"Sim, morreu o Kobe Bryant e ainda parece impossível. Gosto de básquete, sei de cor o Dream Team de 92, do universitário Leattner a Jordan, o maior de todos. Logo após Jordan e antes de LeBron, o maior foi Kobe, e não faz sentido que morram no ar os que melhor viviam nele. Mas também morreu Rensenbrink e quase ninguém reparou. E ver a facilidade com que se esquecem outros ídolos também custa ver. Sabemos desde James Dean, e com Senna ou Cobain, que nada eterniza mais que morrer cedo, e o Rensenbrink já tinha 72, mas era o Rensenbrink, bolas, o melhor holandês logo após Cruyff, como Kobe depois de Jordan, e de silhueta semelhante, o mesmo nariz adunco em corpo magrinho, não fosse usar mais o pé esquerdo e era fácil confundi-lo com o mago da camisola 14. Quando Cruyff falhou o Mundial de 78 – e nunca se saberá em definitivo por que falhou – foi ele o guia da laranja até mais uma final planetária, as dos papelinhos aos milhões no Estádio Monumental e que vimos ainda numa tv a preto e branco. O ídolo maior acabou por ser Kempes, mas pendesse a vitória para o outro lado e hoje o rosto daquele Mundial seria o de Rob Rensenbrink. Se quiserem um termo de comparação mais recente, era uma espécie de Ryan Giggs, e aos mais novos recomendo que o encontrem hoje mesmo no youtube, seja pela selecção ou pelo Anderlecht que ele fez maior que nunca. Só vão ganhar tempo. E perceber porque não se pode esquecer Rensenbrink.
Shaquille O´Neal foi também brutal, nas estatísticas é o terceiro de sempre na NBA, mas Kobe encantava muito mais, e LeBron mais ainda, que a divindade o guarde por muitos anos. Qualquer desporto deve servir sobretudo para nos autorizar emoções. É por isso que me lembro agora de Neymar, e de como me irritou que lhe transformassem o último Mundial numa sequência de memes sem graça. Quiseram fazer do génio uma caricatura, quando ele é talvez o único sobre um relvado que resgata o melhor do jogo da infância, o futebol de rua irreverente, malandro mesmo, em que há sempre um a quem se passa a bola e é capaz de fintar os outros todos. Neymar é esse, malabarista dos melhores, pintor sem escola, ator sem guião. O jogo nele é sempre improviso, como Maradona ou Messi, uma ligação perfeita de homem e bola, espécie de Ronaldinho Gaúcho que é capaz de acelerar como Ronaldo Fenómeno. Impossível de repetir.
E que se dane o que faz quando não joga, carros, noites ou namoradas, que o meu jogo vai ser sempre mais de tapete verde que de revista cor de rosa. E pode ter-se enganado ao escolher o Paris Saint-Germain, sobretudo enganou-se em ter saído de Barcelona, bem avisou Pedro Abrunhosa que ninguém sai - ou deveria sair - donde tem paz. Gostava de o ver lá de novo, concedo, guiado por Setién e a partilhar diabruras com o maior dos génios. Mesmo assim, entre os conflitos interiores e os públicos, vai em 66 golos e mais 38 assistências pelo PSG. Ou seja, em 75 jogos participou em 104 golos. E não pára de marcar há 12 anos, 5 no Santos, 4 no Barça a já no terceiro em Paris. E mais a seleção, onde, com 27 anos apenas, já só persegue Pelé, depois de se colocar adiante de eminências como Romário e Zico. Incapaz de marcar golos banais – inesquecível a bicicleta canhota nos últimos instantes em Estrasburgo – voltou a decidir com mais dois no fim de semana, no terreno do Lille. Vai com 15 marcados em 17 jogos. Nada mau para quem, além disso, assiste de modo admirável. Guiado por ele, o PSG, que é também de Mbappé, Icardi e Di Maria, bem pode calar a Europa e reinar na Champions. Mas sorrirei feliz no dia em que o vir ganhar a Bola de Ouro. Porque gosto de futebol e gostava de um mundo mais justo. E o mundo do futebol será mais justo nesse dia.
Nota colectiva: Sporting de Braga – sabe bem quem segue os meus escritos que não valorizo excessivamente resultados, pelo que o elogio é mais à capacidade demonstrada do que ao pleno de vitórias, a última ontem no terreno do Moreirense (já agora, uma equipa que desde que mudou inexplicavelmente de treinador ainda não ganhou jogo nenhum!). Não há exagero em ver na liderança de Ruben Amorim o segredo do crescimento bracarense. Mudou o sistema, assumiu um jogo de construção com risco, abriu caminho a mais gente de talento e até promove uma rotatividade muito relevante para quem só leva uns dois meses de trabalho. Talvez seja, de resto, a lição mais relevante: que no futebol não é preciso muito tempo para provar que se tem ideias e uma noção de como as concretizar. O tempo é, tantas vezes, apenas uma desculpa que adia o insucesso.
Nota individual: Erling Haland – o pai também jogou e foi internacional, mas Alf-Inge Håland, norueguês que chegou ao Leeds e ao City, não passava de um lateral/ala de talento modesto. Erling herdou do pai a robustez física e o cabelo loiro mas supera-o largamente na arte. Ia com 28 golos em 22 jogos no Red Bull Salzburgo quando foi recentemente transferido para o Borussia de Dortmund. O impacto foi absoluto e precoce, como tudo na curta carreira de Haland: 5 golos em dois jogos apenas. Jogador alto mas móvel, poderoso mas rápido, com dinamite no pé esquerdo e frieza a definir. Haland é uma raridade absoluta. Que se saiba, não há nenhum avançado nascido depois de 2000 que chegue sequer perto da sua qualidade e rendimento. E só tem 19 anos. O melhor está mesmo para vir, e chegará a passos largos, tal e qual ele acelera para o golo."
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