sábado, 8 de fevereiro de 2020

Memórias de visitas ao Porto

"Em dia de mais uma visita ao Dragão para o jogo que desperta mais emoções antagónicas em Portugal, decidir puxar a cassete atrás e relembrar algumas das minhas experiências a acompanhar o Benfica no campo do rival.

1999/2000
A minha primeira visita ao reduto dos dragões foi em 99/00, derrota por 2-0 com golos de Capucho e Jardel. Nesta altura tinha 17/18 anos e já frequentava as curvas da Luz há algum tempo, mas as minha aventuras em jogos foram limitavam-se aos jogos perto de Lisboa. Desta vez aproveitei boleia do meu padrasto, que ia ao Porto nesse dia para uma reunião, e convenci a família que fazia todo o sentido aproveitar para ir ao jogo. Um conhecido arranjava um bilhete no Porto, a coisa parecia perfeita! Lembro-me de ter insistido várias vezes para que o bilhete fosse para o sector visitante (santa ingenuidade) e garantiram-me que assim seria, pelo que fui tranquilo com um cachecol vermelho pronto a colocar ao pescoço. Quando cheguei ao Porto percebi que afinal o bilhete era para a arquibancada, uma espécie de segundo anel na central oposta ao sector visitante. Meti o cachecol no bolso do casaco e lá fui eu para o meio deles.
Posso dizer que para primeira experiência fiquei logo vacinado para o que iria encontrar nos anos seguintes: um clima pesado e o Benfica a apresentar-se amedrontado. O jogo foi de tal maneira desnivelado que até o Chaínho parecia o Zidane, por isso acabei por sair antes do final porque já não aguentava mais ouvir "Maria Amélia" sempre que o Nuno Gomes tocava na bola. Já cá fora ouvi mais um festejo vindo do estádio e percebi que tinha ocorrido mais uma carga policial sobre os nossos camaradas na bancada, outro clássico das Antas dos anos 90.



2001/2002
Mais uma visita, mais uma derrota. Viagem feita de autocarro e muita confusão à chegada. Lembro-de perfeitamente de ver elementos das claques rivais junto aos nossos autocarros sem qualquer polícia por perto. Reinava um sentimento de total impunidade, tal era o à vontade com que atiravam pedras, cuspiam e insultavam nas barbas dos agentes responsáveis pela segurança.
Do jogo só me recordo da esperança inicial com o golo de Simão, que rapidamente desapareceu à medida que Deco foi tomando conta do jogo, e do apoio brutal que veio do nosso sector. O nosso treinador era o Jesualdo e contávamos com craques como Júlio César, João Manuel Pinto e Fernando Aguiar. Ainda não era "o" Porto de Mourinho mas para lá caminhava. Derrota justa e, que me lembre, sem casos. No regresso cenas muito tristes entre benfiquistas que, felizmente, hoje dificilmente aconteceriam.



2002/2003
A viagem foi feita de comboio, o que era uma novidade na altura visto que as deslocações eram quase sempre feitas de autocarro, e isso significava que haveria um cortejo da estação dos comboios até à chegada ao estádio. O caminho a pé foi a confusão que se esperava! Os Diabos chegaram primeiro e levaram com a fúria dos locais que atiraram de tudo e mais alguma coisa ao cortejo. Felizmente iam munidos de capacetes das obras, o que poderá ter evitado algumas cabeças feridas. No grupo em que ia inserido a coisa foi mais calma, mas notava-se perfeitamente que a nossa presença naquelas ruas não era bem-vinda. Eles não estavam habituados a ver cortejos rivais na própria cidade e fizeram questão de o demonstrar. Petardos, ovos, pedras, bolas de golfe... tudo serviu para atirar aos cortejos com total complacência da Polícia que estava mais preocupada em manter toda a gente dentro da caixa de segurança em vez de controlar a situação.
O material de apoio ficou à porta do estádio, outro clássico no Porto onde parecia existir uma lei local que se sobrepunha a todas as outras, e atrasos brutais nas revistas impediram a maior parte dos nossos adeptos de ver o golo de Tiago logo aos 4'. O resto foi o costume: roubalheira do principio ao fim com 2 expulsões "fáceis" a jogadores nossos que decidiram o jogo a favor do rival.



2004/2005
A mudança da Antas para o Estádio do Dragão trouxe alterações significativas na organização dos jogos. Enquanto o antigo estádio ficava numa zona de acesso complicado, rodeado por ruas estreitas e escuras, o novo recinto do rival permite que o percurso a pé seja feito de forma relativamente tranquila através de uma zona ampla que não oferece grandes possibilidades de ataques furtivos. Isto fez toda a diferença nos anos seguintes porque os números de adeptos benfiquistas em viagem aumentou imenso daqui para a frente. Passámos de 10/15 autocarros para 2 comboios cheios de adeptos a fazer a viagem entre Lisboa e Porto. O ambiente do estádio também não tem comparação, o novo recinto é aberto e amplo e não causa o mesmo impacto em termos sonoros. Isto é obviamente benéfico para os visitantes, o que ficou logo demonstrado pelo primeiro resultado "positivo" em muitos, muitos anos. Empate 1-1 com golo de Geovanni num ano que ficou marcado pelo regresso do Benfica aos títulos quase 11 anos depois!



2005/2006
A primeira vitória e logo como campeão! Nuno Gomes a marcar 2 golos à César Brito e o Benfica finalmente a vencer no estádio do rival depois de anos e anos sem um resultado positivo. Este jogo ficará para sempre na minha memória, não só pela vitória mas também pelos eventos da viagem de regresso. O que prometia ser um regresso triunfal a Lisboa transformou-se numa aventura épica. O comboio avariou a meio da viagem e milhares de pessoas foram deixadas numa pequena estação no meio do nada enquanto aguardavam que uma nova carruagem os levasse ao destino. Resumindo a coisa, foram horas de espera sem comida, casas-de-banho, água e local para descansar. A viagem terminou ao meio-dia (!) do dia seguinte, mas na cara de todos estava estampada a alegria pela primeira vitória no terreno do rival em muitos anos.


Tive oportunidade de marcar presença em mais alguns jogos, com destaque para a derrota por 3-1 em 2009/2010, com direito a helicópteros a sobrevoar o nosso cortejo porque se previa a vitória no campeonato, e à estrondosa vitória da época passada que marcou a reviravolta no campeonato. Mas tudo isto serve para transmitir que ir ao Porto em 2020 já não representa a mesma dificuldade de épocas passadas. Nem para os adeptos, que são super controlados e acompanhados desde a saída de Lisboa, nem para o autocarro da equipa que tem escoltas policiais dignas de uma visita do Papa. Os tempos da creolina já lá vão!
O Benfica tem hoje todas as condições para obter um resultado positivo no terreno do rival porque é melhor e está em melhor posição no campeonato, mas principalmente porque aquele sentimento negativo das viagens ao Dragão já não se justifica. As arbitragens, apesar de aqui e ali continuarem a ser tendenciosas, já não se comparam a outros tempos e nem o lema "ides sofrer como cães" faz sentido. Na verdade, as deslocações dos últimos anos têm sido autênticos passeios e os últimos 5 resultados naquele estádio revelam que este sentimento existe apenas na cabeça dos adeptos: 1 vitória do FC Porto, 2 empates e 2 vitórias do Benfica.
Temos tudo para ganhar e dar um passo de gigante rumo a mais um título, vamos a isso Benfica!"

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