sábado, 24 de abril de 2021

Os melhores jogadores e a síndrome do criativo cansado


"Mehdi Taremi jogou só 30 minutos na eliminatória com o Chelsea e marcou um golo inesquecível. Devia ter jogado mais tempo na segunda mão, quando a equipa precisava de marcar várias vezes. A seguir resolveu na Choupana, exibindo a qualidade de predador que pressente o passo em falso da presa a cada jogo. E fá-lo muitas vezes. Foi, como nos lembramos, na argúcia do iraniano que começou a eliminação da Juventus, logo nos primeiros instantes no Dragão. Eficaz quando recua para dar soluções de passe sem que a envergadura lhe tolha a mobilidade, demolidor a atacar terreno livre (a famosa profundidade) sendo bem mais que um velocista, o iraniano tem sido o melhor avançado da Liga portuguesa. Sérgio Conceição diz que o Porto sofreu mais quando meteu os jogadores que o “povo” queria. Mas se o povo quer mais Taremi, aí é o povo que está certo. Os melhores jogadores devem estar sempre no campo e o Porto joga melhor com ele.
O Benfica também é sempre melhor com Taarabt, mesmo se tantos manifestam dificuldade em entendê-lo. Num país onde a ideia de tática parece reduzir-se ao momento defensivo, desvaloriza-se no marroquino o que faz (muito) melhor que a maioria dos outros e que é mais difícil de encontrar – sair da pressão, superar o rival mais próximo, ver mais campo na hora do passe, tomar a decisão certa - para se sublinhar cada momento em que perde a bola e ver nisso um pecado capital. Mas para que quero eu um criativo em campo se lhe censuro as ações de risco? Valdano disse um dia que tirar o drible a Robben era como tirar a bola ao futebol. Vou por aí. E não consigo disfarçar a incredulidade quando leio, na mesma capa de jornal, que o clube que tem Taarabt admite colocá-lo no mercado, ao mesmo tempo que negoceia a contratação de Lucas Mineiro, futebolista corpulento mas banal. É o mundo ao contrário ou o reino triste do futebol burocrático.
No Sporting, por exemplo, já vi elogiar quase todos os jogadores do plantel, nalguns casos com inteira justiça, que tantos renderam acima do esperado pela mão de Amorim: Adán, Porro, Coates, Nuno Mendes, Palhinha, Nuno Santos, Pote, Tiago Tomás, até Jovane. Dos robustos e velocistas não falta nenhum. Anoto uma ausência regular na lista dos encómios: João Mário. E todavia ninguém impulsiona mais a qualidade do jogar leonino que o criativo da camisola 17, porque a equipa encontra nele pensamento e pausa, e o jogo se torna menos dependente dos movimentos de apoio/rutura dos avançados ou do jogo de corredores dos laterais/alas. É com João Mário, e mais ainda se lhe juntarmos Bragança, que o Sporting joga melhor. No entanto, tal como Taarabt no Benfica, é um dos substituídos mais frequentes nas segundas partes dos jogos. Como se os menos talentosos, igualmente desgastados, pudessem acrescentar mais ao jogo. Um dia ainda irei entender essa síndrome do criativo cansado.
E entretanto não me canso de ver Ryan Gauld e Angel Gomes (suplente em Braga porquê?), aprecio a lucidez de Morita, delicio-me de novo com Gaitán (aquele centro para Fransérgio!) e vejo nascer um craque em Iván Jaime (atentem ao último golo em Barcelos). E acima de tudo isto há Messi. Continua a haver, felizmente, ao melhor nível, e a jogar na televisão lá de casa todas as semanas. Sem ser substituído, mesmo quando cansado."

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