sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Há sempre formas criativas de abordar os mesmos (ou outros) temas, de outro prisma. Duarte Gomes lança um desafio à imprensa


"Não é segredo para ninguém que a generalidade da imprensa portuguesa (não toda) vive dias difíceis.
Qualquer pessoa minimamente atenta já percebeu que o problema existe há vários anos e que a pandemia veio apenas aprofundá-lo. Torná-lo mais visível, mais exposto.
Essa quebra progressiva tem várias razões subjacentes. Razões internas e externas, estruturais e conjunturais. Mas o que é mais preocupante é que trouxe desvantagens imediatas a todos os níveis.
Há instituições com pergaminhos e décadas de história que têm o seu futuro imediato em risco; há centenas (milhares?) de profissionais (jornalistas, repórteres, fotógrafos, editores, etc) que foram paulatinamente dispensados, deixando para trás anos e anos de lealdade à casa-mãe; e, claro, há também a questão da diminuição da qualidade do produto, em si. Ninguém faz mais com menos.
No meio dessa luta pela sobrevivência, pela busca do equilíbrio ideal, um dilema adicional: a necessidade de vender com urgência, de vender muito, é quase sempre inimiga da responsabilidade (deontológica) de fazer bem.
Importa sublinhar, no entanto, que essa não é uma realidade transversal: há quem faça muito e faça bem e isso é algo elogiável. No entanto, na maioria dos casos, a linha que separa as duas "margens" parece estar cada vez mais esbatida.
Independentemente de outro tipo de discussões que podem e devem ser levantadas a este nível, parece-me fundamental que, internamente, cada órgão de comunicação social arrisque mais na qualidade em detrimento da quantidade.
Em tempos desafiantes, é preciso manter a coragem de criar conteúdos positivos, construtivos e pedagógicos, mesmo que isso não traga retorno a curto prazo.
A verdade é que as pessoas ouvem, vêem e lêem aquilo que lhes vendemos. Se lhes vendermos apenas "sexo, violência e bola", elas consumirão "sexo, violência e bola".
A imprensa cria hábitos, tradições. Cultura. 
Não basta dizer que o povo só quer ver isto ou aquilo, porque na verdade o povo quer aquilo que recebe sistematicamente. A meu ver, também cabe à imprensa a "responsabilidade" deontológica de mudar hábitos e educar pessoas, através de informação séria, com qualidade e verdade, em detrimento da sensacionalista, corrosiva ou nem sempre verificada.
Percebo perfeitamente as dificuldades que sentirão alguns jornais, rádios e televisões (nesta fase da minha vida, sou particularmente solidário com todos eles), mas continuo a achar que o único caminho é esse.
No caso do futebol por exemplo, somos "invadidos" diariamente pelas mesmas notícias, passadas em cinco, seis canais diferentes em simultâneo: diretos de conferências de imprensa, análise aos diretos de conferências de imprensa, debates pré-jogo, debates pós-jogo, análise de mercados e transferências, de rumores, de diz que diz, de arbitragens, enfim... um saco cheio do mesmo que, por muito relevante que seja, vence pelo cansaço. Esgota a paciência bem-intencionada de quem vê e ouve a mesma coisa cantada de forma diferente, dia após dia, semana após semana, época após época.
Está na hora de fazermos mais. De fazermos diferente.
Ainda que os conteúdos e protagonistas mais valiosos estejam quase sempre vedados à imprensa, logo às pessoas (outro assunto que deve ser discutido a sério), há sempre formas criativas de abordar os mesmos (ou outros) temas, de outro prisma. Com outra luz, com outro olhar. Com novos ângulos.
Não sei se por falta de paciência, se por pura acomodação ou se por receio de perder nos números, mas a verdade é que a coisa não parece andar.
Tenho a convicção plena que o primeiro a arriscar nesse sentido vai colher mais e melhor do que todos os outros. Mesmo que demore mais, mesmo que invista mais.
Fica o desafio."

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