terça-feira, 27 de outubro de 2020

Invictos!

Benfica 32 - 21 Madeira SAD
(19-10)

Mais uma vitória... Estamos a cumprir os objectivos nos jogos 'fáceis' vamos ver como nos vamos comportar nos jogos a 'sério'!!!

Precisa-se de videoárbitros exclusivos


"Tem vindo a crescer por todo o mundo o rol de criticas às actuações do videoárbitro (VAR) e Portugal também não é excepção. Muito porque o protocolo limita, e de que maneira, a forma e o nível de intervenção, mas também porque quem faz de VAR se autolimita na sua própria actuação, escudando-se, sistematicamente, na questão do eventual erro cometido pelo árbitro em campo não ser “claro e óbvio”. Ora, isto continuará a ser assim enquanto forem árbitros no activo a fazerem de VAR, pois sabem que agora estão na sala, mas duas ou três semanas depois estão no terreno, cara a cara, com essas mesmas equipas, e também porque esta função exige uma especialização, uma formação e, sobretudo, uma exclusividade de função. Perante tudo isto, quanto mais se ficar em silêncio e menos se souber como é que o VAR comunica e intervém, maior será sempre o ruído e maior será a suspeição que recai em torno do sector de arbitragem, já por si tradicionalmente marcado pelo manto da dúvida, da suspeição e da obscuridade.
É por isso que uma das federações mais fortes, poderosas e inteligentes ao nível da organização e funcionamento, a federação alemã de futebol (DFB), criou uma conta no Twitter, que explica lance a lance as decisões do VAR na Bundesliga. Em situações cuja decisão demore mais tempo, a DFB publica em directo as imagens da sala do VAR com o som da comunicação entre árbitro e videoárbitro. Simples, fácil, eficaz, aberto, sem nada a esconder, elucidativo e, sobretudo, honesto, uma medida que defendo desde a criação do VAR. Assim haja coragem, bom senso e, sobretudo, visão e proactividade para que em Portugal se faça o mesmo, ou seja, agir e não reagir.
E, a propósito de VAR, nesta jornada o grande caso de jogo chega do Algarve. No primeiro minuto do Farense-Rio Ave, Ryan Gauld, chega claramente primeiro à bola, rematando e obtendo golo. O árbitro apitou antes do esférico entrar na baliza por considerar falta atacante sobre o guarda-redes vila-condense. Ora, as imagens são claras: não só não houve falta do jogador algarvio como foi o guardião dos forasteiros que, saindo em tesoura, fez, claramente, penálti.
Se no terreno de jogo e em movimento normal é fácil o árbitro errar na análise do lance – sei por experiência própria –, ter interrompido o jogo não esperando o finalizar do remate é um erro de palmatória, pois assim invalidou a possível intervenção do VAR a posteriori. Por coincidência, até houve um penálti claro e óbvio, o que dava uma “segunda vida” à intervenção do VAR, que, mesmo assim, não reverteu a falta atacante e o respectivo livre directo contra o Farense, naquilo que foi um muito claro e muito óbvio penálti a favor dos algarvios – o que seria um mal menor para evitar o que foi um golo limpo e legal.
No FC Porto-Gil Vicente, minuto 56, penálti bem assinalado a favor dos “dragões”, após intervenção do VAR. Aquando do remate de Baró, Nogueira, ao fazer uma rotação em torno de si próprio, abriu o braço direito de forma indevida, ganhando volumetria e interceptando a trajectória da bola. Minuto 26 e minuto 73, duas infracções cometidas por Zaidu que levaram à sua expulsão por acumulação de cartões amarelos: a primeira infracção sobre Lawrence e a segunda sobre Joel Pereira, tendo em comum o facto de ambas terem sido entradas negligentes e que cortaram ataques prometedores no corredor direito do ataque dos gilistas.
No Benfica-Belenenses SAD, foi legal o golo de Seferovic, pois o avançado “encarnado” saltou na vertical e o contacto da mão nas costas de Rúben Lima não foi faltoso, ou seja, não o empurrou nem tirou da possibilidade de disputar a bola. Ao minuto 35, golo bem anulado a Varela por estar adiantado em relação ao penúltimo adversário, assim como também ao minuto 65, por fora-de-jogo de 16cm, foi anulado o golo a Darwin.
No Santa Clara-Sporting foram pedidos três penáltis a favor dos “leões”, mas em todas as situações não houve motivo para tal, validando assim as boas decisões em campo do árbitro. Minuto 31, o contacto do braço de Mansur nas costas de Matheus Nunes, não foi suficiente nem teve a intensidade para impedir que o jogador “leonino” disputasse a bola. No mesmo minuto, é Nuno Santos que choca contra Cristian González, que, estando no coração da sua área, tinha a posição ganha por antecipação e não se movimentou para obstruir a passagem do seu adversário. Ao minuto 76, clara situação de bola que vai ao braço de Rafael Ramos, vinda de um ressalto do pé de Nuno Santos. Uma bola inesperada, de perto, que bateu no braço direito do jogador insular, que o tinha em posição normal e encostado ao corpo. Nos jogos que envolveram as ditas equipas grandes, os bons desempenhos das arbitragens foram mesmo a nota dominante."

Eu voto Luís Filipe Vieira!


"Um grande amigo, que pouco percebe de futebol, mas muito da vida, perguntou-me: “Zé, já te envolveste em tanta coisa (defesa de Direitos Fundamentais, seja na política, seja no associativismo), porquê agora, num tempo destes, no apoio ao Vieira?”
“Num tempo destes, o Benfica teve estofo para não recorrer ao lay-off, despedir ou denunciar contratos a prazo. Queres mais?”
O meu bom amigo, também envolvido na defesa de Direitos dos Trabalhadores, disse-me: “como te compreendo...”
Mas, na verdade, menti-lhe (menti-te, Luis!): esse, sendo importante, não é o principal motivo. O que me leva, então, a votar em Luís Filipe Vieira?
Sejamos claros: todos somos igualmente Benfiquistas, independentemente de quem apoiarmos. Isso não devia ter sido questionado, de parte a parte, numa das mais maniqueístas campanhas de que há memória. Isso criará um trauma que será, espero, tratado com mestria por quem vencer as eleições- no Benfica, a democracia impõe a diversidade.
Por isso mesmo, não vou contar aqui o meu passado de sofrimento e de vitórias, de choro e de glórias, de desilusão e emoção. Disso, de uma forma ou de outra, todos temos para contar. E ainda bem: o pensamento totalmente estruturado, sem emoções, não faz bem a ninguém e o Benfica, enquanto catarse colectiva, conjunto de todos, é a Luz em movimento.
Daí ao salto que aqui me traz: voto Luís Filipe Vieira porque o futuro, os anos que ai vêm, após a tragédia que se abateu sobre a humanidade, com a pandemia que vivemos e nos destrói as estruturas sociais e familiares, precisa de quem nos trouxe aqui com força financeira para resistir - tal e qual como aconteceu no primeiro impacto.
Se o passado de Vieira à frente do Clube fala por si, com a construção de estruturas materiais e imateriais que permitem sonhar com o topo, o futuro do Clube não pode ficar órfão de quem teve o saber e a coragem de aqui chegar. Estou profundamente convencido disso. Muito mais, assumo, porque também estou convencido que este tempo trará a oportunidade de, com boa e equilibrada gestão, aproximarmo-nos de quem luta pelo topo da Europa.
Reparem, o trajecto de Luís Filipe Vieira não é isento de erros e alguns disparates. Ele sabe, eu sei, nós sabemos: planear e executar não dependem do mesmo acto de vontade. Por isso mesmo, ter criado uma equipa absolutamente profissional em todas as áreas, foi um trunfo que não pode ser esquecido - e, assuma-se, sempre que se desviou desse profissionalismo, esteve mais perto de falhar.
Mas, no momento de uma eleição, em democracia, o tempo é de renovação da legitimidade. Daí, o passado pouco valer, ou, melhor, servir como medida de projecção do futuro. É nesse futuro que, acreditem, eu creio.
Com efeito,
Cresci num mundo que já não é aquele onde vivo. Vivo, digo, num tempo que não acompanhou o mundo que queria. Tenho no Benfica, no nosso Benfica, a referência de estabilidade em movimento, em revolução permanente, em progresso, que falta em quase tudo. Na nossa casa, a Catedral, construí amizades que se alinham sob o desígnio do amor.
É, meus caros, por isso que entendo que não é hora de trocar o certo, o certíssimo, pelo duvidoso. Por mais apelativo que seja o segundo, o primeiro já mostrou muito, diria tudo: no momento certo, não virou as costas, ofereceu o corpo às balas e demonstrou que era possível querer mais.
Viva o Sport Lisboa e Benfica

PS - agradecer ao Benfica Independente, em especial ao Sérgio Engrácia, a oportunidade de publicar este texto é relevante. Mas muito mais que isso é saudar o trabalho que têm feito na divulgação das candidaturas, do apoio de cada um de nós e, sobretudo, do reforço da “cidadania Benfiquista.” O nosso Clube é democrático até às entranhas e projectos destes só reforçam o nosso ADN. Parabéns, rapazes!""

Porque Voto em Branco?


"Acima de tudo, porque a alternativa que teima em surgir, não me conseguiu convencer. Vou tentar explicar de uma forma simples e clara.
Nunca votei em Luís Filipe Vieira, porque tenho uma coisa que se chama memória. Estive em 2000, na fila que começava onde é hoje o Colombo, para tirar Vale e Azevedo do caminho que se preparava para trilhar no nosso clube. E não tive problema nenhum em votar em Vilarinho, com esse objetivo.
3 anos depois, Luís Filipe Vieira é eleito para Presidente do Sport Lisboa e Benfica e nunca mais deixou o lugar. E nas sucessivas eleições, o voto foi sempre da mesma cor: o branco. No sentido em que não reconheço a Vieira a capacidade de liderar de forma clara e sustentada o clube, entrando sempre numa espiral de contraditório e de falta de coerência que me assusta, para quem gosta mesmo muito do clube (conforme ele diz).
Em 17 anos, o Benfica mudou e mudou muito. E mudou positivamente, no sentido em que se adaptou ao mundo do futebol moderno, tornando-se uma empresa no sentido de gerir um clube de futebol, mas muitas vezes, não conseguindo fazer a diferença entre vencer no campo ou vencer nas contas. Em 17 anos, é fácil encontrar coisas boas, mas também más, que são essenciais e fulcrais para fazer o clube crescer e aprender, mas houve alturas, muitas, onde nós próprios, os sócios, deixámos a onda passar e ir e não intervimos.
A questão da alteração de estatutos foi uma, os campeonatos pós-primeira passagem de Jesus ao FC Porto outra, as prestações na Champions League, mas acima de tudo, o discurso, fosse ele do Presidente, do CEO ou de outros elementos da direção do clube e da SAD saia sempre ao lado do que realmente acontecia.
E por isso, mas por muito mais, nomeadamente na questão do sócio Luis Filipe Vieira, ou na sua condição de Presidente do Alverca, ou em várias medidas e maneiras que tinha em Assembleias Gerais faziam e fazem com que nunca lhe tenha dado os meus votos. Não vou falar sequer de negócios que envolvem o Benfica e pessoas do Benfica e que implicaram e implicam com o atual funcionamento do clube.
20 anos depois, muitos vociferam pelas redes sociais que é necessário voltar a fazer o mesmo percurso de 2000 e tomar a mesma iniciativa de mudar de Presidente? Mas a custo do quê? Não vou sequer contar com Rui Gomes da Silva, quanto mais não seja pelo passado político, mas acima de tudo pelo tempo enquanto esteve na direção do clube e nas alturas em que deveria ter empregue o seu estatuto de benfiquista, nunca o fez, preferindo o desejo pessoal de continuar a aparecer e a ter tempo de antena, em vez de assegurar que o Benfica e o benfiquismo que tanto apregoa estavam bem entregues.
Não conto também com Bruno Costa Carvalho, que ao longo dos anos, consegue ser como aqueles galos que avistamos nos telhados de algumas casas, onde o vento o encaminha consoante a vontade.
E o movimento “Servir o Benfica” só veio demonstrar na minha opinião que a procura pelo destaque era a principal razão de ser de um ex-proclamado (ou ainda será) presidente de uma associação de adeptos benfiquistas, como se houvesse melhor associação de adeptos benfiquistas que o Sport Lisboa e Benfica.
Cingo-me portanto, à real alternativa que já existe desde Junho e que será a principal concorrente ao atual Presidente do Benfica: João Noronha Lopes.
Antes de mais, é bom ver que muitas figuras se associam ao senhor. É sinal de que o Benfica tem essa facilidade. A divergência de opiniões deveria ser a norma e não a exceção. E por isso, e isto é um desabafo meu, espanta-me que as AG do Benfica continuem sempre com o mesmo número de presenças, onde as grandes exceções são sempre derivadas dos resultados desportivos do clube, nomeadamente no futebol.
Noronha Lopes teve o condão de aparecer com gente que nada tem a ver com futebol, mas sim com o clube, mas pecou numa questão essencial: como convencer a massa crítica do Benfica e fazer ver que o clube é hoje outro, completamente diferente daquele de 2000 e que seria realmente a verdadeira alternativa.
Na minha opinião, João Noronha Lopes tem falhado na comunicação com os sócios do clube e nos discursos que tem para a opinião pública benfiquista. O discurso continua inócuo e cheio de “ses”, de olhar para o futuro e depois decidir, de frases feitas e de apoios mediáticos, mas longe de chegar à essência do que é ser benfiquista.
A 3 dias das eleições, Noronha Lopes e a sua equipa não me conseguem convencer a votar neles, apesar de estar farto de Vieira, de achar que realmente o fim de ciclo está aí e de que é necessária uma nova atitude, mas acima de tudo, estratégia para o clube.
Não é evocar que não há debates, não é evocar que o Presidente faz o que quer, não é evocar que não há democracia e que o clube volta a ser dos sócios. O clube foi sempre dos sócios. Mas se calhar, os sócios (e aí há também mea culpa) não souberam e / ou não sabem que têm realmente o poder na mão.
E isso implica estarem mais perto do clube, e não de 4 em 4 anos (ou quando levamos 5 do Basileia na Champions), implica estarem nas AG para votarem orçamentos, implica perguntarem ao Presidente e aos restantes sócios o que querem para o futuro do clube. Implica participarem na vida ativa do clube e não apenas de 15 em 15 dias (em tempos normais, sem COVID).
É com esta falta de convencimento que o meu voto irá ficar em branco, porque a real oposição do Benfica tinha tudo, mas tudo, para convencer uma franja de sócios do Benfica a votar neles, se apresentassem as ideias reais e não ideias no sentido lato.
E assim sendo, não é mudar por mudar. Não é tirar Vieira só porque sim. Podemos olhar para o Benfica do futuro com a expectativa do que aí vem (Superliga Europeia, afastamento da Liga Portuguesa das Big 5, diferença ainda maior ao nível financeiro para competir na Europa). Podemos, devemos e teremos de olhar para o Benfica como membro de um estado periférico da Europa, mas com o potencial de crescimento que tem na Europa toda, nos PALOP e nos Estados Unidos, e por isso, esperava mais do que palavras vãs de candidaturas, que mais parecem políticas, do que desportivas.
Reforço o que já escrevi no meu texto anterior: dia 31 de outubro, o Benfica continua. Nós continuamos. E teremos de olhar para esse dia, como o primeiro dia do futuro do clube. Só com esse sentido, o mesmo se fortalecerá e continuará enorme e glorioso, como tem sido. Viva o Sport Lisboa e Benfica! Viva o Glorioso!"

A tímida visita dos Ferroviários


"Em Setembro de 1974, o Lech Poznan, adversário do Benfica na Liga Europa, estava em Lisboa para jogar com os encarnados. O problema é que os principais titulares benfiquistas tinham viajado para Belo Horizonte, onde conquistaram o Troféu Independência num torneio que também contava com o Sporting.

Nas margens do Warta, ergue-se Poznan. Uma cidade com muita historia para contar. Faz parte da vida do Benfica palminhar a Europa e o mundo nesse seu sentido universal. Poznan ainda não tinha surgido no mapa onde se esperam os pioneses encarnados, mas chegou a hora, e já não era sem tempo.
Dizem as enciclopédias que Poznan ganhou o nome à custa de um nome. Isto é, vem do particípio da expressão polaca poznany, traduzida por alto como 'aquele que é assim conhecido'. Nos tempos perdidos do início dos anos 1000, já o lugar surgia nas Crónicas de Thietmar, o príncipe-bispo de Merseburg, e o seu nome oficial é Stoleczne Miasto Poznan, velho centro político desse pedaço de Polónia ao qual chamaram a Grande Polónia. Depois da invasão alemã e da barbárie da I Grande Guera, ganhou também o apodo de Posen, que nestas coisas de ocupação os alemães não dão nada por aquela palha a tratam de deixar uma marca indelével, geralmente sublinhada a sangue.
Por seu lado, o Lech, adversário do Benfica nesta fase de grupos da Liga Europa, data de 1920, ano em que um grupo de jovens activistas católicos decidiu organizar-se em clube dando-lhe o nome de Towarzystwo Sportowe Liga Debiec, mais tarde transformado em Kolijowy Klub Sportowy Lech Poznan. São nomes de criar cãibras na língua, bem sei, mas esse é o custo de quem parte em direcção a lugares que a Terra mantém mais esconsos. Deixemo-nos, portanto, de cerimónias. É do Lech que se trata, tratemo-lo por Lech. Até porque, ao longo da sua existência, mudou várias vezes de nomenclatura, sobretudo quando ficou umbilicalmente ligado à companhia de caminhos-de-ferro da Polónia e ganhou o apoio de Kolejorz - os Ferroviários.

Lá longe...
No dia 2 de Setembro de 1974, o Lech Poznan estava em Lisboa. A Revolução do 25 de Abril abriria, finalmente, os caminhos do Leste, até então vistos como mais ínvios do que os caminhos do Senhor. Os Ferroviários tinham sido convidados para participar num torneio, mas as coisas não correram lá muito bem. A Associação de Futebol de Lisboa patrocinou o evento e encaixou os polacos juntamente com três clubes da capital, o Benfica, claro está, o Atlético e o Oriental.
Foram precisamente estes dois a entrar em liça primeiro, sem grande vontade de enfrentarem a noite fresca e o público rarefeito, contentando-se em manter o 0-0 o tempo que foi possível, chegando com o nulo ao final dos 90 minutos e ficando o Atlético apurado por desempate de grandes penalidades - 5-4. Em seguida disputou-se o único Benfica - Lech Poznan da história do futebol até aqui. Outra estucha. Novo 0-0, mastigado como pastilha elástica com três ou quatro dias de gengivas. Benfica na final, também por grandes penalidades, no caso, 4-3.
Como vêem, estamos perante um frente-a-frente que só na última quinta-feira começou a fazer verdadeiramente parte do areópago do futebol europeu. A razão explica-se com facilidade: nesse mês de Setembro de 1974, o Benfica deslocara-se ao Brasil para uma daquelas digressões que costumavam contribuir, e muito, para encher os bolsos do clube. Deixara em Lisboa uma equipa de reservas na qual já despontavam algumas das grandes figuras para cumprir o calendário - como José Henriques, Eurico ou Shéu - e partira para o lado de lá do Atlântico sem ligar grande importância ao tal torneio organizado pela AFL e que, ainda por cima, decorreu no Estádio da Luz.
As forças estavam concentradas em Belo Horizonte.
Os encarnados haviam viajado para defrontar dois grandes clubes brasileiros da cidade, o Cruzeiro e o Atlético Mineiro. Dois jogos, duas vitórias: 2-1 e 1-0. Longe de Lisboa e do lech Poznan, estavam Bento, Artur, Humberto Coelho, Barros, Messias, Toni, Eusébio, Simões, Nené, Vítor Baptista, Jordão e Moinhos por exemplo. Uma amostra clara de que os jogos em território brasileiro valiam bem mais do que um joguinho meio sinistro contra os tais Ferroviários que tinham vindo de Poznan cheios de boa vontade, como se calculava.
Além disso, em Belo Horizonte, também se disputava uma espécie de quadrangular, embora sem direito a final, e andava por lá o grande rival Sporting, o que prometia, desde logo, esforços suplementares para fazer melhor figura do que os leões. Assim aconteceu, porque o Sporting não foi além de um empate frente ao Atlético Mineiro (2-2) e, em seguida, foi severamente sovado pelo Cruzeiro (0-6). Mais um troféu para a sala de taças de Dona Águia: o Troféu Independência, que servira para comemorar o 9.º aniversário do Estádio do Mineirão.
Quanto ao Lech Poznan, teria de esperar. Até agora..."

Afonso de Melo, in O Benfica

Onze minutos determinantes para o título invicto


"A perder por 2-0, o Benfica, nos últimos da partida, mudou o rumo do encontro

O Benfica iniciou o Campeonato Nacional 1972/73 de forma imperial. Os 'encarnados' venceram os oito primeiros jogos, golearam em seis e tinham uma média superior a quatro por jogo. Mesmo perante adversários que rivalizavam pela conquista do título nacional, os benfiquistas impunham-se de forma perentória, como na 5.ª jornada, quando venceram o Sporting por 4-1. Os triunfos aliados à qualidade de futebol praticado transmitiam confiança a jogadores e adeptos.
Tudo seria posto em causa à 9.ª jornada, na recepção ao FC Porto. Os portistas entraram determinados em campo, superiorizaram-se e foram em vantagem para o intervalo. No início do segundo tempo, os benfiquistas estavam decididos a virar o marcador, porém 'a verdade é que esta «imagem» durou muito pouco tempo. Melhor dizendo, foi «sol de pouca dura»'. Os 'azuis e brancos' voltaram a controlar a partida e aumentaram a vantagem. O segundo golo dos portistas 'lançou consternação no Estádio da Luz por não ser hábito nem estar nas previsões gerais uma derrota numa altura destas. E ninguém pensou de que poderia haver outro desfecho que não fosse a derrota dos campeões nacionais'.
Era tempo de mudar o destino da partida, terá pensado Jummy Hagan, quando fez entrar Artur Jorge e Diamantino para os lugares de Jordão e Nené. A boa leitura do técnico inglês teve impacto de imediato, 'caíram na equipa como um pouco de sangue que vai salvar o doente do desenlace fatal. Passara a jogar-se, com efeito, mais incisivamente ao ataque, e a defesa do grupo visitante sentiu imediatamente estar em presença de um «ataque novo», mais imaginativo, mais combativo e mais capaz de tentar o chamado «ponto de honra»'. A onze minutos do fim, Vítor Baptista, a passe de Diamantino, reduziu o marcador. Dois minutos depois, Jaime Graça fez o 2-2. Nas bancadas o empate era encarado como um bom resultado, mas os jogadores não partilhavam da mesma opinião, pois, para eles, o 'bom' não era meta, era apenas parte do percurso! Com um golo de cabeça, Humberto Coelho garanti o triunfo, numa reviravolta sensacional.
A imprensa descreveu a exibição como se de uma epopeia se tratasse: 'Benfica capa e espada. Benfica «herói de história de quadradinhos». Nos derradeiros momentos. Estendido. Meio humilhado. Levanta-se, com o sorriso dos iluminados, dos que sabem aquilo é só com eles, e enterra a faca nas costas do FC Porto. E nas do campeonato.' Os benfiquistas permaneceriam sem derrotas até ao final da competição, tornando-se o primeiro clube a conquistar o título de forma invicta.
Saiba mais sobre esta conquista na área 6 - Campeões Sempre do Museu Benfica - Cosme Damião."

António Pinto, in O Benfica

Arranque promissor


"A nossa equipa somou, ontem, mais um triunfo, elevando para cinco o número de vitórias consecutivas desde o início da presente edição da Liga NOS. É preciso recuarmos a 1982/83, a temporada de estreia de Eriksson no Benfica, para encontrarmos semelhante percurso, reforçando-se assim a ideia de que estão reunidas as condições para tentarmos atingir um dos principais objetivos para esta época, a conquista do sexto título de campeão nacional em oito temporadas.
O jogo com o Belenenses, SAD correspondeu às expetativas. A nossa equipa jogara na noite de quinta-feira passada, na Polónia, obrigando à gestão do plantel, e sabia-se que defrontaria um adversário muito bem organizado defensivamente.
Só a entrada muito forte no jogo permitiu desbloquear a partida. Das várias oportunidades de golo criadas nesse início fulgurante, uma delas foi aproveitada por Seferovic, colocando o Benfica na dianteira do marcador. O avançado suíço, na estreia a titular na Liga NOS nesta época, chegou aos quatro golos na prova.
O jogo prosseguiu numa toada mais lenta, com a nossa equipa a demonstrar solidez defensiva e a controlar, com bola, o adversário, e foi com naturalidade que a vantagem foi ampliada, já na segunda parte, através de Darwin, concluindo superiormente um lance na sequência de uma magnífica assistência de Waldschmidt. O jovem uruguaio, que já fizera cinco assistências e se estreara a marcar na partida anterior, voltou a celebrar um golo da sua autoria, totalizando agora quatro.
Com os dois golos marcados frente ao Belenenses, SAD, a nossa equipa logrou concretizar 15 nas primeiras cinco jornadas do Campeonato, um registo só superado em duas das últimas 45 temporadas. 
Nota positiva ainda para o regresso de Samaris, após paragem por lesão. Pela negativa, o destaque vai para a substituição forçada de Grimaldo, lesionado, num jogo em que voltou a assistir um colega (Seferovic) para golo (ascendeu à 12.ª posição no ranking das assistências, com 17, neste Estádio da Luz), esperando-se agora que recupere o mais brevemente possível.
O ritmo competitivo frenético prossegue, com o próximo desafio agendado já para a próxima quinta-feira, dia 29, na Luz frente ao Standard Liège, a contar para a Liga Europa. Um jogo que, apesar das fortes restrições, nomeadamente ao nível da lotação permitida, marcará o regresso de público às bancadas do nosso Estádio."

Cadomblé do Vata (B Sad)


"1. Cinco jogos, cinco vitórias, cinco pontos de vantagem... o SL Benfica é treinado pelo Jorge Jesus ou pela Enid Blyton?
2. A aceitação do regresso de Jorge Jesus não foi imediata, é um processo gradual, que vai acontecendo com o tempo... mas que sofre violentos retrocessos sempre que ele tira da equipa o Lucaschmidt.
3. Não quero estar aqui a lançar uma bomba internacional, mas Darwin Nunez não é uruguaio... só um brasileiro consegue sambar como ele fez em frente ao guarda redes bêsense.
4. Everton deu excelentes indicações nos primeiros jogos mas ultimamente tem dado imagem de adormecido em campo... o que pode não ser má noticia, porque o último Soneca canarinho que por cá passou, gostava de marcar ao SCP e ao FCP.
5. O SL Benfica começa a carburar e os resultados vão aparecendo, mas óh Jota Jota... de cada vez que batemos um canto curto, eu agarro-me a uma fotografia do Nelson Veríssimo."

É a acelerar que a gente se entende


"Já não é novidade para ninguém o poderio do Benfica sempre que encontra um pouco de espaço para acelerar. No jogo contra o B-SAD, foi encontrando dificuldades diversas para criar de forma sistemática contra uma equipa baixa no campo e ainda mais com tantos jogadores no seu primeiro terço (5+4). Foi portanto, quando encontrou um mínimo de espaço para acelerar e forçar superioridade numérica que desmontou adversário e abriu caminho para mais uma importante vitória."

A teor… prática de Darwin


"Se a evolução das espécies cria algum desdém, a espera pela evolução dos jogadores provoca também bastante exasperação nas franjas de adeptos que muito esperam dos seus novos recrutas. E no Benfica, depois do frenesim mediático que o defeso provocou, a coisa nunca é feita por menos. Darwin Nuñez, um big jogador que não só é grande como vai ser top, concentra hoje por hoje quase toda a atenção. Pelas características físicas invulgares, pela relação (ou falta dela) com bola e, claro está, pelo preço, do uruguaio se espera algo especial. E este Benfica-Belenenses – igual a uma carrada de jogos que o Benfica vai disputar nesta edição da Liga – é o terreno ideal para Nuñez passar da teoria à prática. Isto porque o Benfica de Jorge Jesus é sempre uma equipa que começa a criar vantagem em Portugal quando os jogos ainda não começaram. É nas dúvidas que provoca ao adversário que poderá surgir um controle do jogo pelo qual não só Jorge Jesus exaspera, como também todos os adeptos das águias desesperam.

Vão mais de dez anos a jogar no mesmo sistema (talvez com um hiato de meses com Rui Vitória a ser a excepção) e vão mais de dez anos em que as críticas são, basicamente (sublinhe-se o básico da situação), as mesmas. O Benfica tem bastantes dificuldades quando pressionado e tem ainda mais dificuldades para controlar as partidas. Mas para percebermos estes clichés vintage teremos também de perceber o que é mesmo o controle de um jogo. E esse envolve uma mescla tão grande de factores que não admira que uma equipa claramente em construção (e a anos-luz do rendimento de qualquer outro Benfica versão JJ) ainda não tenha conseguido ser consensual no que toca às suas exibições. Controlar o jogo é, também, controlar o adversário. Impedi-lo de criar. É isso mas é também ter a pata no jogo ao mesmo tempo que se consegue criar oportunidades, dúvida, caos na organização contrária. E mesmo que seja mais do que isto, controlar não foi coisa que o Benfica conseguiu fazer em muitos momentos da recepção ao B SAD. Porque mesmo tendo muito mais tempo a bola que o adversário, a inépcia com que a circulou nunca provocou a dúvida que paralizaria a equipa de Petit – que deu várias vezes a sensação de poder causar algum dano nas pretensões encarnadas.

Associação de Darwin desmonta linha defensiva e abre espaço para Everton entrar. Foi pela esquerda que o Benfica decidiu atacar mais vezes na primeira metade

Mas se assim é, se o Benfica não controla uma boa percentagem das suas partidas há dez anos, porque é que esse é um período até de bastante sucesso do clube da Luz? Isto porque o Benfica do 442 (chamemos-lhe assim para não dizermos que a década foi toda de Jesus) tem outras valências importantes e que lhe permitem, mesmo não controlando alguns jogos totalmente, controlar… os resultados. E o que se observou com o movimento padrão da 1.ª parte (Everton a receber entre-linhas na meia-esquerda, criando a partir daí), e com as rupturas de Darwin na segunda metade, é que o Benfica, mesmo estando em remodelação, ainda tem golo suficiente para a mais que evidente falta de controle dos jogos não se reflictam em resultados. O objectivo final andará muito longe de ser parecido ao que se tem visto, mas para já, mantendo essa característica, o Benfica segue construíndo e liderando – o que será nesta altura manifestamente mais importante do que a medição de uma qualidade de jogo que persiste ainda em algumas parecenças com a época passada, apesar de nesta noite a linha defensiva aparecer mais organizada. De resto, a pouca apetência para roubar bolas e o jogo muito afunilado que resultam em muitos períodos de incerteza ainda por lá andam. Vale a notável eficácia e a extrema categoria e potencial de uma transição que castigará quem se destapar contra o Benfica. E este B SAD não foi mais perigoso porque o Benfica lhe criou sempre essa dúvida. E sabemos o quanto Jesus gosta de provocar essas dúvidas que são terreno fértil na nossa 1.ª Liga.

Os extremos (Rafa e Darwin) que se tocam, o espaço para Grimaldo e Seferovic no lado cego do oponente. Tudo imagens de marca do primeiro golo desta noite

Benfica-B SAD, 2-0 (Seferovic 6′ e Darwin 75′)"

SL Benfica 2-0 Belenenses SAD: Sai um dérbi em chávena fria


"A Crónica: Jogo Sem Chama, Uruguaio Em Fogo
Soma e segue o SL Benfica de Jorge Jesus. Numa exibição apagada e nada espetacular, as águias bateram o Belenenses SAD por duas bolas sem respostas, garantindo a manutenção da liderança isolada após um dérbi alfacinha de pouca qualidade e pouca mais emoção. Vamos às incidências da partida. 
Entrada positiva dos encarnados, coroada com o golo da vantagem logo aos seis minutos. Haris Seferovic, chamado à titularidade de forma algo surpreendente, finaliza de cabeça junto ao segundo poste uma boa jogada combinativa pela esquerda do ataque, com Everton a tocar para Rafa e este a tocar para o cruzamento de Grimaldo.
Dos dez minutos em diante, todavia, o jogo esmorece, arrefece e equilibra-se. Os visitantes gozam de uma ou outra oportunidade e os da casa nem isso. Jogo amarrado ao ponto do soar do apito para assinalar o intervalo parecer uma bênção.
Primeiros quinze minutos da segunda parte com uma nota dominante: dó. Metia dó a parca qualidade expressa no relvado da Luz. Oportunidades quase inexistentes de parte a parte, mas com pendor para o lado azul do dérbi da capital.
A entrada de Waldschmidt agita o ataque das águias e é o próprio alemão a criar a primeira oportunidade de claro perigo da segunda parte encarnada. O remate cruzado passa ao lado do poste esquerdo da baliza de André Moreira. Dois minutos volvidos, é Waldschmidt quem serve Darwin para o golo… anulado.
No entanto, fica o aviso: cuidado com o alemão. E com o uruguaio. Após um outro aviso que André Moreira havia travado, eis a estreia a marcar na Luz para Darwin, a passe de… Waldschmidt. Fuga do centro para a esquerda do alemão que serve com classe o companheiro de ataque.
Darwin finta André Moreira ainda fora da área azul e remata para a baliza deserta, perante as inglórias tentativas de interceção dos defesas visitantes. O golo tem o condão de congelar a turma de Petit e, por consequência, a partida, que termina com um 2-0 como resultado final a favor do SL Benfica.

A Figura
Darwin Núñez Deve pagar impostos extra Darwin Núñez, tendo em conta o que trabalha. A descontar pelo que labuta reforma-se aos 27. Além disso, foi mais uma vez capaz de concretizar um tento, dando razão a Cristiano Ronaldo e à sua analogia com o frasco de Ketchup. Por tudo isso, merece mais uma vez a distinção de Figura da Partida Bola na Rede.

O Fora de Jogo
Gilberto Depois de Grimaldo na Polónia, foi a vez do lateral-direito granjear o “prémio” de Fora de Jogo BnR, pelas mesmas razões. Defendeu mal, como é seu apanágio, e atacou na mesma medida. Tirou um ou outro cruzamento de qualidade – também seu apanágio – mas falhou em praticamente todos os restantes aspetos da sua exibição individual.

Análise Táctica - SL Benfica
Em ataque posicional, os encarnados saíam a três, com Otamendi, Vertonghen e Weigl entre os primeiros a tomarem as rédeas da saída. Rafa e Everton faziam incursões interiores para auxiliar Taarabt na tentativa de permear o espaço entre as duas linhas recuadas dos azuis. Gilberto e Grimaldo davam largura e profundidade pelas alas. Seferovic (primeiro, Waldschmidt, depois) e Darwin encaixavam nos três elementos intermédios da linha de cinco da turma de Petit.
A defender, o bloco encarnado subia, tendo, no entanto, mais cuidado com o espaço que deixava atrás do que havia tido na Polónia. Os quatro elementos mais avançados do SL Benfica pressionavam o B-SAD logo numa primeira fase de pressão, com Taarabt – até a sua saída – mais atrás a tentar ocupar as linhas de passe mais curtas e centrais. Weigl e os centrais controlavam a profundidade, com a ajuda de Grimaldo/Nuno Tavares e Gilberto.

XI Inicial e Pontuações
Vlachodimos (6)
Gilberto (4)
Otamendi (5)
Vertonghen (7)
Grimaldo (6)
Weigl (5)
Taarabt (5)
Rafa (6)
Everton (6)
Seferovic (6)
Darwin (7)
Subs. Utilizados
Pizzi (5)
Waldschmidt (7)
Nuno Tavares (5)
Pedrinho (-)
Samaris (-)

Análise Táctica - B SAD
A turma de Petit defendia em 5-4-1, com duas linhas bem definidas e com Cassierra solto na frente de pressão. Quando Weigl se juntava de uma forma declarada a Otamendi e Vertonghen na construção encarnada, Varela ou Miguel Cardoso avançavam no terreno para ajudar Cassierra na primeira tentativa de inibir a saída para o ataque das águias (Varela pressionava Otamendi, pela direita, Miguel Cardoso pressionava Vertonghen, pela esquerda).
No ataque posicional, os azuis procuravam trocar a bola nas imediações da sua área, chamando a pressão de Darwin, Seferovic, Rafa e Everton, de forma a poder bater a meia-distância, não procurando a profundidade como havia feito o Lech Poznan.
A bola, regra geral e quando tudo corria bem para o lado azul do dérbi lisboeta, chegava a Miguel Cardoso, Varela ou Cassierra, que, tendo uma linha de pressão já ultrapassada, podiam desenrolar jogadas rápidas com o intuito de visar a baliza de Vlachodimos.

XI Inicial e Pontuações
André Moreira (6)
Danny (5)
Henrique (6)
Tomás Ribeiro (5)
Tiago Esgaio (5)
Cauê (5)
Afonso Taira (5)
Rúben Lima (5)
Miguel Cardoso (6)
Silvestre Varela (6)
Cassierra (5)
Subs. Utilizados
Bruno Ramires (4)
Edi Semedo (4)
Afonso Sousa (4)
Richard Rodrigues (-)
Robinho (-)"

Um quarto só dele onde cabemos todos


"Há três semanas quase ninguém tinha ouvido falar de João Almeida. Hoje, sobretudo para os fãs de ciclismo, ele é um herói, o homem que reconciliou muitos adeptos amargurados com a modalidade.
O ciclismo sobreviveu aos grandes escândalos de doping, sobreviveu ao batoteiro-mor Lance Armstrong, sobreviveu a uma cultura de batota disseminada por quase todo o pelotão, mas a paixão dos adeptos esmoreceu. O hábito do engano deu cabo do fascínio de muita gente pelo mais nobre dos desportos, aquele que suscita uma admiração genufletida pelos sacrifícios e pela dureza. Noutros desportos pode-se apreciar a beleza, a elegância, a graciosidade, a inteligência. No ciclismo venera-se, acima de tudo, a capacidade de sofrimento, o ciclista que parece estar nas últimas e vai buscar forças ao fundo do poço e chega exausto à meta no cimo de uma montanha, a morada olímpica dos deuses, depois de quilómetros e quilómetros de estradas empinadas, de chuva, vento ou sol.
É certo que se pode valorizar a inteligência estratégica de um ciclista ou de uma equipa, a forma como poupam as forças para desferir um ataque ou como desgastam os adversários, mas no final tudo se reduz ao que cada um tem para dar, ao coração do indivíduo, à sua ambição e resistência. E os verdadeiros adeptos do ciclismo sabem reconhecê-lo. Quando jogam limpo, todos os ciclistas são dignos de admiração. A multidão no Tourmalet, nos Lagos de Covadonga, na Senhora da Graça, aplaude os que vão à frente, mas não vira as costas aos que vêm mais atrás. Vê a dureza da montanha “estampada nos rostos”, como dizem os comentadores, e respeita-os por isso. Quando se dá tudo, não há derrotados. Não há assobios, não há apupos, não há vilões. Não há clubismo. Quem acompanha as etapas mais difíceis e encontra os familiares de um dos ciclistas, sabe que prevalece o respeito entre todos. Não há inimigos. É essa a beleza do ciclismo e é por isso que a batota aqui dói mais do que aos adeptos de outras modalidades. É uma traição tão dolorosa que é difícil, quase impossível, restaurar a confiança.
Foi esse o grande mérito de João Almeida nestas três semanas de Giro: trazer de volta ao ciclismo muitos adeptos portugueses que se tinham afastado da modalidade. Haveria alguns adeptos ocasionais, dos que desligaram a partir do momento em que perceberam que o ciclista português não ia chegar à Milão com a camisola rosa, mas esses, arrisco dizer, são uma minoria. Os verdadeiros devotos do ciclismo seguiram com mais fervor as etapas em que João Almeida teve mais dificuldades, como a do Stelvio, em que perdeu a liderança mas conquistou o respeito dos adversários, o apreço dos companheiros e o coração dos adeptos com a sua tenacidade e, deve sublinhar-se, sangue frio. Outros ciclistas, na iminência de perderem a camisola rosa, teriam ido ao fundo, sentindo que já tinham feito muito. João Almeida aguentou, encontrou o seu ritmo, cerrou os dentes e deu tudo. Acabou a etapa em 7º, mas à campeão. No conforto almofadado da minha sala, aplaudi aquele rapaz e acompanhei os últimos dias do Giro ainda com mais entusiasmo.
Valeu a pena. Na penúltima etapa, com a tripla subida no Sestriere, João Almeida foi gigante e aquele momento em que arrancou e deixou para trás Pello Bilbao e Wilco Kelderman, conquistando segundos preciosos ao espanhol para o ultrapassar na derradeira etapa, fica como um dos pontos altos desta sua primeira aventura, uma daquelas ocasiões em que o ciclista de sofá salta em casa e o coração acelera como se fosse ele a pedalar montanha acima.
Ninguém sabe o que acontecerá daqui para a frente, se chegará o dia em que João Almeida será o primeiro português a triunfar numa grande volta, mas o que fez nestes 21 dias não pode ser apagado, nem dos registos, nem da memória dos adeptos. O rapaz das Caldas da Rainha conquistou um quarto só dele onde cabe a gratidão de um povo inteiro."