era que Ruy Lopez lhe ensinasse os segredos mais profundos do jogo que apaixonava a Europa da época – o xadrez.
Ruy Lopez é um nome que não escapa a nenhum amante da arte dos 64 quadrados brancos e pretos (e se alguém não gostar que chame pretos aos quadrados pretos, procure arranjar um tabuleiro com quadrados de outra cor) e o livro que publicou em Alcalá de Henares, no ano de 1561, é obra obrigatória para estudiosos e não só: Libro de la Invención Liberal y Arte del Juego del Ajedrez, Muy Útil y Provechosa Para los que de Nuevo Quisieren Aprender a Jugarlo. O Papa leu-o, mas não percebeu grande coisa, o que não revela propriamente tacanhez na compreensão mas talvez distrações a mais. Além disso, não fazia tensões de desafiar o padre Ruy. Queria, isso sim, pô-lo a jogar contra Giovanni Leonardo di Bona, também conhecido como Giovanni Leonardo da Cutri e apelidado simplesmente de Il Puttino, O Menininho, considerado o melhor jogador de toda a Itália.
Imagina-se que Pio IV tenha ficado ligeiramente desapontado por Ruy Lopez haver ganho facilmente a Giovanni. Uma vitória inequívoca de um fulano que estudara profundamente a obra de um dos seus antecessores, português de gema, nascido em Odemira em 1475, Pedro Damião, ou Damiano de Odemira, um estratega de altíssimo calibre e um dos primeiros problemista de xadrez, isto é, criador de situações complicadas sobre o tabuleiro que exigia aos seus alunos que resolvessem. A vida correu-lhe mal do Guadiana para cá. Boticário, cristão-novo, escapuliu-se sem dar cavaco para Roma, fugido dos sicários de D. Manuel, onde o deixaram à vontade para trabalhar noutro livro importantíssimo e que Rodrigo sabia praticamente de cor: Questo Libro e da Imparare Giocare a Scachi: Et de Belitissimi Partiti (1512).
Inconformado, Pio IV voltou a colocar Ruy Lopez e Il Puttino frente e, mais uma vez, o resultado se repetiu. Ao perceber que o seu representante mais encarniçado se deixava enlear pela magia da Abertura dos Quatro Cavalos, conhecida por Abertura Ruy Lopez ou Abertura Espanhola, o Papa, teimoso como um Papa, fez avançar Paolo Boi, Il Siracusano, filho de gente rica, afilhado preferido do Duque de Urbino, e que esteve em Lisboa, em 1577, para demonstrar na corte de D. Sebastião toda a sua sagacidade na movimentação das pedras. Rodrigo não fez cerimónias e bateu-o com uma perna às costas. Então, Pio IV desistiu. A ideia, parecia-lhe agora, não fora das tais coisas...
1575: eis que Felipe II resolve, como dizem os italianos, stuzzicare o Papa. Isto é, dar-lhe umas bicadas. Em Madrid, no Escorial, reuniu os quatro maiores xadrezistas da Europa para um torneio. Apresentaram-se os inevitáveis Ruy Lopez de Segura, Leonardo da Cutri e Paolo Boi, aos quais se juntou Alfonso Céron, um sacerdote de Granada que também deixou um livro entretanto desaparecido, escrito em latim: De Latrunculorum Ludo, algo como ‘Do Jogo de Xadrez’. Muitos consideram que esse foi o primeiro campeonato do mundo de xadrez. Da Cutri rebelou-se e saiu vencedor. Recebeu mil ducados de prémio, uma capa de arminho e o seu lugar de nascimento foi poupado a impostos durante vinte anos. A Abertura Espanhola de Ruy fora derrubada pelo Gambito do Rei de Il Puttino. Pio IV podia morrer descansado não se desse o caso de já ter entregue a alma ao criador dez anos antes. Partiu antes do tempo."