sexta-feira, 12 de junho de 2020

Ousar Vencer

"Foi grande o impacto da iniciativa empreendida por alguns sócios do Sport Lisboa e Benfica, os quais optaram por preservar o seu anonimato, ao tornarem ainda mais emblemática a rotunda Cosme Damião com uma homenagem a cerca de 70 ex-atletas do nosso querido Clube.
Este exemplo fantástico de adeptos anónimos, que lhe dedicaram certamente muitas horas do seu tempo, além de o terem custeado, deve servir de inspiração a todos os benfiquistas.
A mobilização massiva em torno do Benfica é, por tão repetida ao longo da nossa história por milhões de benfiquistas, o que fez do Sport Lisboa e Benfica o maior e o melhor clube português.
A capacidade de superação, sacrifício e união, o apoio constante e o contributo abnegado em prol deste ideal chamado Benfica foi o que sempre moveu e continuará a mover as gentes que constituem o Benfica. O Benfica somos nós, desde quem exerce o cargo de presidente num determinado momento ao benfiquista acabado de nascer e que desconhece ainda o seu benfiquismo.
Nesta rotunda centrada por um monumento a um dos nossos fundadores, Cosme Damião, considerado o "pai" do benfiquismo, e agora embelezada por figuras icónicas do Benfica, consta igualmente uma frase desafiadora a todos os que representam o Clube: "Ousem um lugar na nossa história."
É certamente inevitável que os atletas, ao atravessarem a rotunda, leiam esta frase e deem por si a imaginar-se um dia, naquele ou noutro local, a verem as suas carreiras no Benfica enaltecidas por estes ou outros dos nossos consócios.
E é justo observar atentamente o percurso dos elementos do nosso plantel e antever a possibilidade de, no futuro, terminada a espuma dos seus dias enquanto futebolistas, muitos deles virem a ser também homenageados desta ou doutra forma.
No actual plantel da nossa equipa de futebol temos 16 atletas que se sagraram campeões nacionais na temporada passada. Oito deles venceram também em 2016/17. Grimaldo contribuiu para mais um título nacional, Pizzi e Samaris para mais dois e André Almeida e Jardel para mais três. Em toda a nossa história houve apenas 61 atletas a sagrarem-se campeões nacionais pelo menos quatro vezes ao serviço do Benfica, quatro deles estão às ordens do nosso treinador, também ele brilhantemente campeão na temporada passada.
Se há quem sabe perfeitamente como ultrapassar dificuldades, esses estão no nosso plantel. Basta recordarmo-nos das recuperações extraordinárias encetadas em 2018/19 e 2015/16 e que resultaram em títulos para o nosso palmarés.
Faltam oito finais, temos apenas dois pontos de atraso e continuaremos a lutar pela revalidação do título. Não desistiremos. Queremos muito ser bicampeões e queremos muito apoiar a nossa equipa. Mesmo à distância, fá-lo-emos. Unidos, exigentes, benfiquistas!
#PeloBenfica"

O Passado Também Chuta: Mário João

"Mário João. Um dos muitos intérpretes nascidos e criados em pleno Barreiro, escola de vida como não houve outra na história do SL Benfica. Ingressou na CUF ainda miúdo e por ali continuou, como era apanágio à época – o futebolista concilia o desporto com a profissão, dado que os dinheiros da bola para pouco servem.
Em 1957, e metido na transferência de Arsénio, passa o Tejo e instala-se no lar do jogador, cedido por cinco anos com licença sem vencimento da entidade patronal. Era o sonho de uma vida: defender as cores da águia.
De avançado aguerrido, pronto para a guerra, vê-se pouco depois no meio-campo. Para aproveitar melhor as suas características e pela qualidade de outros que deambulavam na frente, diria Otto Glória.
Quando Béla Guttman chega, em 1959, transforma-o definitivamente no defesa multifunções que ganharia fama. Seria atrás que faria carreira e as maiores proezas da sua vida enquanto atleta. Em 1960-61, tapado por Saraiva e Serra, efectua cinco jogos oficiais até à final de Berna.
Mas acabado de chegar à Suíça, surpreende-se por ver o seu nome entre os titulares. Jogado aos lobos? Pelo contrário, diriam os jogadores do Barcelona. Puxou dos galões, foi pronto-socorro no amasso culé e seria uma das principais figuras daquela vitória. Pela alma e sentido prático demonstrados, o espírito combativo que ajudou à construção da Mística. Ganhou aí a titularidade, antes de entrar para a última época de contrato.
Em 1961-62, já figura de proa e medalha de Mérito, escudava agora as selvagens divagações na frente dos meninos prodígio António Simões e Eusébio da Silva Ferreira. Cá atrás, a cortar tudo e a dar segurança à miudagem, acompanhava-o Costa Pereira, Ângelo, Germano, Cruz e Neto. Foi então com toda a naturalidade que se atingiu a segunda final da Taça dos Campeões consecutiva. O destino era Amesterdão.
Nos preparativos para a batalha, informam-no de que vai ter a tarefa de marcar Paco Gento. O craque madridista tinha sido titular do penta europeu do Real e era tão temido quanto Di Stéfano. Quase como um acordo de cavalheiros, combinou com Cávem – incumbido do outro craque – que não dariam azo a brincadeiras. Assim aconteceu, mas esqueceram-se de combinar o mesmo com o responsável por Puskas: e o Major Galopante, percebendo a falha na marcação, aproveitou como pode. Fez um hat-trick em 38 minutos e levou o Real a ganhar 2-3 para o intervalo.
Mas, na cabina, acertou-se tudo como deve ser. Se Gento e Di Stéfano já estavam no bolso, Puskas para lá foi rapidamente. Este acerto na estrutura defensiva foi o catalisador de toda a potência encarnada lá na frente e, no final, o 5-3 que tornou aquela equipa lendária. Volta a Portugal e ainda é titular na final da Taça, frente ao Vitória sadino (3-0). Seria aí a sua despedida, obrigado a regressar à base – ou continuava empregado na CUF, ou ficaria 100% como profissional do Benfica. Incrivelmente, a fábrica dava mais dinheiro.
«Na época 1960/61, quando ganhámos a primeira Taça dos Campeões, recebíamos três contos por mês, que não dava para nada. Na segunda época, o ordenado subiu para quatro contos, mas continuava pouco. Em 1962, a CUF escreveu-me uma carta a dizer que ia acabar a licença sem vencimento. Aí, escolhi sair do Benfica e optei por regressar ao Barreiro para trabalhar na CUF e jogar por eles. Ou ficava no Benfica e perdia o emprego, ou voltava à base. O salário não era muito diferente, mas sempre recebia dos dois lados: como empregado e como jogador. Graças a isso, agora tenho estabilidade. Sou reformado da CUF. Se ficasse no Benfica, seria ultrapassado por alguém mais novo, porque estavam sempre a chegar jogadores novos ao Lar do Jogador e depois andava aí aos caídos.» disse em conversa com Rui Miguel Tovar, em 2016.
Em 1965, marcaria numa visita à Luz, numa derrota por 6-1. Continuaria jogador até 1968. 
Completou 89 jogos em cinco épocas de Benfica, conquistando três títulos de campeão nacional, três Taças e as duas Taças dos Campeões Europeus. Jogou três vezes com a camisola da Selecção.
Fez, no dia 6 de Junho, 85 anos. Um dos grandes."

Moneyball, Futebol Medieval e uma sugestão para o Verão

"O Moneyball é um filme que hoje em dia todos conhecem ou ouviram falar, onde um Director de um clube, os Oakland A’s, montou uma equipa para rivalizar com o New York Yankees, quando os Yankees gastavam três vezes mais do que os A’s. Mas o Moneyball antes de ser um filme, já era um livro, onde estão muitos mais dados do que no filme. Se lerem o Moneyball, percebem como o Basebol era um desporto medieval antes do aparecerem as estratégias que Billy Beane, antigo Director dos A’s, pôs em prática. Uma das áreas onde se via que o Basebol era um desporto medieval era no Draft.
Nos Desportos Norte-Americanos há um mecanismo para equilibrar as equipas e torná-las mais competitivas. Chama-se Draft, onde a pior equipa da época anterior escolhe o melhor jovem de todas as Universidades ou Escolas Secundárias, a segunda pior escolhe o segundo melhor e assim sucessivamente até ao Campeão escolher. No Futebol Americano para um jogador ser elegível tem estar na Universidade pelo menos três anos. No Basquetebol para um jogador ser elegível para o Draft tem que estar na Universidade pelo menos um ano. No Basebol um jogador pode ser elegível imediatamente ao sair da Escola Secundária mas também pode ser elegível depois de estar na Universidade pelo menos dois anos. Há muito tempo que se debate se o melhor é draftar alguém saído da Universidade ou alguém saído da Escola Secundária. É aqui que entra no Moneyball.
Antes de Billy Beane aparecer, a sabedoria convencional dizia que os jogadores saídos das Escolas Secundárias iam ser melhores jogadores do que os que estavam a sair das Universidades. Por isso, no Draft toda a gente escolhia jogadores das Escolas Secundárias. Até que Billy Beane e a sua equipa decidiram fazer análises estatísticas ao Draft e perceberam que um jogador saído da Universidade tinha quatro vezes maior probabilidade de jogar na equipa principal do que um jogador saído de uma escola Escola Secundária.
E é aqui que entra o Futebol Medieval. A sabedoria convencional diz-nos que se uma equipa não ganha é culpa do treinador. No entanto há várias (cada vez mais) análises estatísticas a desmentir a ideia de que basta mudar de treinador para resolver todos os problemas. É muito mais provável que uma equipa esteja a jogar mal por culpa dos jogadores ou da Direcção do que por culpa do treinador. Como tal, mudar de treinador, em média não tem qualquer resultado positivo. Perguntem a amigos do Sporting. Eles têm anos de prática a mudar de treinadores sem bons resultados. O que aconteceu o ano passado foi uma excepção. Foi a primeira vez que uma equipa mudou de treinador e foi Campeã no mesmo ano em Portugal em muito tempo.
Um treinador é tão culpado dos maus momentos, como dos bons momentos. O Benfica caminha para a terceira época consecutiva com um mau futebol, com excepção à segunda metade da época passada. O Bruno Lage é também responsável pela época 17-18 ou pela primeira metade da época 18-19? Óbvio que não. E a culpa desses 18 meses foi toda de Rui Vitória? Também me parece óbvio que não. Não acredito que Rui Vitória tenha gostado de lhe substituírem Ederson, Nélson Semedo e Mitroglou por Bruno Varela, Douglas e Gabigol.
Um bom treinador é alguém que é difícil de arranjar. Um bom treinador que se encaixa na perfeição na estratégia global do clube (aposta na formação) é ainda mais difícil. Mais do que mau futebol, sem boas ideias, o que temos visto nestes últimos três anos tem sido uma sucessão de más decisões a gestão. Desde jogadores que não foram substituídos devidamente, a jogadores que não foram substituídos sequer, com renovações com jogadores medianos que tinham feito uma boa época pelo meio. Temos visto de tudo. Mais de dois terços dos nossos reforços dos últimos três anos, já não estão no plantel. É mais provável qualquer reforço que o Benfica faça neste verão esteja a jogar noutro clube a partir de Fevereiro do que a titular na Luz. Porque é que isto tem acontecido de forma recorrente?
Porque não há ninguém a dar a cara na escolha dos reforços. Em todos os clubes de futebol minimamente modernos há a figura de Presidente e a figura de Director Desportivo. Quem é o Director Desportivo do Benfica? O Rui Costa? O Rui Costa há 10 anos atrás aparecia em aviões a trazer Pablo Aimar. Agora aparece envolvido em alguma negociação do Benfica? Como é que alguém que queria trazer o Pablo Aimar aceita um Caio Lucas ou um Douglas? Não faz sentido. Nada na política de contratações do Benfica faz sentido. E o nosso futebol é um reflexo de vários anos sem uma política de contratações decente. É o reflexo de não termos um Director Desportivo que seja responsável pela criação e gestão de um plantel.
Para aqueles que dizem que o plantel não foi formado à revelia de Bruno Lage, é só irem ver a primeira entrevista dele desta época, no primeiro dia de treinos. Bruno Lage pediu um plantel curto e competitivo em todas as posições. O que lhe deram foi um plantel com mais de 30 jogadores, sem um lateral direito (começámos a época com um lateral esquerdo a jogar à direita), sem um segundo avançado (uma das posições fundamentais no nosso esquema táctico do ano passado), sem uma alternativa na baliza (passámos o verão todo atrás de um guarda-redes e depois afinal já não era preciso) e sem uma alternativa a Ferro/Rúben Dias, Rafa e Pizzi.
Este verão, se puderem, leiam o Moneyball. Talvez vos ajude a perceber que apesar de serem desportos muito diferentes, o futebol está numa fase medieval, com ideias preconcebidas que todos os dados estatísticos desmentem. E a maior delas, é que um treinador é o culpado das derrotas de um clube que há três anos tem perdido mais vezes do que tem ganho."

Alea jacta est

""A sorte foi lançada"
Frase proferida de forma não muito confiante por Júlio César, general e futuro ditador romano, a 10 de Janeiro de 49 A.C.
Desafiando uma lei da então República Romana, que para preservar a unidade e estabilidade da República impedia os generais romanos de marcharem com as suas tropas sobre Roma, Júlio César decide furar a inviolabilidade da província de Itália (onde se situava Roma) e atravessa a fronteira imaginária do rio Rubicão com as tropas da sua muito temida 13ª Legião. Iniciava-se ali uma guerra civil que ditaria o fim da República e criaria as bases do futuro Império Romano, liderado pelo seu filho adoptivo Augusto.
Daqui em diante, "atravessar o Rubicão" passou a ser uma expressão que equivale a tomar uma decisão arriscada, sem um efectivo ponto de retorno.
Avancemos no tempo, igualmente para o mês de Janeiro, neste caso de 2019 D.C., mais concretamente à noite de 3 de Janeiro.
Num outro sítio, numa zona de fronteira*, cujo nome também acaba com o sufixo "-ão", neste caso Portimão
 (* não era à toa que durante a Monarquia o anterior nome do país fosse Reino de Portugal e dos Algarves).
Luís Filipe Vieira, líder máximo do Sport Lisboa e Benfica há então 15 anos, na sequência de mais uma derrota que colocava a equipa a sete pontos do então líder do campeonato e na ressaca de mais um falhanço europeu na Champions (um ano depois de uma campanha europeia vergonhosa, onde pela primeira vez um cabeça de série no sorteio da fase de grupos da Champions conseguiu o pecúlio de zero pontos), decide terminar laços com o na altura impopular Rui Vitória (pese a estima que tinha por ele), e lança os dados à sorte e coloca ao leme da equipa (numa primeira fase de forma provisória) o reservado treinador da equipa B do clube, Bruno Lage.
Tal como Júlio César, séculos antes, a decisão de "atravessar o Rubicão" não foi tomada de forma confiante. Vieira já a tinha ensaiado um mês antes, algo que não foi em frente devido a umas "luzes" nas palavras do próprio, em entrevista na altura. Ajudou não haver ninguém disponível para assumir a equipa no momento e o "leak" ter vindo a público sem que Vieira tivesse falado com o próprio Vitória.
Em abono da verdade, Vieira sempre teve uns "timmings" e uma noção de tempo muito própria. Da mesma maneira que Júlio César criou o calendário juliano, Vieira criou o conceito de Benfica A.V. (antes de Vieira) e Benfica D.V. (depois de Vieira), facto assinalado entrevista após entrevista, onde umas pedras na calçada balizam o ano 0.
O que é certo é que naquela fria noite de 3 de Janeiro, Vieira decidiu "atravessar Portimão".
11 Anos depois da saída de José António Camacho (a 9 de Março de 2008, após um empate a 2 com a União de Leiria), um treinador deixava a equipa sem completar a época. A equipa parecia já fora do título. Estava fora da Taça e não se vislumbrava muito sucesso nas competições europeias, agora na Liga Europa. Havia toda uma segunda volta para jogar e o calendário era altamente desfavorável (com visitas à casa das equipas do restante Top 6 do campeonato). Ao mesmo tempo, um dos seus parceiros de sueca predilectos, Jorge Jesus, então "exilado" na Arábia Saudita, tinha as negociações de renovação de contrato com o seu actual clube paradas, aparecendo todos os dias na comunicação social portuguesa.
Com todo este ambiente adverso, especulo que a ideia de Vieira (e digo o nome dele, porque transparece que o mesmo concentra em si, qual Júlio César, todas as decisões em relação ao futebol da equipa principal), seria ter um treinador que mantivesse o rumo, apostando em "prata da casa", fazendo os mínimos, enquanto esperava a vinda de um treinador de créditos mais firmados, com o seu "desejado" Jesus à cabeça.
A opção por Lage não foi ao acaso. O Seixal é a "menina dos olhos do presidente" e Lage era um treinador com longo historial na estrutura, profundo conhecedor da matéria prima existente e treinador de uma equipa B que dava boa conta de si e aonde maturavam as maiores "jóias" dessa estrutura. Seria sempre uma boa ponte para quem viesse, pois a sua posterior dispensa não seria entendida como falhanço (teria sempre o seu lugar na formação à sua espera) e enquanto isso não ocorria, Lage poderia dar espaço a jovens da formação na equipa principal de forma a potenciá-los, num resto de campeonato sem pressão de luta por objectivos.
Nem o benfiquista mais optimista preveu o que aconteceu nos meses seguintes.
Uma segunda volta perfeita e um título de campeão improvável em Janeiro, com vitórias directas e convincentes sobre os rivais, uma campanha europeia interessante onde procurou lançar jovens e rodar a equipa principal, uma equipa transfigurada com um futebol atacante mais associativo e alegre (em especial nos meses iniciais), com a influência directa de jogadores jovens que conhecia bem, quer de jogadores anteriormente ostracizados (Samaris à cabeça). Associado a um discurso pausado, coerente e acima de tudo genuíno, falando de futebol acima de qualquer questiúncula, Lage soube agitar as águas, conquistando igualmente os adeptos nesta vertente comunicativa. Em termos de "negócio" transformou um futuro emprestado ao Marítimo numa venda de 120 M€ ao Atlético de Madrid e promoveu muitos jogadores da B que estão hoje na calha para futuras transferências milionárias.
Durante uns bons meses, Lage conseguiu o impensável: unanimidade no por norma cacofónico universo benfiquista. Odes e poemas foram proclamados. Até uma igreja foi erigida em seu nome. A equipa ia respondendo com resultados fora do normal (por exemplo um inacreditável 10-0) e tudo parecia finalmente fluir bem.
Em mais uma fuga para a frente, Vieira parecia ter conseguido novamente o Bingo perfeito: num aparente plano de recurso, tinha agora um treinador de projecto barato, rendimento desportivo e futuro prospecto de grande rendimento financeiro (como se veio a provar).
O que muitos pareciam se esquecer no meio desta euforia toda, era a relativa falta de experiência do treinador num contexto exigente como é o Benfica.
O Terceiro Anel não é conhecido pela sua paciência e este era um treinador que há uns meses era relativamente desconhecido de muitos e subitamente via-se no olho do furacão da atenção mediática benfiquista. Depois, muitos não levaram em conta que, por muitas competências técnico-tácticas que uma pessoa demonstre ter, ser treinador é igualmente ter que ser um gestor de um grupo de homens, sendo necessário fazer um grande trabalho a nível de gestão de egos e hierarquias no balneário, sob pena de perder o grupo se descurada esta parte. E a normal relação paternal existente na formação, onde um treinador tem mais facilmente um ascendente sobre um jovem, pode não surtir o mesmo efeito em grupos mais maduros.
Na altura, a demonstração pública de liderança, não era a característica mais relevante apontada a Lage, contudo a ideia geral é que isso adviria com o tempo, no exercício do cargo.
Daí que em Abril de 2019, em especial com a saída das competições europeias depois de uma vitória caseira por 4-2 na primeira mão, começam a aparecer as primeiras críticas. Desde o fantástico jogo no Dragão em Março desse ano, que o rendimento da equipa não era constante. A nível europeu, a rotação promovida ia causando dissabores na ronda frente a uma acessível Dínamo de Zagreb.
Mas levantavam-se principalmente preocupações sobre o facto da equipa não ter um sistema de jogo alternativo e estar muito dependente da mestria de dois jogadores (João Félix e Jonas, este último já a jogar em dores, depois de anos e anos a carregar a equipa). Claro que havia atenuantes e o facto do plantel não ter sido escolhido por Lage e não ter tido tempo para ensaiar alternativas contavam a seu favor. Mas as primeiras vozes críticas levantavam-se.
Veio a vitória no campeonato, saiu Félix por uma verba recorde, Jonas igualmente partiu (neste caso retirando-se em grande), fez-se um investimento forte (em especial na frente atacante com quase 37M€ gastos em dois jogadores) e a pré-época com vitória na International Champions Cup e a estrondosa vitória na Supertaça frente ao Sporting, parecia indiciar que os receios eram infundados. A sombra de Jesus também estava afastada, estando este agora empenhado numa campanha à frente do Flamengo no Brasil.
Até que veio a derrota caseira na terceira jornada frente ao Porto. 
Mais do que uma derrota com um directo rival (que já tinha perdido 3 pontos de forma surpreendente na primeira jornada), foi a maneira como essa derrota foi consentida. Como se a equipa não tivesse antídoto para uma abordagem mais directa praticada por este Porto de Conceição. A lesão de Gabriel nas semanas antes e a dependência da equipa dele, assim como aparente falta de encaixe táctico para a contratação mais cara da época (Raúl de Tomás), e uma cega crença (em linha com desejos da direcção) de que do Seixal sairiam jogadores já prontos para o nível competitivo de uma equipa principal do Benfica (por exemplo, Tomás Tavares faz 4 jogos a titular na Champions tendo acumulado apenas 30 minutos de jogo na Liga Portuguesa) aliada à dispensa de jogadores com calejo competitivo (como Salvio ou afastamento de Samaris), começaram a semear uma série de dúvidas à capacidade de Lage em aguentar este barco.
O que é certo é que, mesmo com Vieira sempre a cortejar Jesus (isto já em Janeiro e com Jesus disposto a voltar), mesmo com mais uma decepcionante campanha na Champions (e a Liga Europa conseguida num último fôlego), mesmo com as lesões que assolaram o plantel, ou mesmo com os rumores que saltaram cá para fora de desordem no balneário, depois da equipa ter vendido um jogador caro e claramente inadaptado (o já referido Raúl de Tomás) e ter conseguido reforçar uma zona do terreno carenciada com um jogador com algum renome internacional (Julian Weigl), Lage conseguiu chegar a 8 de Fevereiro deste ano ao Dragão com sete pontos de vantagem e possibilidade, em caso de vitória, de alargar o fosso para 10.
Uma primeira volta demolidora (a nível de resultados e não tanto a nível exibicional), aliada a maus resultados dos adversários, descansavam a equipa para esta segunda volta. A final da Taça também foi garantida e a nível europeu a equipa preparava-se para uma difícil deslocação à Ucrânia, sendo que o sonho de ir longe era real. Noutro patamar, fruto da mega venda no Verão, o clube preparava-se para apresentar um dos melhores resultados financeiros de sempre na história do clube. Vieira tinha caminho aberto para uma reeleição tranquila.
A história recente do Benfica mostra que quando estamos em situações muito favoráveis, o clube (e aqui incluo massa adepta, estrutura, jogadores, etc.) tende a relaxar. Rui Vitória na sua segunda época foi a Guimarães ganhar um jogo para a Taça da Liga com uma equipa de rotação, sobre o qual se escreveu que as duas melhores equipas em Portugal de então eram o Benfica e uma segunda linha desse Benfica. Fomos campeões, mas com uma segunda volta penosa.
(Aproveitando o facto de ter referido Guimarães) Pimenta Machado uma vez disse que "no futebol, o que é verdade hoje poderá ser mentira amanhã". Nada mais certo.
Regressando a Fevereiro deste ano, bastou uma derrota para todo este cenário favorável ser revertido.
A equipa perde esse jogo no Dragão e desde aí conta meramente com uma vitória sobre o Gil Vicente nas últimas 10 partidas disputadas (e uma eliminação europeia às mãos do Shakhtar). Pior, esta situação não foi travada pela paragem de calendário devido à pandemia, e somamos dois empates comprometedores desde a retoma. É preciso recuar 12 anos, ao tal período da saída de Camacho, para ver semelhante registo.
Ainda que o objectivo campeonato seja possível, não se vê a equipa com fulgor ou destreza para lutar por tal objectivo. As acções irresponsáveis de alguns (após o empate com o Tondela) não ajudaram, mas em campo as coisas não estão a fluir. E Lage, pese todo o crédito que tem e fez por merecer (e eu gosto dele), não parece ser o líder que a equipa precisa neste momento crítico - uma das dificuldades apontadas é essa incapacidade pública de demonstrar liderança, sendo que o problema pode igualmente ser nosso, pois nós enquanto adeptos, tendemos a valorizar mais figuras polarizadoras, coisa que o Lage não é.
Mas um dos factores (direi o principal) que poderá estar a pesar mais, é a autêntica "espada de Dâmocles" que sempre esteve sob a cabeça de Lage, mas que nesta altura crítica e com eleições no horizonte em Outubro, estará com mais pressão sob a sua cabeça. Vieira sabe e percebe a volatilidade dos adeptos face a resultados desportivos menos conseguidos, sendo que face à "eucaliptização" que fez na oposição credível que tinha à sua volta (por norma incluindo-os nas suas direcções), sabe que este seria dos poucos factores que fariam com que fosse derrotado.
E claro, nunca quererá colocar em risco a sua reeleição, ainda para mais com um treinador que nunca foi a sua primeira escolha e que os adeptos já começam a pedir a cabeça.
Até Júlio César, pese todo o poder que concentrou em si, acabou assassinado.
10 de Junho do presente ano.
Benfica volta a perder pontos contra o Portimonense, consentindo um empate depois de uma primeira parte em bom plano.
Irá Vieira novamente "atravessar Portimão" voltando a lançar a sua sorte?"

Porque é que os governos investem no desporto de alto rendimento?


"Porque é que os governos de muitos países apostam uma boa parte das receitas dos impostos dos cidadãos e das empresas ao desporto de alto rendimento? Tendo por missão gerir o bem comum, o que ganham os governos, e o que beneficia a comunidade com as prestações desportivas dos melhores atletas de um país?
Várias reflexões têm ocupado vários pensadores sociais e investigadores da área da gestão do desporto. Efectivamente, o que se sabe é que os benefícios colectivos para o bem comum são superiores aos custos que os países se sujeitam com esses investimentos aplicados no sector do alto rendimento desportivo.
Porém, o que se requisita é uma clareza do racional das decisões que afectam milhões de euros anuais à preparação e à participação de atletas de alto rendimento nas maiores competições desportivas: campeonatos da Europa, do mundo e Jogos Olímpicos. Jonathan Grix professor na Universidade de Birmingham deu um contributo para compreender o racional. A filosofia que está por trás deste modelo de investimento sério - de muitos países desenvolvidos - no desporto de alto rendimento é o designado “ciclo virtuoso” do desporto. A lógica do "ciclo virtuoso" do desporto é suportada pelo seguinte racional: o sucesso do desporto de alto rendimento, 1) traz prestígio internacional ao país, 2) reforça a identidade nacional, 3) constitui um factor de sentimento positivo e bem-estar na população, 4) promove o aumento da participação desportiva da população em geral, a qual, por sua vez; 5) conduz a ganhos no sector da saúde e ao fornecimento de talentos para o desporto de alto rendimento; e isso conduz novamente ao sucesso de desporto de alto rendimento, conforme figura seguinte. 
Várias políticas públicas e numerosas investigações publicadas têm demonstrado a robustez do "ciclo virtuoso" do desporto: as políticas públicas relacionadas com a promoção da participação desportiva da população em geral:
a) A Organização Mundial da Saúde dedicou o relatório Europeu à definição do caminho para o bem-estar;
b) A União Europeia lançou o EU Physical Activity Guidelines;
c) Em Portugal, o Governo, através do Instituto Português do Desporto e Juventude e da Direcção-Geral de Saúde, lançou a Estratégia Nacional para a Promoção da Actividade Física, da Saúde e do Bem-Estar.
A investigação em gestão do desporto tem mostrado que o desempenho do desporto de elite de um país é considerado i) um dos principais veículos para melhorar o prestígio internacional e a reputação de uma nação; ii) ajuda a população desse país a construir e manter uma ideia de unidade e aumenta o orgulho nacional, e; iii) nos desportos com maior tradição de um país eleva a sensação de bem-estar subjectivo da população, através do factor “sentir-se bem” (feelgood factor), argumento que foi utilizado após a gorada prestação nos Jogos Olímpicos de Atlanta 1996: 36.º país medalhado, entre 71, para sugerir ao governo de Inglaterra um maior investimento no desporto de elite, particularmente nos desportos que mais interessam à população.
Em síntese, o investimento no desporto de alto rendimento, como é bom de ver, é pois um investimento muito produtivo, gera largos benefícios para a comunidade, e o que é bom para a comunidade é porque tem valor para o bem comum e para os membros da comunidade."

O martelo de Nietzsche VI

"1- Segundo o biólogo Jean Rostand podemo-nos entender com pessoas que não falam a mesma língua, mas não nos podemos entender com pessoas para quem as palavras não têm o mesmo significado. Os maiores desentendimentos no âmbito do desporto surgem porque, muitas vezes, as palavras para os mais diversos protagonistas não têm o mesmo significado.
2- No inglês antigo a palavra “disport” proveniente do francês “desport” significava diversão fora de portas. No século XVII em Inglaterra podia até querer dizer “fazer a guerra” que era o divertimento dos reis. A partir do século XIX o “sport” era consubstanciado no prazer lúdico da prática de várias actividades recreativas em plena natureza, bem como no exercício de habilidades físicas, na utilização da força muscular, na destreza e no adestramento de várias acrobacias, entre elas as do circo, que deviam estar envolvidas na coragem, ser realizadas com astúcia, mas no respeito pelas regras pré-determinadas. Entre os “sports” menos formais, contavam-se, entre outros, a caça, a pesca, a natação, a equitação, a patinagem, a canoagem, os percursos pedestres, a navegação a remos ou à vela e, entre os mais formais o tiro de pistola e de carabina, o boxe, a luta, o tiro com arco, a ginástica, a esgrima ou o criket, entre outros, que davam origem a competições formais com regras estabelecidas localmente e antecipadamente por mútuo acordo. Segundo o “Grand Dictionanire Universel du XIX Siècle” o “sport” implicava três condições: (1º) o ar livre; (2º) as apostas; (3º) uma ou mais destrezas do corpo.
3- Friedrich Schiller, na obra “Letters on the Aesthetical Education of Man” foi um dos primeiros filósofos a tratar das questões do jogo através do conceito de impulso lúdico, quer dizer, do instinto lúdico. Para ele, “o homem joga somente quando é homem no pleno sentido da palavra e somente é homem pleno quando joga”.
4- O homem é conduzido pelo instinto do jogo que, enquanto competição que é, é o fio condutor da explicação ontológica. Neste sentido, na sequência das posições de Friedrich Nietzsche e, entre outros, de Ortega y Gasset, mas ultrapassando as posições de Johan Huzinga e, entre outros, de Roger Caillois, diremos que o jogo, enquanto competição que é, está inscrito no código genético da humanidade. Em consequência, é a actividade primeira, a mais espontânea, a mais livre, a mais criativa, a mais estética e a mais nobre da condição humana.
5- Pierre de Coubertin, para além das escolas de ginástica organizadas na educação física que, do ponto de vista corporativo, imperavam na Europa, numa perspectiva histórico-epistemológica, foi o primeiro a perceber a mudança de paradigma que, no quadro do industrialismo, já estava a acontecer nas actividades físicas de carácter lúdico-recreativo que vinham do passado da humanidade.
6- O desporto moderno arrancou quando Pierre de Coubertin, a partir do espírito do agôn do atleticismo dos gregos antigos, da pedagogia activa das escolas públicas inglesas e do padrão burocrático-institucional do industrialismo. E, em 1892, anunciou a intenção de organizar os Jogos Olímpicos da era moderna; em 1894 fundou o Comité Internacional do Jogos Olímpicos que, posteriormente, se viria a designar Comité Olímpico Internacional e; em 1896, foi o principal responsável por se ter realizado em Atenas a primeira edição dos Jogos Olímpicos da era moderna.
7- A sociedade de finais do século XIX até ao final do terceiro quartel do século XX, de acordo com a lógica dos princípios do industrialismo, viu nascer os jogos desportivos. O desporto moderno é um produto da sociedade industrial. A sociedade de finais do século XX princípios do século XXI, de acordo com a lógica dos princípios do pós-industrialismo, está a ver nascer os jogos eletrónicos. Os Jogos eletrónicos são um produto da sociedade pós-industrial.
8- As diferenças epistemológicas entre a desportologia e a jogologia são abissais. A dinâmica livre e comercial dos jogos eletrónicos nunca se sujeitará à dinâmica politico-burocrática dos jogos desportivos. Quer dizer: (1º) O exercício do livre arbítrio dos protagonistas da jogologia jamais se sujeitará ao modelo estandardizado de procedimentos da desportologia; (2º) A dinâmica da especialização quantitativa da jogologia (variedade) jamais aceitará respeitar qualquer dinâmica qualitativa (mais do mesmo) da desportologia; (3º) A dessincronização espácio-temporal da jogologia jamais respeitará qualquer sincronização própria da desportologia; (4º) A jogologia nunca sobreviverá no quadro da hierarquia de concentração de poder e de comando da desportologia; (5º) A lógica da responsabilidade económica da jogologia jamais se adaptará à lógica maximalista e irresponsável (gigantismo) da desportologia: (6) A lógica descentralizada da jogologia nunca se ajustará à lógica da estrutura piramidal centralizadora da desportologia.
9- Não tem qualquer sentido pretender-se denominar os jogos electrónicos como desportos electrónicos ou E-Sports. Trata-se de um paradoxo que não interessa nem ao desporto que tem um quadro epistemológico fechado fundado no espírito do agôn do atleticismo dos gregos antigos, da pedagogia activa das escolas públicas inglesas e do padrão burocrático-institucional do industrialismo, nem aos jogos electrónicos que devem encontrar o seu próprio paradigma num modelo aberto de desenvolvimento à escala mundial sem quaisquer constrangimentos de ordem epistemológica. Nada obsta que os jogos electrónicos possam ter como objecto de jogo uma modalidade desportiva. Todavia não é por isso que o jogador se torna num ciberatleta. Desde logo porque, na acepção grega da palavra, um atleta (athletés) é um lutador real no sentido corpóreo da palavra.
10- O valor social e político do desporto com a lógica do passado sustentada na actividade física estandardizada, na ludicidade competitiva e na estrutura institucional à escala do Planeta, continua a ter todas as condições para se projectar no século XXI, assim os dirigentes políticos e desportivos o saibam compreender e amar. Todavia, em grande medida, o desporto não deixa de ser um produto acabado pelo que mudar regras ou introduzir novos desportos nos Jogos Olímpicos obriga a processos, pelo menos, demorados e pesados. Pelo contrário, os jogos electrónicos serão sempre um processo inacabado, sem fim, desde logo porque têm na sua dinâmica de desenvolvimento um novo elemento a que os gregos antigos designavam por “tekhnè”. Na Grécia antiga a palavra “tekhnè” ligava ao trabalho dos artesãos a ideia de arte. Ora bem, no desporto, para além da estética do espectáculo, já pouco há inventar e aquilo que se inventa de novo, geralmente, tem um campo muito restrito de aplicação. Pelo contrário, os jogos electrónicos têm a montante um espaço incomensurável de trabalho técnico-criativo de artesãos informáticos que se dedicam à concepção e produção dos jogos electrónicos. São eles que vão condicionar a organização do futuro pelo que o futuro dos jogos electrónicos, em grande medida, está nas suas mãos. Por tudo isto, é pena que o desenvolvimento dos jogos eletrónicos, que, potencialmente, do ponto de vista económico e social, têm possibilidades como certamente nenhuma outra actividade à escala do Planeta, estejam a ser condicionados por lógicas de pensamento do século passado XX que nada têm a ver com a realidade que já é o desenvolvimento artístico-criativo, lúdico e competitivo da jogologia do século XXI. À jogologia o que da jogologia, à desportologia o que é da desportologia."