"“Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo,
eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.”
Carlos Drummond de Andrade
O ano de 2020 removeu-nos da imaginária “bolha de segurança” onde todos nos tínhamos colocado e acreditávamos estar, ainda que gerindo as nossas vidas (pessoas, instituições e sociedade em geral) com um conjunto de medidas e princípios focados no que pretendemos alcançar, maioritariamente, a curto... curtíssimo prazo.
Como se de uma espécie de “miopia galopante” se tratasse, a realidade é que o nosso “software” (na realidade, os valores base que a nossa cultura nos imprime) não contempla o investimento no tempo necessário para “focar” mais longe... mesmo quando esse “mais longe” se trata apenas de onde (e como pretendemos) chegar no espaço de um ano nas nossas vidas.
Tomamos decisões (reforço: nós como indivíduos, mas também as organizações e instituições que, em alguma medida, poderiam ter o conhecimento necessário para atuar de forma diferente) focadas no retorno imediato: ou no pico de adrenalina que vamos ter (com uma atividade ou, por exemplo uma venda), ou no vazio e anestesia que queremos preencher... ou até no “imaginado” aborrecimento/conflito que queremos evitar.
É que, em boa verdade, as decisões a longo prazo têm este “mas”... temos que saber esperar, muitas vezes gerindo a incerteza associada a não sabermos se foi a decisão certa, porque os “ganhos” (os resultados pretendidos) virão a médio/longo termo – e “isto”, na realidade este processo de regulação emocional, de capacidade em confiar nos recursos que temos e “saber esperar” (por isso mesmo, porque confiamos) que o produto das nossas ações se transforme em “resultado” é já, em boa verdade, demasiado exigente para a parca literacia emocional que possuímos.
E, por isso, aqui estamos... todos nós.
Este ano de pandemia transformou, por isso mesmo, e de uma forma demasiado “fácil”, a nossa vida num autêntico pandemónio – na nossa vida pessoal, familiar, profissional e comunitária – dando nota da fragilidade dos alicerces que construímos e que, outrora, imaginámos robustos.
O Que Esperar De 2021?
Publicado em 1977, no livro “Discurso de primavera e algumas sombras”, o poema de Carlos Drummond de Andrade, “Receita de ano novo” (em anexo a este artigo), identifica de uma forma muito clara o mecanismo que nos faz, a cada ano, sermos incapazes de atuar as ações necessárias para, de uma forma mais orientada, aumentar não só o controlo efetivo das nossas vidas, mas também consolidar o projeto pessoal e profissional ao qual nos gostaríamos de dedicar.
De facto, gerimos a nossa existência com uma enorme incapacidade em nos questionarmos a nós mesmos (ou às nossas organizações), no sentido de encontrar os padrões (cognitivos, emocionais e comportamentais) de sucesso que nos aproximam do que desejamos e, na sua larga maioria, os padrões de boicote e sabotagem (também eles cognitivos, emocionais e comportamentais) que nos afastam dessa realidade desejada, optando demasiadas vezes, por funcionar ou em “modo wishful thinking” ou a colocar a “culpa” no “outro” (seja ele um indivíduo – colega, chefia, marido/mulher – ou organização)... o que é sempre oportuno porque a responsabilidade fica de “fora”, convencendo-nos que não precisamos mudar nada em nós próprios.
Cingimo-nos, enfim, a rituais tontos e simbolismos ocos de ação que, atuados uma vez por ano – ou quando nos sentimos “à rasca” – dificilmente se transformam num plano de ações concretas que nos consigam remover do conforto conhecido (de que, curiosamente, nos queixamos repetidamente) para a incerteza desconhecida do que poderemos alcançar se nos envolvermos, de facto, de forma inteira, programada e realmente focada no que ambicionamos para nós – afinal, a única possível que nos ajuda a compreender e “escolher escolher” as decisões que, aparentemente mais desafiantes e, por isso, desconfortáveis a curto-prazo, nos podem transportar para o desejado a médio longo prazo.
Em Suma
Mais pandemia e pandemónio será de facto o que nos aguarda se, em boa verdade, não decidirmos (enquanto indivíduos e organizações) que a única via possível será ancorar o curto-prazo no longo prazo desejado, independentemente do desconforto que possa trazer no imediato.
Afinal, tal como Drummond de Andrade refere, a mudança que queremos reside necessariamente nas nossas ações e, por isso mesmo, temos que de facto “merecê-la”.
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama,
se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre."
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