domingo, 12 de dezembro de 2021

Bancadolândia


"Escrevo entre o que foi e o que será. Frio, o desenlace no dérbi, no Estádio da Luz, engelhou as melhores expectativas estimadas para a jornada 13 da Liga Bwin. Se nos momentos de sucesso valorizamos e, tantas vezes, simplificamos o principio, meio e fim, nos episódios de glória adiada escalpelizamos tudo, especulamos acima das nuvens da objectividade e alvitramos mil e uma hipóteses para decifrar os porquês do irritante percalço, da fatalidade que corrói até à azia, do sorriso desertor.
Seja qual for o tamanho do conhecimento, a perspectiva que se traça a partir da bancada, a quente, nos vapores das emoções, é normalmente rica em conclusões absolutas e inexpugnáveis, quase sempre convertíveis em dedos bem afiados e apontados numa ou em várias direcções enunciáveis. É, sem dúvida, uma das singularidades do futebol, onde os desfechos favorecem diagnósticos que dispensam racionalidade, factualidade e contraditório.
No caudal dos pensamentos fáceis, também fiz o 'exame de consciência' naquele período sucedâneo em que o gosto por este desporto e as impressões assentes na experiência e na observação têm matéria capaz de desconcertar o mais empedernido. Neste exercício, dispensando-me de escrutínios de cariz técnico ou tático, agarrei-me à alma e às suas intermitências.
Na demanda do que deveria ter corrido melhor, tenho de confessar que, muito para lá da ineficácia ou da folga que a fantasia conheceu naquela noite, do que mais senti falta foi de chispa. Aquela efervescência positiva que se reflete nos mais diversos duelos, nas divididas, nas faltas inteligentes, nas acções de pressão, aquele trovão que induz a que se dê mais, mais, e mais, que leva à transcendência e fornece energia para num repente virar a mesa, ou, transpondo para os relvados, que impulsiona a mudança do cariz de um dérbi ou de um clássico e que remete para desenvolvimentos e finais felizes.
Quando há chispa, há agressividade, há ligação directa com as bancadas, há cliques que transformam enredos e moldam heróis, há gritos do Ipiranga que transitam da história universal e se reconstroem, em sentido figurado, na história do futebol. Improvável, todavia, é o êxito quando calçamos botas de seda ou de algodão."

João Sanches, in O Benfica

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