sábado, 27 de fevereiro de 2021

Nem com Supergel


"Tenho uns calções que parecem o futebol português. São meio-acastanhados, caqui será o termo mais correcto, de acordo com os profissionais das tonalidades do pronto-a-vestir. Têm bolsos de lado, onde podem caber um bloco de apontamentos ou a carteira com documentos.
Lembro-me bem do dia em que os estreei. Fazia calor, estava a comer numa esplanada de praia, e uma porção de maionese escorregou ferozmente para meio da perna esquerda. Já fiz umas boas dezenas de viagens com eles. Na maior parte das vezes, trouxe recordações que dificilmente se esquecem: molho de carne junto à virilha direita, chocolate derretido na borda do bolso pequeno esquerdo e uns quantos rasgões ali bem perto de um dos joelhos, no bolso de trás e junto ao fecho.
Gosto muito de futebol, não tanto quando gosto do Benfica, mas acredito que estes calções são a clara imagem desta modalidade em Portugal. Tal como os calções, o futebol é um desporto que aprecio, mas que tenho cada mais dificuldade em consumir.
Face ao estado de degradação desta minha querida peça de roupa, já não a posso usar tantas vezes quanto queria, é cada vez mais para consumo interno: uso os calções no jardim, para andar em casa, porque as manchas já não saem, e, sinceramente, estão mesmo com muito mau aspecto para os exibir em público.
As nódoas do futebol português estão - também elas - cada vez mais entranhadas no tecido. O que se passa, em especial nesta temporada, já não tem remédio. Nem o Supergel (publicidade à parte), com os seus químicos destruidores de sujidade, conseguiria atenuar a enxovia actual da arbitragem da primeira liga. Só vejo uma solução: deitar fora os calções, comprar uns novos e aprender a comer sem me sujar."

Ricardo Santos, in O Benfica

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