terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Minutos finais e todos os minutos


"Respeito as críticas sobre o Benfica (...), o que contesto é o tratamento desigual e uma aparente 'agenda' compulsiva e sistemática

1. E tudo os minutos finais decidiram. O Sporting passa de vitória a empate. O Benfica vira de empate para vitória e o Porto ganha e agradece à barra. O Benfica encurtou de 4 para 2 pontos a diferença para os leões, mas se os encontros tivessem acabado uns minutos antes, estaria a 6 pontos. Uns brevíssimos minutos e o Benfica ganha 4 pontos na luta pelo 1.º lugar. É assim o futebol, em que todos os minutos são iguais, mas os derradeiros se apresentam, às vezes, como dramáticos. Umas vezes desesperamos, outras vezes ficamos esfuziantes. Desta vez, com a felicidade do lado do meu clube, num jogo, porém, pobre na exibição, diante de um Paços, que foi mais perigoso do que, em condições normais, são, na Luz, o Porto e o Sporting juntos.

2. Devo dizer que comecei a escrever esta crónica na terça-feira da semana passada. Ou seja, no dia seguinte à vitória do Benfica no Funchal. Não tanto para falar do jogo, mas para repudiar o modo como o jogo foi narrado e comentando na transmissão televisiva. Ainda o encontro não havia começado, e os comunicadores do canal já peroravam sobre a equipa encarnada, e incessantemente assim foi até ao fim do encontro, num autêntico massacre de má-língua. Ou porque joga mal, ou porque te jogadores que nada jogam, ou porque Jorge Jesus está silencioso, ou porque Jorge Jesus vocifera com os jogadores, ou porque não há soluções no banco, ou porque qualquer outra coisa que sirva para amesquinhar a equipa. Um festival de enviesamento, um despudorado critério jornalístico de uma parcialidade obsessiva, uma narração que, de tão centrada em dar ao Benfica, nem relatava fosse do que era o jogo jogado. Já não é nem a primeira, nem a segunda, nem a enésima vez que, nas transmissões que metam Benfica, se verifica uma parcialidade confrangedora. Mas, desta feita, ultrapassaram-se os limites da decência deontológica. Aliás, bem acompanhados no capítulo da realização. O penálti descarado cometido pelo guardião maritimista sobre Everton só foi repetido, envergonhadamente, uns bons minutos mais tarde, sendo que, no momento da falta, o narrador logo sentenciou que «Everton caiu sem qualquer irregularidade» (sic). Depois, na falta assinalada, na sequência da qual o Benfica marca o segundo golo, foi um fartote. Não custa aceitar que a infracção talvez devesse ser marcada ao contrário, mas a dezena de vezes que tal momento foi repetido, impedindo-nos até de ver o jogo que estava a decorrer, evidencia critérios desiguais para situações tendencialmente comparáveis. Houve momentos hilariantes. Um deles, prende-se com o golo do Marítimo. Mal a bola entrou, o narrador - excitadíssimo - anunciou que o SLB não sofria 10 golos nas primeiras 8 jornadas desde 1959. Foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça, não certamente por memória espontânea, mas tudo estava preparado com essa cábula para festejar tal feito. Outro, foi o muito tempo em que debitaram zombaria sobre Everton. Que não jogava nada, que foi muito caro, apondo-lhe o preço. Uma, duas, três, muitas vezes, até que o rapaz marcou um belo golo. Engoliram em seco e, calcule-se, a tal desilusão de jogador, no fim, virou o «homem do jogo».
Já dias antes, havíamos tido na SIC uma narração inenarrável do jogo em Glasgow. Sempre em tom depreciativo, disse-se sistematicamente mal do Benfica, do princípio até ao fim, e desvalorizou-se o valor do adversário, revelando, aliás, uma grande ignorância o má-fé. Recordo-me de que foi a narração do Rangers - FCP para a mesma competição no ano passado, com o resultado de 2-0 a favor dos escoceses. Disse-se então que a equipa portuguesa até jogara benzinho, que foi infeliz e ineficaz e que o mesmo adversário era uma equipa de respeito. Na altura, entendeu-se que a saída por lesão de Pepe no início da segunda parte foi determinante para a derrota. Deste vez, faltaram 8 jogadores por lesão ou impedimento no Benfica, e foi tudo normal.
Ao invés, o que podemos ouvir na narração de Hélder Conduto e no comentário de Rogério Matias no Benfica - P. Ferreira, na televisão do clube, foi exemplarmente sério e imparcial, quer na análise do Benfica, quer no adversário.
Observemos o contraponto com o FCP. Os portistas venceram em Marselha contra uma equipa vulgaríssima, sem chama e que perdia há 10 jogos seguidos para a Champions (deve ser recorde). Uma maravilha, estofo europeu, categoria e classe mesmo só rematando 3 vezes. Dias depois, o actual campeão nacional foi a São Miguel vencer por 1-0, tendo, além deste remate (excelente), só chutado mais uma vez à baliza do Santa Clara aos 89 minutos! E o que se disse, em comparação com os jogos do Benfica na Liga Europa e na Madeira? Tudo claro e categórico para um lado, tudo escuro fraquinho, para o outro lado.
Respeito as críticas sobre o Benfica, que, muitas vezes, as merece. O que contesto é o tratamento desigual e uma aparente agenda compulsiva e sistemática de profissionais que passam o tempo todo na festança de dizer mal, nem sequer dissimulando antipatias (e correspondentes simpatias) que lhes vão no coração e saem pela boca.
Também fora do campo, o Benfica é sempre notícia, mesmo de primeira página. Três-homens-três esperaram a saída do Benfica no aeroporto madeirense. Não ouvimos o que disseram, mas imagino o que bolsaram. E não é que foi manchete esta reacção de um «grupo» (sic) de benfiquistas! Valha-nos Nossa Senhora dos Remédios...

3. Na semana passada todo o meu texto foi dedicado à morte de Diego Maradona. No entanto, não esqueci um antigo jogador e um ainda treinador que, em Portugal, também desapareceram.
José Bastos, que nos deixou aos 93 anos. Não poderia ter memória viva do guarda-redes que esteve na conquista da Taça da Latina em 1950, tinha eu 2 anos. Mas, ainda me lembro dele quando era um miúdo e a televisão uma recém-nascida. Por acaso, numa partida triste, pois foi uma das poucas vezes em que vi o meu clube perder uma Taça de Portugal para o FC Porto por 1-0. Era Bastos o guardião encarnado. Já muito recentemente, pude ver na BolaTV uma notável entrevista que lhe foi feita por José Manuel Delgado. Uma entrevista que nos abriu a janela da sua vida pessoal e desportiva. Que descanse em paz.
Vítor Oliveira. Um verdadeiro senhor no mundo, por vezes tão sinuoso, do futebol. Não o conheci pessoalmente, mas sempre, o admirei, pela sua fibra, persistência, bom trato, razoabilidade e equilíbrio. Deixa-nos cedo, ele que - citando a feliz síntese d'A Bola - foi um treinador grande que nunca precisou de estar num grande. Talvez mesmo o único. Na minha crónica de 2 de Junho passado, pude escrever sobre Vítor Oliveira, no seguimento de uma entrevista de Jorge Pessoa e Silva ao então treinador do Gil Vicente. Uma entrevista que tratou, de um modo claro e assertivo, problemas crónicos que atingem o nosso futebol e com cujo texto me identifiquei substancialmente. Um sereno depoimento de quem viveu no âmago do futebol, sem hipocrisias, vaidades tontas ou umbiguismos. O futebol ficou mais pobre com a sua prematura morte.

ContraLuz
- Comunicação: Novos tempos na direcção da comunicação do SLB, com a magnífica aquisição do consagrado jornalista Pedro Pinto. Tenho agora fundadas esperanças de que se consolide no meu clube uma relação comunicacional competente, assertiva, não meramente reactiva, institucionalmente prestigiante. E há uma novidade: Pedro Pinto é um indefectível benfiquista.
- Novela: Depois de Cavani por via do irmão, temos a novela Lucas Veríssimo por via de um clube (Santos) sem rei nem roque, à deriva, onde a transferência de um jogador é aprovada ou reprovada por assembleias, direcções a prazo e conselhos fiscais numa mistura terceiro-mundista. Não há jogador que valha a pena negociar com o anarquismo decisório deste clube.
- Perguntas: Em Portugal, seja em que área for, está generalizado a má prática jornalista de emitir opiniões prévias à pergunta que se quer fazer. Sucedeu no Marítimo, com uma jornalista, que antes de fazer uma pergunta a Jorge Jesus, emitiu sentença prévia. Perante a reacção de Jesus, ouviram-se vozes indignadas, pois se tratava ed uma e não de um profissional, sempre recorrendo à correcção política da ideologia de género. Para uns, um desabafo unissexo é um pecado capital, para outros é má educação permanente perante qualquer pergunta incómoda é tão-só feitio, que se aceita ou até se enaltece.
- Comparação: O golo anulado a Coates em Famalicão é de difícil julgamento. Honestamente, acho que uma vez assinalado como válido pelo árbitro, a intervenção do VAR é duvidosa, porque seja qual for o ângulo de observação não há uma infracção categórica. Mas, aqui, só quero registar um ponto curioso: lembrei-me do golo decisivo de Luisão ao Sporting, em 2005. Na altura, sportinguistas disseram cobras e lagartos sobre o lance. Pois, mandaria a coerência que, em Famalicão, se aceitasse o veredicto arbitral de invalidar o golo, tal como, afinal, reclamaram sobre um (inexistente) contacto de Luisão com o guardião Ricardo. Mas, claro, no futebol emocional, todos interpretamos, os lances segundo as nossas cores..."

Bagão Félix, in A Bola

Um início bonito de Dezembro...


"Primeiro aniversário do Estádio da Luz. Festa que entusiasmou o público presente terminada com um jogo entre Benfica e Valência com vitória encarnada por 3-2. Apesar das baixas, os encarnados foram uma equipa de grande qualidade.

O Benfica estava em festa. Festa bonita, merecida: primeiro aniversário do Estádio da Luz. 'Magnífica demonstração de vitalidade evidenciada pelo clube das águias quando os espectadores puderem admirar, embevecidos, a esplêndida demonstração do seu trabalho em profundidade com a apresentação das várias classes de ginástica com bem mais de meio milhar de praticantes de ambos os sexos - crianças e adultos. Foi, sem dúvida, um aperitivo de excelente qualidade, e o número qualificativo de grandeza do clube que festejava o primeiro ano de uma obra gigantesca e admirável', embasbacava-se quem assistiu a tudo em directo, nesse dia 1 de Dezembro de 1955.
Claro que, em festas com esta, depois da demonstração das modalidades, há sempre uma piéce de résistance, isto é, um jogo de futebol que os adeptos pura e simplesmente não dispensam. Avançou o Valência, convidado especial. O futebol praticado foi do quilé! Jogo vivo, entusiasmante, com atributos técnicos de deixar muita gente de queixo caído, a embater no pescoço, e uma baba bovina a escorrer pelos cantos da boca, como gostava de dizer o grande cronista brasileiro Nelson Rodrigues.
Faltava gente aos benfiquistas. Coluna estava no Porto, integrado nos trabalhos da selecção militar que iria defrontar a Holanda; Jacinto, Caiado e Palmeiro, lesionados, não faziam parte das contas do treinador. Talvez por causa dessas ausências vários tenham sido também os ausentes, já que se encontravam, aqui e ali, umas clareiras por entre a massa de gente que acorrera à Luz. Não sabem o que perderam.

Um Benfica valente!
Logo aos 8 minutos de jogo, os adeptos benfiquistas saltaram dos seus lugares como se fossem impulsionados por molas. Salvador puxou a perna atrás e mandou, objectivamente, o pé às compras: um tiro de violência inaudita que fez a bola explodir na barra da baliza de Ramirez. O keeper do Valência ficou tão baralhado, que andou de cabeça virada, de um lado para o outro, na tentativa de adivinhar onde ela viria a cair, mas debalde. Caiu certinha no lugar onde Garrido se aprestou a fazer a recarga e o correspondente 1-0.
Felizes, nas bancadas, os sócios benfiquistas mostravam-se orgulhosos num conjunto que, apesar de desfalcado, se batia com um pundonor notável.
Mas o empate surgiu aos 21 minutos, por Buqué, num remate forte e rasteiro que apanhou Costa Pereira desprevenido.
O Benfica acusou o golpe. Durante alguns minutos, pairou a sensação de que a confiança inicial se tinha esfumado. Foi nesse período de descontrolo, com os jogadores desarrumados, que sofreu o segundo golo, por Badenes, que correspondeu a um centro preciso de Maño. O intervalo vinha mesmo a calhar. O público aproveitou para respirar fundo, e os jogadores, reunidos no balneário, retificaram as suas posições.
Foi, portanto, uma nova águia que apareceu na segunda parte. De tal forma o foi, que, logo aos 3 minutos, José Águas se elevou no meio da grande área valenciana vinda da direita. Empate restabelecido. Os encarnados iriam partir para um ataque feroz e irresistível!
As substituições de Pegado por Chipenda e, depois, deste por Rogério baralharam os espanhóis.
O Benfica pusera velocidade no seu jogo de tabelinhas progressivas e empurrava o adversário para o seu meio-campo. Parecia uma jibóia-constritora, tirando o ar à sua vítima, esvaziando-lhe os pulmões. O golo adivinhava-se, e chegou a 6 minutos do fim, por Cavém, pintando o resultado com justiça. A vitória encarnada fora indiscutível, sobretudo por via da excelência de exibição do segundo tempo. 'Não interessa o nome dos clubes', registava um cronista da época, 'interessa, isso, sim, o valor demonstrado pelos futebolistas do Benfica, que souberam, num alarde de força física e condição atlética, e mesmo de excelente execução técnica, superiorizar-se ao categorizado conjunto valenciano. Ficou, no meio que soube produzir a equipa lisboeta no segundo tempo, a valorização do futebol nacional no confronto com uma equipa do primeiro plano europeu'.
O dia fora longo. Mas os adeptos abandonavam a Luz felizes nesse dia inicial de Dezembro de 1955. Iam comentando as incidências dos acontecimentos, a alegria da festa misturada com a satisfação da vitória sobre um adversário espanhol. Vencer um clube vizinho nunca deixava de ser uma felicidade multiplicada por via da rivalidade eterna com muestros hermanos. Fazia frio em Lisboa, mas os grupos que se espalham pelas ruas em redor da Luz estavam-se nas tintas para o frio. Afinal, era precisamente para assistir ao que assistiram que se tinham dado ao trabalho de sair de casa."

Afonso de Melo, in O Benfica

Sinfonia n.º1 'Benfica': Opus Glorioso


"De forma inédita na história, o Benfica foi o primeiro clube 'a nível mundial a poder orgulhar-se de ter uma sinfonia'.

Em 1992, Tony Britten fez um arranjo de 'Zadok the Priest' (1727), de Handel, para servir de hino para a UEFA Campions League. Nos palcos portugueses, a união entre o desporto e a música erudita veio a surgir no Coliseu dos Recreios quando, na noite de segunda-feira, 19 de Setembro de 2005, o maestro António Victorino d'Almeida regeu uma orquestra de 80 elementos para a estreia da sua primeira sinfonia, de nome 'Benfica'.
A orquestra foi criada de raiz pelo próprio maestro, que revelou que 'ninguém acreditava que fosse capaz' de o fazer. Ao criá-la, permitiu que todos os benfiquistas vencessem 'por 80-0'.
A obra resultou 'do amor que o maestro tem no Benfica', nas suas palavras, uma 'prodigiosa fábrica de sonhos bonitos que sempre foi e continuará a ser'. Aproveitando os 'cem anos de conquistas gloriosas', a inspiração adveio da conquista do Campeonato Nacional de 2004/05, para além de ser uma homenagem aos jogadores que, na véspera, tinham derrotado o União de Leiria por 4-0, na 4.ª jornada do Campeonato Nacional.
À estreia assistiram cerca de 900 pessoas, entre as quais os presidentes da câmara de Sintra e do Seixal. A representar o futebol benfiquista estiveram o director-geral, José Veiga, e o treinador, Ronald Koeman, cuja gravata verde arrancou exclamações!
Luís Filipe Vieira, presidente havia quase dois anos, compareceu acompanhando da mulher. Lendas do futebol como Eusébio, Artur Santos, José Henriques, Palmeiro Antunes, Shéu e José Augusto apareceram a relembrar, alegoricamente, que no relvado apresentaram 'grandes sinfonias por muitos palcos do Mundo', afirmação convergente com a definição do maestro sobre a obra, que 'representa, psicologicamente, uma ligação viva e a todos os títulos emotiva, a muito daquilo que o passado me deixou de melhor'.
A própria águia Vitória, acompanhada pelo tratador, 'adorou o espectáculo. Esteve muito atenta e relaxada com a música'. Chegando à barra dupla do último andamento, os presentes levantaram-se, aplaudindo entusiasticamente, gritando 'Benfica', acompanhados pelo maestro que tinha a águia no braço!
À sinfonia sucederam-se actuações da pianistas Ingebor Baldazti e de Carlos do Carmo, que interpretou obras de compositores benfiquistas como Fernando Tordo e Paulo de Carvalho. Esta celebração, entre o desporto e a cultura, relembrou a sua indissociabilidade e o valor de ambos ao serviço da sociedade.
Venha conhecer a contribuição do Clube na cultura portuguesa na área 16 - Outros Voos, no Museu Benfica - Cosme Damião."

Pedro S. Amorim, in O Benfica

O Vietname do Benfica


""Miúdo, és de que clube?"
"Sou do Benfica"
"Do Benfica!?!?
Então como é que isso aconteceu?"
Tinha 14 anos e ainda me recordo deste diálogo com um senhor de idade, algures no ano de 1998. Ficou-me na memória por ver na sua cara um honesto espanto de como era possível alguém assumir ser Benfiquista naquela altura, ainda por cima sem ponta de vergonha. Vivíamos os tempos de Vale e Azevedo, com um Benfica em ruínas que só era notícia pelas dívidas ao Manchester United por Poborsky ou por aparecerem misteriosos patrocínios a equipas de pólo aquático em Itália. Vivíamos os tempos do "Vietname". Essa perfeita designação que Pedro Ribeiro, conhecido radialista, utilizou para descrever os anos mais negros da História do Glorioso, em que todos os adeptos da águia sentiram que tiveram que ir à guerra numa selva perdida no meio do nada com uma pedra e uma lança nas mãos e da qual ficaram a precisar de apoio psicológico para o resto da vida. Mas entretanto já passaram 20 anos e podemos falar sobre ele. Certo? É até terapêutico.
Como surgiu o Vietname? Até 1994 o Benfica era indiscutivelmente o maior e melhor clube Português. Mas de forma esmagadora. Nesse ano o clube tinha 30 campeonatos em 60 disputados, ou seja, tinha tantas ligas como todos os outros clubes juntos. Nunca tinha estado mais de 4 anos sem ser campeão. Era o único duas vezes Campeão Europeu. Era o Rei e Senhor do futebol Português. Mas os sinais de menor fulgor já se começavam a sentir. Após o 25 de Abril houve uma clara descentralização do país e aos poucos o centro de decisão do futebol Português começou a fugir de Lisboa para o Norte, principalmente com o aparecimento de um fortíssimo rival liderado por Pinto da Costa e José Maria Pedroto. E o Benfica, talvez convencido de uma natural superioridade que achava que nunca se perderia, respondeu a essa mudança de paradigma com megalomania, aumentando a lotação da Luz para 120.000 lugares e com um investimento desmedido na procura de novo ceptro europeu, como resposta ao título do FC Porto em 1987. Mas a verdade é que por mais que o Benfica comprasse Valdo, Ricardo Gomes ou Magnusson a hegemonia continuava a fugir. Não querendo entrar em polémicas que nem os tribunais conseguiram provar, mas por algum motivo equipas com Futre, Rui Costa e Paulo Sousa não conseguiam ganhar a outra com André, Kostadinov ou Domingos. Até que, tal como Ícaro que voou demasiado perto do sol, o Benfica tanto inchou que rebentou financeiramente. Jorge de Brito, o mecenas do Benfica no início dos anos 90, teve que retirar o dinheiro que graciosamente emprestava ao clube e veio o famoso "Verão Quente" de 1993: Paulo Sousa e Pacheco rescindiram contrato, Futre foi vendido à pressa e mais não saíram por um triz. Aberta esta fenda, o clube ainda fez uma época mágica com o inesquecível título de 93/94, mas a dupla Damásio - Artur Jorge veio associar um rombo desportivo ao rombo financeiro. Repare-se que quando Artur Jorge é despedido em setembro de 1995 já só sobravam 3 jogadores do plantel campeão em 1994: Kenedy, Hélder e João Pinto!
Mário Wilson virou o bombeiro de serviço para as crises da águia e ainda nos ofereceu uma tarde bonita no Jamor, com a conquista da Taça de Portugal em 1996, mas até essa foi manchada com o imperdoável very-light que vitimou um adepto Sportinguista. Seguiu-se Paulo Autuori com a sua famosa "tática do pirilau" que resultou numa manita histórica do Porto na Luz para a Supertaça e Manuel José que se tornou no único treinador da História do clube a ter menos de 50% de vitórias. E ainda perdeu uma final no Jamor para o Boavista. O clube estava em desespero e é nestas alturas que surgem os populistas com as promessas de mundos e fundos. Surgiu assim em cena Vale e Azevedo, com a garantia miraculosa de resolver todos os problemas financeiros do clube e ainda reforçar a equipa de futebol com Rui Costa e a espinha dorsal da Seleção Nacional. Bem sabemos que era tudo mentira e ainda mais afundou o clube. Foram 3 anos de desvarios, roubos, polémicas, contratos rasgados e a construção das equipas mais medíocres que há memória. Desde a "brigada do reumático" de Souness à miserável equipa que perdeu se...set...bom, algo que aconteceu lá para os lados de Vigo. Mesmo assim, tal é a força do populismo, foram necessários o apoio de Eusébio, a promessa de Jardel e um debate para maiores de 18 para convencer os Benfiquistas a mudarem de rumo. Manuel Vilarinho apareceu para salvar o Glorioso quando estava prestes a soar o bombo da derrocada final. Já com este, o clube ainda atingiu a pior classificação de sempre, um inacreditável 6º lugar, mas aos poucos as tropas começaram a fugir do Vietname. Simão Sabrosa foi o general dentro de campo, a que se foram juntando Ricardo Rocha, Luisão, Petit ou Nuno Gomes para terminar com a desastrosa guerra. Apesar de erros estratégicos crassos continuarem a ser cometidos (que poderiam ter feito o clube saltar imensos degraus) como a não contratação do já referido Mário Jardel ou a perca de José Mourinho para o FC Porto, e os pobres soldados continuarem a sofrer com alguns mísseis sem aviso (Gondomar, estou a olhar para ti), o Benfica alcançou dois segundos lugares consecutivos, prova de recuperação desportiva, e o armistício, a machadada final ao Vietname, foi assinada a um 16 de Maio de 2004, quando o clube regressou aos títulos, e logo contra a incrível Armada Mourinhista, prestes a ser campeã europeia. Naquela tarde no Jamor, sob o espírito de Miki Fehér, todos sentimos que podia ainda haver muito caminho pela frente, mas o pior tinha ficado para trás. Tanto que no ano seguinte acabou a travessia no deserto, com aquele título de Trapattoni. Esfarrapados, mas Campeões. Tinham passado 10 longas temporadas para o clube que nunca tinha ficado mais de 4 sem vencer
 Como foi referido no início do texto, já 20 anos passaram desde o Vietname, mas os seus efeitos ainda se sentem e muito. E a sua pior consequência acaba por nem ser os dez anos sem conquistas de relevo, algo que acontece a todos os clubes no mundo, mas sim o modo como alterou a perspectiva com que o clube é olhado, até pelos seus próprios responsáveis e significativa franja de adeptos. O clube que era o Rei e Senhor do futebol Português, que era julgado sob uma exigência extrema, os herdeiros de Eusébio que não podiam ficar um ano que fosse sem conquistas passou a ser um clube que já aceita com uma certa naturalidade perder títulos para o FC Porto, perder jogos para o FC Porto e que se compara muitas vezes ao Vietname para achar que o que existe agora já é bem bom. Que acha até uma ingratidão ou irresponsabilidade alguém dizer o contrário. O Benfica, que tem o dobro dos adeptos dos seus rivais (com o diferencial gigantesco que isso tem ou devia ter nas receitas) ainda arranja vinte anos depois desculpas no Vietname para justificar a incompetência da derrota do presente.
Uma nota final: No ano de 2000 o clube teve uma percentagem de vitórias de 50% e em 2001 de 43%. Quão assustador é verificar que neste ano de 2020 também só tem 57% de vitórias? Já me bastou um Vietname, Benfica..."

Deixem os miúdos jogar


"As respostas dadas até agora para a retoma da actividade desportiva têm ficado aquém das necessidades. É sabido que a privação da prática de desporto tem graves impactos na saúde física, mas também mental.

A pandemia está a ter fortes impactos na prática da actividade desportiva, apesar de ser determinante para a saúde e para o desenvolvimento. Adquire até uma dimensão relevante na actual situação epidemiológica, devido aos benefícios que traz para a melhoria do bem-estar físico, psicológico e social da população. Também é importante em termos de inclusão social, pois promove a socialização, a confiança e a autoestima, não se devendo ignorar o seu papel social e a sua função educativa.
No entanto, as respostas dadas até agora para a retoma da actividade desportiva têm ficado aquém das necessidades e até esqueceram o desporto adaptado, o que demonstra algum desconhecimento sobre a realidade desportiva em Portugal e pode pôr em causa o desenvolvimento das crianças e jovens, tendo em conta os graves impactos que a privação da prática de desporto pode representar para a saúde física, mas também mental.
Os últimos dados da PORDATA indicam que, em 2018, havia perto de 440.000 jovens a praticarem desporto federado em Portugal, a quem não está a ser dada a devida atenção, nem respostas concretas e coerentes. Não se consegue entender a dualidade de critérios das orientações da DGS, permitindo a retoma dos escalões seniores, mas proibindo os restantes escalões, em modalidades de médio e alto risco.
A realidade é que esta paralisação dura há nove meses e não tem ainda prazo para terminar, o que traz muita incerteza e pode levar à ansiedade, frustração e revolta, pois os atletas não podem fazer aquilo de que gostam e algumas destas repercussões apenas poderão ser mais bem compreendidas quando a pandemia terminar.
Não podemos ignorar que grande parte dos pequenos e médios clubes, associações desportivas e colectividades dependem muito dos escalões de formação, podendo correr agora o risco de fechar portas, levando à perda de trabalhadores, treinadores, formadores, entre outros. Podemos, por isso, dizer que está em causa a viabilidade dos clubes e associações, mas também da própria actividade desportiva, lesando milhares de pessoas, especialmente os jovens.
De resto, foi criado um grupo de trabalho para analisar os planos de adaptação das modalidades desportivas em conformidade com as medidas de prevenção da Covid-19, mas, até ao momento, não são publicamente conhecidas as suas conclusões.
Obviamente, ninguém quer que se descure a aplicação rigorosa das medidas de prevenção da doença, na fase de preparação, durante e após a realização das actividades desportivas, nem os riscos associados às diferentes modalidades, mas as crianças e os jovens precisam de retomar a prática desportiva e as competições.
Não se pode adiar mais. Há um esforço conjunto que tem de ser feito para conciliar a parte desportiva que, como já vimos, é muito mais do que desporto, com a garantia de protecção da saúde pública, minimizando o risco de propagação de Covid-19, com o objectivo de, dentro do possível e em contexto de pandemia, evitar consequências negativas mais duradouras para os atletas."