domingo, 17 de novembro de 2019

Sobre ver o ouvir, e as influências

"«O ser humano é um equilíbrio entre aquilo em que crê e aquilo de que desconfia. Se alguém acredita em tudo o que ouve, então tem o sistema desequilibrado»

«O bom ouvinte nunca diz nada, mas está sempre de boca aberta»
Millôr Fernandes

- Sabe o que lhe digo?
- Diga.
- Se crês em tudo o que ouves, come tudo o que vês.
- Que brutalidade, excelência.
- Se um sujeito tem ouvidos tão ingénuos que crê e aquilo de que desconfia. Se alguém acredita em tudo o que ouve, então tem o sistema desequilibrado.
- Pois sim.
- Mas se alguém, um outro sujeito, não acredita em nada do que ouve então também tem o sistema desequilibrado.
- Dois desequilíbrios.
- O equilibrado é, então, o ouvido que escuta muito e crê apenas em metade.
- Cinquenta por cento.
- Mais ou menos.
- Se crês em tudo o que ouves, come tudo o que vês.
- Um castigo está aí anunciado.
- Pois está.
- Nem tudo o que vês é para comer.
- Sim, há elementos do mundo concreto que são bem indigestos.
- E por isso, pensando na escuta...
- Sim?
- ... seria bom que o nosso ouvido tivesse uma capacidade de selecção idêntica à do nosso estômago.
- Como seria isso?
- Um detector de mentiras localizado no aparelho auricular.
- Bela invenção!
- Em vez de uma aparelho para ouvir melhor, para ouvir com maior volume, pensar num aparelho que detectasse as mentiras sonoras que querem entrar nos aposentos do ouvido, diria eu, se me permite usar essa expressão.
- Pois, tem razão. De uma certa maneira, é um pouco absurda a ideia de uma aparelho para ouvir melhor se depois o ouvido vai ouvir mentiras.
- Para quê ouvir melhor, de forma mais audível e clara, mentiras?
- Uma boa questão.
- Podemos até imaginar um país, uma ditadura, onde todos estejam a ficar quase surdos. E que isso seja uma preocupação para as autoridades ditatoriais.
- Sim?
- Nessa ditadura, o grande objectivo seria desenvolver um aparelho auditivo para cada pessoa, para que ninguém ficasse surdo.
- Porquê?
- Para uma ditadura é indispensável que os aparelhos auditivos funcionem bem para que os cidadãos escutem a um volume perfeitamente aceitável as mentiras.
- Está a escutar bem as minhas mentiras?
- Isso mesmo. É uma bela pergunta dirigida às pessoas que recuperem artificialmente a audição.
- É preciso que se escutem bem as mentiras para que estas a façam o seu caminho.
- Uma hipótese de revolução, portanto, seria...
- A surdez!
- Isso. Os surdos como elementos pouco influenciáveis pela voz dos outros.
- Por mim, só acredito naquilo que vejo. Aquilo que ouço bem em segunda mão, aquilo que vejo aparece-me em primeiríssima mão, se assim se pode falar.
- Exactamente isso.
- Um conceito importante: a visão dá-nos o mundo em primeira mão, dá-nos o mundo directamente.
- Sim.
- Enquanto a audição de histórias, de factos, de coisas que aconteceram algures com alguém, essas narrações sonoras, são apenas sons que falam indirectamente de visões bem afastadas de nós.
- Se crês em tudo o que ouves, come tudo o que vês. Eis a lição.
- Pensar em alguém que ouve perfeitamente. Um ouvido fisiologicamente impecável. Mas que está cansado...
- Cansado?
- ... de ouvir demasiadas mentiras. E vai, então, ao médico e pede que este lhe coloque um aparelho para ouvir pior.
- Para não ser enganado?
- Para não ser enganado, mas não só. Para ser menos influenciado. Para ser mais autónomo.
- Há aparelhos desses já no mercado? Para ouvir pior?
- Parece que não.
- Quanto aparecerem, quero um.
- Eu também."

Gonçalo M. Tavares, in A Bola

Os recursos no direito do desporto

"Um órgão disciplinar de uma federação desportiva profere uma decisão sancionatória; as partes podem reagir e tentar reverter o sentido da mesma? Perante outra instância? Se sim, qual?
Dependendo das características do caso concreto e do tipo de processo, poderão existir três vias de recurso, nem todas cumuláveis entre si. Pode haver recurso para a formação colegial do órgão disciplinar, se a decisão tiver sido tornada, ao abrigo das normas aplicáveis, pela sua formação restrita ou por um dos seus membros. Isto, se tal recurso estiver previsto nos regulamentos federativos aplicáveis e com o regime e prazo que aí estiver estabelecido.
Daí, ou em caso de ter existido logo uma deliberação do órgão disciplinar - um acórdão - pode existir recurso dentro da estrutura federativa ou fora dela. Na maioria dos casos, o recurso deve ser interposto para o Tribunal Arbitral do Desporto. entidade jurisdicional competente para conhecer destas matérias em sede de arbitragem necessária, por força da Lei, no prazo de 10 dias. Porém, se o litígio respeitar a «questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares directamente respeitantes à prática da própria competição desportiva», o recurso será para o Conselho de Justiça e da decisão desta instância não cabe mais recurso.
Já das decisões proferidas pelo TAD cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul (e daqui para o Supremo Tribunal Administrativo e/ou Tribunal Constitucional, se verificados ou respectivos pressupostos), salvo se as partes acordarem recorrer para uma câmara de recurso interna - o que, até ao momento, não existe registo que alguma vez tenha ocorrido no TAD."

Marta Vieira da Cruz, in A Bola

«Eusébio, Chalana e o Ronaldo, são os três melhores jogadores portugueses»

"O Bola na Rede entrevistou Álvaro Magalhães, antigo jogador e actual treinador. Nasceu para o futebol no clube da sua terra, em Lamego, saltou para a Académica e depois fez parte das grandes equipas do Benfica nos anos 80. Internacional A por Portugal, representou o país no Europeu de 84’ e no Mundial de 86’, formando uma dupla temível com Chalana. Como treinador levou o Gil Vicente à Primeira Liga, venceu uma Taça de Portugal e um Campeonato como treinador-adjunto no Benfica, tendo sido também campeão em Angola. São histórias atrás de histórias, de um defesa incansável que chegou a ser disputado pelos três grandes.

– Infância e primeiros passos no futebol –
- Nasceste em Lamego no ano de 1961. Como é que foi a tua infância?
. Eu era estudante, por isso a minha vida nessa altura era praticamente estudar.

- O que faziam os teus pais?
- O meu pai era dos comandos, era Ranger, e a minha mãe era doméstica. 

- Tens irmãos?
- Mais três, eu sou o segundo.

- Quando é que começas a jogar futebol?
- Começo a jogar em 1974, num torneio de futebol de 5 onde fui convidado por uma equipa de estudantes. A partir daí dei nas vistas e os Cracks de Lamego convidaram-me para fazer parte da formação, comecei nos Iniciados.

- Desde o início que jogaste a defesa esquerdo?
- Não, joguei a meio-campo sempre. Ainda fomos campeões distritais de Viseu e campeões nacionais em 1977/78.

- Qual era o clube que apoiavas em miúdo?
- Ali naquela zona onde morava, em Lamego, na aldeia de Cambres, a malta era mais do Sporting, até havia a filial Sporting Clube de Lamego. Mas também havia benfiquistas e portistas. Nós na altura gostávamos de ver todas as equipas e apoiávamos os portugueses nas competições europeias, eu pelo menos não era adepto de um clube em específico.

– Início de Carreira na Briosa –
- Começas a tua carreira como sénior na Académica. Como foi o teu processo de afirmação na equipa?
- Foi boa, fiz um ano de juniores muito bom. Depois acabei o campeonato de juniores em Fevereiro e comecei logo a trabalhar com os seniores. Na altura já era o Juca o treinador dos seniores da Académica e esses três meses de treino deram-me um bom suporte para começar a minha época de seniores já com outra bagagem. Depois, quando entrei no primeiro ano de sénior tive a felicidade de o treinador, Pedro Gomes, ter a coragem de me lançar ao lado de grandes jogadores. Era uma equipa muito experiente, eu era o mais novo com 18 anos.

- Quem era o plantel, lembras-te?
- Camilo, Brasfemes, Gervásio, Rui Rodrigues, Martinho, Melo, Marrafa, Eldon, Nicolau… Eram jogadores já com uma certa tarimba, com carisma.

- Ficaste com muitos amigos nessa equipa?
- Muitos. Sou querido lá em Coimbra, de vez em quando vou lá e encontro-me com alguns deles. Aqueles com quem mais me dava e que foram grandes conselheiros são o Camilo, que infelizmente já faleceu, o Brasfemes e o Martinho. Às vezes encontro-me com eles e o meu filho até costuma jogar futebol com eles e outros ex-jogadores da Académica.
- Como era a massa adepta da Académica nessa altura?
- Difícil, a Académica é um clube com uma mística muito própria, não é fácil. Por isso é que eu vim preparado para o Benfica, porque vinha de um clube muito exigente como a Académica, é uma responsabilidade vestir a camisola da Briosa. Claro que o Benfica é diferente mas representar a Académica não é para qualquer um. Os adeptos sentiam muito o clube e aquilo era sempre para ganhar, eles eram ganhadores natos. Mesmo no trato dentro do campo eles eram difíceis, já havia uma mística própria na Académica.

- Na Briosa já eras muito polivalente?
- Sim. Uma vez jogámos contra o Porto e o Mário Wilson colocou-me a lateral direito porque o Costa era um jogador fortíssimo, era agressivo, e precisava de alguém com agressividade, concentrado, que conseguisse anulá-lo. O ‘Capitão’ disse na palestra que eu ia jogar ali e eu disse “Se o Mister quer que eu jogue ali, eu jogo.” E fiz um grande jogo, até me compararam com o Artur. O saudoso Artur, éramos como irmãos.

- No final da época 1980/81 dá-se a tua transferência para o Benfica. O que fez com que te destacasses e chamasses a atenção de um dos grandes?
- O que me fez destacar foi a boa época que estava a fazer na Académica, foi uma época fantástica. Estava a ser observado por várias equipas, não era só o Benfica, mas também o FC Porto e o Sporting.

- Foste disputado pelos três grandes?
- Sim, o Sporting até foi a primeira equipa a falar comigo. No mesmo dia em que jogámos contra o Sporting eu tive uma reunião com o Armando Biscoito.

- Carreira no SL Benfica -
- Então como é que acabaste por ir para o Benfica?
- Estava lá também o Toni, que já fazia parte da equipa técnica do Benfica. Como tinha jogado na Académica e era uma lenda do clube, tinha o privilégio de poder entrar no balneário. Quem é que lá estava a liderar a equipa? Mário Wilson, o ‘Capitão’ Mário Wilson, que também foi ele o grande responsável pelo contacto. O Toni entrou no balneário e foi falar com ele, dando-lhe conhecimento de que o Benfica estava interessado nos meus serviços. Entretanto, eu saio do estádio e vou para a Praça da República para jantar qualquer coisa antes de ir reunir com o Sporting. O Toni foi atrás de mim, encostou o carro lá na Praça e chamou-me, nem saiu do carro para não dar muito nas vistas. Disse-me: “Miúdo, sei que o Sporting também está interessado em ti”. Eu conhecia o Toni de o ver jogar e porque colecionava cromos dele, por isso tratei-o por “Senhor”, a educação é assim mesmo, tem de haver respeito. E ele disse: “Eu sei que o Sporting está interessado mas o Benfica também está interessado. Agora depende de ti”. No dia seguinte, o Mário Wilson agarrou em mim, levou-me para o gabinete dele e disse-me que achava que o melhor caminho para mim era ir para o Benfica. Como ele era um benfiquista fanático, foi o grande impulsionador da minha ida para lá.

- Como decorreu o processo de transferência?
- Sim. O Sporting queria falar primeiro comigo e não falou com a direcção, queriam que eu me desvinculasse da Académica mas eu não podia fazer isso porque ainda tinha um ano de contrato. O Benfica falou primeiro com a Académica, chegou a acordo com a direcção e os dirigentes da Académica vieram falar comigo. Fomos jantar, aumentaram-me o ordenado como prémio, porque sabiam que eu estava com possibilidades de ir para o Benfica e chegaram a um acordo que foi bom. Deve ter sido porque acabou por pagar os ordenados à equipa da Académica e depois para eu chegar a acordo com o Benfica foi rápido.

- Lançado por Lajos Baroti, estreias-te pelo Benfica no dia 1 de Novembro de 1981, frente ao Sporting, num jogo que terminou 1-1. Que memórias tens da tua estreia?
- Foi giro porque eu nunca tinha jogado a defesa esquerdo. Como treinador digo sempre que um jogador tem que estar disponível para jogar em várias posições. Estar no grupo dos 16 jogadores e depois estar no grupo dos 11, naquela altura, é uma felicidade, ainda por cima num dérbi. O Baroti falou comigo e eu disse que estava disponível, era uma posição que eu desconhecia mas também já tinha jogado a lateral direito. Nós temos que ser polivalentes, se ele me pusesse a avançado não havia problema nenhum, eu queria era jogar. E joguei bem, fui aplaudido pelos adeptos do Benfica, que me caracterizam como um “jogador à Benfica”, pela determinação, pela raça, pela maneira como me entrego ao jogo, e a imagem do jogador à Benfica é essa, não chega só ter bons pés. É preciso coragem e uma parte psicológica muito forte.

- Foi a única posição que fizeste no Benfica?
- Não, também fui a central com o Humberto Coelho. Eu joguei a defesa esquerdo nesse jogo com o Sporting porque o Pietra se lesionou, quando ele voltou eu fiz dupla com o Humberto porque o Laranjeira também se lesionou.

- Foi fácil integrares-te no plantel?
- Mais ou menos. Quando eu cheguei ao Estádio da Luz estava perante jogadores de grande qualidade. A mística do Benfica e a educação de um jogador quando chega ao clube naquela altura é tratar os jogadores por “Senhor”, era o “Senhor Coluna”, o “Senhor Simões”, o “Senhor Humberto Coelho”, o “Senhor Nené”, o “Senhor Shéu”… O Shéu, o Nené e o Humberto Coelho foram os primeiros a cumprimentar-me e eu disse-lhes “Senhor”. Eles disseram: “Ok, a partir de hoje somos colegas, é tu para aqui, tu para acolá”. Eles contaram que, quando chegaram, tiveram a mesma atitude que eu tive e então puseram-me à vontade.

- Como é que foi o primeiro treino?
- Difícil, muito difícil. As pernas tremiam-me por todos os lados. Olhar para aquele estádio… aquilo mete respeito, é impressionante estar lá em baixo e olhar para o estádio, mesmo estando vazio. Eu concentrei-me e disse para mim próprio “Se queres vencer no Benfica, não podes estar nervoso, tens de estar descontraído e ir à luta”. Eu estava na missa a rezar e a pensar que tinha que me preparar para representar um clube como o Benfica, não podia esperar que alguém me viesse dar moral. Eu tinha essa força moral porque, se fui titular da Académica logo no primeiro ano, ia ter algumas dificuldades no Benfica, mas tinha de ser eu próprio a ir buscar forças onde elas não existem.

- Quem eram os jogadores com quem tinhas melhor relação?
- Sou uma pessoa reservada mas tinha boa relação com todos os jogadores. O Humberto Coelho foi a pessoa que mais me apoiou, o Shéu também, o Bento e o Nené, os mais experientes. O Humberto Coelho levou-me imensas vezes a almoçar com ele à Tia Matilde, ele ia lá todos os dias. A minha integração foi mais fácil por causa disso, porque ele era o capitão. O Toni também, até pela ligação que tínhamos por causa da Académica, explicou-me o que é o Benfica e a exigência do clube. Depois acabei por pertencer à mesa do Humberto Coelho e foi fundamental. Era o Pietra, Humberto e o Bento. Para mim estar na mesa do capitão é meio caminho andado para ganhar aquela experiência de se estar a representar o Benfica.

- Na época seguinte chega Sven-Göran Eriksson e o Benfica faz a dobradinha. Que mudanças sentiste com a chegada deste treinador?
- Para mim foi ele que revolucionou o futebol todo em termos de metodologia de treino. Foi ele também que deu uma liberdade e uma maturidade ao jogador português que antes não havia. E tinha uma mentalidade vencedora claro, era um treinador jovem, vinha de um título europeu pelo Gotemburgo e a sorte dele foi também ter no plantel jogadores de nível mundial, com experiência nacional e internacional.

- Quem eram esses jogadores?
- Bento, Laranjeira, Alhinho, Pietra, Shéu, Nené, César, Carlos Manuel, Diamantino, Chalana… E outros mais. O plantel era um luxo, para ser titular naquela equipa tinha que se trabalhar muito e o Eriksson tirou o maior aproveitamento desses grandes jogadores que o Benfica tinha.

- Estiveste em duas finais europeias pelo Benfica, em 1983 contra o Anderlecht na Taça UEFA e em 1988 contra o PSV Eindhoven na Taça dos Campeões Europeus. Qual das finais custou mais perder?
- As duas. Na primeira mão, em Anderlecht, fizemos um grande jogo e a outra final com o PSV… Nas grandes penalidades é uma lotaria. Na Taça dos Campeões Europeus fizemos uma grande fase final e sofremos só um golo, contra o Anderlecht, de livre. Depois na final não sofremos nenhum golo, tínhamos uma defesa fantástica. Tivemos a infelicidade, temos que reconhecer isso, de perder uma das peças fundamentais para aqueles grandes jogos, o Diamantino, que fazia a diferença lá na frente. Era o melhor jogador que tínhamos no sector ofensivo, pela experiência e pela sua qualidade, e gostava destes jogos. Mas demonstrámos que em Portugal há grandes jogadores, grandes treinadores.

- Sentes que naquela altura o Benfica assumia mais a dimensão europeia do que hoje em dia?
- Sim, muito. Não quero estar a fazer nenhuma crítica actual mas não há dúvida que nessa altura as noites europeias… os adeptos valorizavam muito, aquilo era uma loucura. Na altura eram 120.000 pessoas no estádio, na meia-final contra o Steaua de Bucareste foram 130.000.

- As famosas noites europeias à Benfica.
- Exacto, noites europeias à Benfica, isto fala-se ainda hoje… Hoje em dia vamos jogar para a Liga dos Campeões e é… o Benfica tem um carisma especial para essas noites europeias. Eu era miúdo e ouvíamos o relato do Benfica a jogar contra equipas de grande nível e a bater-se com elas olhos nos olhos. Havia noites europeias em que o Estádio da Luz era um inferno, era impressionante. As equipas quando vinham cá jogar eram massacradas pela qualidade dos jogadores e pelo público, era um ambiente… Os adeptos do Benfica, para mim, são o 12º jogador, são das peças mais importantes no clube porque são eles que levam o Benfica à vitória. Assobiam de vez em quando? Ok, é bom sinal, é a exigência do clube, é o querer ganhar e os jogadores têm que estar preparados para isso.

- Ao serviço do Benfica, enquanto jogador, conquistaste quatro Ligas, quatro Taças de Portugal e duas Supertaças. Algum destes troféus teve um sabor mais especial?
- Todos os campeonatos foram importantes mas há um que me marca porque fiz os jogos todos, o de 1983/84, para além da Taça, que vencemos, e competições europeias. Até ganhei o prémio Somelos-Helanca d’A Bola, ainda eram 40 contos, na altura era dinheiro. Isto tudo combinado com o Campeonato da Europa em França, onde também jogo a grande nível. Nesse ano fui considerado o melhor lateral esquerdo de Portugal e o melhor lateral esquerdo do Campeonato da Europa.

- No Benfica foste treinado por Baroti, Eriksson, Csernai, John Mortimore e Toni. Com qual deles tiveste melhor relação?
- Tirando o Csernai, dei-me bem com todos eles. Com o Csernai não houve relação nenhuma com os jogadores, ele tinha uma mentalidade diferente dos outros. Vinha do Bayern de Munique e como foi o ano da construção do terceiro anel ele pensava que o Benfica estava em obras… Facilitou demasiado. Só graças à capacidade dos jogadores, a sua inteligência e os adeptos é que ainda conseguimos ganhar a Taça de Portugal. Ele não era mau treinador mas estava naquela fase já com pouca ambição e o Benfica tem que ter treinadores com ambição. A seguir veio o Mortimore, que veio dar outra vez a tal mística e ambição, e conseguiu ter sucesso. Depois veio o Toni, que “bebeu” dos treinadores que teve enquanto jogador e depois como adjunto e isso foi muito importante na sua carreira, era muito forte tacticamente.
- Saída do SL Benfica e a longa paragem por lesão -
- Quando sais do Benfica ainda jogas pelo Estrela da Amadora e pelo Leixões. Como foi sair do clube ao fim de tantos anos?
- Foi triste. Se fosse hoje se calhar eu tinha tido outra atitude. Nós somos irreverentes quando somos jovens, às vezes pensamos com os pés. Às vezes temos que ter um certo cuidado mas também isso é a irreverência da própria pessoa. Eu quis sair, não vou falar mal da pessoa, mas não entenderam que um profissional tem que ser tratado com respeito.

- O que se passou em concreto?
- Um profissional de futebol muitas vezes tenta fugir do seu habitat à procura de alguém que possa ajudar e eu fui prejudicado. Quando eu tenho razão, tenho razão e vou até às últimas, quando não tenho eu peço desculpa e calo-me. Fui trabalhar com o Prof. José Neto, que era ligado ao FC Porto. Ele é um Homem com “H” grande e, para além do seu profissionalismo, era o melhor recuperador de atletas após a cirurgia. Eu procurei-o para me recuperar nas férias, disse-lhe “Professor, eu preciso de estar bem no início da época e só você é que me pode pôr bem”, porque o Benfica não tinha ninguém competente. Isto é a realidade, digo aqui e em todo o lado, não tinha ninguém competente para me recuperar. Pedi ao Prof. José Neto para me recuperar no campo, porque eu fui bem recuperado pelo António Gaspar, que agora é fisioterapeuta da selecção e nem fazia parte do Benfica mas trabalhava no Hospital dos Capuchos. E foi o médico do Benfica, o Dr. Levy Aires que me levou ao Hospital dos Capuchos para recuperar após a cirurgia. Uma coisa é a recuperação da cirurgia, outra coisa é depois no campo.

- E isso caiu mal no Benfica?
- Caiu mal no Benfica, que estiveram mal e eu quis sair. Logo no início da época criei situações para sair porque era uma falta de respeito o que me estavam a fazer, eu gastei dinheiro do meu bolso para me recuperar e mostrei isso no início da época na Holanda. Chegámos cá e não me puseram a jogar na apresentação da equipa só para mostrarem às pessoas do Benfica que eu ainda não estava recuperado. Era mentira, eu era o melhor jogador na altura na minha posição e o melhor jogador em termos físicos no início da época.

- Como foi essa recuperação com o Prof. José Neto?
- Antes de começar a época andei dois meses em Paços de Ferreira e no Algarve a recuperar para chegar ao início da época a 101%. Eu voava, estava muito bem fisicamente. Fui vítima de pessoas que não olharam para o Benfica, olharam para o seu ego e não olharam para o atleta. Aí fiz tudo para sair mas acabei por ficar esse ano. Passados três ou quatro meses o Eriksson veio perguntar-me porque é que eu me ia embora e na altura um jogador quando jogava um jogo ficava logo preso. Ele tentou convencer-me mas eu queria ir-me embora, até tinha convites de equipas no estrangeiro e, porque não me sentia bem, fiquei um bocado revoltado. Se fosse agora, não tomava essa atitude.

- Agora tens outra idade, outra maturidade…
- Sim, devia ter tido mais calma. Eles falaram, eu não dizia nada e tinha jogado mais seis ou sete épocas no Benfica. Foi uma pena.

- Nessa altura foste abordado por algum dos grandes?
- Fui. Quando eu digo que quero sair do Benfica sou logo abordado pelo Sporting e o FC Porto também estava interessado nessa altura.

- Quem te abordou?
- O Sousa Cintra. Falou comigo e ofereceu dinheiro ao Benfica para me libertarem mas o Benfica não deixou. O Jorge de Brito, presidente na altura, disse “Não, não, este é um jogador à Benfica, não pode sair daqui”. Como tinha mais um ano de contrato, andei e disse ao mister que tinha de ficar porque não me deixavam sair. Eu renovei contrato antes das férias por amor aos sócios do Benfica, tinha um amor e um carinho especial pelos adeptos do Benfica. Tive convites antes de renovar do Porto e do Sporting também, mas preferi sempre o Benfica. Aliás, o Pinto da Costa chegou a dizer-me, à frente do Fernando Martins, “Álvaro, o que tu representas para o Benfica é a mesma coisa que o João Pinto representa para o Porto, pela mística, pela entrega ao jogo, portanto se quiseres vir para o Porto as portas estão abertas”. Grande homem, já respeitava o Pinto da Costa e fiquei a respeitar ainda mais.

- Como correram as coisas no Estrela e no Leixões?
- No Estrela da Amadora estava a fazer uma época fantástica e tive um azar tremendo, parti o braço numa altura em que já estava convocado para a selecção.

- Foste treinado por quem?
- Apanhei o início do José Mourinho ao lado do Manuel Fernandes. Eu estava no auge, como se estivesse no Benfica, tinha jogado contra o Porto para a Supertaça e ganhámos 2-1. O próprio Eriksson foi ver o jogo e vim a saber por outras pessoas que ele perguntou como é que era possível eu ter saído do Benfica. Eu ia regressar a um clube grande, até podia ser ao Benfica outra vez, porque estava numa forma fantástica.

- Como foi o Mourinho como treinador-adjunto?
- O Mourinho foi um miúdo que, mesmo jovem, me acompanhou e me treinou bem, ajudou-me até na parte psicológica. Sair do Benfica para o Estrela da Amadora, depois de tantos anos, foi um desafio e eu tinha de demonstrar que estava vivo. Nós tínhamos uma equipa muito forte, eu estava a fazer uma época boa e tive um azar quando estava convocado para a selecção.

- O que se passou exactamente?
- Parti o braço num jogo contra o Tirsense e estive ali cinco ou seis meses quase sem competir. Foi a partir daí que as coisas se complicaram. Se não tenho essa infelicidade… eu estava convocado para a seleção, íamos jogar contra a Holanda nas Antas, foi o Matine, analista do Artur Jorge, que me veio dizer que estava convocado.

- Como lidaste com este infortúnio?
- Tenho uma história gira sobre isto.

- Vamos a ela.
- Tenho uma carta que… Não sei onde é que ela está, tenho lá no meu arquivo, ela não fugiu. O Mourinho não conseguiu ir ao hotel porque estava em estágio e quem foi ao hotel foi o Manuel Fernandes e o António Bernardo, director do futebol, que me deu uma carta que me deixou… as lágrimas vêm-me aos olhos, até agora como vês… a carta dizia “És o melhor lateral esquerdo de Portugal e vais continuar a ser. Vais recuperar bem e nós estamos à tua espera.”. Foi uma coisa que me deixou comovidíssimo, que me marcou e deu-me força para recuperar. 

– Selecção portuguesa –
- Foste 20 vezes internacional A por Portugal e totalista no Europeu de ‘84 em França e no Mundial ‘86 no México. Qual a sensação de representar Portugal?
- É o orgulho máximo para um jogador chegar à Selecção Nacional. Na altura eu já merecia ir à selecção mas tive tempo, o próprio Toni dizia-me “Calma, ainda és novo”.

- Jogaste também nos escalões de formação?
- Fui convocado para a Selecção de Esperanças, quando estava na Académica. Fomos dois anos consecutivos a Toulon.

- Estreias-te em 1981, num amigável com a Bulgária. Nervoso?
- Tive só aquele nervosinho de início mas eu não tremia, eu concentrava-me para jogar.

- Como te receberam no grupo?
- Fiquei no quarto com o António Oliveira e foi giro as brincadeiras dele (risos). Ele dispunha bem a malta e apoiou-me muito, mas tinha também outros colegas mais velhos que também ajudavam. Mas o António Oliveira é um homem extraordinário, estou horas e horas a falar com ele e fico satisfeito de estar ao lado dele porque se aprende. Aprendi muito com o António Oliveira e a experiência dele. Eu era novinho e apanhei esses jogadores todos mais velhos já com uma experiência internacional.

- Na tua opinião, a selecção de ‘84 foi das melhores que tivemos?
- Eu acho que sim. Houve aquela geração de 2004, dos Figos, Rui Costas, etc, mas nós fomos grandes no nosso tempo. Não é possível comparar porque são tempos diferentes, essa geração de 90 teve grandes jogadores mas a de 80 era uma geração de grande nível em termos físicos, técnicos, tácticos e psicológicos.

- Um deles infelizmente partiu esta semana, o Jordão.
- Sim. Quando lhe fizemos a homenagem, quem vê aqueles jogadores todos, aquilo que se faz agora já nós fazíamos na altura. A mobilidade atacante, defensivamente… nós até éramos mais fortes defensivamente do que se calhar são agora. Foi uma geração muito forte, ser titular num clube grande era difícil, ser titular naquela selecção era muito difícil.

- Havia tanta qualidade que o difícil era escolher?
- Sim, há até grandes jogadores que nem foram convocados, o Manuel Fernandes, por exemplo, e outros mais. Aquela era uma selecção de nível mundial. O Chalana, por exemplo. Existe um Chalana agora? Não existe. O Chalana era fantástico. Eu ponho três jogadores: Eusébio, Chalana e o Ronaldo, são os três melhores jogadores portugueses.

- Aliás, tu jogavas mesmo atrás do Chalana.
- Exactamente. Fomos a melhor ala esquerda em Portugal e fomos considerados também a melhor ala esquerda do Campeonato da Europa. Não foi pela imprensa portuguesa, foi pela imprensa internacional.

- No Mundial de ‘86 as coisas não correram da melhor maneira a Portugal. O que achas que explica o nosso mau desempenho?
- Má organização. Eu penso que aquilo que existe agora é essa diferença. Esta estrutura toda, o Fernando Gomes veio dar uma imagem ao futebol português e todas as condições para os jogadores e para o seleccionador. Agora é seguir o caminho. Se a estrutura, liderada por um bom presidente, coloca à disposição de todos os profissionais estas condições, a real valia dos jogadores faz o resto.

- Na altura a estrutura da Federação não era tão “profissional” como agora?
- Na altura não havia esta organização, era uma confusão, muitos interesses.

- Como era o ambiente na selecção nesses tempos? Sentiam-se as rivalidades dos clubes?
- Eu sempre tive boa relação com todos eles e continuo a ter. Eu trabalhei no norte e espero trabalhar ainda mais vezes, porque sou do norte e tive sucesso como treinador lá. É evidente que às vezes há rivalidades e todos querem jogar, os jogadores do Porto querem que sejam os jogadores do Porto a jogar, os jogadores do Benfica querem que sejam os do Benfica. Mas isso aí já é da responsabilidade do treinador e quem trabalhar melhor durante os treinos e demonstrar no jogo que está a fazer as coisas bem, merece jogar. Quem facilitar, não pode jogar. Eu foquei-me sempre no trabalho, estamos ali para isso. No México, os meus grandes amigos eram os falecidos Bento e Vítor Damas, eram muito experientes e eu estava com eles, não entrei em guerras com ninguém, só me preocupava em ser titular. Não me interessava se o treino era em campo pelado ou relvado, eu queria era treinar e representar Portugal. Agora, se houvesse organização, com aqueles jogadores que tínhamos, podíamos ter ido mais longe.


«Alguns jogadores do Benfica de 2005 tinham lugar nesta equipa»
– Carreira como treinador –
- Ser treinador era uma coisa que sempre esteve nos teus planos?
- Sim.

- Como surgiu o primeiro convite para treinares uma equipa?
- O primeiro convite foi no Lourosa. Depois de acabar a minha carreira como jogador fui a Inglaterra. Estive no Tottenham e noutros clubes, a ver condições de trabalho, a maneira de eles treinarem, a mentalidade era diferente e há sempre coisas para aprender. Quando vim desse estágio, o Neves de Sousa entrevistou-me e foi aí que eu disse que queria ser treinador de futebol. As coisas andaram e depois apareceu a oportunidade do Lourosa. O António Teixeira, tinha sido meu director no Leixões, e telefonou-me a dizer que o Lourosa estava interessado nos meus serviços a sete jornadas do fim porque estavam sem treinador. Como faltavam sete jogos, o Lourosa ainda podia chegar ao segundo lugar e subir de divisão.

- E como corre essa primeira experiência?
-Sete jogos, sete vitórias. Começo a minha carreira de treinador contra o União de Lamas, que acabou por subir de divisão nesse ano. Nesse jogo, a senhora da rouparia dizia-me “Se você ganhar ao Lamas, é o herói aqui de Lourosa”, porque eles têm uma grande rivalidade. Ganhámos 4-1, foi um início de carreira fantástica e eu agradeço ao Teixeira por me ter telefonado às duas da manhã a fazer o convite.

- Conquistaste a 2ª Divisão em 1998/99 com o Gil Vicente. Qual foi a receita do sucesso dessa época?
- Começo sempre pelo Presidente, que deu as melhores condições a todos os profissionais. Sem uma estrutura em que não falta nada aos jogadores e aos treinadores, não há sucesso. Depois foi a escolha dos jogadores. Eu tinha já a experiência daqueles dois anos e meio no Lourosa e depois no Santa Clara, que me permitiram construir uma equipa fortíssima. Construí uma equipa nesse ano com jogadores já com muita experiência.

- Quem eram os jogadores?
- O Dinis, o Wilson, o Rui Ferreira, que esteve na formação do Benfica.

- Qual era o objectivo no início de época?
- O Gil Vicente não era uma equipa para subir, era para fazer um bom campeonato mas quando se trabalha bem, a metodologia de treino é boa, há condições de trabalho, há um presidente que não falta com nada, os ordenados em dia… Construí ali um grupo de jogadores de grande qualidade individual e colectiva. O colectivo funcionava em pleno porque os jogadores vinham de baixo e queriam, de facto, ganhar. Nós fomos campeões contra um orçamento do Belenenses de loucos, sei lá, um milhão ou dois milhões.

- No ano seguinte a equipa disputa a 1ª Divisão e consegue um honroso quinto lugar, a melhor classificação de sempre do clube. Quem eram os craques desse plantel?
- Eram grandes jogadores. O Petit fui buscá-lo ao Esposende que ele andava perdido. Aliás, ele foi dispensado pelo Boavista, ninguém o queria e depois no ano seguinte foram buscá-lo e a seguir é que foi para o Benfica. Aliás, o Benfica podia ter aproveitado nesse ano e tê-lo contratado, se calhar pagavam menos do que pagaram ao Boavista. Havia uma cláusula de valor baixo e o Vale e Azevedo não quis. Mais jogadores, o Matias, Auri, Bessa, Fangueiro, Ricardo Nascimento, que fez a melhor época de sempre comigo, Guga…

- Que jogou no Vitória de Guimarães?
- Exacto, mas que era para ter vindo para o Benfica. O Guga estava com o empresário no Hotel Altis e o Vieira, que na altura era director de futebol, passou por ele e não o cumprimentou. Estava lá o Pimenta Machado, que me tinha ligado a ver se podia falar com o Guga e convencê-lo a ir para o Vitória, mas eu disse-lhe que não podia intervir na decisão do jogador. O Guga, como o Vieira passou e se calhar não o viu, não cumprimentou, subiu as escadas, foi reunir com o Pimenta Machado e fechou o acordo. Lembrei-me de mais dois dessa equipa, o Tavares, que era um ponta-de-lança fantástico, e o Carlitos, que acaba por vir para o Benfica também.

- Andando um bocadinho para a frente, também treinaste a Naval e deixaste a tua marca.
- Sim, eliminamos o Sporting na Taça e só caímos nas meias-finais contra o Porto. Era o Sporting com o Ronaldo, Barbosa, Jardel…

- Foste treinador-adjunto do Benfica nas épocas 2003/2004 e 2004/2005, muito importantes na história do clube porque puseram fim à seca de títulos. Como era o José Antonio Camacho?
- Era extraordinário. O treinador, quando tem uma pessoa nova, procura sempre conhecê-la. Deu-se bem comigo mas sempre com alguma reserva, muitas vezes ia ele e o Pepe conversar só os dois e eu não me metia. O Pepe Carcelén, grande homem de quem gosto muito, veio ter comigo e disse-me que o Camacho me estava a estudar. Depois quando me conheceu não me largava, sempre que tinha dúvidas vinha ter comigo. Aliás, o Pepe dizia sempre “Fala com o Álvaro, ele conhece o futebol português e os jogadores melhor do que nós”. Sempre me deu confiança e a prova provada é que penso que fui o único que foi a casa dele, um jantar com o Pepe Carcelén e a sua família, mais uns amigos, é sinal de confiança.

- Foste jantar a casa do Camacho?
- Eu ao princípio nem queria ir mas o Pepe é que me chamou a atenção. “Cuidado, se dizes não ele fica chateado contigo.” Ele chamou-me de parte e disse-me que o mister me ia convidar para jantar em casa dele. Eu disse logo que não ia, eu sou assim, nestas coisas sou um bocado tímido. E o Pepe dizia-me “Cuidado porque se disseres que não, perdes um amigo”.

- Como foi o convite?
- O Camacho chegou ao pé de mim e disse “Álvaro, logo à noite em minha casa”. E eu fiquei “Ah mas…”. E ele logo: “Se não fores, nunca mais falamos”. Directo. Foi dos melhores treinadores que eu conheci. A segunda vez que ele veio as coisas não correram tão bem, se calhar ele não teve as pessoas certas para o apoiarem.

- Descobri isto na pesquisa para a entrevista, tu jogaste contra ele, não sei se te recordas, no Europeu em 84’. Falaram disso na altura?
- Sim, sim, ele conhecia-me já desses tempos. Ele era um defesa fantástico, tinha uma canhota… Nesse jogo empatamos 1-1 e a assistência para o Sousa é minha, fiz um cruzamento atrasado.

- Soube por alguns jogadores do plantel dessa época que antes da final da Taça ninguém no clube acreditava na vitória e por isso não havia nenhuma celebração preparada, nem autocarro ou sequer tshirts comemorativas. Confirmas?
- É, não havia. A organização também era diferente mas não há dúvida que as pessoas não pensavam que íamos ganhar. Mas os adeptos do Benfica acreditam sempre e eu, como tenho bastante experiência em finais da Taça de Portugal como jogador pois ganhámos as quatro finais que jogámos, tentei passar isso aos jogadores. Os adeptos do Benfica acreditam muito na equipa e o Benfica é muito forte naquele estádio. Jogar no Estádio Nacional só o Benfica é que sabe, é raríssimo perder jogos. Aliás, ali só perdi uma vez e foi como treinador, no ano do Trapattoni.

- A final com o Vitória de Setúbal certo?
- Sim. O Benfica não podia perder aquele jogo, mas perdeu…

- O que achas que explica essa derrota?
- As facilidades que existiram durante essa semana complicaram, houve ali exageros. Eu sempre disse que devíamos ir para estágio mais cedo mas são coisas que acontecem. O Benfica não ganhava um campeonato há onze anos, foi um jejum muito longo, e os jogadores dispararam, libertaram-se. E também temos azar nos golos que sofremos, num deles a bola bate num defesa e engana o Moreira. Nem devia ter jogado ele, o Quim é que era o titular. O Bento dizia uma coisa e tem razão: um guarda-redes que só treine, não está em forma para o jogo. No jogo a baliza é a mesma que no treino, mas os reflexos são diferentes, a pressão, o adversário é diferente e não são os colegas que conhecemos bem. O Moreira é um grande guarda-redes mas tínhamos que dar continuidade aos mesmos que estavam em forma e o Quim nessa altura era o titular e merecia ter jogado.

- Em 2005, o Benfica é campeão nacional quebrando um jejum de onze anos. Como explicas essa vitória?
- A força e o acreditar dos adeptos. Foram eles os grandes obreiros, os grandes campeões, no fundo. Porque eles sabiam que a equipa… tínhamos bons jogadores, tínhamos um bom 11 mas não era dos melhores plantéis que já tivemos. Mas tínhamos qualidade, aliás alguns jogadores do Benfica de 2005 tinham lugar nesta equipa.

- Quem?
- Simão, Geovanni, Nuno Gomes, o próprio Petit, o Manuel Fernandes. O Miguel na direita, o Dos Santos e o Fyssas, dois laterais esquerdos de grande qualidade.

- Como descreverias a caminhada rumo ao título?
- Foi uma caminhada de espírito de sacrifício, de humildade, de querer, do acreditar. E quem é que nos obriga a acreditar que vamos ser campeões? Foi aquela gente que está na bancada, aqueles fanáticos, a claque que era uma coisa impressionante, eles parecia que estavam dentro de campo. E depois tivemos a estrelinha da sorte mas também fizemos por isso. Eu penso que houve ali da parte da estrutura uma força grande dentro do balneário, jogadores, treinadores. E claro, as pessoas de fora. Houve assobios mas eu dizia sempre aos jogadores “Não liguem aos assobios, esses assobios é a puxar por vocês”. E eles diziam “Então mister, assim?”. Eu respondia-lhes “É mesmo assim, eles estão a puxar por vocês e querem o golo. Sigam em frente”.

- Qual era o ponto forte do Trapattoni?
- A parte psicológica. Ele liderou a equipa e, pela experiência dele, foi o técnico que mais me ajudou a crescer como treinador. Se eu o tenho conhecido uns anos antes não teria cometido alguns erros que cometi. Mas o Trapattoni soube lidar com os jogadores, teve a felicidade, e ninguém me convence do contrário e se o disse está a mentir, de ter um adjunto que o ajudou a ser campeão. Se ele tivesse um adjunto mafioso, sem conhecimentos, sem ter experiência de treinador… um treinador adjunto tem que estar no bom e no pior, nos momentos menos bons tem que estar ao lado do seu chefe. Guardo boas recordações dele porque almoçávamos algumas vezes, praticamente jantávamos todos os dias e eu levava-o a dois restaurantes de amigos meus.

- Sei que foste tu que deste a alcunha de “Soneca” ao Geovanni, como surgiu?
- O Sonequinha (risos). Gosto tanto dele, grande jogador. Fisicamente era um jogador fortíssimo, tecnicamente e tacitamente também, era muito completo. No Brasil o futebol é um bocadinho diferente e ele lá jogava a falso ponta-de-lança, porque ele é um jogador de velocidade. Um jogador de velocidade, muitas vezes, tem pouca resistência. Ele fazia muitos picos e tinha alguma dificuldade… quando arrancava, depois voltava a passo. E eu dizia “Então, oh Soneca? Parece que estás com sono”.

- E como lidavam os outros treinadores com isso?
- O Trapattoni tinha alguma dificuldade, às vezes aos cinco minutos queria tirá-lo. Dizia-me “Oh Álvaro, ele não está em condições. Deu dois picos e já está cansado”. Eu dizia ao Trapattoni que o Geovanni era um soneca, é sono mas ele vai já arrancar outra vez e num minuto muda de velocidade. Um médio-ala, os treinadores normalmente querem que vá à frente cruzar mas depois tem de vir atrás defender. Mas ele fazia isso, só que ao ritmo dele. E o Trapattoni depois deu-me razão.

- Em 2010, no teu primeiro ano em Angola, vences o Girabola ao comando do Interclube, terminando em igualdade pontual com o segundo classificado. Como foi este campeonato?
- Foi uma experiência fantástica. Eu quando lá cheguei disse ao Presidente que ia ser campeão.

- E ele?
- “Epa, eu quero é uma época tranquila”. E eu disse-lhe “Vou acabar com o reinado do Pedroto aqui em Angola, este ano”. E formei uma equipa muito boa, a estrutura e o Presidente deram-me todas as condições.
- Como surgiu a oportunidade de treinares em Angola?
- Através de uma pessoa de Portugal, que me levou para lá.

- Que condições de treino e infraestruturas encontraste?
- Muito boas. Fui para o Brasil um mês e meio. Enquanto muitos vêm para o frio, eu fui para o calor. Porque se Angola é um país de 40 e tal graus, não faz sentido eu ir fazer estágio para um país em que está frio. Fizemos a pré-época no complexo desportivo do Zico, no Rio de Janeiro. Foi fantástico, escolhi os melhores, tinha jogadores de grande qualidade técnica. Parte física eles são fortíssimos, o que era essencial naquilo era táctica e psicológica. E a mentalidade deles…

- Que diferenças destacas relativamente aos jogadores que já tinhas treinado em Portugal?
- Eu como tenho família africana é mais fácil porque eu conheço o estilo africano. Também tive jogadores africanos no Benfica, o Vata, por exemplo, e temos que conhecer bem o ambiente deles e a mentalidade. A minha adaptação é ao povo angolano mas no campo eles é que têm que se adaptar a nós. Trabalhei no máximo e eles próprios reconheceram e assimilaram tudo aquilo que foi bem feito no Brasil.

- Quais os frutos dessa preparação na pré-época?
- Formámos um grupo de jogadores com índices competitivos fantásticos, eles estavam preparados e não me enganaram. Normalmente o africano gosta de enganar, têm sempre umas desculpas… E eu aí contei o que aconteceu com o Vata na Luz: o Vata vai a Angola, aparece 15 dias atrasado e diz que morreu o pai. No outro ano, vai outra vez a Angola e regressa 15 dias atrasado. E volta a dizer que morreu o pai. E eu disse-lhe “Mas afinal quantos pais é que tu tens?” (risos).

- Os teus jogadores perceberam?
- Sim. Eu disse-lhes que a minha esposa tinha nascido em Angola e mais a história do Vata, e disse-lhes para não me virem com conversas de que estão com gripe, foram levar a filha ao hospital, um furo… Tudo mentira. Pus multas elevadíssimas e expliquei-lhes que se quiserem ir às compras, um dia de folga ou têm que ir com a filha ao médico, digam. Porque não é por faltar um dia ao treino que o jogador perde forma. Agora, tem que haver honestidade e se vocês falharem os treinos estão ali as multas.

- E resultou?
- Na perfeição, os jogadores tiveram um comportamento exemplar. Não tiveram que pagar multas porque chegavam sempre a horas e alguns deles acordavam às quatro ou cinco da manhã para vir treinar. Sempre que precisavam de faltar, vinham ter comigo, pediam e eu deixava. Fomos campeões nacionais e só perdi a final da Taça nos pénaltis.

- E a tua adaptação ao futebol de Angola?
- É preciso incutir muita disciplina e ter um certo cuidado a falar com o povo africano. Às vezes a linguagem que usamos aqui em Portugal no banco, atira-se uma palavra daquelas que para eles é complicado. Eles podem, falam mal entre eles, mas nós portugueses temos que ter um certo cuidado quando transmitimos alguma coisa para dentro de campo.

- É mais difícil ser treinador ou jogador?
- Treinador. No futebol tem que haver inteligência, se não houver inteligência não há condições de se ganhar alguma coisa. O Eriksson dizia que podemos treinar o dia todo, correr, chutar à baliza, fazer cruzamentos, treinos táticos, defensivos, mas se a cabeça não funcionar lá vai o trabalho.

- A cabeça suporta o corpo não é? Os maratonistas dizem isso, a Rosa Mota, o Carlos Lopes, diziam isso.
- Eu almoçava com o Carlos Lopes todos os dias.

- A sério?
- Todos os dias. Ele tinha uma loja de desporto e havia um restaurante lá ao pé que se chamava “Mário”, era um portista fanático, muito boa gente. Comia-se bem, iam também outros jogadores e os jogadores do Porto quando vinham cá iam lá. Eu estava lá todos os dias porque era um negócio familiar e conhecia o Mário, sentia-me em casa. O Carlos Lopes, como tinha a sua loja de desporto, almoçava também lá todos os dias e almoçava comigo. Ele é do meu distrito, de Viseu. Era o meu companheiro de almoço e nós falávamos muito sobre isso. Ele dizia “Vocês no futebol param, vão ao chão. Nós não, nós quando arrancamos temos que correr e só paramos no fim. E vocês correm na relvinha, nós no treino temos árvores no caminho, subimos, descemos…”.

- Qual foi o melhor jogador que treinaste?
- Ui, pergunta difícil. Apanhei muito bons jogadores. Normalmente as pessoas dizem um avançado porque marca golos mas eu vou dizer o Auri, um central. Por tudo, como jogador, bom defesa… eu fui buscá-lo ao aeroporto, fui como um pai para ele. Como homem, dentro e fora de campo, era fantástico, um líder sem o qual os treinadores não têm sucesso.

– Best-of da carreira –
Qual é para ti o melhor momento da tua carreira como jogador?
- Foi no Benfica, naquele ano de 83/84 e que depois se estende até ao Campeonato da Europa em França.

- Porque é sempre difícil definir o melhor jogador, pergunto-te qual foi o jogador com quem mais gostaste de jogar?
- Chalana.

- Qual foi o guarda-redes que mais confiança te transmitia?
- Bento.

- E qual o avançado mais matador com quem jogaste?
- Nené.

- Qual foi o adversário mais difícil de marcar?
- Jaime Magalhães.

- Por último, o golo que mais gostaste de marcar e porquê?
- O melhor golo foi em Portimão, pelo Benfica, até marquei dois nesse jogo. Passe magistral do Carlos Manuel do lado direito, eu recebo na quina da área do lado esquerdo com o peito e rematei com uma força que a bola entrou mesmo ao ângulo. Ganhei o prémio de melhor golo do mês, em 1986/87."

Jogos da Minha Vida | FC Internazionale Milano 4-3 SL Benfica

"E Se o Remate de Nuno Gomes ao Poste Entrasse?

É uma das grandes questões do universo benfiquista desde aquele 25 de Março de 2004. Às 20h locais, entravam num Giuseppe Meazza a meio gás as equipas do FC Internazionale de Milão e o SL Benfica de José António Camacho, em recuperação nacional e europeia. Uma semana antes, na Luz, Toldo fez o que pode para segurar o 0-0 que obrigavam os encarnados a marcar em Itália.
Para quem começou a acompanhar o fenómeno futebolístico nos adventos do novo milénio, a eliminatória contra os italianos significou a primeira impressão do Benfica europeu das histórias de pais e avôs, onde o Benfica ombreava naturalmente contra outros gigantes do continente. Depois de duas épocas de falta às provas da UEFA, 2003-04 foi um ano interessante e com jogos épicos, onde se inclui a exibição monumental de Moreira em Trondheim.
Moreira; Miguel, Luisão, Ricardo Rocha e Armando Sá; Petit e Tiago; João Pereira, Zahovic e Simão; Nuno Gomes.
Foram estes os homens que Camacho escolheu para carimbar a passagem aos quartos de final, no seu 4-2-3-1 predilecto. O Benfica entra muito bem no jogo e á passagem da meia-hora, Armando Sá controla pela esquerda e entra no meio-campo contrário; Vai em progressão até ao último terço e descobre Nuno Gomes sozinho no centro do terreno: recebe, um, dois toques e remata rasteiro fora-da-área. Toldo lança-se mas bola vai direitinha ao poste e entra junto ao outro. Palo, Gol… Clamoroso – diz resignadamente o comentador italiano nos highlights mais genuínos que encontramos no Youtube.
O lance a seguir é o um dos maiores SEs da história europeia do Benfica: novamente Armando Sá pela ala esquerda, túnel a Buruk, compasso de espera na linha de fundo enquanto o Nuno se ajeita na zona de penalty – a bola entra lá – e poste, desta vez a caprichar-se para fora. Seria o 0-2 e a missão do Inter ficaria dificílima, que aproveitou o velho ditado do “quem não marca sofre” para igualar o resultado após jogada genial de Karagounis e dum mortal à retaguarda de Obafemi Martins. O intervalo chegava com um sabor demasiado amargo e o Benfica tinha todo o direito em confrontar a justiça divina.
Os seis mil adeptos benfiquistas que viajaram até Itália tinham acabado de ver um verdadeiro recital da turma encarnada, frente a um Inter bem abaixo do que poderia fazer, já que não teve ninguém que pautasse o jogo da equipa e entregasse um toque de classe nas definições ofensivas. Zaccheroni, que tinha começado com três defesas, já nesta altura tinha mudado para a linha de quatro atrás, descendo Zanetti para a lateral ao lado de Adani, Gamarra e Iván Córdoba.
Apesar da melhoria tímida do Inter, o jogo revolucionou-se com a entrada do talentosíssimo Recoba, que ao primeiro toque na bola faz golo. Dois minutos depois oferece a Vieri o 3-1 como viria a fazer a Martins, para o 4-2. O 10 milanês arrumou com um meio-campo cansado do Benfica, depois da primeira parte de controlo total: Camacho é obrigado a mexer e troca menino por menino, João Pereira por Manuel Fernandes, e adiciona Sokota à frente de ataque em troca com Zahovic.
Com o croata fixo entre Adani e Gamarra, Nuno Gomes teve liberdade para explanar o seu futebol: é ele que sobra dentro da área para o segundo golo benfiquista e é ele que, num movimento habitual da sua parte, num um-dois mete Tiago com a baliza à mercê do terceiro golo. À meia-hora do segundo tempo, o marcador fixava-se em 4-3 depois de 18 minutos loucos. O sonho era possível e estava ali tão perto, era legítimo o Benfica desejar mais e merecia-o.
Até ao final, a equipa de Camacho viveu dicotomia frágil, porque quem defrontava Recoba-Vieira-Martins não podia lançar-se com todo o coração na procura da felicidade. Foi nesse impasse que os minutos foram passando e o jogo partido só contribuiu para engrandecer as boas exibições dos guarda-redes. Moreira e Toldo, apesar dos golos sofridos, não mereciam qualquer crítica.
Assim, o Benfica foi capaz de marcar três golos em Milão e sair eliminado. Eliminado mas de queixo levantado e com a reputação em sentido ascendente, marcando o final da fase mais negra da sua história."

Portugal, na altura certa não falha

"Há mais mérito do que facilidades no apuramento da Selecção Nacional

Não há celebrações na rua, ninguém parece em festa por dentro, não há demonstrações de orgulho nacionalista, enfim, claramente estamos mal-habituados.
Até porque Portugal é por esta altura um caso raro: constitui com os gigantes França, Alemanha e Espanha o grupo dos países europeus que esteve em todas as grandes competições internacionais no novo século (que não começou propriamente ontem).
O que no fundo diz tudo.
A selecção habituou-nos a alcançar o sucesso e o melhor que conseguimos é ficar indiferentes perante mais um apuramento. Por vezes até ficamos aborrecidos com a falta de qualidade técnica.
Parece-me ingratidão. Pelo menos eu, que vivi uma infância inteira com duas fases finais em oito possíveis, sinto que é uma grande ingratidão.
A verdade é que pode não ser sempre bonito, pode não ser sempre perfeito, mas na altura certa Portugal não falha.
Não falhou, por exemplo, nos dois play-offs com a Bósnia, não falhou no play-off com a Suécia, não falhou na recepção à Suíça, no último jogo de apuramento para o Mundial 2018, e não falhou na deslocação ao terreno difícil (e aqui fala-se mesmo do estado do relvado) do Luxemburgo.
A verdade, por isso, é que apurar-se para as grandes competições tornou-se normal e corriqueiro para a Selecção Nacional.
Mas convém não esquecer o essencial: que a história nos diz que há mais mérito do que facilitismos nestas conquistas e que na altura certa Portugal não falha."

Pensamentos do Futebol Português

"Não há dúvidas que o futebol português tem as suas qualidades e virtudes no âmbito do panorama futebolístico. Por cá já passaram grandes jogadores e treinadores que exportámos para esse mundo fora e que deram cartas por onde passaram. Somos actualmente o sexto país no ranking UEFA, logo a seguir aos big five, o que só pode ser motivo de satisfação.
Contudo, temos visto recentemente o nosso principal campeonato ser ‘’atacado’’ um pouco por toda a gente, devido à fraca qualidade dos nossos jogos. E é neste ponto que este texto se foca. As fracas prestações europeias da maioria dos clubes tem sido o principal combustível deste tema, mas há que reflectir verdadeiramente sobre o que se passa por cá. O nível de competitividade do campeonato português não é visto como o ideal para encarar os jogos europeus, mas a verdade é que recentemente tivemos equipas nos quartos da Champions e da Liga Europa.
Vítor Oliveira afirmou, não há muitos dias, que o nosso campeonato «é competitivo mas nivelado por baixo». E não poderia estar mais de acordo. Ainda que existam vários factores que contribuam para a fraca qualidade das partidas, gostaria de focar nalguns que assisto frequentemente e que estão directamente ligados a situações de jogo, fazendo já parte do cardápio dos jogos de futebol em Portugal: paragens de jogo deliberadas, faltas marcadas excessivamente, punições exageradas.
Parece que cada vez se assiste mais, um pouco por todo o lado, ao fenómeno das paragens de jogo deliberadas. Se determinada equipa encontra um resultado que lhe agrada, a tendência é para abrandar o ritmo de jogo, conduzindo-o na direcção dos seus intentos. O pior é que os recursos utilizados para esse efeito não são os mais agradáveis e chegam a irritar qualquer verdadeiro adepto de futebol. Hoje em dia, não é muito difícil apanhar uma partida em que se vejam, amiúde, jogadores caídos no chão a gesticular – muitas vezes, jogadores da mesma equipa. E a Primeira Liga não é alheia a este fenómeno, que se estende às restantes divisões.
O facto de ser complicado encontrar uma resolução concreta para este problema – o tempo de descontos apenas atenua a quebra de ritmo forçada anteriormente – leva algumas equipas, por vezes, a abusar destas situações. Por isso e como não me revejo na táctica do anti-jogo, penso que, em situações recorrentes, uma equipa não deve enviar a bola para fora, a não ser que o árbitro interrompa. E mesmo este deve deixar seguir o jogo até que uma jogada termine de forma natural. Claro que pode ser difícil avaliar se a paragem é intencional ou não, mas quando existir essa dúvida, o jogo deve seguir o seu rumo.
A paragem do tempo de jogo – sempre que a bola estivesse fora ou quando a partida fosse interrompida – começa até a parecer-me mais justo… No entanto, começam a ser visíveis modificações para controlar as perdas de tempo, como a regra de um jogador ter de sair pela linha mais próxima, o que me parece ajustado.
Obviamente que os árbitros tentam sempre defender-se. Ainda para mais no nosso país, onde o clima de suspeição está sempre presente e muitos árbitros acabam por se sentir pressionados, resultante da nossa questão cultural. Depois o que se vê são arbitragens demasiado defensivas que resultam em partidas constantemente interrompidas. E isso quase nunca favorece o espectáculo. Admito que, em certas ocasiões, chega a ser incómodo ver um jogo dos nossos campeonatos. Nas competições europeias nota-se bem a diferença, onde se ouve muito menos o apito do que aqui. Os jogos são muito mais fluídos – aliás, não devem existir muitos lugares onde se ouça tanto o apito como em Portugal.
Sobre este aspecto, considero Artur Soares Dias um dos melhores a gerir os jogos cá do burgo, sendo para mim, aquele que tem mais categoria e competência. Aquilo que transparece é que a maioria dos juízes, por norma, assinalam falta ao mínimo contacto e os jogadores, percebendo isso, sabem que basta caírem para serem beneficiados. Hoje, existe o auxílio do VAR para determinadas situações e sobre este mecanismo, penso até que os tempos de espera para se tomar decisões têm vindo a diminuir, de um modo geral, o que é sempre um sinal positivo.
Contudo, a arte do apito continua a ser uma marca registada do campeonato português e assim é muito difícil a Primeira Liga tornar-se interessante. Seja pela prática do anti-jogo ou pelas faltas marcadas em número excessivo, tudo isto se torna bastante aborrecido para os adeptos e contribui para o vergonhoso tempo útil de jogo que temos. Não pode ser muito normal que uma partida termine com perto ou mais de 40 faltas sancionadas e essa realidade não é assim tão incomum por aqui. Na última ronda, por exemplo, o FC Paços de Ferreira x CD Tondela terminou com 48 faltas, estabelecendo um novo máximo esta época. Curiosamente, o top de jogos com mais faltas tem sido preenchido com encontros das últimas jornadas.
Com certeza que as faltas fazem parte do encontro e existem para ser assinaladas, mas é preciso que os árbitros deixem jogar com maior regularidade e adoptem um critério mais largo, sob pena de muitos jogos continuarem a ser enfadonhos e disputados num ritmo não muito alto, devido à excessiva intervenção do apito. E assim, é natural que lá fora o nosso futebol não seja muito apelativo, pois os atributos aqui descritos (apenas uma parte da questão) acabam por afectar a imagem do produto e qualquer intenção de internacionalização."

City em risco nas competições europeias?

"Há nuvens negras a pairar sobre a parte azul de Manchester!
Com efeito, o Tribunal Arbitral do Desporto, sediado em Lausanne, deu sem provimento o recurso apresentado pelo Manchester City. Neste, o clube que é treinado por Guardiola, defendia-se das acusações de ter violado as disposições referentes ao Fair-Play Financeiro. Estas foram emanadas, a 15 de Maio, pelo órgão responsável da UEFA por estas regras, a Club Financial Control Body e propugnavam que o clube fosse penalizado pelo não cumprimento das regras económicas preconizadas pela confederação europeia.
Para defender a tese da não procedência do apelo dos Cityzens, o TAS sustentou que " um recurso contra a decisão de uma federação, associação ou ente desportivo pode ser apresentada no tribunal arbitral (...) se o recorrente tiver esgotado os mecanismos legais disponíveis antes do recurso, em conformidade com os estatutos ou regulamentos de tal órgão (artigo 47º). Assim, a decisão tomada pela Câmara Investigativa de reenviar o caso ao órgão arbitral não é definitiva e não pode, por isso, ser impugnada directamente no TAS."
Este défice de interpretação processual do clube inglês poderá levar a que a decisão se torne definitiva e, consequentemente, o City seja penalizado. Penalização essa que, tal como foi preconizado na altura, poderá passar pela impossibilidade de participação nas provas europeias durante um período a definir.
Sigamos a contenda jurídica com curiosidade..."

O IVA não desce sozinho, querida Liga

"A contestação sobre o elevado valor do IVA na compra de bilhetes para jogos de futebol tem sido cada vez maior. Isto porque o IVA se encontra, neste momento nos 23% para quem pretenda ir assistir a sua equipa ao estádio.
Estes elevados valores têm vindo a ser alvos de críticas dos adeptos e da Liga, numa altura em que chegou ao Governo uma proposta da Associação de Promotores, Espectáculos, Festivais e Eventos (APEFE) para a redução do IVA do preço de bilhetes para espectáculos e festivais dos 13% para os 6%.
Aquando da revelação desta proposta, a Liga reagiu de imediato e afirmou que “o governo só por distracção terá deixado o futebol de fora da lista de espectáculos contemplados com a descida do IVA”.
Esta proposta de Orçamento de Estado para 2019 foi entregue a 14 de Outubro de 2019 e referia que esta alteração nos valores percentuais do IVA vinha “no âmbito da promoção da actividade cultural, em 2019”. De acordo com o documento, o IVA deverá variar, dependendo da região de Portugal. Assim, cairia para os 6% em Portugal continental, 4% na Região Autónoma dos Açores e 5% na Região Autónoma da Madeira.
Esta medida era já uma pretensão da APEFE que, em Julho, entregou na Assembleia da República uma petição com sete mil assinaturas pela descida do IVA sobre os espectáculos ao vivo.
O sentimento de injustiça da Liga já pronunciado culminou com uma petição da mesma e das sociedades desportivas anónimas que a integram a lançarem, também elas uma petição com o objectivo de sensibilizar a Assembleia da República a reduzir a taxa de IVA aplicada aos eventos desportivos também para os 6%.
Considere-se a seguinte questão: “Será o futebol realmente um espectáculo e contribuirá este realmente para a cultura?”. A APEFE, enquanto associação, nasceu para melhorar a oferta cultural do país e para, ao mesmo tempo, dar voz aos interesses do sector. As áreas que esta organização pretende alavancar são: a cultura, o turismo e a economia. Ou seja, é desconhecido até que ponto é que o futebol é englobado nestes parâmetros, sobre os quais a APAFE foi fundada. Esse é o ponto que poderá responder à questão acima e que está na origem deste conflito.
O futebol é, para muitos, parte indissociável da cultura portuguesa e teria que ser, portanto, contemplado com a descida do IVA, já que pode ser considerado como espectáculo e este seria o ponto de vista da liga. Por outro lado, a APAFE pode não ver o futebol como um dos sectores que pretende “alavancar”, restrigindo-se aos sectores da cultura, do turismo e da economia.
Em suma, trata-se de uma organização que decidiu defender os seus interesses e que o acabou por fazer antes da Liga que, em seguida, se sentiu injustiçada. Houve quem se “fizesse à vida” e foi isso que a APAFE fez e que talvez, tendo em evidência do futebol em mente, a Liga já devia ter feito há mais tempo. Pelo menos, poupava os seus adeptos uns “trocos” e livrava-se de ser alvo de críticas."

Vitória em Itália...

Sarzana 2 - 7 Benfica

Vitória importante, num recinto de medidas mínimas, onde só falhámos (novamente) nas bolas paradas! Os Italianos marcaram os dois golos de penalty (falharam 1 LD), e nós falhámos 2 Livres Directos e 2 penalty's e só aproveitámos 1 penalty perto do final da partida...

Com esta vitória, o Grupo está dividido em dois, o Benfica e o Barça com 6 pontos e o Sarzana com o Herringen, com 0, iremos discutir a ordem do 'cruzamento' com o outro Grupo, com o Barça.