sábado, 24 de outubro de 2020

Capitão


"1. A vida de um jogador profissional de futebol, só aparentemente pode ser construída em progressão linear e estável, sem soluções de continuidade - lesões, castigos, perdas de forma - mediante um sequente desenvolvimento do talento individual e do refinamento dos próprios recursos congénitos, a partir da base por vezes iniciada em idade pueril.
2. Nos primeiros tempos é sempre o permanente conforto dos pais que incentiva e apoia dedicadamente, e não sem esforço, a disponibilidade, a ilusão e a aptidão primordiais que reconhecem ou perscrutam no filho. Ou a família se une em torno do 'jeitinho' que desejam ver na criança, ou, se não conseguem garantir esse acompanhamento presencial constante, não haverá talento que resista a essas duas, três, quatro épocas iniciais...
3. O pré-adolescente inicia então a segunda fase da sua vida desportiva, agora mais exigente, com a sensível ênfase dos níveis competitivos, mas também com o desafio complementar de uma progressão escolar que os clubes melhores formadores não dispensam aos candidatos. País e filhos tomam consciência de que as circunstâncias mudaram e que tanto o esforço físico como o intelectual se acentuam. O acompanhamento dos pais, sendo nesta altura cada vez mais decisivo, não poucas vezes, assume em pernicioso boost a transferência de ansiedade resultante do protagonismo exigido aos meninos, deitando tudo a perder.
4. Chegada a adolescência, tanto se incrementam os deslumbramentos do júnior decorrentes do rendimento conseguido nos treinos e nos jogos como - perigo à vista! - surgem as primeiras solicitações de vida que são próprias da idade, havendo que saber iludi-las, ou ignorá-las... Toda a responsabilidade está prestes a incidir sobre si próprio, enquanto, desde o início do escalão, a maior parte dos pais já não contém o desespero pelo primeiro contrato profissional do incumbente.
5. Na fase a seguir, se até então ele fi capaz de superar todos os reptos e todas as contrariedades e dificuldades, se conseguir definir a força da sua personalidade no contexto da(s) equipa(s) e se, por fim, alcançou a confiança da estrutura, há de haver um dia especial em que, orgulhosamente, o jovem se vai encontrar consigo próprio. (E com o seu empresário).
6. Escolhe a primeira equipa sénior e assina. Depois das férias ao integrar-se, observa cuidadosamente cada um dos companheiros, estuda em silêncio cada um dos elementos do staff e tenta compreender e assimilar todas as soluções inéditas que o treinador lhe define para cumprir. Mas um dia, perante a súbita lesão grave de um colega em pleno treino ou durante um jogo, cai em si: pela primeira vez toma consciência de como tudo pode mudar, se, de repente...
7. De resto, é treinar, treinar, treinar, para ganhar definitivamente a confiança do treinador e a admiração da bancada.
8. Uns bons anos mais tarde, no apogeu da experiência, na plena posse dos seus recursos físicos, no completo controlo do seu talento em face de todas as situações de jogo, os companheiros elegem-no como um dos capitães da equipa. Chegou ao topo. E a bancada aplaude-o de modo ainda mais especial. Como se ovaciona a um símbolo da equipa. Um ícone do Clube."
9. E um dia, infelizmente, num átimo, num fortuito lance de jogo disputado com a exemplar dedicação profissional de sempre, o Capitão sofre a mais dura lesão que pode ocorrer a um jogador profissional de futebol...
10. Força, querido André! Contaremos sempre contigo. Sabemos que vais voltar ainda mais forte, mais rápido e mais alto!"

José Nuno Martins, in O Benfica

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