domingo, 27 de junho de 2021

Euro (2)


"Na semana passada versei sobre a indiferença que sinto pela selecção e obtive várias reacções, umas de estupefacção, outras de aprovação por razões erradas.
Sobre as primeiras, faço notar a irracionalidade do vínculo emocional no desporto. E se este é válido para a pertença, por que razão não o há-de ser também para o alheamento por muito que nos impinjam patriotismo artificial a roçar, na mensagem, o nacionalismo? E quanto às segundas, reafirmo que nada me move contra. Embirrar com esta ou aquela figura ou desaprovar isto ou aquilo na Federação não me condiciona. Se Portugal vencer, tanto melhor. Só que não tenho nada que ver com isso, tanto me faz.
Retrospectivamente, a minha indiferença terá começado na percepção de que Portugal não contava para o Totobola. Acresceu, em determinada altura, o escasso contributo benfiquista e o entendimento da selecção de tratar do pináculo dum futebol português podre. Depois uma certa arrogância, reconheço, por achar caricato haver tanta gente que, a cada dois anos, se tornava adepta de futebol 'a equipa de todos nós'. Mas também um princípio: para mim não há 'equipa de todos nós' se no todo se inclui quem manifestamente desprezo, não quero misturas.
Depois, em 1996, irritou-me a turba lusa, repleta de neoconvertidos ao futebol, reduzir à sorte a magnífico gesto técnico de Poborsky frente a Portugal. E, em 2004, apesar de ainda freneticamente entusiasmado com alguns golos portugueses, não senti qualquer tristeza pela derrota na final e guardei sobretudo indignação pela chantagem emocional de Scolari ao versar sobre patriotismo e a apelar por bandeirinhas (com pagodes) em cada janela. Foi o ponto final. E sinto pena: A alegria que teria tido em 2016..."

João Tomaz, in O Benfica

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