"Para aquilatar se uma associação ou grupo de pessoas, promove ou não a violência, o factor de avaliação tem de ser a sua prática. E a prática das claques é sem dúvida o culto e a promoção da violência
Dispõe a Constituição da República Portuguesa, que “os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrárias à lei penal. (artigo 46º da CRP, sublinhado nosso)
As claques, são associações um tanto ou quanto atípicas, mas tratando-se de grupos de pessoas que se juntam com o objectivo de uma mesma finalidade, estamos no mínimo perante uma associação de facto. No que respeita aos fins, o apoio a um clube de futebol – é de claques de futebol que estamos a falar, não de outras – é óbvio que esse desiderato, não é contrário à lei penal.
Já quanto a outro requisito da Constituição, não se dedicar à “promoção da violência”, é evidente que essa “finalidade” não é possível encontrar nos estatutos de qualquer grupo. O Ku Klux Klan não tem escrito nos seus princípios que se destina a bater em negros ou as SS não tinham como finalidade escrita, exterminar os judeus. Isso seria de uma ingenuidade inconcebível.
Por essa razão, nomeadamente, para aquilatar se uma associação ou grupo de pessoas, promove ou não a violência, o factor de avaliação tem de ser a sua prática. É esta que revela a sua real finalidade, independentemente dos princípios escritos, que muitos apaniguados, nem sequer alguma vez leram.
Se o objecto da Confraria do Vinho da Bairrada, é a promoção desse vinho, mas a pratica regular e reiterada dos seus confrades, fosse a de agredir os membros da Confraria do Vinho do Dão, ou os apreciadores deste vinho, certamente não haveria dúvida legal alguma, que o destino de tal Confraria do Vinho da Bairrada, seria a sua extinção administrativa, por via das respectivas finalidades reais, serem contrárias à lei penal.
Ora, a prática da generalidade das claques do futebol, especialmente dos chamados clubes grandes – nas suas práticas são indistinguíveis umas das outras — é sem dúvida o culto e a promoção da violência. Provas? Bom, consta do Código Civil, que os factos notórios não carecem de prova. Necessitar de provar, que as claques do futebol promovem a violência, é como pedir que se prove, que à uma da tarde em Portugal é de dia e à uma da madrugada é de noite.
As provas são públicas e cristalinas, os actos ilícitos são tantos e tão conhecidos, que se torna quase enfadonho recordá-los: apedrejamento de viaturas de equipes; invasão de instalações desportivas; agressões a atletas e árbitros; agressões a jornalistas e dirigentes dos clubes; vandalização de viaturas e casas de jogadores; agendamento de sessões de pancadaria à moda dos duelos do Séc. XIX, lançamento de engenhos pirotécnicos sobre o público e jogadores, etc. etc. Este rol de crimes é tão reiterado e tão extenso, que a pura punição casuística de cada infractor individualmente – como tem de ser nos termos da lei – não eliminará, como já se viu, o culto de violência, que é o verdadeiro factor agregador e motivador destas claques. Também não se pode culpabilizá-los e acusá-los indiscriminadamente a todos, porque a lei, e bem, não permite julgamentos por atacado.
Igualmente não será através da culpabilização dos comentadores do futebol falado na televisão, com os seus excessos de linguagem, nem com a responsabilização dos dirigentes dos clubes, pois apesar da sua culpa moral ser muita, de facto, não é determinante. Importante apenas o seria, se as claques, como se dizia no português antigo, passassem cartão, a dirigentes e comentadores, o que não é o caso.
As claques, hoje, já correm por conta própria. Só estão “socialmente enquadradas”, no sentido literal do termo, quando caminham para os estádios de futebol, dentro da chamada caixa de segurança, rodeados de policias, cães pastores e carros de água, permanecendo dentro do estádio numa gaiola e abandonando o estádio (muitas vezes depois de o vandalizarem) de novo na caixa de segurança. Fora disso, andam por aí em roda livre.
Digam-me lá, quem mais é que na nossa sociedade, goza deste estatuto de impunidade? Não conheço, mas perante a passividade do Governo e do Ministério Público, só pode ser distracção minha."
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