quarta-feira, 25 de março de 2020

Mensagem do lançador da equipa de Atletismo e finalista do curso de Medicina, Fernando Belo

"Adaptar... é o que os seres vivos fazem desde sempre e nós humanos não somos excepção. Para uns é mais fácil, para outros menos. Para nós, atletas, é condição normal da nossa vida, constantemente à procura de melhores adaptações físicas e mentais.
As rotinas mudaram, as dificuldades são agora outras. Temos sempre planos para o que fazer no caso de uma pequena lesão, alteração de treinos ou de competições, mas não para a crise actual. Mesmo assim, temos algo a nosso favor: o Benfica. Da mesma forma que nos ajuda com a sua equipa multidisciplinar, o Clube foi o primeiro a tomar medidas para nos proteger e encontra-se sempre à procura de melhores soluções para os seus atletas.
Mais do que estar longe de quem gostamos, acho que é a impossibilidade de ir que nos dói. Apenas ir, porque podemos. A "forma" física não se mantém. Até se obterem estratégias, a médio prazo, penso que apenas se atrasa, o máximo possível, o decréscimo.
Até a alimentação teve de ser adaptada face à corrida irracional das pessoas aos bens essenciais.
Mas nem tudo são más notícias. Gosto de ser positivo! E sabem que mais? É altura de aproveitar… aproveitar para fazer o que não foi feito até agora. Aqueles exercícios de alongamentos que sempre devemos fazer, mas nunca há tempo: é agora! Aqueles exercícios de estabilidade e coordenação que por vezes ficam para trás por causa daquele exercício mais importante: é agora!
A vida deu-nos tempo para nos tornarmos melhores. Para crescermos e fazermos dos nossos pontos mais fracos os mais fortes. Adaptar. Fazer o que fazemos de melhor, com convicção e confiança.
Os próximos meses serão difíceis. Sim, já está claro para todos! Resta-nos esperar pacientemente pela definição das datas de realização dos Jogos Olímpicos, em Tóquio, para que a preparação possa ser planeada. Necessitaremos da máxima capacidade de adaptação e resiliência.
Existem poucas certezas e torna-se difícil prever o futuro, visto que se trata de um novo vírus. Mas vamos conseguir. Vamos ser maiores e vamos ser melhores.
Muita força e esperança para todos!

Francisco Belo"

Pandemónio

"1. «A anulação dos Jogos Olímpicos destruiria os sonhos de 11 mil desportistas», disse o líder do COI. Vou ser meigo: este tipo é uma besta.
2. Li no outro dia: «Bruno Lage testa dupla Dyego Sousa e Vinícius.» Por Skype, WhatsApp ou Messenger?
3. O Benfica foi o único clube que não quis participar na jornada virtual da Liga. De facto, às vezes o clube parece ter o comando estragado.
4. Nos EUA um inspector de doping no ciclismo foi suspenso por... doping. Lá diz o povo: quem acompanha com coxo, ao terceiro dia coxeia.
5. O presidente da FIFA fala numa oportunidade para reformular o futebol: menos torneios, menos equipas, menos jogos. É o mesmo que passou o Mundial de selecções para 48 equipas e o Mundial de Clubes para 24?
6. «Eles fingem que me pagam e eu finjo que jogo», disse um dia Vampeta sobre os salários em atraso. Pena que isso não resolva o drama dos jogadores. O Aves é mais um triste caso.
7. Oxalá me engane, mas não vejo condições para os campeonatos serem retomados esta época. Para quê forçar e arriscar? O futebol é imortal, nós não.
8. Em Portugal será o pandemónio em tempo de pandemia. Só peço a FC Porto e Benfica que não gastem o papel higiénico todo a decidir quem é campeão.
9. E esqueçam lá essa história de esta crise poder mudar a vida e o futebol. Mudará apenas até haver condições para voltar a ser igual. Ou pior.
10. A quarentena ainda agora começou e Lindelof já anda a vestir a roupa da mulher. Vai acabar num varão... 
11. Rui Gomes da Silva reagiu com ironia à ajuda dada pelo Benfica na luta contra o Covid-19. À medida que aumenta o número de infectados, aumenta também o número de idiotas.
12. Na Nicarágua há luta renhida entre Diriangen, Managua e Real Esteli, no Burundi o Musongati vai lançado e na Bielorrússia o campeão Dínamo Brest tropeçou no arranque. É isto ou corridas de submarinos."

Robin Koch


"Internacional A pela Alemanha, cores que defendeu também no Europeu Sub21 em 2019, o gigante alemão (192m) de vinte e três anos, que é uma das figuras do Freiburg, equipa revelação da Bundesliga, é o central que o Benfica elegeu para reforçar a sua equipa.
Koch tem também passado como médio defensivo e até como interior, o que revela um pouco sobre aqueles que são também os seus traços com bola.
Forte no 1×1 Defensivo, onde se faz valer de uma boa técnica de Contenção – Desde a travagem, ao baixar do centro de gravidade e orientação dos apoios, bom posicionamento defensivo, passada larga que lhe permite recuperar metros em profundidade e boa relação com bola notada em como inicia os ataques, seja explorando diagonais por cima, ou procura do espaço interior com passes tensos, o alemão tem todas as condições para se tornar uma mais valia na equipa do Benfica e na Liga NOS.



"

(...) pede J.J. contra Mourinho com voz de Gabriel Alves, CR7 e Quaresma num mano a mano, Ronaldinho na prisão e Paím a comentar

"Dia 523 da quarentena.
O mundo continua a dar-nos razões para sorrir, excepto se olharmos para um ecrã, qualquer um, e observarmos o que se passa no mundo ou em nossa casa. A minha mulher continua a tolerar estoicamente a minha presença. Os filhos revelam-se uma espécie de corrida Iron Man da paciência. Decidi proibi-los de fazer uma daquelas tarjas a dizer “vai correr tudo bem”, pelo menos até se anunciar a mutualização da dívida.
Voltei a experimentar a app de meditação do Sam Harris, mas a minha atenção espasmódica não sobreviveu a um primeiro enquadramento teórico sobre como respirar.
Continuo a sentir que a maioria dos podcasts foram feitos para nos ajudar a adormecer e que talvez um dia estejamos preparado para falar abertamente sobre isto.
Essa curva parece estar longe de achatar.
Apesar de tudo, entendi que a minha resiliência nas primeiras 24 horas da quarentena justificava um prémio e encomendei uma PS4. Passei mais tempo a configurá-la do que a jogar. Já tinha saudades de alguma burocracia na minha vida.
Volvidas doze derrotas consecutivas na última divisão do FIFA20, dei por mim a concluir que sou uma espécie de Carlos Azenha desta comunidade. Não jogo há 3 dias. Os meus filhos continuam a perguntar o que é aquele objecto estranho escondido atrás do ecrã (o comando). Explico-lhes que é um brinquedo para adultos e solto uma gargalhada de javardo. A minha mulher continua a tolerar estoicamente a minha presença.
Os eventos desportivos são agora uma visão do passado. Analistas de futebol entretêm-se a recordar a disposição tática de um Somália - Equador no Mundial Sub-17 de 2003. Páginas de memes tentam fazer-me rir com a mesma piada.
Pessoas que até aqui faziam prognósticos sobre onzes titulares e resultados de jogos de futebol apostam agora as suas poupanças no número de infectados de amanhã. Diferentes clubes de futebol assumem que eu estou interessado em saber o que é que um futebolista profissional faz em casa.
O WhatsApp revela um efeito de contágio superior ao do Covid-19. A falta de noção cresce exponencialmente. O Canal 11 apresenta a “semana do Euro 2016” como se metade da programação anterior não tivesse sido dedicada a isso. O Gabriel está apto, mesmo a tempo de coisíssima nenhuma. O Taarabt deve ter voltado a beber. Eu faria o mesmo, se alguma vez tivesse parado. 
Recuperando a gíria futebolística, estamos todos à espera que o telefone toque, mas em vez de uma chamada do director desportivo do Bali United a perguntar se temos interesse em conversar, desejamos apenas uma notificação que diga “Última Hora: Futebol Regressa na Próxima SemanaL”.
Há uns meses perguntaram à então candidata democrata Elizabeth Warren o que a tinha feito mudar tanto de opinião nas últimas décadas relativamente a certos temas e ela explicou que é precisamente isso que faz dela progressista.
Sinto que devo utilizar a mesma lógica para vos explicar que qualquer intervenção minha em que eu tenha dito que não queria jogos à porta fechada deve ser desconsiderada desde já. Apesar de compreender o momento periclitante que vivemos, eu dispenso o meu momento churchilliano e passo já para o meu manifesto taberneiro.
Eu tenho um sonho.
O sonho de que já amanhã Pedro Proença anuncie uma espécie de Liga NOS em versão estilo Hunger Games. Cada clube selecciona os onze homens mais saudáveis que tiver e fecha-os no estádio municipal de Leiria, que há muito merece acolher uma prova deste gabarito. Ganha a equipa que sobreviver. Depois sim poderemos finalmente demolir o estádio.
Ou não, ou não. Bem sei, amigos. Estamos juntos nesta luta. É fundamental que todos possamos sobreviver e que, mais unidos do que nunca por esta difícil provação, cheguemos plenos de saúde à fase seguinte das nossas vidas: um clusterfuck social e económico que nem um estúdio de Hollywood se lembraria de narrar em filme.
Ou então não, e talvez isto seja, como alguns optimistas insuportáveis têm repetido, uma oportunidade para nos reencontrarmos enquanto espécie, olharmos à nossa volta e reflectirmos. Como é mesmo? O planeta é o paciente, os humanos são a doença e o vírus é a cura.
Foda-se. Socorro. Eh Pá.
Qualquer coisa. Não me venham com os vídeojogos, por favor. Vi 2 minutos disso no fim de semana e senti o meu cérebro a mirrar. Não sei. Entretenham-nos. Se querem mesmo malta a jogar na consola, sejam menos óbvios.
Quero ver Jorge Jesus contra José Mourinho numa partida de FIFA comentada por Gabriel Alves. Levem o Madjer para Carcavelos e façam um live stream dele a repetir pontapés de bicicleta. Se alguém tentar assistir no areal, leva um pontapé idêntico. Peçam ao Ronaldo para fazer um baliza a baliza com o Quaresma, no mais estrito cumprimento das regras de distanciamento social. Transmitam o próximo jogo do Ronaldinho Gaúcho na prisão com comentários do Fábio Paim a partir de outro estabelecimento prisional.
Um sinal de que há bola ao fundo do túnel. Qualquer coisa. Assim não vamos aguentar muito mais."

Uma crise nunca vem só

"Os clubes vão conseguir sobreviver e refazer as suas práticas? Nos moldes que vinham praticando até aqui, claro que não.

O futebol nunca mais será o mesmo, nem nas nossas vidas”.
São palavras do técnico de futebol Jesualdo Ferreira a um portal brasileiro, ditadas por uma experiência de muitos anos, que vão inapelavelmente ao encontro de uma verdade que muitos ainda teimarão em não aceitar.
Mas a realidade está ali toda numa simples frase, que nos desperta para um futuro carregado de interrogações.
As mudanças na sociedade, por força de uma pandemia de duração e consequências por enquanto difíceis de prever, abrangem todos os sectores da vida, deles não podendo subtrair-se o Desporto, de forma abrangente e, de modo muito especial, o futebol.
A paralisação registada em diversos países, mas com incidência maior na Europa, está já a tirar o sono a muita gente.
Claro que os adeptos são afectados, mas o mal maior projecta-se sobre clubes e praticantes, aos quais começa a faltar o seu sustento e, pior do que isso, uma perspectiva de futuro sem capacidade para remediar o descalabro que começa a estar cada vez mais à vista e que vai deixar sequelas por muito tempo.
Clubes de portas fechadas, atletas sem saber que rumo dar às suas vidas, competições com barreiras intransponíveis à sua frente, as mais recentes das quais erguidas pela Uefa ao adiar, sine die, as finais europeias dos seus principais torneios que, em princípio, deveriam ter lugar no próximo mês de Maio.
Com este quadro bem à nossa frente, é altura de perguntar como vai ser resolvida a situação de tantos milhares de protagonistas que vivem e dependem do futebol?
Os clubes vão conseguir sobreviver e refazer as suas práticas? Nos moldes que vinham praticando até aqui, claro que não. 
Há, no entanto, algumas situações que se afiguram de mais urgente resolução.
Todos os dias, as notícias nos entram pela casa dentro transportando dramas de jogadores e suas famílias, cuja sobrevivência está a transformar-se num autêntico pesadelo.
Enquanto não é possível ultrapassar esta fase, é pois este o tempo de tanto a Liga de Clubes como a Federação saírem dos seus casulos e acorrerem àqueles que durante muitos anos contribuíram para o abarrotar dos seus cofres."

TSDT ou a arte de brilhar atrás da cortina: uma homenagem a um leque de homens e mulheres de excepção que não têm o reconhecimento devido

"TSDT ou a arte de brilhar atrás da cortina.
Hoje não vou escrever sobre futebol nem contar-vos histórias mirabolantes dos meus tempos de árbitro. Tudo isso tem importância, mas cabe dentro das coisas menos importantes. 
Hoje quero falar-vos sobre um assunto relacionado com o vírus que tanto nos perturba. O mesmo que, por estes dias, mudou o nosso quotidiano e posicionamento perante a vida.
Quero apresentar-vos um leque de homens e mulheres de excepção. Um conjunto alargado de profissionais valiosos, que não têm o reconhecimento que deviam e mereciam.
Refiro-me aos Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica.
Os TSDT, como agora são conhecidos, fazem parte de uma carreira que agrega dezessete profissões relacionadas com a nossa saúde, com a área médica.
Mas já lá vamos.
Como sabem, por estes dias, vivemos uma nova realidade. Uma realidade que desconhecíamos e que, garantidamente, não prevíamos. Uma que nos deixa abatidos, receosos e vulneráveis.
A sensação que dá é que nos perdemos no tempo e no espaço. Assim, do nada. De repente.
Fomos surpreendidos por uma variável que não controlamos, por uma força maior que nos obriga a pensar fora da caixa, que nos obriga a priorizar. A priorizar o que é mais estruturante e impactante nas nossas vidas: a vida em si.
No meio deste turbilhão de emoções, mora uma verdade absoluta: a de que cada um de nós valoriza agora e mais do que nunca, o esforço, compromisso e dedicação de todos os "profissionais de saúde". 
Quando pensamos neles - nesses novos super-heróis da actualidade - vêm-nos à cabeça médicos(as) e enfermeiros(as).
Fazemo-lo, quase instintivamente, por sabermos que são esses que estão na linha da frente deste combate injusto. Fazemo-lo quase convencidos que começa e termina neles todo o apoio e ajuda que precisamos para salvar o mais precioso dos bens: o da vida.
Essa presunção, justíssima e merecida, é verdadeira mas não totalmente verdadeira.
Não há a mínima dúvida que a nossa dívida de gratidão para com eles jamais será paga, mas a verdade é que - para além, atrás ou ao lado de cada um deles -, há outros profissionais de coração enorme que, de forma directa ou indirecta, têm idêntico valor. Também se sacrificam, também se expõem e também correm riscos para o mesmíssimo fim.
Estou a falar dos tais TSDT, nomeadamente dos Técnicos de Análises Clínicas e de Saúde Pública e dos Técnicos de Anatomia Patológica, Citológica e Tanatológica, que se expõem agora a esta pandemia, realizando, a toda a hora, rastreios e diagnósticos laboratoriais; estou a falar dos Técnicos de Radiologia, responsáveis pela realização de milhares de exames (RX e CT, entre outros) que contribuem para o diagnóstico e avaliação da extensão da doença; estou a falar dos Técnicos de Saúde Ambiental, que actuam ao nível epidemiológico, sendo responsáveis pela elaboração de planos de limpeza, desinfeção e descontaminação dos espaços utilizados; estou também a falar dos "Fisioterapeutas", em particular daqueles que, nesta fase, estão adstritos aos Cuidados Intensivos, onde têm a responsabilidade de optimizar a oxigenação e ventilação de doentes com Covid-19.
Estas são funções fundamentais no nosso sistema de saúde e essenciais no ataque cerrado a este novo coronavírus.
Funções ocupadas por pessoas credenciadas e de alma pura, que trabalham horas a fio para garantir a melhor resposta a quem esteja (potencialmente) infectado.
Convém recordar que, para além desses, há outros TSDTs, profissionais de mão cheia, que continuam a trabalhar, a assegurar o tratamento de pacientes com patologias distintas, que precisam de exames, tratamentos e cuidados médicos. É o caso dos Técnicos de Medicina Nuclear e dos de Neurofisiologia de Farmácia e também dos de Prótese Dentária, de Cardiopneumologia e de Radioterapia. É ainda o caso dos Ortoptistas, Terapeutas da Fala, Terapeutas Ocupacionais e Audiologistas, entre outros.
Aos olhos de grande parte da imprensa, esses não são os "Bravos do Pelotão", mas acreditem... também o são.
Não há piloto que vença sem um mecânico de topo na retaguarda. Não há médico que brilhe sem uma equipa fantástica que lhe proporcione, com a mesma entrega e riscos, tudo o que ele precisa para fazer bem o seu trabalho.
Uma vida é sempre salva por muitas vidas.
Da minha parte, é muito simples: um abraço enorme a esses grandes profissionais, que tão bem trabalham na sombra para que a luz chegue a cada um de nós.
Chapeau."

Entre a pandemia e o pandemónio

"Não há coisa que me tire mais do sério do que a falta de civismo. Essa espécie de egoísmo misturado com inimputabilidade que em Portugal dá frequentemente à costa em modo de chico-espertismo. 
Numa crise que testa a nossa resiliência enquanto comunidade, o pior inimigo é aquele que não tem sequer vaga ideia do que é cuidar do bem comum.
Tanto quanto do vírus, temos de nos salvar dos irresponsáveis, dos ignorantes. Enfim, da estupidez humana, que pode ser infinita mesmo numa imensa minoria.
Para uma consciencialização em massa, talvez não fosse má ideia no próximo domingo de sol colocar ecrãs gigantes nas praias a passar uma reportagem da Sky News em que se mostra o caos que se vive numa unidade de cuidados intensivos do Hospital de Bérgamo – que com quase 6 500 casos confirmados é a província mais afectada de Itália.
Talvez assim ficasse evidente por cá quão «má onda» é passear pateta-alegremente na marginal ou ir à praia quando há um país inteiro de quarentena e um concelho isolado com um cordão sanitário.
O alerta está dado e difunde-se a cada dia que passa. Nas notícias das mais diversas áreas também. Seja pela morte do antigo presidente do Real Madrid ou pelo contágio de desportistas tão mediáticos como Paulo Dybala ou Kevin Durant.
Se tal não chegar, atentem nos alertas que os futebolistas brasileiros Dalbert e Jonathas de Jesus, a viverem de perto a pandemia em Itália e Espanha, respectivamente, fazem aos seus compatriotas, esbracejando do lado de cá do oceano como quem avisa de um acidente prestes a acontecer perante a irresponsabilidade criminosa de Bolsonaro.
Se tal ainda assim não chegar, leiam com atenção as palavras de Massimo Cellino, o presidente do Brescia, que está no olho do furacão, na segunda província mais afetada de toda a Itália – Brescia tem cerca de 6 000 casos e situa-se no coração de uma região, a Lombardia, que em escassas semanas conta mais de 27 mil infectados e perto de 3 500 mortos.
Homem de negócios controverso, com condenações por corrupção, fraude e falsificação de documentos, Cellino parecia visivelmente em pânico por estes dias quando falava ao Corriere dello Sport sobre a pandemia.
«A época acabou, este vírus é pior do que a peste. A vida está em primeiro lugar! Sempre! A vida, f***-se! Há adeptos que levam oxigénio aos hospitais e há outros ainda que choram mortos, gente entubada... Só penso nos que vão morrer, não em quem vai perder o campeonato», alertava.
Pelo meio, fazia um relato dramático da sua própria vulnerabilidade: «Estou em casa com febre há três dias e em quarentena há onze. Encontro-me fechado, estou sozinho, a minha mulher está presa em Cagliari. Tenho um filho em Milão, os outros lá fora de Itália e eu já vi e ouvi coisas que você nem imagina. Recebo todos os dias notícias de Brescia e todas são de loucos [...] Tenho até medo de sair de casa, estou a entrar em depressão…»
O relato impressiona.
Por ignorância ou comodismo, quem passeia descuidadamente lá fora não terá noção do tsunami que aí pode surgir. Nem terá o desígnio maior de se sacrificar por pouco que seja para evitar um possível colapso do Serviço Nacional de Saúde.
Se não forem lá pelo respeito consciente, que vão pelo medo mais primário. Ou, em último recurso, pela repressão, que é para isso que o estado de emergência há de servir.
Situações de excepção como aquela que vivemos servem para sobrelevar o que de melhor há em nós. A solidariedade, o humanismo, a responsabilidade cívica. Por outro lado, acabam por desvendar, numa minoria, o pior: do açambarcamento de artigos de primeira necessidade ao desprezo pelo esforço dos outros.
Livrai-nos da inconsciência, da irresponsabilidade, do «Deus por todos, mas cada um por si».
Mais do que a pandemia, temo o pandemónio."

A ameaça e o desafio

"Assistimos a uma Europa sem alma, sem comando, cheia de tiques de correcção política, palavrosa e convertida em euros. Deixámos de ter estadistas que viam longe, para dar lugar à política que não enxerga para além do curtíssimo prazo.

1. Vivemos numa época de êxtase científica, onde o infinito parece ser o limite. Temos, ao nosso dispor, uma imparável parafernália tecnológica. Universalizaram-se poderosos meios virtuais de comunicação, com o que de maravilhoso e danoso nos trazem. Glorificámos o homo economicus e transformámos a economia de mercado em sociedade de mercado. Endeusámos a globalização económica e informacional e ignoramos os seus perigos morais. Valoriza-se mais o crescimento económico do que o desenvolvimento humano. Estimula-se a apologia e o elogio do sucesso, enquanto se desdenha da compaixão por quem fracassa. Fomenta-se, sem rodeios, o monopólio do ter, que tantas vezes esmaga a dignidade do ser. Desprezámos a aldeia para aumentar o urbanismo descontrolado e o asfalto. Vivemos prenhes da nova ideologia do actualismo, que secundariza o tempo que está para além do dia seguinte. Erguemos o utilitarismo como a ética da conveniência e o egoísmo como a ética intergeracional. Convivemos com uma insidiosa métrica do valor da vida, através da qual ser velho é um problema e nascer é uma inconveniência. Continuamos, apesar das declarações proclamatórias, a ver a natureza como uma mera coisa instrumental a usar, abusar e saquear. Exaltamos a exclusividade dos direitos e fragmentamos os correspondentes deveres. Esquecemos que a noção de direitos humanos é ilusória quando se separa o direito do dever. Enganamo-nos quando, entre o bem e o mal, criamos uma falsa e perigosa categoria ética, a da indiferença. Desbaratamos energias no domínio dos cuidados de saúde para nos envolvermos em maniqueísmos que nada resolvem e tudo enquistam. Esbanjamos investigação e dinheiro em meios de guerra nucleares, urânio enriquecido, armamento sofisticado, armas químicas, mas não temos sido capazes de erradicar a malária que mata em África, e outras doenças, só porque escolhem os pobres para seu alvo. Desmerecemos o direito natural universal que decorre da natureza humana e dos seus fins para tudo concentrar no direito positivo contingente, que, não raro, contraria o direito natural. Adulteramos o bem comum, enquanto expressão ética e dimensão social e comunitária de fazer o bem e enquanto razão de ser da autoridade política. Desvalorizamos a família e o lar (palavra ora em desuso) como epicentros da educação, da solidariedade e de transmissão da vida, em troca do individualismo, da efemeridade e do hedonismo. Trocamos valores sólidos pelo subjectivismo e relativismo de meras opiniões que nada valem por tudo quererem valer. Dividimos a força da verdade e multiplicamos a mentira, o rumor, a fantasia, a calúnia e o boato. Promovemos a primazia do número e o sufoco da estatística, como formas traiçoeiras de ditar políticas e de iludir as muitas formas de exclusão e de pobreza. Satisfazemo-nos com a supremacia das circunstâncias sobre nós próprios. Reduzimos os agrupamentos humanos a arquétipos formatados em visões abstractas e objecto de decisões frias e distantes. Assistimos a uma Europa sem alma, sem comando, cheia de tiques de correcção política, palavrosa e convertida em euros. Deixámos de ter estadistas que viam longe, para dar lugar à política que não enxerga para além do curtíssimo prazo e alimenta (e se alimenta) de epifenómenos populares, populistas ou seja lá o que for.
Somos de um tempo em que uns acusam outros de culpas, não raro por nada de importante e por tudo de insignificante. Tão concentrados estamos nas verdadeiras ou inventadas culpas, que esquecemos as soluções ou os caminhos a trilhar. Trocámos a segurança das soluções pela pressa das impressões. Para isso, menosprezamos a memória, alimentados por uma insidiosa cultura do presentismo e do descarte. Hoje, em muitos domínios, o que importa não é tanto fazer ou não fazer, é mais o dizer, o anunciar, o prometer. A erosão memorial é mais gratificante para quem anuncia do que para quem age. Sacrificamos o essencial, seduzidos que estamos pela obsessão da quantidade, da futilidade, senão mesmo da inutilidade. Como ilustrativamente, nos diz um provérbio, creio que chileno, «à procura de água, encontrámos petróleo e morremos à sede».
Propositadamente estou a escrever na primeira pessoa do plural, e não num anónimo sujeito nulo. Mas – perguntará o leitor – porquê nós, se eu não tive nada a ver com isso? Fi-lo, desde logo pensando em mim, tendo presente um texto do filósofo e eticista Emmanuel Levinas, em Ética e infinito, por sua vez baseado no que Dostoiévski, escreve em Os irmãos Karamazov: «Somos todos culpados de tudo e de todos perante todos, eu mais do que os outros. Não devido a esta ou àquela culpabilidade efectivamente minha por causa de faltas que tivesse cometido, mas porque sou responsável de uma responsabilidade total».

2. Enfim, vivemos (vivíamos) numa roda aparente, enganadora e solipsista, que muitos julgavam inexpugnável. E, de repente, um vírus do tamanho de nada consegue, planetariamente, pôr em causa este estado de coisas. Um quase invisível inimigo de cerca de 500 nanómetros, isto é de 0,0000005 milímetros, ataca-nos na nossa mais sagrada e vulnerável expressão, a da vida. Perante este combate, tudo o resto se esvanece. O que ontem era importante, hoje passou a ser dispensável. O que ontem era urgente, diluiu-se na sua quase sempre falsa pressa. Ninguém sabe como esta situação vai evoluir, mas o despertar das consciências deve ser encarado como uma boa lição a tirar para o futuro. Este é um ponto que nos deve tornar mais avisados em relação ao servilismo do dinheiro, à tirania da ambição desmedida, à pobreza espiritual e ao pendor excessivamente materialista em que muitas vidas se deixaram aprisionar. Esta guerra silenciosa que o mundo enfrenta abre-nos e alerta-nos para as verdadeiras e profundas prioridades de governantes e governados.
Por aqui me fico nesta tentativa, reconheço que pessimista, de observar o mundo agora confrontado com o brutal ataque de um traiçoeiro microorganismo. Mas, também, no optimismo esperançoso da lição que saibamos tirar desta ameaça. E se só o nosso comportamento pode erradicar este pesadelo, que ele sirva também para prevenirmos o nosso futuro. Mais humanidade, precisa-se!"

Um medo branco

"Velhotas curvadas tecem preces fervorosas à Nossa Senhora do Silêncio, essa padroeira da voz suave e monocórdica das mentiras: “Ficaremos todos bem”. Os pássaros pararam sobre Alcácer. Deve ter sido Deus que os parou assim, plácidos e repousados, sem pios.

O Sado está parado sem saber para onde ir porque, neste tempo do medo, nem ele confia na foz. Os carros da polícia passam com altifalantes gritando: “Isto é um conselho. Fiquem em casa!” Estranho que ao abrir o microfone não se ouça primeiro um sonho roufenho a berrar “Achtung!”, tal como estranho não ter guardas de camisas pretas nas ruas com pastores alemães pela trela. Queria escrever-te uma carta falando-te das crianças que abandonaram as praças e levaram consigo bolas e bicicletas, e de como a cidade está a morrer a pouco e pouco, tão branca, tão leve que o medo nela só pode ser também branco e branca será a morte da qual estamos à espera pelas frinchas das janelas.
Dizem que é sempre a sul que fica a tristeza. Também deve ser a sul que fica o medo. E esta saudade das tuas íris negras, primeiro nos olhos, antes de chegarem a esse céu de Verlaine, tão azul e tão calmo. Escrevo-te cartas.
Velhotas curvadas tecem preces fervorosas à Nossa Senhora do Silêncio, essa padroeira da voz suave e monocórdica das mentiras: “Ficaremos todos bem”. Os pássaros pararam sobre Alcácer. Deve ter sido Deus que os parou assim, plácidos e repousados, sem pios; deve ter sido Deus que parou o desacerto do seu voo, mas não sei se foi, não acredito nele, em Deus. Não tenho outro remédio senão acreditar nos pássaros parados, em silêncio, prometendo mais medos, todos em branco.
“Estás na minha frente eu estou sozinho
E o Mundo roda na suprema translação
De um medo que cresce devagarinho
Como se o céu fosse demasiado azul.
A noite chegou.
E tu também
Talvez ela tenha afinal o teu rosto
E a tua completa dimensão do infinito
Talvez tenha a imensidão que o Tempo tem
Um sabor de chuva de sol de Agosto
E talvez sejam uma só – a noite e tu!”
Consegues ver as estrelas que aparecem uma a uma? Voltou a ser, para nós, tempo de contá-las... Uma... duas, três, o brilho mais acentuado de Vénus... Anda. Não tenhas medo do medo branco. Quatro... cinco... Eu já comecei a contar..."

Um nó na garganta


"Como dizer um coração fora do peito?” Ninguém nos libertará desta distância se não houver poetas que saquem do coldre as armas da brandura e disparem flores sobre as quais caminharemos, sobre os nossos sonhos. Acredita e não desistas: este beijo tão carregado de amor.

Não sei se é a morte da ternura ou apenas um intervalo. Quem resolveu ter o direito de nos roubar os abraços? Porque não posso beijar a testa do meu pai com toda aquela meiguice que ele me ensinou, por completo, do princípio ao fim, toda por inteiro? E como encosto, agora, os meus filhos junto ao peito para que eles possam ouvir um coração que, por causa deles, teima em transbordar, e eu tão perdido? Quem ordena este assassinato do carinho? Respondam-me que não sei. Não te posso dar a mão e passear contigo pela rua como se o mundo fosse absolutamente infinito: tiraram-nos a rua, tiraram-nos as mãos umas das outras, por mais que as minhas chorem pelas tuas. Da janela pela qual olho, o Sado corre para parte nenhuma.
Pessoa ensinou-nos: “Há barcos para todos os portos menos para a vida não doer”. E eu aprendi com o Manuel Alegre que gostar de ti é um poema que não digo, nesta vida diferente que quer matar a poesia. Bem sei, bem sei, o coração transborda e eu sem navio. Mãe! Com ponto de exclamação. O tempo passou por ti, por mim, por nós todos. O teu tempo contado em anos: 80. Hoje mesmo, 24 de março. Um abraço que fica por dar. Mais um abraço que fica por te dar. É isso que nos mata de verdade, entendes? Este mal sem nome que os sábios não percebem, mas se transformou no vírus da maldade. Um beijo que fica por dar; mais um beijo que fica por dar. Quem nos devolve todo este carinho que nos roubam, hora a hora, sem fim à vista? Há vozes ao longe que prometem: é amanhã… tudo voltará ao seu lugar... Amanhã pode ser tão longe mas é já amanhã. Mãe! A profundeza de um nome. Onde está a tua ternura, aqui onde até já os pássaros desistiram de cantar? Penso em ti, no teu olhar claro, verde, de um verde transparente como tu. “
Como dizer um coração fora do peito?” Ninguém nos libertará desta distância se não houver poetas que saquem do coldre as armas da brandura e disparem flores sobre as quais."


Ser treinador desportivo nas artes marciais e desportos de combate

"Pelo Decreto-Lei n.º 105/72, de 30 de Março, foi criada, em 1972, Comissão Directiva das Artes Marciais (CDAM). Este organismo, dependente do então Departamento Defesa Nacional, tinha por missão atender às questões de segurança interna. As atribuições consistiam na superintendência e controle do ensino, aprendizagem ou prática das artes marciais. Este Decreto-Lei previa o sancionamento (prisão e multa) da prática não autorizada das artes marciais. Depois de várias mudanças organizacionais e de ministérios, a CDAM viria a ser extinta pelo Decreto-Lei 69/87, de 9 de Fevereiro. Em 2007, fruto da minha investigação e da consulta dos arquivos, escrevi um longo artigo científico sobre esta Comissão (Rosa, 2007). A minha tese de doutoramento é, hoje, referenciada no Arquivo da Defesa Nacional (cf. https://arquivo-adn.defesa.gov.pt/details?id=36035). Se debitamos à CDAM alguns problemas criados no seio das artes marciais e desportos de combate em Portugal, ponhamos-lhe crédito, em contrapartida, os benefícios que dela se recebeu em termos de formação dos instrutores e/ou mestres. Fazendo uma retrospectiva sobre a credenciação dos instrutores das artes marciais, especialmente as práticas de judo, karaté, aikido e taekwondo, verifica-se que a década de 1980 representa um marco significativo de transformação no tocante à formação e qualificação contínua dos instrutores destas modalidades em Portugal.
Com a colaboração dos então Institutos Superiores de Educação Física (ISEF), Lisboa e Porto, e inspirados no trabalho desenvolvido neste domínio em países como o Reino Unido, a França, a Espanha, a Itália, etc., a CDAM conseguiu promover durante alguns anos uma prática de formação, adaptando-se à grande heterogeneidade da população-alvo, mas também à grande diversidade de lugares e tempos de formação. Os objectivos definidos para essa formação eram os seguintes:
i) dotar os recursos humanos de competências técnicas, sociais, culturais, éticas e pedagógicas;
ii) demarcar o campo político e ético, ou seja, na expressão em desuso “separar o trigo do joio”.
Dito de outro modo, destrinçar quem de facto estava interessado em ensinar as artes marciais de forma correta e profissional e quem era charlatão. Por outro lado, é o reconhecimento que apenas o conhecimento técnico específico de uma determinada arte marcial não era suficiente para capacitar o praticante para a função de educador.
Podemos dizer que o principal contributo das acções de formação foi o dos treinadores terem a certeza de serem “profissionais” não só aos seus próprios olhos, como também aos daqueles que os viam do exterior. Para além de ser, evidentemente, um factor de valorização e de confiança em si próprios, e de trabalho continuado de reflexividade profissional, a formação constituiu um lugar de encontro e de intercâmbio, pois os participantes encontraram aí uma ocasião de se conhecerem, de confrontarem as suas experiências, até mesmo de vencerem o isolamento próprio das suas condições de trabalho e de vida. A realidade formativa hoje é outra. Com uma validade de cinco anos, o “Título Profissional de Treinador/a de Desporto” (TPTD) passou a ser o documento oficial que habilita e regula o exercício das funções de treinador(a) em Portugal. A emissão do TPTD é da responsabilidade do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). A PORDATA disponibiliza alguns dados sobre o número de treinadores de algumas modalidades desportivas em Portugal."

O futuro é agora

"A situação actual é difícil, dura e dramática. Repentinamente tudo mudou. O teletrabalho, a suspensão das escolas, o ficar em casa, o lavar as mãos a todo o momento, o tirar os sapatos ao entrarmos em casa, o distanciamento social, (…).
Se alguém nos dissesse que tudo isto ia acontecer, há 1 ano, será que responderíamos “nem pensar”? Contudo, está a acontecer.
Para quem estuda a mudança e tem várias publicações sobre o que complica, condiciona e compromete ou “mata” a mudança (ver Quem “Matou” a mudança em Espaço Universidade da edição de “A Bola” online), afinal parece que há casos ou circunstâncias que aceleram a mudança. Será? Antes de “degustar” a resposta a essa questão, irei abordar duas questões.
Primeira: realçar o “convite” das circunstâncias actuais, para activarmos o modo de sobrevivência. Compreendemos a activação do sistema sobrevivência como uma absoluta necessidade e consequentemente todos os cuidados para contermos a propagação do vírus e toda a concentração de meios humanos e materiais nos sistemas de saúde, segurança e serviços essenciais. Por isso, agradecemos a todas as pessoas que se arriscam e sacrificam, como médicos, enfermeiros, polícias, bombeiros, (…), em prol do bem dos outros.
Segunda: as circunstâncias deste momento também oferecem condições singulares de desenvolvimento e transformação e que curiosamente até podem apoiar o sistema sobrevivência. Isto é, ao concentrarmos alguma da nossa energia no desenvolvimento, podemos ajudar a sobrevivência de todos. Como?
Não sei se já se “tropeçou” com uma frase como esta: “all the great changes are preceded by chaos”. 
Uma exploração superficial do caos, mais concretamente da teoria do caos, poderá recordar-nos duas coisas: que o comportamento futuro também é determinado pelas condições iniciais; e que, ao longo do processo, há factores de instabilidade que “abrem uma janela” para os recomeços.
Neste enquadramento, do mesmo modo que um bater de asas de uma borboleta na Argentina pode provocar um furacão no Texas (conhecido por efeito borboleta) e compreendendo que o futuro não depende só das condições iniciais, estas podem ter um enorme impacto no futuro.
Por outro lado, percebemos que a instabilidade pode ser planeada e desejada ou “ocasional” e, por vezes, indesejada (caso actual), mas em ambos os casos, a instabilidade cria condições para os recomeços.
Por último, também nos é perceptível que o balanço, o repensar o que fizemos ou a reflexão sobre o passado podem alavancar as mudanças, caso contrário arriscámo-nos a ingloriamente esperar resultados diferentes com soluções semelhantes.
Assim, quer as situações iniciais, quer os factores de instabilidade de processo, quer a reflexão e aprendizagem sobre o passado podem ter um enorme impacto no futuro.
No caso da sociedade em geral, mas também do Desporto, podemos “olhar” para a situação actual através da “janela da sobrevivência” e, consequentemente, vê-la apenas como um problema, como quem olha para um copo com água até meio e diz “está meio vazio”, ignorando a metade cheia (“pessimistas”), como uma oportunidade, dizendo que o mesmo copo “está meio cheio” e ignorando a metade vazia (“optimistas”) ou como uma situação exigente mas que é possível ser superada com planeamento, ambição e convicção de a superar, muita concentração, esforço e disciplina individual, melhor trabalho colectivo, uma resiliência de ferro e com o apoio dos outros (“realistas”).
Trate-se de um conjunto de países, uma nação, uma empresa, um clube, uma família, (…), ou uma modalidade – por exemplo o Basquetebol, Rugby, Ciclismo, Atletismo – a “janela” que se escolher para “ver” o que se passa, a do “pessimista”, a do “optimista” ou a do “realista” poderá influenciar a forma como cada um não só irá “ver” a situação presente, mas também como poderá vir a ser o futuro.
Por outro lado, também é possível “olhar” para a situação actual através da “janela do desenvolvimento e transformação”. A instabilidade actual provocará uma inevitável mudança e, nestes casos, a questão não é se as coisas vão mudar, mas porquê, o quê e o como vão mudar.
Deixar o sistema sobrevivência “conduzir” a mudança poderá resultar no mesmo que ter uma pessoa embriagada a conduzir um automóvel. Contudo, se for o sistema desenvolvimento e transformação “conduzir” a mudança, esta poderá resultar no mesmo que ter um condutor sóbrio a conduzir. A “viagem” e as suas consequências serão as mesmas para os condutores, para os acompanhantes, para as pessoas dos outros veículos ou para os peões, nestes dois casos?
Regressando à questão inicial, Será Que Há Casos ou Circunstâncias Que Aceleram a Mudança? Imagine-se duas situações. Uma, com um copo de água gelada, alguém a colocar um cubo de gelo nesse copo e depois arrumar esse copo no congelador. A segunda, com um copo de água a ferver e alguém a colocar um cubo de gelo nesse copo.
Na primeira situação, o cubo de gelo muda, ao fim de umas horas? Para mudar o estado do cubo de gelo, neste caso do gelo, porque a água do copo também congelou, necessitámos de descongelar. Nestas circunstâncias, a mudança é complicada, condicionada e comprometida ou as circunstâncias “matam” a mudança do cubo de gelo para água. Isto é o que normalmente se passa, com as organizações, com as equipas, com as pessoas, (…), e por isso, nessas circunstâncias, sem descongelar primeiro “não há” mudança.
No segundo caso, a água do cubo de gelo muda o seu estado sólido para líquido, em minutos. Porquê? Por que o cubo de gelo foi colocado em circunstâncias que aceleram a mudança. A instabilidade actual também proporciona circunstâncias que podem acelerar a mudança, que é tão difícil noutras circunstâncias.
Não compreender esta diferença e desperdiçar este momento é o mesmo que um ferreiro ter o ferro quente, deixá-lo arrefecer e só então tentar moldar o ferro. Ou seja, este pode ser um momento de “malhar no ferro enquanto está quente” e conseguir a mudança desejada mais fácil e rapidamente. 
Concluindo, poderíamos resumir que a instabilidade actual para além de activar e bem o sistema sobrevivência e que por isso, muita da nossa energia deve ser para aí canalizada, também oferece uma oportunidade única ao Desporto – Basquetebol, Andebol, Voleibol, Natação, Atletismo, Futebol, (…) – mas também à sociedade, a de aproveitar o estado de “descongelamento” e mudar para melhor, reflectindo e aprendendo com o passado e de recomeçando com novas condições iniciais, se quisermos aproveitar que o “ferro está quente”.
A propósito, por condições iniciais, podemos considerar quatro dimensões, concretamente a estratégia, a estrutura, a equipa e a ética. Se assim for, colocam-se quatro questões essenciais ao Desporto e à Sociedade:
1. Qual é o futuro desejado e que plano estratégico o apoia (o novo, do recomeço)?
2. Que sistemas e processos (estrutura) são coerentes com o plano estratégico?
3. Que interacção (equipa) pode despoletar a eficácia?
4. Que princípios e valores (ética) alavancam a grandeza?
Tal como ajuda pensar antes de agir, estar concentrado enquanto agirmos e ensaiar ou treinar entre as acções (como fazem os atletas entre as competições), aproveitar este momento de paragem, para reflectir e aprender com o passado e planear novas condições iniciais para construirmos o futuro desejado, pode fazer toda a diferença.
Por isso, o Futuro é Agora, a Mudança é Agora, a questão não é saber se as coisas vão mudar, mas saber que sistema vai “conduzir” a mudança."

Em nome da vida - da palavra à notícia!

"É urgente nos dias de hoje reflectir numa renovação profunda da humanidade em que se possa estabelecer modos limiares de comportamento e relacionamento, de forma a atingir a observância de padrões de existência, revestidos por uma conduta civilizada, de generosidade, de respeito e também de glorificação por quem transporta valores, em prole do bem comum e a quem apetece aplaudir de forma continuada.
Refiro-me, claro está aos exemplos dos nossos heróis deste temp(l)o sagrado da existência, que advém de equipas pluridisciplinares, onde encontro médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas, empresários, bombeiros, autarcas, forças policiais e demais voluntários … gente de Deus, guerreiros do tempo por entre a comunidade entre soluços e anseios, quer na despedida de alguém que parte sem direito a um simples abraço e nem tão pouco tem a oportunidade de juntar uma lágrima em flor de saudade, quer também entre outros caminheiros, revestidos entre sinais duma renovada esperança, para a conquista do futuro.
Uma tomada de atenção à proliferação de palavras colocadas em notícias, feitas em imagens escritas ou transmitidas de forma bem audível e que nos entra pela casa dentro, felizmente mais acentuadas no mundo externo. Por vezes residem nelas próprias e em quem as propaga uma tentativa de marcar a exclusividade, a fantasia, o sensacionalismo, e assim os promovidos a arautos da verdade vão fazendo fretes de circunstância, tecendo-as à promoção de interesses quantas vezes expostos nos placards de encomenda empresarial, política, institucional e a falsidade agiganta-se e o carácter das pessoas de bem tem de se proteger, refugiando-se nas sombras da distância.
Sabemos que nada melhor do que para atrair a atenção do universo social, do que lhes atiçar a condição do medo. E no jogo da vida quando o medo de perder supera a vontade de ganhar, perde-se muitas mais vezes e no imediato esvai-se a necessidade de lutar para a conquista dos sonhos que trazem à saúde emoção, reforçam as forças aos ansiosos, animam os deprimidos e ajudam a reconstruir a própria história.
Por isso o apelo aos dotes da comunicação séria e descomprometida, cujas mensagens não devem ter duplo significado, destacando os aspectos fundamentais das mesmas, separando o real técnico e científico e providas de fácil compreensão, das opiniões simplesmente pessoais.
Apelo que nas mensagens se procure reforçar o entusiasmo (o entusiasmo reforça a confiança e a apatia faz surgir a incerteza), e a formulação da conquista de objectivos, devendo ser estes positivos porque ajudam a concentrar-se no que se pretende atingir e esquecer o que se deve evitar e ainda ser específicos e realistas porque produzem melhor capacidade para serem conquistados.
Por isso é que se costuma dizer que a palavra escrita talvez seja aquela que mais fala, porque traduz o que peito grita, sempre que a boca se cala.
Mas há palavras e palavras. Umas iluminam os caminhos do futuro; outras emocionam, fazem rir, corar e porventura verter algumas lágrimas; outras escondem, encobrem, disfarçam pela falta de bom senso como são proferidas. Procuremos pois fazer das palavras notícias … notícias de paz, de generosidade e duma inatacável honestidade de processos para que sirvam suporte na conquista do futuro.
E como muitas vezes evoco Vítor Hugo (1802-1885): “o futuro tem três nomes - para os fracos é inatingível…mas os medíocres, desconhecido … para os valentes a oportunidade”. Vamos Todos Reconquistar o Futuro!"

Comunicado da Benfica SAD à CMVM

"Revogação da oferta
A Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD (“Benfica SAD”) informa, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 596/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Abril de 2014, e no artigo 248.º-A do Código dos Valores Mobiliários, que recebeu hoje da Sport Lisboa e Benfica, SGPS, S.A. (“Benfica SGPS”) um comunicado informando que a Benfica SGPS apresentou à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários um requerimento de autorização desta autoridade para revogação da oferta pública de aquisição de acções representativas do capital social da Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD preliminarmente anunciada pela Benfica SGPS em 18 de novembro de 2019 (“Oferta”). A revogação da Oferta já vinha sendo discutida com a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários desde que se tornou do conhecimento público, no dia 12 de Março de 2020, a suspensão do campeonato nacional de futebol – Liga NOS.
Este requerimento foi formulado ao abrigo ao artigo 128.º do Código dos Valores Mobiliários (por remissão do artigo 130.º, n.º 1 do mesmo Código), tendo por conta a alteração das circunstâncias determinadas pela pandemia associada ao novo Coronavírus – COVID19 e os impactos da mesma, directos e indirectos.
Não obstante a entrega desse requerimento, a Benfica SGPS confirmou no referido comunicado que se pronunciará em sede de audiência prévia acerca do projeto de indeferimento do pedido de registo de Oferta que lhe foi ontem comunicado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, uma vez que reitera a plena conformidade da Oferta com todas as disposições legais aplicáveis. 

Esclarecimentos adicionais
Adicionalmente, a Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD recebeu ontem da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários um pedido de prestação de informação ao mercado após terem surgido rumores na comunicação social sobre o desfecho do procedimento de registo da Oferta e acerca da eventual utilização alternativa dos fundos mobilizados para efeitos da sua liquidação para contratar reforços para a equipa de futebol.
A este respeito, a Benfica SAD esclarece o seguinte:
- Conforme oportunamente comunicado, a Benfica SAD alienou à Benfica SGPS as acções representativas do capital social da Benfica Estádio – Construção e Gestão de Estádios, S.A. (“Benfica Estádio”), com efeitos a 1 de Julho de 2019 (comunicado divulgado em 15 de Março de 2019).
- Após vários meses de negociações, a Benfica SAD celebrou com a Benfica Estádio, no dia 10 de Outubro de 2019, um contrato de cessão de exploração do Estádio do Sport Lisboa e Benfica, no qual revogou o anterior contrato de utilização do Estádio do Sport Lisboa e Benfica, celebrado em 2003.
- A celebração deste acordo permitiu, designadamente, a adaptação da estrutura contratual à actual relação entre a Benfica SAD e a Benfica Estádio (sociedades indirectamente participadas pelo Sport Lisboa e Benfica e sem relação entre si) e a actualização dos montantes a pagar, cujo valor mínimo anual não sofria alterações desde há cerca de 15 anos.
- O referido contrato manteve a mesma duração do acordo anterior, ou seja, vigora até 30 de Junho de 2041, e prevê uma prestação anual composta por um valor mínimo anual de €4.500.000, acrescido de um valor variável que, tendo em consideração o modelo de negócio, será sempre apurado no final do exercício – refira-se que, no último exercício, o custo suportado pela Benfica SAD superou os mencionados €4.500.000.
- Mais se refere que, no referido contrato, as partes convencionaram também que o valor nominal total de €94.500.000, correspondendo ao somatório dos valores mínimos anuais para a totalidade do período contratual compreendido entre 1 de Julho de 2020 e 30 de Junho de 2041, seria pago antecipadamente, por um valor de €61.905.254, o que corresponde a um desconto de €32.594.746 (o valor nominal total foi descontado a uma taxa anual de 4%, correspondendo à taxa de risco para um activo desta especificidade) – ou seja, este montante traduz um desconto de 34,5% face ao valor total. 
- Relativamente a este valor de €61.905.254, as partes acordaram que:
(i) €32.905.254 desse montante fosse objecto de compensação da dívida existente da Benfica Estádio perante a Benfica SAD, não dando assim lugar a um fluxo financeiro;
(ii) o remanescente, concretamente o valor de €29.000.000, fosse pago pela Benfica SAD para a Benfica Estádio.
- De referir que à data da negociação e celebração deste contrato, a realidade da Benfica SAD era a seguinte:
(i) pretendia rever o contrato de utilização do Estádio do Sport Lisboa e Benfica à luz da nova realidade societária do Grupo Benfica;
(ii) tinha uma elevada disponibilidade financeira, não tendo rentabilidade com esse excedente de tesouraria e, simultaneamente, não tendo possibilidade de, a curto prazo, reduzir dívida remunerada; 
(iii) tal como preconizado na IFRS 16, registou um activo pelo direito de uso de Estádio do Sport Lisboa e Benfica nas suas demonstrações financeiras, o qual como contrapartida gerou um passivo de €66.628.877.
- Por conseguinte, a antecipação imediata do referido valor nominal de €94.500.000, que implicou um pagamento de €29.000.000 à Benfica Estádio, teve como imediatas contrapartidas para a Benfica SAD, por um lado, a rentabilização do seu excedente de tesouraria, pelo facto de efectivamente ter obtido um desconto de 34,5% no valor que teria a pagar à Benfica Estádio e, por outro, uma redução do seu passivo de €61.905.254, pela liquidação destes montantes. Nenhum destes efeitos, positivos na esfera da Benfica SAD e, indirectamente, nos seus stakeholders, teria sido possível sem a celebração daquele contrato.
- Naturalmente, em 10 de Outubro de 2019, desconhecia-se por completo as circunstâncias que, no actual contexto, condicionam a utilização do Estádio do Sport Lisboa e Benfica – saliente-se, em geral dos estádios de futebol na Europa. Não era sequer previsível naquela data antecipar que o campeonato nacional de futebol – Liga NOS seria suspenso e que o Euro 2020 seria adiado.
- A Benfica SAD está a avaliar os impactos que a pandemia decorrente do novo coronavírus tem na sua actividade, face à grande incerteza e imprevisibilidade da situação.
- A Benfica SAD confirma ainda que quaisquer fundos que se encontrem na titularidade da Sport Lisboa e Benfica, SGPS, S.A. (tenham ou não qualquer relação indirecta com o referido contrato) não lhe pertencem, pelo que, naturalmente, não poderá a Benfica SAD utilizar tais fundos, ao contrário do que foi incorrectamente mencionado por alguns meios de comunicação social.

Considerações finais
Neste contexto de enorme adversidade, a Benfica SAD tomou e continuará a tomar, tendo em conta a informação fiável que estiver disponível a cada momento, as medidas que reputar necessárias para preservar a sua actividade, sendo previsível a redução de custos e despesas não indispensáveis ao desenvolvimento dessa actividade e a ponderação acrescidamente cuidada de todos os investimentos que estavam projectados. Assim sendo, as transacções de atletas serão analisadas muito cuidadosamente, tendo em vista promover e preservar na maior medida possível os activos essenciais da Benfica SAD e assegurar a sua sustentabilidade, atendendo aos interesses de longo prazo dos seus accionistas e ponderando os interesses dos seus trabalhadores e demais stakeholders.
A Benfica SAD manifesta a sua inteira solidariedade com todos os seus trabalhadores, sócios, adeptos e simpatizantes benfiquistas, parceiros e colaboradores nos tempos extraordinários que vivemos. E tudo fará para continuar a assegurar o sucesso a longo prazo do seu projecto desportivo, honrando assim os 116 anos de gloriosa história do Sport Lisboa e Benfica."

Não, não foi um jogo para meninos

"Foi, na altura, a maior receita de um espectáculo de beneficência até aí realizado no Reino Unido. O Benfica foi a Glasgow bater-se com o Celtic num jogo magnífico que valeu todos os elogios da imprensa britânica.

Curioso número: o três. Pelo menos no que diz respeito a jogos entre Benfica e Celtic. Ora, reparem: Taça dos Campeões, 1969-70 - Celtic 3-0 Benfica; Benfica 3 - 0 Celtic (depois passaram os escoceses graças àquele embirrento sistema da moeda ao ar); Liga dos Campeões 2006-07  Celtic 3 - 0 Benfica; Benfica 3 - 0 Celtic... Verdade que já se encontraram depois disso, e o resultado abracadabrante não se repetiu. Ainda assim: curioso número. Mas o assunto não se fica por aqui.
No dia 12 de Dezembro de 1974, em Glasgow, a UNICEF concluiu uma gala de recolha de fundos para crianças desvalidas com um espectáculo que prometia: Celtic-Benfica.
Prometia e cumpriu.
Estava um troféu em disputa: a Children's Cup, oferecida por um fidalgo escocês. Uma taça de categoria que, diga-se já aqui, o Benfica trouxe para Lisboa.
Uma desilusão, no entanto percorria Celtic Park: Eusébio, a contas com mais um dos seus problemas joelhos, não viajou para a Escócia. Aos 32 anos ainda o povo suspirava por ele... Infelizmente, muitos adversários inimputáveis arruinaram-lhe o resto da carreira.
Faz frio em Glasgow, em Dezembro no ano inteiro. Sei-o bem, já lá estive várias vezes.
Fazia frio em Dezembro de 1974, mas os adeptos não viraram as costas ao jogo. Mais de 30 mil pessoas arrostaram a noite gelada.
Fizeram bem. Assistiram a um desafio electrizante.
À velocidade da luz
O início do Benfica desenrolou-se, para aí, a uns trezentos mil quilómetros por segundo, que é, como sabem, a velocidade da luz.
'The Mighty Benfica!', anunciara a imprensa britânica, orgulhosa da presença encarnada.
Cruyff tinha sido convidado para reforçar o Celtic. Aceitaria, bem como o Ajax, seu clube. Uma lesão de última hora tirou-o da festa. Tal como aconteceu com Pelé, que fora uma das hipóteses em cima da mesa. Tentativas frustradas de colmatar a ausência de Eusébio.
Aos 10 minutos, o Benfica já estava a ganhar por 2-0.
As bancadas vibravam, plenas de olhos esbugalhados.
Móia era o homem do momento. Com o apoio de Simões, Nené e Ibraim, surgira por duas vezes na cara de Hunter e não falhara. O primeiro golo foi logo na jogada inicial da partida.
Os escoceses rebelaram-se. Caíram sobre a defesa lusitana, atarraxaram os parafusos a Humberto Coelho e Messias, obrigaram Vítor Martins a recuar cada vez mais até que este, aos 37 minutos, cometeu falta sobre Wilson, que tinha recebido um passe soberbo de um jovem claramente em ascensão. O seu nome? Kenny Dalglish! Com ponto de exclamação.
Penálti! McCluskey enganou José Henrique: 1-2.
Seria o resultado do primeiro tempo.
Com o recomeço, a correlação de forças alterou-se: o Celtic tornou-se ameaçador. Forçou o ritmo, o público levou a equipa ao colo até ao golo do empate, apontado aos 49 minutos por Johnstone, que se escapou a Artur e rematou rasteiro, venenoso. Pouco depois, surgiu o 3-2. Glavin, aos 67.
Nené chateou-se. No minuto seguinte, arrancou logo à entrada do meio-campo escocês e foi por ali fora, correndo como um garoto em busca de papoilas num campo de gipsófila, vergando adversários como vimes com o poder da sua rapidez, chutando para um canto inacessível aos esforços de Hunter.
Valera a pena o dinheiro pago pelo bilhete.
Nunca no Reino Unido um espectáculo de beneficência obtivera bilheteira tão valente: mais de 20 mil libras esterlinas.
De um lado e do outro, os movimentos finais foram agressivos. Ambas as equipas quiseram ganhar, todos os jogadores fizeram por isso. Mas o empate não se desfez.
Tal como tinha sido antecipadamente estabelecido, o troféu ficaria agora nas mãos de quem soubesse ter a arte de triunfar nas grandes penalidades.
Irrepreensíveis, os jogadores encarnados: Vítor Baptista, Nené, Vítor Martins, Humberto Coelho...
Respondiam os do Celtic: McCluskey, McDomald, Wilson, Johnstone...
Depois, McNeill viu Zé Gato desviar a bola só com um olhar felino.
E Toni resolveu o assunto.
'No child's play!', escreveu Hugh Taylor no Herald do dia seguinte. Um trocadilho com pilhéria. E acertado, apesar da UNICEF, não foi um jogo para meninos. 'Benfica, those portugueses nem of war, may had been frozen to the marrow in more northern latitudes, but they went on to win, honourably and entertainingly!'
Uma vénia para os que souberam vencer com honra, encantando espectadores exigentes.
Glasgow é cidade onde se respeita o futebol de categoria."

Afonso de Melo, in O Benfica