sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Bancadolândia


"O digital comanda a nossa vida, mas ainda sabemos que amarrotar ou rasgar uma folha de papel é uma acção banal. Claro, nestes dias, é o reconhecimento, mas das sombras destas linhas saem o dever e a obrigação de valorar quem nos dá lições, quem nos ensina e ambicionar, a competir, a querer alcançar.
Homem que se orgulha das suas raízes, Pimenta dispensará odes de violino, aquelas inebriantes que bailam no éter nos momentos airosos, estimuladas pelo ressoar das façanhas ou da dimensão planetária dos conhecimentos. Mas, a caminho das 110 medalhas, será digno de um aplauso universal por conjugar valores e qualificativos como humildade, respeito, desportivismo, competitividade e paixão, entre outros. Ele trabalha, luta e esgota-se; ele ama o que faz e valoriza o símbolo que carrega ao peito; ele é admirado pelos adversários, triunfa e, retenhamos isto, educa!
De facto, Fernando 'Aquela Máquina' Pimenta é um dos educadores de excelência que temos no desporto nacional, uma inspiração que toca o céu, mas não esquece, nunca, o seu chão. É o que dizem os seus actos e as suas palavras. 'Sou uma máquina? Sim, mas com pernas e braços que muito trabalham', admite o canoísta.
A pulso, com sacrifícios e privações, fez-se um vencedor, um manual para quem almeja. No último fim de semana voltou a entrar nas nossas casas via TV, com vigorosas pagaiadas, e a conquista do título mundial em K1 1000 foi arrepiante!
Após cortar a meta, ergueu o braço direito, esticou o indicador e desamarrou um grito das profundezas do seu ser que talvez lhe tenha aliviado o nó na garganta que perdura desde os Jogos de Tóquio, onde foi bronze, mas podia ter sido ouro. No pódio, em Copenhaga, houve ainda lugar a uma cortesia espontânea. A fita da medalha de Pimenta descompôs-se quando se ia ouvir A Portuguesa, mas, ao lado do campeão, o bielorusso Aleh Yurenia, um dos vencidos na final, ofereceu-se para 'costurar' uma solução em segundos e, já com o hino a pedir licença para ecoar, 'salvou' a consagração do professor que ensina a vencer. Tudo dito!"

João Sanches, in O Benfica

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