sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Ao Benfica é difícil ser Benfica

"O Benfica venceu 5 das últimas 6 Ligas e estamos insatisfeitos com Luís Filipe Vieira. O Benfica venceu 28 dos últimos 30 jogos para o campeonato e estamos insatisfeitos com Bruno Lage. O Benfica marcou 103 golos a época passada e nesta tem o melhor ataque e a melhor defesa e estamos insatisfeitos com os jogadores. A verdade é que o Benfica raramente é Benfica e por isso passamos boa parte do tempo insatisfeitos com o Benfica. Eu quase que aposto que a única vez que os benfiquistas estiveram verdadeiramente felizes com o clube foi em 2 de Maio de 1962 quando vencemos o Real Madrid por 5-3 e fomos bicampeões europeus. A partir daí foi sempre a descer.
É isto um mal dos adeptos da agremiação da Luz ou é extensível a todos os clubes? Sempre achei piada como o Nick Hornby no seu fabuloso livro "Fever Pitch" passa um capítulo a contar-nos o quão épico foi aquele golo do Michael Thomas em 1989 sobre o Liverpool no último minuto que lhe deu finalmente a conquista do campeonato que ele ambicionava há mais de 30 anos, a única coisa que perseguia desde criança, para no capítulo seguinte falar que "perdemos para o Benfica, fomos eliminados da Taça dos Campeões Europeus, e provavelmente nos próximos 30 anos não voltamos a viver nada disto". Isto é, ele passou 30 anos deprimido a querer o auge, teve o auge e rapidamente voltou à depressão. E que se engane quem glorifica esta estranha forma de viver: é isto a vida de um adepto fanático.
E é verdade. Eu estou insatisfeito com Luís Filipe Vieira. Porque não vejo nele o Benfiquismo e o esforço direccionado para a glória desportiva que queria de um Presidente. Duvido de algumas movimentações que me parecem pouco transparentes, como a recente OPA às acções da SAD em que vejo todos a saírem beneficiados, menos o clube, numa operação que poderá custar 32 milhões de euros. Estou insatisfeito com Bruno Lage porque a equipa joga pouco futebol como ainda agora se viu contra o Vizela e porque na Liga dos Campeões insistiu numa estratégia de rotação do plantel e de aposta em jovens jogadores claramente não preparados para o nível Champions. E que ainda no recente jogo contra o Leipzig, na elevada capacidade que tenho como treinador de bancada e de jogador de "Football Manager", me pareceu revelar uma ingenuidade tremenda ao não reforçar a defesa nos minutos finais em que os alemães atacavam Vlachodimos com todos os "panzers" em campo. E sim, estou insatisfeito com os jogadores que principalmente na Liga dos Campeões têm sido de uma ausência de atitude e crença notáveis, entrando em campo já derrotados e desmoralizados na competição que mais os devia excitar.
Significa isto que quero presidente, treinador e jogadores no olho da rua? Não, não quero. Para o primeiro é necessário que apareça oposição credível e isso passado 15 anos continua a não existir (até porque muitas vezes foi absorvida). E quanto aos outros há potencial para melhorar um cenário que não é tão negro assim. O Benfica vai muito provavelmente ser eliminado das competições europeias, mas a nível nacional há qualidade suficiente para o bicampeonato. E se o alcançarmos ficaremos felizes, pois manteremos o que conquistámos nos últimos anos. Então porquê o desapontamento? É que não demos passos em frente. Não elevamos o nível. Não estamos mais próximos do pico, do auge que muitas vezes um adepto de futebol só sente uma vez na vida. Como o Nick Hornby sentiu em 1989 ou os adeptos do Flamengo sentiram no passado fim-de-semana. O tal pico para um Benfiquista é a conquista de uma taça internacional e o Benfica está cada vez mais longe disso.
Mas a vida de um adepto é esta: no próximo fim-de-semana lá estaremos no estádio. E no próximo. E no próximo...meio irritados, meio deprimidos, meio entretidos, meio expectantes, meio entusiasmados...a acreditar que um dia, num glorioso dia, viveremos o pico. O auge. O dia em que por uns breves momentos tudo faz sentido. Em que o tempo pára. Em que avistamos o paraíso. E depois? Depois provavelmente passaremos 30 anos a resmungar que o pico já passou e não volta mais..."

Antevisão SL Benfica – CS Marítimo: um jogo que é uma gota de água num oceano de jogos

"Na ressaca da eliminação da Liga dos Campeões, o SL Benfica recebe o CS Marítimo, na ressaca do despedimento de Nuno Manta Santos e da contratação de José Gomes, ex-Rio Ave FC e ex-Reading FC. Na Luz, defrontam-se duas equipas a precisar de vencer, não apenas para recuperar da ressaca, mas também para fugir dos perseguidores – os da casa – e da linha de água – os forasteiros.
No regresso da pausa para selecções, a turma de Bruno Lage mostrou duas faces e conheceu dois resultados. Na visita a Vizela, a exibição encarnada foi deplorável, mas a vitória (suada) não escapou. Em Leipzig, as águias voaram alto, mas caíram com estrondo, vendo confirmada a eliminação da liga milionária em escassos minutos. No fecho de uma semana assim, só a soma de uma vitória com uma exibição portentosa pode ter como resultado o agrado dos sócios e adeptos.
Mais premente se torna a necessidade de vencer e convencer este jogo caseiro – no regresso a casa e na estreia do novo relvado – quando colocado em perspectiva com o ciclo de jogos que o sucede. A recepção aos madeirenses não é apenas o fecho de uma semana difícil – é o início de um ciclo de muitas e árduas batalhas, em várias frentes.
Até ao final de dezembro, as águias decidem o seu futuro na Taça da Liga, na Taça de Portugal e nas competições europeias, defendendo em simultâneo o título de campeão nacional em partidas, por exemplo, frente ao Boavista FC ou ao FC Famalicão. Perder pontos em casa seria – ainda mais – inaceitável, nesta conjuntura.
Além de vencer e convencer, será preciso gerir a equipa de forma inteligente, para que esta possa enfrentar com frescura o ciclo de jogos que encerra o ano civil. A poupança maior (a la Black Friday) será, por certo, na terça-feira, na visita à Covilhã para a Taça da Liga. Todavia, depois da exigente partida na Alemanha, é provável que Bruno Lage altere algumas peças, fazendo ingressar no onze Florentino e, quiçá, Raul de Tomás.
O setubalense terá que delinear bem a estratégia, mais do que a táctica, para a recepção ao Marítimo e para os jogos seguintes. Um trabalho complexo mas importante, que, se se revelar frutífero, poderá conduzir os encarnados a um ciclo vitorioso que pode ser um dos mais importantes passos rumo a uma época positiva. No entanto, se os planos saírem gorados, o ciclo de dezembro, mais do que invernal, pode revelar-se infernal. E se o for, as consequências que disso advierem serão muitas e gravosas, para o conjunto e para as individualidades."

Desafio decisivo


"Hoje estou a escrever directamente de uma conferência em Vilnius. Treinadores, ex-jogadores, analistas, pessoas ligadas ao futebol, apresentam trabalhos e opiniões provenientes das mais diversas regiões da Europa. Para mim, é particularmente feliz regressar, 11 anos depois, a uma casa em que trabalhei. os jogadores de ontem são os treinadores e dirigentes no momento. Têm um trabalho enorme nas mãos, pois o nível de jogo necessita de ser melhorado e a qualidade da competição interna também. Mas não é sobre o plano de desenvolvimento ou de qualquer estratégia que quero hoje escrever. O que me interessa é salientar as relações humanas, que são a base de construção de qualquer equipa de futebol, de um clube ou de uma federação. Quando se esquece, e principalmente não se respeita, todos os seus elementos, estamos a inviabilizar acções presentes, mas também futuras. O mundo está mais pequeno, no sentido em que está mais próximo, mais global, mas também com desafios e conflitos diferentes! Não é comum que um nosso capitão da Selecção Nacional seja presidente da Federação, que outro tenha sido seleccionador, vários nas Direcções dos clubes, e dessa forma que se tente partir para um projecto de recuperação, de uma modalidade que não é a de maior destaque interno, mas a que já consegue ter mais praticantes. As relações humanas estabelecidas na década passada são agora fundamentais para estabelecer um clima de confiança entre todos estes elementos, que são decisivos para o sucesso da reforma que pretendem implementar. Todos eles percebem que o caminho não se pode fazer de forma isolada, contudo ainda não conseguem garantir que o façam juntos. Este é um percurso decisivo, que obriga a decisões difíceis, por vezes sem a concordância de todos, mas que só atinge um nível interessante se for inclusivo. As relações estabelecidas entre eles são agora fundamentais para que um projecto nacional seja bem sucedido. Esta geração atingiu o maior sucesso dentro do campo, agora vamos ver se o consegue fora dele."


José Couceiro, in A Bola

Cadomblé do Vata (patins...)

"Os resultados do SL Benfica na presente Liga dos Campeões estão a ter efeitos devastadores no clube. Primeiro, porque já era altura de mitigarmos as eternas saudades que temos de uma presença condigna na competição; depois porque os desaires europeus estão a deixar os Benfiquistas com os nervos tão em franja que até a excelente série de resultados internos é por eles diminuída: por fim porque com os olhos apenas postos nos 7 minutos do Caio Lucas, ninguém repara que nos preparamos aceleradamente para abandonar o hóquei em patins, o que para mim é uma facada no coração.
Na minha juventude, o hóquei em patins era a minha segunda modalidade, uns bons degraus abaixo do futebol e dois ou três acima das noites europeias do basquetebol. Melhor do que ver Dominique Wilkins soçobrar aos triplos de Lisboa e ao atleticismo de Jean Jacques, só ver a patinagem artística do cinco Fernando Almeida; Paulo Almeida, Vitor Fortunato, Luis Ferreira e Rui Lopes, bem secundados pelo gordinho Godinho, pelo esguio descabelado Ramalho e por Ricardo Pereira quando Rui Lopes deu à sola para a Coruña, que sob o controlo do Dantas pim, ia dominando o panorama nacional contra o Barcelos dos Alves e discutindo a supremacia europeia contra os catalães de Igualada. Infelizmente, como todas as modalidades do clube, excepto o pólo aquático, também o hóquei sofreu na pele a passagem do vulcão Azevedo e perdeu o domínio caseiro para um super FC Porto, malgrado termos nas nossas fileiras um Maradona sobre rodas e o mano Batistuta Velasquéz.
Após longos 13 anos a penar, o Glorioso comandado por Luis Sénica e mais tarde Pedro Nunes, voltou a conquistar o ceptro nacional e agarrou duas Ligas Europeias, para depois fazermos um Seppuku extremamente bem conseguido, quando revoltados com uma arbitragem, entregamos uma Taça de Portugal ao FC Porto por falta de comparência, numa bizarra decisão cujos benefícios estão hoje à vista: zero títulos desde o desvario e tudo como dantes no quartel de Abrantes. Aparentemente, não contentes com este momento de rara beleza desportiva e de exemplar espírito Benfiquista, estamos a preparar, com o mais revoltante beneplácito da Nação Encarnada, o fecho da secção de hóquei masculino profissional, porque a Federação e os árbitros e os adversários e os adeptos e tudo e tudo e tudo são maus para nós.
Falando-se actualmente tanto em exigência, qualquer coisa que não seja reforçar o investimento na modalidade e ganhar tudo para esfregar nos dentes de quem achamos que nos ataca, é do mais pura anti benfiquismo possível. "Eles são mauzões e eu fujo com o rabinho entre as pernas" é de coninhas. É de gente que em 1991 tinha chorado no balneário empestado das Antas, entrado no autocarro e de regresso a Lisboa feito queixinhas à mamã, enquanto na Avenida dos Aliados se festejava mais um campeonato. Não vejo outra forma de colocar a questão: é para acabar com o hóquei? O caralho é que é! O hóquei é para ser campeão este ano, ganhar a Taça de Portugal e a Liga Europeia fodasse! E festejar forte e feio! Nem que seja preciso desviar dinheiro do orçamento do futebol para reforçar a equipa. É para cima deles!"

O Brasil tenta com todas as forças manter o estado das coisas

"Nunca estive no Brasil, mas imagino que deva ser um país encantador.
Que outra justificação pode haver para D. Pedro ter abdicado do trono cá em Portugal para ficar no Brasil? De onde só saiu, aliás, o tempo estritamente necessário para dar uma tareia no irmão, que andava com a mania das grandezas, e voltou logo a correr para casa.
Por ser assim, um país tão encantador, deve ser fácil aos brasileiros tornarem-se arrogantes.
Os brasileiros que conheço são pessoas simpáticas, mas quando penso nos brasileiros enquanto povo não consigo afastar esta ideia de que são altivos e presunçosos.
Por exemplo nas piadas sobre portugueses. Ou na ideia de que não há outra cidade no mundo como o Rio. Ou até naquela certeza absoluta que eles têm de que são os melhores no futebol.
Já foram, sim, mas hoje não: hoje há gente que lhe dá uma surra em noventa minutos.
O Brasil continua a ser a pátria de um talento sem igual: todos os dias nascem verdadeiros prodígios com a bola nos pés, craques de futebol, de arte e de criatividade.
Mas a verdade é que isso não se traduz na qualidade do futebol brasileiro, do campeonato brasileiro ou da selecção brasileira. O campeonato brasileiro é fraco, aliás, tem muita luta, pouco futebol e um número escasso de oportunidades de golo.
Faz lembrar o futebol europeu de há vinte anos.
A selecção, essa, é pentacampeã mundial, mas hoje vive apenas do passado: o último título foi há quase duas décadas. Desde então, só deu verdadeiramente nas vistas quando sofreu sete golos em casa da Alemanha. Tem bons jogadores, lá está, mas não tem qualidade colectiva.
Mas que razão pode haver para este distanciamento entre a qualidade dos jogadores e a qualidade do futebol brasileiro?
Basicamente a altivez que falei logo no início desta crónica.
O futebol brasileiro ficou parado no tempo: os treinadores vivem na viragem do século e estão totalmente ultrapassados. Apesar disso, não fazem nada para mudar este estado de coisas.
Pelo contrário.
Se houve coisa que Jorge Jesus mostrou, foi precisamente isso: os treinadores brasileiros estão ultrapassados e não querem adaptar-se aos novos tempos. Continuam a jogar um futebol físico, com dois médios defensivos sem capacidade criativa, não sabem posicionar-se correctamente para a transição ofensiva e defendem as bolas paradas com marcações individuais.
Apesar disso, e em vez de olharem para Jorge Jesus como um alerta, olham para ele como uma ameaça. O que os leva a menosprezar o trabalho do português: que tinha o melhor plantel, que tinha mais dinheiro do que os outros, que foi empurrado pelos adeptos.
O que me obriga a estabelecer um paralelo entre o Brasil... e a Inglaterra.
Há coisa de vinte e cinco anos, o futebol inglês era feio, porco e mau. Os clubes já tinham dinheiro, mas os jogos eram muito físicos, muito atléticas, pouco espectaculares.
Inglaterra teve, no entanto, a humildade de perceber que estava mal – e vale a pena lembrar que é o país que inventou o futebol –, quis aprender, quis modernizar-se, quis ser melhor.
Encheu o campeonato de jogadores e treinadores estrangeiros, que trouxeram mais nível técnico, ideias mais claras, uma abordagem mais moderna.
Hoje o campeonato inglês é o melhor do mundo e até a selecção volta a fazer sonhar os adeptos. 
Inglaterra teve a humildade de reconhecer que não estava bem, que tinha de aprender com os estrangeiros, que estava obrigada a mudar. O Brasil teve em Jesus a prova de que não está bem, de que não tem conceitos que acompanhem o talento, mas recusa-se a mudar.
Pelo contrário, luta com todas as forças para manter exactamente o estado das coisas."

Jorge Jesus | Bem-aventurados os varões que joguem bonito

"O ego é algo presente em qualquer colectivo. É sempre a partir de um que existe um grupo. É no aglomerado de singular que algo plural tem existência. Uma equipa, na índole desportiva (e não só), pressupõe uma ideologia, por muito passageira que seja. Um ego comum.
Jorge Jesus é um ego absoluto. Há relatos que sempre o foi. Um individuo fiel à essência que compõe a sua mente e forma de pensar. Há quem tenha a “panca” por motores, há quem tenha o interesse por electrónica, há quem tenha a paixão por desporto, etc.
Jesus é um sujeito genuíno. Posso muito bem ser infeliz em debruçar-me sobre uma personalidade que conheço através do virtual, e não do real, mesmo sabendo que o primeiro tem a intenção de reproduzir o segundo. Porém, sempre de forma, por muitas vezes que possa ser reproduzido, parcial. 
Numa era em que a carreira de treinador assume uma popularidade e adesão imensa, o “português que redescobriu o Brasil” vem dos primórdios da profissionalização desse cargo. Vem do mais raso possível. O que o fez ser técnico deu-se ainda quando era atleta. Foram-lhe reconhecidas qualidades de liderança. Conhecimentos profundos em relação a aspectos tácticos. Um talento em potenciar colectivo.
Inserido num meio futebolístico, completamente enraizado na cultura portuguesa, quer se queira, quer não, quer se goste, ou não. Foi habituado, obrigado a transformar recursos escassos em resultados imediatos. Afinal, a vida de treinador profissional obriga resultados efectivos.
Chega ao grande palco, ao mediatismo absoluto, com a chegada ao Benfica. Em 2009, chega a um clube com recursos respeitáveis, mas cujos resultados não directamente proporcionais a tal. Pega num emblema recheado de êxitos, de glórias vividas maioritariamente a preto e branco.
Como é sabido, a sua chegada foi impactante. O sucesso foi imediato, e muito mais admirável que isso: surpreendeu. Poucos se lembravam de ver o Benfica jogar à bola como o fez com JJ. Em 2005, foi alcançado o campeonato, é certo, mas o título de 2010 foi muito mais do que resultado. Deu-se uma transição bastante clara. Foi um marco de mudança, não apenas no restabelecimento do estatuto do clube, que se perdia no tempo, ou se readquiria, de forma pontual, mas de um aumento significativo nas ambições dos encarnados, tendo em conta a hegemonia de um FC Porto sólido e extremamente bem-sucedido. Reergueu um estilo de jogo característico de outros tempos, de tempos quase esquecidos. Mas muito criticado, mesmo assim.
Ainda mais mediática, foi a sua chegada ao Sporting. Daquelas bombas de mercado que agitam até o simples simpatizante. Então em Portugal, sendo um país em que matérias do quotidiano futebolístico prevalecem sobre muitos temas de inquestionável interesse público, ainda mais.
O Sporting também não ganhava há muito. É certo que isso não mudou, mesmo com Jesus. Contudo, a sua marca no universo leonino é inegável. Mesmo batendo o recorde de pontos alcançados pelos leões em campeonatos, não foi possível sobrepor-se aos adversários. “Jogaram como nunca, perderam como sempre”. Fora rivalidades, torna-se algo factual, e muito característico do espírito sportinguista recente.
Só sai de Portugal por motivos drásticos. A sua saída de Portugal foi uma consequência. Um único ego, da mesma forma que é capaz de contribuir, construir, orientar; também pode ter o efeito contrário. E os egos não se medem por igual, cada um tem um peso específico, evidentemente.
Penso que a sua ida para a Arábia tivesse carácter temporário. Sem mercado nos três grandes, os únicos com capacidade viável de acolher o mestre da táctica, fê-lo então procurar alternativas fora de portas. Workaholic como é, parar certamente não foi sequer ponderado.
Descobriu que em tempos de globalização, sair de um sítio que nunca imaginou abandonar não é o que pensava que seria. Ir para uma cultura completamente diferente, deixar o seu círculo próximo de amigos, deixar o seu habitat, a sua zona de conforto.
Alargou a sua perspectiva em relação a muitas coisas. Compreendeu, certamente, o mundo globalizado, que talvez não representava mentalmente de uma forma ampla e mais próxima da realidade.
Sustenta, na sua forma de estar, que juventude é mentalidade. As qualidades, fundamentalmente as de relação interpessoal, foram aprimoradas. Tornou-se mais terra a terra. Fiel à sua essência, implementa no futebol da sua equipa a sua energia, o seu know how metódico, jogador a jogador. Faz conhecer a função de cada um no onze.
Chegou ao Flamengo, com óbvias intenções. Conheceu o projecto, sugeriu soluções, que foram prontamente acedidas pela direcção.
Foi notório que a sua arrogância nunca a tinha sido. Foi sim, interpretada como tal. Essa arrogância é, afinal, uma segurança muito própria do que sabe, e quem pedia as suas respostas era como se falasse uma língua diferente. Essa dita arrogância vinha ao de cima, pois as perguntas feitas, pouco ou mesmo nada se dirigiam ao núcleo desportivo. Ao que interessava verdadeiramente. E isso deixava-o possesso.
No Brasil, vimos em Jesus um homem que não apenas redescobriu uma filosofia de jogo perdida, um continente em que a retranca abolia a ginga fluída característica dos sul americanos. Redescobriu-se a si mesmo. Agora que soube contornar as ratoeiras em forma de pergunta, e evitar os confrontos que as mesmas impunham. O reconhecimento é obtido em duplo sentido. Preferiu fazer-se ignorante a ripostar verbalmente. Foi assertivo à sua bela maneira. Falou com bola, menos com boca. Mas claro que não se conteve, e desabafou em certos momentos. Mas, desta feita, em momentos oportunos. Toda a pressão que impede o resultado pretendido irá sempre existir, a “comitiva” de imprensa é o tribunal do futebol. E um treinador sempre se irá sentar ora como testemunha, ora como suspeito, indiciado, arguido ou réu. Depende do cenário. Dos números.
Toda a sua competência é finalmente reconhecida em absoluto. Hoje está bem cotado para subir à elite máxima. Chegou tarde, mas também chegou ao mais alto nível há dez anos. Mas também há mérito nos níveis mais baixos. Também se trabalha e existe pressão nesses patamares. Não tanta, mas qualquer emprego depende de um desempenho, do serviço prestado.
Por ser Jesus de nome, os brasileiros, no geral, pensaram logo em crucifixo, fora trocadilhos por associação. Num contexto, numa cultura onde o futebol também pesa muito, as pressões são constantes. A competitividade é imensa. Há muitas equipas candidatas ao título. As expectativas são altas, gerais e os despedimentos constantes.
A forma como desprezaram os méritos de Jorge Jesus foi maldosa. A maneira precipitada como avaliaram a chegada de um técnico experiente, cheio de conhecimento, cheio de vivacidade, dono de uma forma ímpar de desempenhar a sua função foi clara. Revelou-se pobre e desleal. Afinal, era um mero “portuga” … Alguém sem renome internacional. Para eles…
Perante o sucesso que ia obtendo, justificavam com a estrutura do Flamengo. Com os nomes que compunham o “time”. Com os laterais que trouxe. Com as contratações que efectuou. Foi difícil atribuir mérito. E agora, o que justifica este fim de semana passado? Libertadores, 38 anos depois; Brasileirão, dez anos após. E ainda com jornadas por disputar, já suprimiu o recorde de pontos do campeonato. Ainda restam argumentos?
Um treinador com um staff qualificado ao seu lado, a simbiose (João de) Deus e Jesus. Por muitos erros crassos que cometeu ao longo do seu trajecto, quer a nível de aposta formativa, quer a nível de discurso público, quer a nível de insistência desmedida numa dada ideia, a verdade é que tudo se tratou de um processo, que o trouxe até ao Brasil. Mais do que merecido. Deixou para trás várias frustrações decisivas. Vingou-se dos acréscimos de compensação. Desta vez os minutos finais trouxeram justiça para a sua equipa. Foi trabalho, apesar da sua idade supor decadência para os mais leigos. A idade é realmente um posto.
O português é patriota por natureza. Qualquer um se orgulha da história da pátria, que em séculos medievais, era olhada pela civilização europeia como o fim da terra, e o início do mar. Um povo que não resistia à ideia de se aventurar no desconhecido. Parafraseando o professor José Hermano Saraiva, “Os portugueses não têm raça. São uma anti raça.” São integradores e hospitaleiros, orgulham-se disso. Orgulham-se sobretudo do compatriota que eleva bem alto o nome da nação. Do compatriota que partilha dos mesmos valores e princípios. Do conterrâneo que vence assentando neles.
O oceano era tido como território nacional. O horizonte vislumbrado parecia tão perto e com fim à vista. Além da “sardinha de cada dia”, havia conquista possível além mar. E ao haver meios, evitemos rodeios.
Jesus, no século XXI, mergulhou de olhos abertos, e nadou até à terra prometida sem sequer pestanejar. Superou o adamastor em forma de xenofobia alheia sem rodeios. Com um carácter de fé, cultivou o seu olhar sobre o jogo que mais o apaixona. Já não lidou com Renato Gaúcho como fez com Rui Vitória, Tim Sherwood ou Lopetegui. Resistiu ao irresistível, e preferiu propagar a fé. Não a fé de Cristo, como era o intuito dos navegadores, mas a fé do joga bonito de Ronaldinho."

Mourinho, o Special London

"E enfim, Mourinho volta a treinar em Londres.
Surpreendente, não é? Pois, se calhar não. Aliás, não admiraria nada que lá para 2035, enquanto programamos o jantar para as oito através do telemóvel, ainda fôssemos interrompidos com uma notificação do género:
«José Mourinho é o novo treinador do Leyton Orient, da quarta divisão inglesa. Depois de passagens pelo Chelsea, Tottenham, Arsenal, West Ham, Fulham, Brentford, Dulwich e Barnet, o técnico português de 72 anos vai orientar novamente uma equipa londrina.»
Vê-se que ele gosta verdadeiramente da cidade, há ali paixão. E tal como um miúdo que perdeu a namorada que adorava, a Chelsea, ele vai continuar a namorar com todas as miúdas da rua para não perder a magia. Londres é a rua de José Mourinho, o Tottenham a sua nova Chelsea.
O Tottenham é, de resto, um enorme desafio para o treinador português.
O clube inglês tem 137 anos - quase tantos quanto a rainha – mas no plantel não existe nenhum galáctico como Ronaldo ou Pogba, pelo que Mourinho vai ter imensas dificuldades em chatear-se com alguém. Do que se irá alimentar a imprensa? Pior, do que se irá alimentar Mourinho? Não vai ser fácil.
Obviamente e por se tratar de um português, desejo-lhe toda a sorte do mundo. Os ingleses podem ter inventado o futebol, mas o Zé reinventou como se ele joga. No que depender dele, os monárquicos bigodes ingleses irão amochar frente à farfalhuda bigodaça tuga.
O início está a correr bem. Vitória sobre o West Ham e reviravolta na Champions frente ao Olympiakos. No final dos jogos Mourinho disse estar feliz e elogiou as equipas adversárias - o que me deixou bastante desapontado. Onde está o mister que espuma da boca? Não esperava uma desfeita destas. Espero que sejam apenas mind games.
Um desafio interessante para Mourinho é saber se conseguirá ficar muito tempo num clube mitra como o Tottenham: um clube que gasta menos de 500 milhões de euros em reforços não pode ter outro nome.Eu seria incapaz, pois detesto gentalha com vistas pequenas e bolsos fechados. Todos sabem que um jogador que custe menos de 100 milhões não é bem um jogador, é um boneco de matraquilhos, e já gasto. Onde ele se foi meter, coitado.
Mas o maior de todos os desafios será a carreira do Tottenham na Champions. Na época passada o clube chegou à final, com um golo a 10 segundos do término da meia-final.
Mourinho, sendo o Special One e querendo sempre superar os outros, vai tentar vencer a Champions, com um golo a um segundo do fim, marcado pelo guarda-redes, num pontapé de baliza, com o seu pior pé. E no fim vai dizer que foi assim porque ele quis. «As finais não são para jogar, são para ganhar, quando e como eu quiser.» E provavelmente será verdade.
Estamos contigo, Zé!

PS 1: Jesus é Deus no Brasil. Mas para ele isso é peanners.

PS 2: Fernando Santos foi eleito o melhor seleccionador do mundo. Por momentos achei que o vi a sorrir, mas não, era só aquele trejeito que ele faz com a boca."

Do pouco provável à preparação

"Começando pela chegada do novo treinador, Rui Fernandes, e desde o 9.º lugar conquistado no Campeonato do Mundo de 2018 realizado em Montemor-o-Velho que a presença nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 começou a ser uma grande possibilidade.
Após a chegada do técnico nacional Rui Fernandes e da introdução da sua metodologia de treino, observei um K4 com um desenvolvimento que, para além de rápido, demonstrou ser constante. A vontade e crer do treinador, aliada à nossa vontade, fez com que a época desportiva 2018/2019 fosse um sucesso, a nível do desempenho do grupo, comparativamente à época anterior (2017), na qual ficámos muito aquém no Campeonato do Mundo, não obtendo melhor do que a 17.ª posição, lugar que nos deixava afastados do apuramento olímpico caso fosse esse o ano da qualificação.
O aparecimento de óptimas exibições nas Taças do Mundo, com um 3.º lugar na primeira e um 6.º lugar na segunda, bem como um 4.º lugar nos Jogos Europeus, fez com que todos nós (treinador mais elementos do K4) estivéssemos seguros das nossas capacidades e que o apuramento olímpico fosse uma possibilidade cada vez mais provável.
Tal segurança no trabalho realizado, o espírito de grupo e o querer fizeram com que acabássemos a final do Mundial em 6.º lugar, obtendo a tão desejada vaga olímpica e ficando a meros 0,16 centésimos de segundo de conseguir um lugar no pódio.
Desta forma, sendo eu um estreante na maior e mais importante competição multidesportiva do mundo que vai decorrer na capital nipónica, Tóquio, vejo-me na obrigação de levar a minha preparação com um maior cuidado e uma atenção especial.
Uma vez que os Jogos Olímpicos são o apogeu de qualquer atleta, tendo esta prova a importância que tem, e sendo a experiência uma grande vantagem, busco procurar nos meus colegas de K4, Emanuel Silva e João Ribeiro, em especial no Emanuel Silva (uma vez que este irá participar nos seus quintos Jogos Olímpicos) todas as suas vivências e experiências que possam contribuir para a minha preparação. Ao nível que os atletas se encontram, acredito que serão os detalhes a fazer a diferença em Tóquio.
Para além de toda a ajuda que os meus colegas me podem oferecer, procuro a nível físico estar no meu ápice, sendo que para tal não basta seguir o plano de treino com rigidez. Há que ter um rigor alimentar aliado ao plano de treino. Tendo sempre em atenção aquilo que devo ou não ingerir, as suas quantidades e em que alturas é que posso ou não ingerir certos alimentos, pois há que ter a “máquina” bem oleada daqui a 35 semanas.
Já ao nível do foro psicológico é na família e nos amigos que obtenho todo o apoio e toda a força que necessito para enfrentar os obstáculos que vão aparecendo dia-a-dia, sendo eles um apoio fundamental na minha preparação.
Espero desta forma conseguir atingir aquilo que desejo. Uma performance irrepreensível que me orgulhe tanto a mim como aos portugueses."

Festas das Casas

"Será já amanhã, com o Marítimo às 18 horas, que a nossa equipa voltará a actuar no Estádio da Luz, 28 dias depois dos três pontos conquistados ante o Rio Ave, por 2-0.
Entretanto foram disputados quatro jogos fora de portas, com destaque para a vitória no campo do Santa Clara – a 14.ª consecutiva em deslocações a contar para o Campeonato Nacional, sendo o terceiro melhor registo de sempre do Benfica. Na passada quarta-feira foi a vez de Leipzig, onde, apesar do triunfo nos ter fugido nos últimos minutos, ficou bem demonstrada a qualidade da nossa equipa.
O jogo com o Marítimo será especial por ser dedicado às Casas do Benfica, no âmbito de uma homenagem anual, que já se tornou tradição, a quem se empenha diariamente no crescimento do Clube e na implantação do benfiquismo aquém e além-fronteiras.
Para esta partida, foram vendidos, até ontem ao final da tarde, 6264 bilhetes nas Casas do Benfica. Serão 2640, em 48 autocarros, os benfiquistas que chegarão ao Estádio através de transportes das Casas, das quais 132 estarão representadas no desfile que será feito no relvado durante o intervalo da partida.
Mas o dia será também de trabalho para as Casas do Benfica, o qual terá início às 14 horas com a recepção no auditório do Museu Benfica – Cosme Damião e uma reunião de trabalho, cuja duração prevista será de duas horas, com a presença do Presidente Luís Filipe Vieira e do vice-presidente Domingos Almeida Lima, na qual serão atribuídos prémios de performance e mérito às Casas relativos a 2018/19.
Uma nota ainda para a particularidade de o jogo com o Marítimo ser o 50.º de Bruno Lage à frente da equipa A do Benfica e, caso o nosso treinador opte pela utilização de Pizzi, este completar 250 jogos de águia ao peito em competições oficiais.
São muitas e boas as razões para vir ao Estádio da Luz, e recordamos aos detentores de Red Pass que, caso não possam marcar presença no Estádio, podem partilhar o seu lugar. O Estádio cheio e o apoio vibrante e incessante do início ao fim da partida serão certamente fundamentais para que a nossa equipa consiga ultrapassar mais um obstáculo na longa caminhada que se deseja rumo ao 38. #PeloBenfica

P.S.: A Federação de Patinagem de Portugal notificou a meio da semana a interdição do Pavilhão da Luz por dois jogos de forma a impedir qualquer recurso que fosse a tempo por parte do Sport Lisboa e Benfica. O sentido persecutório vem em linha com tudo o que se tem passado nestes últimos anos nesta modalidade. Convidamos todos a assistir às imagens de diversos lances – por exemplo dos dois últimos jogos – da nossa equipa de hóquei em patins para verificar as decisões incompreensíveis e escandalosas de arbitragem que envergonham qualquer um. Campeonatos falseados, total dualidade de critérios em arbitragens sucessivas leva a que a cada dia que passa ninguém leve a sério uma competição viciada na sua verdade desportiva e com uma Federação que faz gáudio da sua provocação ao SLB e reconhecida subserviência a outros."

Um plano quase perfeito

"A estratégia foi muito bem interpretada e os golos alemães surgiram em decisões individuais

Muito inteligente
1. O Benfica, na minha opinião, foi perfeito na forma como conseguiu anular e condicionar os alemães, com toda a equipa muito comprometida, jogando com um bloco mais baixo e de trás para a frente, com Vinícius sempre como primeira referência em termos ofensivos. Um jogo muito inteligente, com o onze de Bruno Lage a demonstrar sempre preocuparão em estar equilibrado, até ao período em que surge o penálti e depois o segundo golo do Leipzig, que acaba por ser algo ingrato para aquilo que o Benfica fez, malgrado, num determinado período da segunda parte ter defendido com muitos jogadores na zona da entrada da área. Mas, no computo geral, o Benfica esteve muito bem na forma como abordou o jogo, com os jogadores a interpretarem quase na perfeição o plano elaborado por Bruno Lage para esta partida.

Primeiro bloco de cinco
2. O Leipzig apresentou-se no seu habitual esquema de 3x5x2, com o qual o Benfica não está muito habituado a lidar, uma vez que, em termos nacionais, são poucas as equipas que jogam neste sistema táctico. Porém, a estratégia de Bruno Lage de colocar uma primeira linha de bloco com cinco jogadores - Cervi, Chiquinho, Gabriel, Taarabt e Pizzi - conseguiu cortar as acções do Leipzig. A estratégia foi muito bem interpretada e os golos alemães acabam por surgir em tomadas de decisão individuais, com Rúben Dias a estar os dois lances - primeiro no penálti, num deslize que decorre de movimentos de arrastamento por parte dos avançados contrários, e depois pela falta de cobertura da zona onde normalmente entra um médio após cruzamento.

Lage e as substituições
3. Os alemães, por norma, são muito intensos, mas sentiram muitas dificuldades em desmontar o Benfica. Agora, depois do jogo ter terminado com este resultado (2-2), é fácil dizer que Bruno Lage poderia ter mexido na equipa mais cedo e ter colocado em campo, por exemplo, Florentino no meio-campo, mas nenhum treinador vai fazer substituições no pressuposto de que pode sofrer dois golos nos últimos minutos.

Destaques individuais
4. Em termos de destaques individuais palavras para Vlachodimos, Pizzi e Carlos Vinícius. O guarda-redes fez diversas intervenções de qualidade a negar golos alemães, enquanto o internacional português, além do golo, esteve sempre esclarecido e saiu com critério para o ataque. Quanto ao brasileiro, teve trabalho específico para ser ele a referência de saída para o ataque e ainda anotou um golo. Em suma, um plano que se não foi perfeito porque o jogo terminou, injustamente, empatado."

Domingos Paciência, in A Bola

'Pássaro' fugiu...

"O melhor Benfica não teve azar... ai o poder atlético! Jorge Jesus fazedor de campeões (friso o que mais lhe admiro). 'Estrelinha' pagou agora tanto que lhe devia...

Melhor Benfica deste 1.º terço da época esteve pertinho do muito difícil: vencer em casa do forte Leipzig, líder do grupo e 2.º na liga alemã. O melhor Benfica, com ganas, rigor táctico, estratégia. Teve o pássaro nas mãos: vantagem de 2-0 a escassos minutos do final! E deixou-o fugir! Não falem em azar; sim no mérito germânico, em poderosa cavalgada - mudando o seu modelo de ataque para consecutivos cruzamentos sobre a grande área -, e na habitual inferioridade benfiquista quando é preciso apelar a... poder atlético. Estatura, peso, músculo no choque - desde logo, e muito, o meio-campo, nas refregas por posse de bola, sem a qual quase sistematicamente se anda... para trás; e tanta constante alta pressão sobre a retaguarda estava mesmo a ver-se que iria dar naquilo: penálti indiscutível (outro, na 1.ª parte, cometido por Grimaldo, passara em claro) e rasgão no centro defensivo no cabeceamento para empate.
O melhor Benfica desta época, tendo roçado crucial triunfo, foi insuficiente.

Jorge Jesus. Que é grande treinador já todos sabíamos. Várias vezes lhe critiquei, e com firme dureza, despautérios de egocentrismo. Sempre separando essa nefasta característica dos rasgados elogios à extraordinária qualidade técnica/táctica. O que acaba de fazer no Flamengo, em fulgurante mão cheia de meses! - antes de conquistar a Champions sul-americana (!!!), virou atraso de 8 pontos, à sua chegada, em avanço de 13 (!) sobre o Palmeiras que, com Scolari, era campeão; Scolari teve de sair, face à brutal ultrapassagem... -, plenamente confirmou, no dificílimo ambiente do Brasil para um treinador estrangeiro, o que há muito vejo em Jorge Jesus: fazedor de campeões!
Agora, no Flamengo, histórico gigante, mas quase esquecido do seu último título, reergueu Rio de Janeiro, futebolisticamente há muito a pão e água, e deixou a léguas as habitualmente poderosas equipas de Porto Alegre - vide Grémio do rezingão Renato Gaucho, que levou uma sova de 5-0 numa meia-final! -, tal como todos os grandes rivais paulistas; do Palmeiras ao Corinthians, passando pelo Santos. Monumental banho! Épico, face ao ponto de partida! Sim, fazedor de campeões. Assim foi no Benfica, que somava anos de jejum e com ele venceu logo na 1.ª época (o mais esfusiante futebol que Portugal viu em largos anos); dos fracassos, até mais 2 títulos consecutivos, falarei a seguir. E assim quase foi no Sporting por ele vigorosamente ressuscitado para ambicioso futebol de ataque (na 1.ª temporada, vice-campeão, num renhidíssimo duelo que obrigou o Benfica de Rui Vitória a recorde de pontos!; depois, enorme turbulência sportinguista ter-se-á tornado insuperável...).
Friso o que mais admito em JJ e define um treinador: a sua capacidade para transformar jogadores medianos em excelentes. Exemplos não faltam. De Di Maria, bailarino para a bancada, fez craque a sério. A Fábio Coentrão salvou carreira: não passaria de pseudoartista como avançado (andava de empréstimo em empréstimo...) virou-o em forte defesa esquerdo (rumo ao Real Madrid!). Matic chegou à Luz como n.º 8; pela mão de JJ, a quem várias vezes agradeceu, tornou-se estupendo n.º 6 (e, de seguida, o preferido de... José Mourinho). Para mim, ainda mais espectacular: Enzo Perez, de banalíssimo extremo-direito para muito bom... médio central! (titular na Selecção argentina e, claro, no River Plate - tão bem se percebe porquê, na véspera da grande final, Enzo adjectivou JJ como monstro da táctica e, antes de começar o jogo, para ele correu num comovido abraço que disse tudo. E com que treinador teve Bas Dost o seu apogeu?... E Gabigol, puro fiasco no Milan e, em 6 meses, no Benfica?...

Minuto 90+2. Para conquistar o troféu que todo o futebol sul-americano mais deseja (Flamengo levava 38 anos sem o vislumbrar!...), Jorge Jesus teve a estrelinha que lhe virara costas no célebre final de época em que, de rajada, perdeu título nacional e Liga Europa... em ambos os casos ao minuto 90+2. No Dragão, naquele pontapé que Kelvin, vindo do banco, nunca arrancara - e a sua carreira por aí se ficou (escassos minutos antes, JJ falhara ao pôr em campo Roderick, réu no início do lance decisivo?; em tais circunstâncias, visando segurar título tão à vista, sensata decisão para qualquer treinador). De imediato: final com o Chelsea (excelente exibição de ataque, num Benfica de raiva), 1-2 quando cabeçada de Ivanovic, num canto, prosseguiu fatídica sina do minuto 90+2... E eis que, em Lima, aos 89 e... 90+2, a tal estrelinha pagou a JJ o muitíssimo que lhe devia!"

Santos Neves, in A Bola