quinta-feira, 2 de abril de 2020

Covid-19. Riscos de uma epidemia emocional

"As notícias de um surto de Covid-19 na China longínqua (mais um), foi vivido pela generalidade dos portugueses como se de um “tsunami” se tratasse – inicialmente, um tsunami que atingiria “apenas” a costa daquele país.
Contudo, o avassalador impacto em Itália (e as notícias que de lá foram chegando), a classificação do surto de Covid-19 como pandemia por parte da Organização Mundial de Saúde, a instalação do Estado de Emergência em Portugal e a exploração massiva deste tema pelos media (e pelas fake news) arremessaram o quotidiano dos portugueses não só para um conjunto de alterações abruptas para as quais dificilmente estariam preparados mas também para um cenário de elevada turbulência emocional e marcada imprevisibilidade.
As inúmeras noticias de despedimentos e as raríssimas informações sobre diferentes sectores empresariais onde estão neste momento a surgir fenómenos de expansão (e consequente contratação de colaboradores), o destaque dado aos óbitos e não às recuperações, aos obstáculos e não às soluções ou, em boa medida, à forma como a população se tem organizado, correspondido às imposições de restrição de mobilidade ou, em muitos casos, à forma como se tem organizado espontaneamente em movimentos de solidariedade na comunidade, acabaram por vincar ainda mais instalação, por vezes subliminar, de quadros de medo e ansiedade generalizada na população.

Reféns do Medo
Naturalmente que, o quotidiano que nos cerca é denso, pesado e muitas serão as famílias impactadas, lamentavelmente pelo falecimento de familiares que entrarão para as estatísticas relacionadas com esta pandemia.
Importa, porém, e a título de mero exemplo, recordar que, em média, quatro mil famílias todos os anos enfrentam o luto dos seus familiares vitimas da gripe sazonal ou, num outro exemplo, um número largamente superior que vive esta mesma dor por efeitos de uma “pandemia silenciosa” (uso incorrecto certamente, mas apenas usado para acentuar o elevadíssimo numero de óbitos anual) que, apenas por resultar num processo mais longo e demorado (logo não abrupto), acaba por não intimidar de forma tão avassaladora a população – o cancro.
Vão, de facto, haver óbitos e o luto irá entrar na casa de muitos portugueses – este é um facto assente.
Contudo, este não será, por certo, o maior impacto na vida das famílias portuguesas – esse será, sem dúvida, determinado pela forma como conseguiremos “sobreviver” a este período e, em boa verdade, o tempo que iremos demorar a reerguer-nos do mesmo – e, aqui, como indivíduos, organizações e nação.
E, o medo paralisa, congela e, em muitas situações individualiza-nos e faz-nos desconfiar da nossa capacidade de adaptação, do outro, do meio – um medo que, enfim, nos divide.
Divide-nos, numa altura em que precisamos aprender a ser unidos – não por causa desta “crise”, mas porque foi algo que nunca conseguimos verdadeiramente aprender e, agora, temos de facto a oportunidade de o experienciar e integrar na nossa existência (de preferência, definitivamente). 

Soluções?
Muitas, há muitas mesmo – especialmente centradas na forma como podemos organizar o nosso dia-a-dia, afinal a única coisa à qual devemos dedicar a nossa energia, uma vez que é o que de facto a única coisa que “controlamos”.
Inúmeras tem sido já as diretrizes que estão a ser lançadas, no sentido de dar suporte à comunidade para que possa atravessar este período com o menor prejuízo possível da sua saúde mental.
Ajudar os cidadãos a focarem-se num sem número de estratégias que ajudarão a implementar rotinas que urgem ser instaladas, para que a “nova normalidade” a que o estado de emergência obriga possa ser mais “fluidamente” activada, tem sido por isso uma preocupação e um foco de acção de diferentes organismos. Exemplo disso são a Direção Geral de Saúde (www.dgs.pt) ou a Ordem dos Psicólogos Portugueses (www.opp.pt), que tem feito um enorme esforço em munir a comunidade com um conjunto de recursos que possam devolver a normalidade “possível” ao quotidiano dos portugueses. 

Desafios?
Muitos também – grandes crises agregam sempre enormes oportunidades.
Para o indivíduo, para as famílias, para as escolas, para as empresas, para a nossa experiência de estar e “ser” comunidade.
Desde logo, o fantasma da incerteza, seja acerca da nossa capacidade em nos protegermos (e aos nossos) da doença, da nossa capacidade em manter os empregos/subsistência ou da realidade que nos espera após este período, da “vida” que nos espera a seguir.
Uma incerteza que, sendo desde sempre nossa companheira, nem sempre a consideramos por ser mais seguro observar e procurar sinais de uma aparente estabilidade com as quais alimentamos a nossa necessidade de securização.
Uma incerteza que se constitui como o maior desafio à nossa confiança, à nossa crença acerca dos recursos que possamos ou não possuir para navegar em “aguas desconhecidas” por um tempo que, agora, nos parece indeterminado.
Uma incerteza que precisamos aceitar no nosso quotidiano, não como sinal de ameaça, mas como uma oportunidade de progressão.
E, aqui, curiosamente, o desporto transporta ensinamentos fundamentais pois, em alta competição, a incerteza é uma realidade quotidiana e a única “arma” possível é apostar na preparação e no treino específico que permita a optimização das capacidades de dia para dia (não deveríamos nós, fazer o mesmo?).
Agora, para a generalidade dos portugueses, o maior desafio (pouco perceptível para muitos por certo), centra-se de facto de saber “parar” – metaforicamente falando, que desafio transporta um estado de emergência ou uma quarentena? – e aproveitar para avaliar o rumo a que as nossas decisões e acções nos têm transportado e apostar fortemente em redirecionar as nossas vidas de forma mais planeada e consciente.
Em boa verdade, o maior e mais importante desafio espera-nos no “pós” pandemia – quando procurarmos voltar à “antiga” normalidade que, inevitavelmente, pelos contornos da experiência única que todos estamos a viver, já não nos “servirá” da mesma forma e, por essa mesma razão, nos conduzirá a uma nova “forma de crise”, essa sim mais impactante pelo potencial que tem de se arrastar muito mais no tempo.
Esta será uma realidade, principalmente para quem, no “durante”, não exigir de si uma reflexão, uma redefinição de prioridades e objectivos – inevitavelmente mais centrada no sujeito, na experiência de família e de comunidade.
Ou não fosse esta a maior aprendizagem a que estamos a ser expostos - a certeza da fragilidade que o isolamento nos traz e da força que em Comunidade obtemos."

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