sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Mais rápido, mais alto, mais forte


"É uma velha perplexidade minha: até que ponto os futebolistas se interrogam sobre o que fazem em campo. E isto vai do estilo Garrincha, que só queria um qualquer “João” para driblar, ao género Guardiola, que escolheu os últimos clubes como jogador a pensar no treinador que iria ser. Leio há dias Arturo Vidal, guerreiro chileno que viveu anos de ouro na Juventus mas que ocupou cacifos dourados também em Munique e Barcelona, e percebo-o porta-voz de uns quantos que olham o futebol a caminho de uma nova era, em que, munidas de dados GPS e tabelas excel, as pretensas equipas do futuro se organizam por algoritmos e qualquer dia até anunciam um treinador-robô. Diz Vidal que o Barcelona falhou porque o futebol é agora mais físico, de mais força e velocidade. É curioso que isto seja afirmado por um atleta a caminho do fim da carreira e que a fez toda precisamente em nome do físico, da disponibilidade, da tão celebrada “atitude”.
Percebe-se que Vidal andou em contraciclo em Barcelona, a jogar o jogo em que não acreditava, num modelo ao qual não reconhecia virtudes efectivas, sendo ainda mais difícil perceber como pôde, com idêntica convicção, definir o Barça como a melhor equipa do mundo ainda na véspera da humilhação aos pés do Bayern. Acredito que lhe seja impossível realizar que um dos grandes erros do Barcelona foi ter acreditado na teoria que ele próprio, Vidal, encarna e que se resume numa necessidade de acrescentar físico ao jogo, fazendo mais ginásio e menos meiinhos. Quem não viu, aliás, as fotos que mostravam um Goretzka acrescentado de músculo face a um Busquets de envergadura normal? Não falta em Espanha quem discuta a partir daí, tal como por cá surgiram de imediato profetas de um jogo futurista que será mais duelos e correria, velocidade e alegada objectividade, num cardápio de exercícios decerto a ser preparados em unidades de alto rendimento ou performance. Para mim, tenho que quando um clube com aquele ADN deixa sair Thiago Alcântara e contrata Vidal já se baralhou completamente e iniciou a viagem errada rumo a um futuro ilusório. E deu no que deu.
Na linha desta corrente é fácil perceber que Vidal possa estar a caminho do Inter. Antonio Conte aprecia um meio campo de combate que equilibre mais do que constrói, e o tipo de escolha até o precede, que vem na tradição do clube, de jogadores como Medel, Nainggolan ou Vecino. Também neste caso os resultados são os que se conhecem. Não me entusiasmaria igualmente vê-lo como uma das novas zebras de Pirlo, mesmo que entendesse a tentação do velho mago da camisola 21, de voltar a ter ao lado aquele que foi um seu velho escudeiro, sempre disponível para o esforço que não se exige aos eleitos. Isso seria, todavia, e também neste caso, prosseguir na senda dos Rincón, Sturaro, Emre Can, Khedira ou Matuidi, que servem para títulos em Itália, desde que por detrás de ataques de eleição, mas se manifestam curtos face ao sonho da conquista continental. Nunca foi por falta de gente disponível para a luta que a equipa de Turim ficou aquém do maior objectivo. “Mais rápido, mais alto, mais forte” está longe de ser descoberta recente, como todos sabemos. O ideal olímpico nasceu como base para todas as modalidades mas como molde para façanhas individuais. Os jogos colectivos obrigam a acrescentar “o mais intuitivo, o mais inteligente, o que decide melhor”. A evolução, em desportos como o futebol, fez-se ao acrescentar estas ideias ao lema original e não o contrário."

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