quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Diz-me como comunicas...


"Muito se tem falado, nas últimas semanas, sobre comunicação e exercício da liderança no desporto. De facto, num tempo em que a imagem tem uma força arrebatadora e os "bons maquilhadores" conseguem reproduções mais interessantes que o próprio original, a forma como se comunica ganha um peso desmedido porque tem o condão de alterar e criar novas personas. Dar-lhes uma nova aparência, uma nova forma de estar, uma nova face.
Mais que isso, comunicar pode ajudar a manter passageiros alinhados em carruagens bem encarriladas, a serpentear no trilho da locomotiva em direção ao destino desejado ou, pelo contrário, promover tímidos avanços com paragens recorrentes em todo e qualquer apeadeiro para possibilitar a evasão de passageiros entediados com a viagem.
Quando grandes referências na área das ciências sociais apontam a arte de comunicar como componente-chave para o exercício de uma boa liderança e classificam a assertividade como a habilidade emocional mais valiosa no relacionamento com os pares, nomeadamente, em atividades de grupo ou em equipa, torna-se demasiado evidente a importância da forma como transmitimos as nossas ideias aos membros de determinada agremiação.
Em algumas áreas do nosso desporto facilmente observamos o efeito da comunicação no ambiente externo às organizações, mas no que respeita aos resultados para dentro, isto é, para os elementos constituintes das equipas, não temos como retirar conclusões, a não ser através da resposta competitiva e, na verdade, é mesmo o que resulta para os atletas das intervenções dos líderes que aqui nos interessa analisar.
Conhecemos bem os estratagemas de comunicar para dentro através de mensagens largadas no exterior, mas também reconhecemos que haverá poucos a quem agrade a lógica do "recado", principalmente após prestações menos bem conseguidas.
Ao atleta, esta é uma tática que não agrada nem um pouco, principalmente quando esse descrédito vem precisamente por quem deveria ser o bastião da crença no grupo. O jogador prefere lidar com uma situação de adversidade, estando consciente dela, ao invés de viver numa ilusão envenenada criada pelo seu próprio líder. Atualmente, estratégias de comunicação ilusórias, assentes em relações erráticas, simplesmente, não têm mais lugar porque a sociedade produz indivíduos cada vez mais informados e conhecedores.
Hoje, os atletas têm acesso ao mundo num abrir e fechar de tela digital. Os jogadores de futebol são atualmente indivíduos bem diferentes do meu tempo e não têm nada que ver com os jogadores da época dos nossos pais. São jovens interessados e consumidores furtivos de informação.
Andar em surdina a prometer o lugar no onze a todos os elementos da mesma posição para que em cavaqueira de estágio os atletas notem que afinal não podem jogar os três guarda-redes, nem os quatro pontas de lança como lhes havia prometido o treinador, já não colhem os melhores resultados, junto de atletas que, por vezes, apresentam uma estrutura cognitiva, ética e moral mais consistente que outros elementos técnicos constituintes da equipa.
Podemos analisar uma comunicação e reconhecer nela uma clara tentativa de passar mensagens. Outra situação, é conseguir que esse propósito obtenha validação junto dos destinatários a quem elas se dirigem. Aqui, entramos no campo onde se joga toda a diferença e, talvez por isso, a temática tenha conquistado honras de horário nobre nas discussões do esférico.
Creio que alguns agentes desportivos ainda não perceberam esta realidade e continuam a comunicar com base em estratégias obsoletas, com recurso a manhas pouco eficazes, recorrentes em clichés e lugares comuns e, em muitas ocasiões, com ausência de verdade.
Afianço que, no geral, a opção mais acertada para comunicar será sempre a que tenha por base a realidade concreta, ou seja, a verdade. No caso particular dos desportos coletivos, se conseguirmos juntar clareza, honestidade e frontalidade, será perfeito. Se, para além de ajustar estes condimentos, tivermos a arte de simplificar e tornar a comunicação limpa e liberta das amarras da linguagem própria da cultura de balneário, teremos a receita completa.
Ainda assim, existirá quem questione onde ficariam então os tão propalados "mind games" que, no nosso território são, normalmente chancela de habilidade na gestão de balneários e reveladores de pura ratice na gerência de relacionamentos. Pois, tendo em conta as já conhecidas abordagens comunicacionais, acredito que simplificar já será um verdadeiro e estrondoso jogo mental pela diferença que transporta ao nosso contexto futebolístico. Atuar sob a égide da simplificação é fazer muito diferente do que estamos habituados em terras lusas. Seguramente, ser claro direto e honesto poderá ser o mote para tornar tudo mais óbvio e todos mais satisfeitos. O público em geral teria acesso à compreensão do futebol numa linguagem não exclusiva do relvado, os adeptos lidariam frontalmente com projetos e técnicos que muito rapidamente deixam de o ser, os jornalistas poderiam finalmente fazer questões com ligação ao que se passa na relva, os treinadores falariam sobre o que realmente pensam e não apenas sobre alguns momentos do jogo e os atletas ficariam a saber que talvez não sejam os melhores do mundo no instante em que ganham, mas muito provavelmente também não são os piores quando perdem na semana seguinte, isto porque na ausência de rodeios ou contorcionismos, os seus líderes sempre lhes fariam sentir que todos contam a todo e em qualquer momento."

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