terça-feira, 6 de outubro de 2020

“Não me sinto feliz a competir”. Quando a felicidade determina o sucesso


"João Sousa protagonizou, na passada semana, um conjunto de entrevistas após a sua derrota no torneio de Roland Garros onde, de forma muito clara testemunhou a incapacidade que sente no que respeita a “reencontrar-se” no seu jogo, após um período conturbado da sua carreira (para o qual, certamente, contribuíram a grave lesão que sofreu e o período de confinamento que, transversalmente, atingiu – e atinge ainda - o desporto).
Este não é, claramente, o primeiro caso e não será certamente o último – é apenas aquele que, dada a notoriedade do atleta em questão, “mereceu” a atenção dos media.
Continua, contudo, a ser um “tema” que em Portugal se continua a “olhar de lado”, como se a felicidade que um atleta pode ou não estar a sentir (ou, em casos mais complicados, a saúde mental dos próprios atletas) fosse uma espécie de “tabu”... até porque, com o “dinheiro e carreira que têm, não se podem queixar”...
O complexo de “super-herói” ou “modelo social” que muitos atletas sentem “colado” à pele, seja pela projeção das expectativas de terceiros (amigos, família e/ou fãs) ou pela própria exigência que colocam em si próprios, muito frequentemente, expressa na culpabilidade que sentem (ou deixam que lhes seja colocada) por se sentirem “privilegiados” e, ainda assim, extraordinariamente mal e “sem saída possível”, tem resultado numa condição de “tabu”, observada nos silêncios e desconforto que surgem quando se discute este tipo de temas.

Saúde Mental No Desporto Em Portugal
Se há contextos e temas em que Portugal se destaca e até serve de modelo internacionalmente, este não é certamente um deles.
Se na sociedade civil a promoção da Saúde Mental é ainda alvo de tímidas tentativas (até porque, culturalmente, não somos propriamente muito “propensos” para antecipar, prevenir e/ou treinar as competências e recursos necessários para situações de potencial crise), no desporto, ela é ainda menos valorizada pelos diferentes protagonistas (pessoas ou organizações), destacando-se apenas (com maior visibilidade) as iniciativas do Comité Olímpico de Portugal (através do programa de desenvolvimento de competências “The Olympic Performance”) e da Ordem dos Psicólogos Portugueses em associação com o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol (num programa de Saúde Mental, lançado em 2017).
Em boa verdade, internacionalmente a preocupação com a saúde mental dos atletas ganhou visibilidade nos últimos anos trazendo consigo, muitas vezes, um enorme “desconcerto”, uma vez que surgiu pela voz de atletas que, aos olhos do grande publico, possuíam enorme sucesso.
O testemunho de inúmeros atletas lançou o mote para um sem numero de investigações e tantas outras iniciativas que pretendem não só educar os contextos para a deteção precoce de sinais de ausência de saúde mental, como para a criação de programas de suporte específicos e, inclusive, a alteração das diretrizes que regulam o desporto profissional onde, por exemplo na NBA, passou a ser obrigatória a inclusão de um especialista em saúde mental no corpo técnico, com o devido reconhecimento cientifico pelas diferentes ordens profissionais.

Felicidade e Desempenho Desportibo - Que Implicações?
Há mais de 30 anos que a Psicologia do Desporto se debruça sobre os determinantes do “desempenho ótimo”, sendo uma das linhas mais robustas a investigação que se dedica aos fenómenos de FLOW.
Se assumirmos o “Flow” como um estado mental no qual alguém, atingindo um desempenho ótimo, atua de forma completamente imersa em todo o processo – quase “inconsciente” - experenciando níveis elevados de ativação, focus e entusiasmo em cada ação (csikszentmihalyi, 1990), podemos facilmente entender o papel das emoções positivas no desempenho ótimo (consistente) de um atleta (aliás, em qualquer um de nós, nas atividades que escolhemos a cada momento).
Importa, por isso, a bem do próprio desempenho dos atletas/equipas que os clubes e outros organismos acolhem, que a criação de contextos positivos de treino e competição, como um vetor estratégico de extraordinária importância para a prossecução dos objetivos a que todos se propõem, seja colocada como prioritária.
Importa, por isso, seja no contexto desportivo ou na sociedade em geral (uma vez que é perfeitamente transversal para o contexto académico, empresarial ou de artes performativas), que se assista a uma preocupação clara em trazer o conhecimento das Universidades para o terreno, operando o conhecimento que há tanto tempo se “sabe”, em ações concretas que, por mais ínfimas e simples que sejam, possam começar a mudar os contextos onde as “pessoas” de facto estão.
Ao João, um agradecimento pelo testemunho e coragem em se expor num tema que em nada o fragiliza, apenas o engrandece."

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