sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Dali, já nada nos admira...


"1. No futebol, agora é que se vai ver. Após mais uma daquelas exógenas paragens 'de selecções' que todos desejamos tivesse, ao menos, podido ser regeneradora nos planos colectivo e individuais, agora é que se verá, acerca das capacidades de alguns dos atletas e, em termos dois grupos nos clubes, se acaso, neste ano, o cansaço acumulado por treinos e ambientes diferentes, viagens continentais e intercontinentais e jogos disputados em sistemas diversificados, a somar à velocidade de cruzeiro dos campeonatos e taças em Portugal, realizados em plena pandemia, não lhes terá perturbado o rendimento físico, fisiológico e mental.
2. Ao fim das duas soluções de continuidade que, nesta mórbida conjuntura pandémica, interromperam um calendário já tão (desnecessariamente e) espuriamente sobrecarregado, confesso que só me interessa concluir pelo que vi na 'triste vida' da selecção e pelo que venha a ver do rendimento próximo dos nossos atletas que honradamente envergam as camisolas com a cor do nosso sangue... É com eles que me preocupo, visto que - respeitando o seu esforço - é só deles que espero que se consigam desdobrar e superar, em todas as frentes de competição.
3. Nunca jogamos sozinhos. E, sabendo-se que em alta competição a excessiva auto-confiança é sempre o primeiro factor que nos pode trair, a melhor postura competitiva de alguém que alguma vez passe pela honra de ser chamado a envergar o 'Manto Sagrado' é manter presente que sempre encontraremos pela frente antagonistas totalmente dispostos para nos testarem até aos seus limites (nem sempre legais...) a nossa resistência física, o talento de execução de que dispomos e, acima de tudo, o espírito conjuntivo, tão essencial numa modalidade eminentemente colectiva como o 'football association'.
4. Vem aí um mês de inferno: pela nossa parte, disputaremos oito jogos de crescentes índices de responsabilidade, em diversas competições, no curto espaço de um mês. E volto a acentuar: não os disputaremos sozinhos. Em cada uma dessas jornadas iremos ser radicalmente posto à prova, não se admitindo por isso, em qualquer delas, nem as 'ternuras' do jogo 'artístico', nem mais 'experiências' posicionais geradoras de instabilidade e insegurança, nem, muito menos, as antecipadas 'manias de grandeza' que geralmente tornam fatais até as mais óbvias oportunidades de vitórias tidas como certas.
5. Também acontece que três dos nossos principais competidores de mantêm igualmente em todas as provas, enquanto o quarto foi 'graciosamente' dispensado pelos deuses do futebol europeu, de modo a poder concentrar-se, nem mais folgado do que os outros, na excitante miragem de uma remota utopia que já vai com dois decénios...
6. Mas, em termos da motivação para a disputa dos lances, nem tudo estará nas mãos dos nossos jogadores... A circunstância pandémica que tão tristemente afasta os sócios e adeptos dos estádios penaliza agora mais evidentemente os atletas Benquistas que, desde sempre, beneficiaram da maior e mais expressiva intensidade do apoio dos seus fãs nas bancadas por todo o país, como inequívoca manifestação do entusiasmo que na linha do Tempo tanto os empurrou constantemente para as nossas históricas vitórias.
7. Lembremos que, quando esta época era preparada em Portugal, já perante a escassa sensibilidade anteriormente revelada pelas instâncias da FIFA e da UEFA quanto aos excessivos calendários aglomerados de Selecções e torneios internacionais que haviam sido internacionalmente fixados, o Sport Lisboa e Benfica não deixou de alertar devidamente a Liga portuguesa acerca dos presumíveis graves riscos da conservação para a época de 2020/2021, da mesmíssima densidade de provas que se alinhava nos anos anteriores à pandemia.
8. Mas, para o staff da Liga, nessa altura, foi como se a tragédia sanitária já não dominasse o quotidiano... Ou como se nunca tivesse existido e nem que viesse, mais tarde, a deixar cravadas na sociedade todas as sequelas que afinal se vão confirmando... A obstinação do pessoal que ainda gere estes assuntos nessa instância, em Portugal, deu no que está a dar: não lhes bastava a tristeza dos (já de si) jogos-'fantasma' em que os públicos continuarão (certamente, por muitos meses, ainda...) apertados das evoluções dos seus heróis.
9. Ao senso comum, logo naquela fase planeamento, na sequência de uma anterior época tão atípica e perturbada, já causara espanto que tais oficiais não tivessem querido admitir o mais do que previsível risco de eclosão das fragilidades físicas dos atletas, e a inevitável instabilidade estrutural das equipas mais sujeitas a excessos de competições, tão cegamente impostos pelos burocratas do futebol. Em Portugal, como na Suíça.
10. Ora, o que agora se constata é que, naturalmente, nas equipas mais sobrecarregadas com a amálgama das competições entrecruzadas, já não é apenas notória a dramática quebra dos níveis de qualidade de jogo - transitória que ela seja - hoje mais patente nas equipas portuguesas que ainda se encontraram na disputa de torneios internacionais. Mas, dali, já nada nos admira: quem sabe se não seria isso mesmo que alguém queria que acontecesse?"

José Nuno Martins, in O Benfica

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