sábado, 9 de janeiro de 2021

A minha camisola


"A primeira vez que vesti a camisola do Sport Lisboa e Benfica foi no meu quarto, em casa dos meus pais, sozinho. Tinha recebido o equipamento oficial da equipa de atletismo nesse mesmo dia e ainda não acreditava que aquilo estava mesmo a acontecer. Eram meados da década de 1990, eu tinha uns 20 anos e estava finalmente a presentar o meu clube.
Era uma camisola de alças, com o emblema bem destacado e aquele cheiro a novo que reconforta. Vestia-a durante duas épocas e posso garantir-vos que, em todas as vezes que entrei em pista para competir, encontrei sempre uma força suplementar naquela águia gloriosa. Quando as pernas me faltaram, pensei sempre que não podia envergonhar o emblema, o clube, a equipa, o treinador, os adeptos.
Uma vez no Norte, no estádio da Maia, calhou-me correr os 200 metros na pista 8, a mais próximo das bancadas. Fui cuspido por um energúmeno (adepto de vocês sabem quem) quando já estava na reta final, e isso só me deu ainda mais vontade de lhe esfregar uma vitória na cara.
Muita gente pode vestir a camisola do Benfica - seja pelos 37,50 euros mensais que eu recebia de subsídio de transporte, seja por 2, 6 ou 10 milhões de euros ao ano de ordenado -, mas senti-la não é para todos. Nos relvados, nos gabinetes, nos pavilhões, nos estúdios, nas pistas, onde quer que seja, vistam-na com respeito pela história e por quem a vestiu antes de vocês. Se não sentem nada quando vestem o manto sagrado, é porque não estão no sítio certo."

Ricardo Santos, in O Benfica

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