sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Perestroika

"Quando a coisa aperta, cada equipa encontra a sua forma de lidar com o insucesso. No SL Benfica aprende-se com os erros e trabalha-se mais. No SC Braga, contrata-se um treinador com provas dadas na luta livre. No Sporting CP despacha-se meia equipa ao preço da uva-mijona e sonha-se com milagres de vender jogadores ao Real Madrid. No FC Porto, inventa-se um inimigo externo (de preferência lisboeta para espalhar melhor a mensagem regionalista), dá-se uns murros na mesa e jura-se dedicação eterna a uma causa perdida.
Reestruturação? É um palavrão, mas não tão ofensivo como se escuta constantemente no seio das claques organizadas que atacam mais o adversário do que apoiam a sua equipa. Perceber que um estilo está fora de moda? Impensável para quem continua a vestir a mesma roupa das boutiques de Vigo dos tempos do Apito Dourado. Assumir falhas? Era só o que faltava, eles são tão perfeitos e diferentes, que vão para a segunda seca de 18 anos sem um campeonato. E ainda estamos a contar...
O futebol português e os seus agentes precisam de ser humildes. Precisam de entender que não sabem tudo e que os métodos dos anos 80 já só fazem sentido nas séries que retratam mafiosos e delinquentes de baixo nível. Precisam de entender a sua insignificância estatística. O número de espectadores nos estádios nacionais - com excepção da Catedral e nos jogos do Benfica nas Antas, Campo Grande e Pedreira - é ridículo. Na partida da equipa de Belém com o campeão nacional, no Jamor, estavam quase 18 mil pessoas. Mais do que no Vitória FC - Boavista FC, um potencial clássico com objectivos europeus. Equipas a mais, incompetentes em demasia e métodos ultrapassados. É assim a principal liga de futebol em Portugal."

Ricardo Santos, in O Benfica

À Benfica

"No final da vitória sobre o Belenenses, um jornalista interrogou Bruno Lage acerca do clássico de amanhã, perguntando se será decisivo. Eu acho que é. Assim que o jogo terminar, ficarão a restar singelos 93 pontos em disputa, o que limita por completo as ambições do clube que sair a perder. Em caso de derrota ou empate, sobram apenas 31 jogos ao FCP para tentar recuperar a desvantagem pontual, portanto será mesmo um duelo de vida ou morte.
Eu espero que nenhum benfiquista se deixe embalar por esta ilusão que paira no ar de que é importante manter os pés bem assentes no chão e evitar qualquer euforia antecipada, como se fosse sequer possível olhar para o campeonato de outra forma. Pelo modo como os jornalistas têm interpelado Bruno Lage e os adeptos, até parece que o Benfica leva 15 pontos de avanço do segundo classificado. Calma. Para haver uma daquelas festas de arromba em Maio e descobrimos se o Chiquinho é tão bom a beber cerveja como a encantar as bancadas quando toca na bola, então ainda será necessário melhorar os processos de jogo, manter a humildade e, sobretudo, contratar uma massagista particular para assistir o Rafa no final dos jogos.
Só um Benfica em plena forma poderá vencer o clássico. Sinto que já estamos soltos das amarras do FCP - não há que negar essa condição, mas sim trabalhar para que não volte a subsistir - e, desta vez, são os portistas que estão com algum receio do jogo na Luz. A vida dá muitas voltas, e a forma como os adeptos de cada emblema aguardam o clássico deu uma volta gigante. Chegou a hora de provar que o Inferno existe, e ninguém é aconselhado a lá entrar: jogar à Benfica e ganhar sem espinhas. Vamos!"

Pedro Soares, in O Benfica

Juntos e unidos

"Foi num ambiente extraordinário que vencemos o Belenenses. Confesso que este jogo me tirou o sono. Não foi por acaso que nos últimos três jogos frente à equipa orientada por Silas não vencemos. O futebol também é feito de fantasmas. Por vezes, as grandes equipas têm imensa dificuldade em superar alguns adversários. Parece ironia do destino, mas a verdade é que na época passada merecemos vencer os dois jogos frente ao Belenenses, e o melhor que conseguimos foi conquistar apenas um ponto. Já para não falar no trauma da época em que perdemos o penta, com um empate no Restelo mesmo no final da partida e graças à inspiração do genial Jonas. Já não temos nem Jonas, nem Salvio, nem João Félix, mas temos jogadores que se entregam ao jogo com um compromisso tal, que impressiona. As exibições de Rafa, Pizzi, Florentino e de todos os elementos do sector defensivo foram notáveis. O SL Benfica continua sem sofrer golos, e esse feito deve-se não apenas às prestações de Odysseas, Nuno Tavares, Rúben Dias Fero e Grimaldo, mas também a toda a equipa. RDT continua a espalhar a sua classe pelos relvados portugueses, e acredito que poderá já neste sábado dar-nos uma tremenda alegria. Todos reconhecem a insuspeita qualidade do ex-Real Madrid. Para o clássico, Bruno Lage e a sua competente e multidisciplinar equipa técnica poderão surpreender. Sim, porque os grandes jogos ganham-se, também assim. O FC Porto é uma equipa temível, e não acredito que a sua eliminação da Liga dos Campeões vá condicionar o clássico.
Só um Benfica unido, dentro e fora do campo, conseguirá vencer o próximo jogo."

Pedro Guerra, in O Benfica

Um estádio cheio de valores!

"Chegavam para encher o Estádio da Luz e ainda sobravam 10000. Seria assim se pudéssemos juntar duma só vez na nossa casa todas as crianças que passaram pelo projecto KidFun até hoje. Não corremos pelos números, mas pelas valores e por cada uma das crianças, mas gostamos de olhar para trás e apreciar a dimensão deste Benfica social que vai fazendo jus ao nome. Porque já sabemos que ser Benfica é ser grande, e a Fundação não poderia ser excepção a esta regra de ouro a que o ovo chama com carinho 'Universo Benfica'.
Não são todas benfiquistas estas crianças, nem as suas famílias.
A maioria é-o com certeza porque o Sport Lisboa e Benfica é, hoje como ontem, uma realidade esmagadora em Portugal e na lusofonia. Estende-se mesmo para além do verbo de Camões e começa a internacionalizar-se para lá das barreiras linguísticas.
Não são todas benfiquistas, dizia, mas todas ouviram falar pela primeira vez nos valores e na sua importância no desporto e na vida através do projecto KidFun, que não se importa de atravessar Portugal inteiro para ir a cada escola, tocar cada criança, de norte a sul, nas multidões da cidade como nas turmas pequenitas das escolas rurais.
É uma mensagem importante para comunidades e famílias, esta preocupação de ir a cada lugar e colocar a ética e os valores humanistas no topo da agenda, sem clubismos nem falsos interesses, com um só foco e uma só agenda: as crianças e os valores!
Isso valeu-nos já diversos reconhecimentos, fomos pioneiros na bandeira da ética, e continuamos a ser destacados como uma prática exemplar, mas o que nos enche de alegria são os sorrisos e os conteúdos de uma riqueza e diversidade extraordinárias que as crianças produzem sobre o que deveria ser o planeta fantástico. Seria bom um dia viver nesse mundo de valores acima de tudo que as crianças conseguem imaginar e para o qual a Fundação Benfica dá, orgulhosa e incansavelmente, a sua contribuição.
Obrigado, Kids!"

Jorge Miranda, in O Benfica

Os amigos e os atletas do Benfica

"Foi sempre pela renovação de uma mesma ideia-forte, composta de dois temas aparentemente muito diferentes, que os benfiquistas sedimentaram a conjunção de diversidade de factores determinantes do que hoje constitui a nossa identidade colectiva. Essa ideia primacial atendeu à vontade de, primeiro, sabermos competir com nós mesmos; de nos sabermos superar a nós próprios, no esforço inferior de dominarmos os nossos meros impulsos individualistas; a, transformando depois a força assim gerada no plano estritamente pessoal, produzir em equipas, as energias conjuntas com que conseguimos vencer as competições que temos a disputar com os outros.
Na génese da história do desporto em Portugal, em que, de facto, não fomos dos primeiros a competir, soubemos apurar e aproveitar, melhor e mais depressa, o verdadeiro sentido do esforço pessoal dos atletas que representavam as cores vermelha e branca que nos distinguiam e, depois, carreá-las, cada vez mais de modo progressivamente mais organizado e sistemático, a favor dos dispositivos colectivos que desde cedo nos haviam de levar com determinação às vitórias.
Foi assim que o Benfica nasceu entre amigos, cresceu e se desenvolveu entre atletas e se entranhou, como campeão assumido, competente e regular, sendo sempre um amplo espelho do país e, no desporto, a portentosa instituição de absoluta referência profundamente enraizada no seio do povo português.
É como campeão sistemático que o Benfica é agora reconhecido em Portugal e no mundo. Mas isso não pode significar que, seja em que momento for do nosso caminho, de alguma forma possamos perder o é relativamente às exigências da competição: quanto maior e mais abrangente for o nosso sucesso competitivo, maior se torna o grau de esforço, dedicação e competência que nos é exigido. A todos nós; não apenas aos atletas que defendem as camisolas do Glorioso, mas também àqueles a quem, do lado de fora, cabe empurrá-los para as vitórias, para a superação pessoal e para os títulos colectivos, com idêntica proficiência, nos nossos caros e coreografias, à que lhes exigimos, a eles, em cada lance, em cada jogo e em cada jornada. É todos juntos e todos competentes - mas tendo presente que nunca jogamos sozinhos - que continuaremos a somar todas as vitórias."

José Nuno Martins, in O Benfica

Poderosos!

"Feitiço de Rafa, incompreensível mas feliz continuidade de Bruno e o talento de Félix

Haverá ou não um Rafa antes e um Rafa depois da chegada de Bruno Lage ao comando técnico do Benfica? Creio que há. O Rafa que vi chegar à Luz já tinha um potencial tremendo, que evidenciou e se destacou em Braga. Já era, porventura, o jogador mais rápido da Liga e, sobretudo, e muito especialmente, e jogador mais rápido com a bola. Correr sem bola, como facilmente se percebe, é muito mais fácil do que correr com bola. Correr sem bola, como facilmente se percebe, é muito mais fácil do que correr com bola. E uma das enormes vantagens do Rafa sempre foi a de conseguir ser tão rápido com bola. Mais do que qualquer outro.
Mas o Rafa que vi chegar à Luz também era um jogador ainda algo imaturo do ponto de vista do jogo colectivo. Parecia querer fazer tudo tão depressa que facilmente se atrapalhava a ele e à equipa. E falhava demasiadas vezes na hora de decidir ou finalizar. Dava a ideia de ser um jogador demasiado irracional na hora de definir os lances.
Talvez por isso, Rafa andou muito tempo (demasiado tempo!) à procura do seu lugar, porque ora o tinha, ora o perdia. E ora marcava um golo, ora falhava dez! Era um enigma - como podia um jogador de tão grande potencial, e com características tão especiais e raras, ser ao mesmo tempo tão explosivo e tão ineficaz?
O que passou a ver-se, desde que Lage chegou ao comando da equipa, foi um Rafa bem diferente. O jogador manteve intactas todas as suas mais fortes capacidades e acrescentou-lhes o que lhe faltava para deixar de ser tão improductivo e se tornar num dos mais decisivos jogadores da equipa.
Ainda por cima, Rafa consolidou dentro do campo o que parece ser, fora dele, uma relação muito próxima com Pizzi, o que prova que se dois jogadores talentosos se dão muito bem fora dor elevado maior e mais forte possibilidade têm de transformar essa relação em algo mágico dentro do campo.
Com as devidas diferenças e o maior respeito pelo impacto e importância de cada um, não posso deixar de recordar os tempos em que Rui Costa e João Vieira Pinto pareciam jogar de olhos fechados com a camisola do Benfica ou da Selecção Nacional, numa fase da vida em que era conhecida e grande amizade entre os dois.
Este Rafa continua a ser rapidíssimo com e sem bola, e faz a grande diferença, sublinho, por ser tão rápido com bola, mas já racionaliza muito mais o jogo, temporiza-o, parece saber muito melhor quando fazer a pausa, quando esperar pelo companheiro, e parece bem mais frio no momento de decidir se assiste ou se remata.
Um Rafa assim pode tornar-se realmente num caso muito sério!
(...)

Parece que está meio mundo surpreendido porque afinal o rapaz que custou ao Atlético de Madrid uma pipa de massa tem afinal um talento extraordinário. Pois tem. Mas já tinha. Não se trata de saber se deu ou não provas de valer no mercado do futebol os mais de 120 milhões de euros que o clube espanhol pagou por ele. Trata-se de saber se João Félix é ou não é um talento excepcional. E é!
Estava na cara por tudo o que fez no Benfica que Félix é, realmente, um jogador diferente dos outros, porque quem, aos 19 anos, faz o que ele fez com a camisola do Benfica e com a simplicidade com que o fez só pode ser na verdade um jogador invulgar, com inata aptidão para vir a ser um grandíssimo jogador de futebol.
Para alguns, pelos vistos, foi preciso verem o que ele jogou, e como marcou, ao Real Madrid, ou os dois golos extraordinários que apontou à Juventus, na fantástica competição que foi, sobretudo este ano, a International Champions Cup com que a organização do norte-americano Charlie Stillitano brinda no verão os amantes do futebol.
Mas não era preciso nada disso do que se viu frente ao Real e Juventus para se perceber que João Félix está muito longe de ser mais um dos bons garotos-promessa que têm saído nos últimos anos da academia do Benfica, no Seixal.
João Félix já tinha mostrado ser no Benfica muito mais do que isso.
Ah, mas só jogou seis meses a titular? E então?
Seis meses não chegam para ganhar praticamente nada - enfim, foram suficientes para o Benfica, com João Félix, fazer magnífica e invulgar segunda volta de campeonato e chegar ao título.
Mas seis meses são mais do que suficientes para se perceber o que vale o talento de um jogador.
Ninguém sabe, nem pode saber, que carreira vai João Félix fazer nos próximos 10 ou 15 anos. Mas o futebol não se julga ou analisa pelo que um jogador vai fazer no futuro. Vê-se pelo que tem vindo a fazer ou faz no presente e, quanto muito, pelo potencial que mostra para uma carreira de sucesso.
Pelo talento que já se viu que João Félix tem, como é possível que alguns possam ter posto em causa o talento dele só porque o Benfica exigia que pagassem 120 milhões para o levar?
Se foi caro ou barato só o Atlético de Madrid pode conclui-lo, a partir de agora. Mas que contratou um fantástico jovem jogador disso não me parece que possa haver a mais pequena dúvida.
O que terão visto em João Félix os responsáveis do Atlético de Madrid - e, já agora, os de muitos outros clubes que o queriam mas talvez não estivessem disponíveis para pagar 120 milhões por ele?
Viram certamente o que muitos de nós vimos em Portugal nos seis meses - ou quase - que João Félix esteve como titular do Benfica.
Que jogava perante 50 ou 60 mil espectadores com a mesma simplicidade e tranquilidade como se estivesse a jogar no Seixal, diante de meia dúzia de adeptos, a divertir-se com os companheiros mais ou menos da mesma idade.
Que mostrava ter uma inteligência fora do normal para a idade, visível no modo como se movimenta em campo, se posiciona, domina a bola e a joga. E visível ainda no modo como dá quase sempre a ideia de pensar mais rápido do que a maioria, e de saber o que vai fazer com a bola antes de a receber, e, sobretudo, como nunca está lá mas como aparece lá... ou seja, na forma como surge no espaço quando o adversário menos espera, especialmente no momento de chegar ao golo - vejam-se os casos do golo feito ao Real Madrid na pré-época (quando Marcelo, na pequena área, quis cortar a bola já a bola não estava lá...) e do primeiro dos dois golos feitos à Juventus, com o felino João Félix a surgir, no coração da área, a rematar de primeira sem deixar a bola tocar na relva, surpreendendo um defesa italiano pela impressionante rapidez do movimento.
E eis-nos num dos pontos mais impressionantes do perfil de Félix - o ter tanto golo, como se diz na gíria do futebol. Em meia dúzia de meses como titular fez 20 golos pelo Benfica! Com 19 anos! Tem tanto golo e pareceu ter tanta facilidade de os marcar, dos mais fáceis aos mais difíceis, de cabeça (que jogo aéreo tem!!!), ou de pé direito (o mais forte) ou pé esquerdo (nada cego!!!, como também se conclui, mais uma vez com recurso à gíria do futebol).
Realmente, como escreveram os espanhóis, quem faz aos 19 anos o que o jovem João Félix fez com a camisola do Atlético de Madrid, que é só o maior dos rivais do Atlético, mesmo tendo em conta que era um jogo de pré-temporada, tem forte probabilidade de vir a ser, quando tiver 24 ou 25 anos, realmente um dos melhores jogadores do mundo, porventura candidato a conquistar mais numa Bola de Oura para o futebol português. É o meu palpite!

PS - Primeiro clássico da Liga já amanhã, com o Benfica fortemente moralizado e o FC Porto ainda inevitavelmente marcado pelo tremendo insucesso na Champions - e inevitavelmente atingido pelos 4-0 do Olympiakos ao Krasnodar! Veremos se o Benfica confirma alguma vantagem sobre o dragão ferido. Porque ferido, o dragão costuma ser poderoso!"

João Bonzinho, in A Bola

Depois do clássico 93 pontos em jogo

"Joga-se amanhã o primeiro clássico da época para o Campeonato e a única certeza é que, mal termine o jogo, Benfica e FC Porto ainda terão de disputar mais 93 pontos até ao fim da prova. Não há campeões em Agosto e, até por isso, o duelo da Luz pode ser menos condicionado tacticamente do que em outros momentos mais sensíveis e tardios da temporada.
O contexto das equipas é conhecido, mais consistentes e rotinados os donos da casa, ainda à procura do melhor equilíbrio os forasteiros, sem que quaisquer destes argumentos determine, por si só, a sorte do jogo. Quando se defrontam equipas do calibre de Benfica e FC Porto, são muitas vezes os detalhes a fazer a diferença, o que significa que os treinadores não deixarão de fazer pungentes apelos à concentração de cada um e à solidariedade entre todos, deixando aos deuses a inspiração que pode descer do céu e bafejar algum dos eleitos.
Este duelo entre águias e dragões surge num momento em que não têm existido grandes polémicas com a arbitragem, que pareceu (salvo uma ou outra excepção...) mais segura na utilização do VAR e mais confortável com a introdução das linhas de fora de jogo. A partir de agora, graças à tecnologia, a verdade desportiva está mais defendida, não fazendo sentido os lamentos de quem, em nome de uma explosão emocional momentânea, ainda diz que preferia o futebol com erros. Estes, infelizmente, continuarão a existir, mas em muito menor número...
E agora, a pergunta recorrente em véspera de clássico: quem vai ser o árbitro? Os dois melhores são do Porto e ambos dão garantias plenas de um trabalho sério e competente..."

José Manuel Delgado, in A Bola

Ferro: Um central de aço com um toque de porcelana

"Olhando de relance para o sucesso e para o bom futebol praticado pelo Benfica, desde a chegada de Bruno Lage, há certos executantes que se destacam e magnetizam assim para si toda a atenção do público geral. Rafa e toda a sua velocidade, Pizzi e o seu toque de bola e qualidade de passe, Gabriel e os seus passes típicos de quarterback, Florentino e a sua capacidade de posicionamento defensivo. Tudo isto capta a atenção dos adeptos encarnados e provoca aplausos em catadupa no Estádio da Luz. No entanto, para mim, há um jogador cuja importância para a equipa, tanto ofensivamente como defensivamente, é claramente menosprezada, este jogador é Ferro.
Até dentro do próprio sector defensivo, Ferro acaba por ser algo desvalorizado face às exibições do seu companheiro no sector central da defesa, Rúben Dias. Em termos defensivos, Ferro é uma grande mais valia para o Benfica. Fazendo uso da sua boa estatura física (1.89 metros de altura), na época transacta, Ferro ganhou 58,6%* dos duelos aéreos (*dados OptaSports trabalhados pelo Sofa Score), face aos 57% de Rúben Dias, jogador bem mais conhecido pela sua capacidade no jogo aéreo. Já na questão dos duelos no solo, Ferro é também bastante eficaz ganhando 60% dos mesmos, mais 9% do que Rúben Dias que ficou pelos 51%. Já em termos disciplinares, Ferro cometeu apenas 0,5 faltas por jogo, o seu compatriota Rúben Dias chegou às 1,6 faltas. Estes dados estatísticos, por muito relativos que possam ser, demonstram a capacidade que Ferro tem no posicionamento defensivo, na leitura do jogo e a sua eficácia no momento do desarme, eficácia essa que subiu para lá dos 75%.
Apesar de ser bastante competente defensivamente, é no momento ofensivo que o jovem central de 22 anos, se diferencia de grande parte dos centrais na Europa. A equipa de Bruno Lage aposta quase sempre na construção de jogo a partir de trás e com a recente mudança na regra do pontapé de baliza, que veio permitir a entrada dos defesas na área, a importância de ter centrais capazes de pensar e iniciar o jogo é cada vez mais fundamental. A percepção do jogo e a inteligência táctica da qual Ferro dispõe, são características algo atípicas para um jogador de tão tenra idade. Ferro é capaz de ser decisivo no momento ofensivo em duas situações de construção diferentes:
No caso da equipa encarnada enfrentar equipas com as linhas mais juntas e que não aposte na pressão alta, Ferro transporta o esférico, “invadindo” os espaços que se abrem pela inexistência de pressão, aproximando-se o mais possível do meio campo ofensivo e aí realiza passes verticais com a intenção de “quebrar linhas”, ou seja, que permitam que algum jogador do Benfica receba a bola mais perto da baliza adversária e que ao mesmo tempo esteja mais longe das primeiras linhas de pressão do adversário. Quando a equipa das águias enfrenta situações destas, quase sempre os laterais estão projetados dando “largura” à equipa e os extremos procuram espaço interior. Isto deixa a equipa algo vulnerável a um contra-ataque rápido do adversário, caso aconteça a perda da bola, tendo apenas os centrais recuados e possivelmente os médios na cobertura. Face a esta situação é absolutamente preponderante a acção e a qualidade de passe dos centrais. Ferro prospera nesta conjuntura tendo uns impressionantes 80% de passes completados para o meio campo ofensivo, números de elite a nível europeu. Os passes de Ferro não se limitam a ser direccionados para a zona correta ou para o jogador desmarcado, a bola sai quase sempre dos pés do internacional sub21 “com contrapeso e medida”, de forma a facilitar a recepção orientada dos seus colegas, de forma a permitir a continuidade da jogada. 
Numa situação em que o Benfica sofra uma maior pressão na primeira fase de construção do jogo, em que o transporte de bola é dificultado, o camisola 97 das águias, opta quase sempre por passar o esférico aos laterais que, perante a pressão adversária, ajudam na construção, ou para um médio que baixe no terreno com a intenção de ligar o jogo. Neste capítulo, Ferro é igualmente eficaz, tendo uma taxa de acerto de 92% de passes dentro do seu próprio meio campo. Sobretudo nos jogos europeus, onde o Benfica terá que jogar necessariamente muitos minutos à procura de transições rápidas, a capacidade do passe longo torna-se um recurso fundamental na procura da baliza adversária. Esta será provavelmente uma das “melhores armas do arsenal” de Ferro. O jogador formado no Seixal, completa 63% dos passes longos, números incríveis em comparação com 90% dos centrais no mundo do futebol. Para que se tenha melhor noção, a eficácia de Ferro nas bolas longas é superior à de defesas centrais como Koulibally, Hummels ou Bonnuci, todos centrais de classe mundial e bastante elogiados pela sua qualidade de passe.
Ferro ainda comete alguns erros defensivos e por vezes toma decisões erradas, mas estes erros apenas poderão ser reduzidos com a experiência dentro de campo. O que é certo é que o central do Benfica demonstra já muita qualidade, tanto defensivamente como ofensivamente, e tem ainda muita margem de progressão. Na minha opinião, o que mais diferencia Ferro dos restantes é a enorme maturidade táctica e emocional da qual o jovem já dispõe. A manter o trajecto de progressão que já tem sido seu apanágio, não ficará muito mais anos em terras lusas."

Jogadores que Admiro #104 – Florentino

"A admirável série televisiva Dark, de produção germânica, explora as implicações existenciais e os efeitos dos saltos temporais na mente humana. Dividindo a quarta dimensão em ciclos de 33 anos, são criados loops, onde as histórias se repetem eternamente num ciclo sem final aparente, criando paradoxos pelo caminho e pondo em causa a perspectiva linear do tempo.
Estamos em 1982. Um rapaz sueco chegava a Portugal com a UEFA debaixo do braço: Eriksson era um jovem talentoso, mas a sua idade criou desconfianças inicialmente. Assente no seu 4-4-2 vertiginoso e abrigando-se do sol nas abas largas do seu panamá da Macieira, o sucesso não demorou a aparecer e, assim, poucas foram as vozes que se atreveram a questionar as opções tomadas. Numa equipa recheada de qualidade individual, Sven entrega o comando do seu meio-campo a um rapaz calmo, tímido, que raramente se exaltava e jogava de pantufas. De aspecto franzino, Shéu Han, seu nome, fazia da inteligência e da gentileza as suas armas como grande recuperador de bolas, num trajecto profissional sempre de mãos dadas com o Benfica.
Ora, 33… não, 37 anos depois, Bruno Lage assume o Benfica, num clima de incertezas várias, derivado do seu parco currículo. Era uma opção a prazo. Igualmente fã de um 4-4-2 eléctrico, impõe as suas ideias naturalmente e os resultados tornam-se avassaladores. De fininho, foi introduzindo os meninos da B e entrega a batuta do meio-campo a um Florentino Luís que em tudo se assemelha à lenda benfiquista: pouco expressivo, nunca exaltado, sempre leal e com as mesmíssimas pantufas calçadas. Orgulhosamente e sem grandes dramas, Florentino Ibrain Morris Luís percorre todo o centro do terreno pedindo com licença, tirando a bola muito educadamente dos pés adversários e a entregá-la, limpa e bem cuidada, nos homens da frente encarnada.
Florentino só abre a boca para, aqui e acolá, ser educado. Mentalmente, tira um raio-x do campo e guarda as coordenadas de cada adversário. A seguir, calça as pantufas, corrige a postura e dirige-se a cada um deles: “peço desculpa, era uma bola, por favor” e tira-a, nunca de forma brusca. O 10 adversário vai a passar e quando dá por ele, tem um rapaz educado a tocar-lhe no ombro, “boa noite, queria uma bola, se faz favor”, e puff. É um requintado pedinte. A sua esmola, que é uma bola Select de motivos vermelhos em fundo branco, é a única coisa de que precisa para ser feliz e manter-se vivo.
Quero então acreditar que a série está correcta: Florentino é Shéu, Shéu foi Florentino e assim será sempre, num ciclo interminável de desarmes limpos e linhas de passe bloqueadas. Os dois, que são um, a mesma pessoa, combinaram separar-se para ensinar boas maneiras num campo de futebol e, consequentemente, na vida. Quiseram demonstrar que o futebol não é só para brutos e que, um trinco, para ser genial, pode pregar a palavra de Paula Bobone por esses estádio fora."

De Todos, Um!

"Estádio cheio e excelentes equipas em campo, incluindo a de arbitragem, em que todos certamente darão o seu melhor, é o que desejamos para o grande jogo de amanhã. E, da nossa parte, naturalmente que o Benfica vença.
Vimos de um ciclo extraordinário de resultados, mas isso, como se sabe, tradicionalmente pouco conta neste tipo de clássicos. Apelamos por isso a um forte apoio desde o primeiro minuto por parte de todos os benfiquistas que amanhã estarão na Luz em nome da ambição e confiança que esta equipa tanto merece.
A imagem de marca da nossa equipa, mais do que os destaques individuais, é a solidez que tanto nos orgulha de constituir-se como um grupo forte, unido e coeso sob a liderança tranquila de Bruno Lage. Uma equipa, um grupo, em que acima de tudo e de todos está o Benfica e em que todos rumam no mesmo sentido tal como Jonas fez questão de realçar no momento da sua despedida.
Este ciclo de jogos ficará completo na próxima semana, com a sempre difícil deslocação a Braga. Seguir-se-á a paragem das competições de clubes para dar lugar às das selecções e a habitual saída temporária da maioria dos nossos atletas para representarem os seus países. É a consequência normal em qualquer clube, como o Benfica, em que impere a abundância de talento.
E depois continuará o ritmo frenético das competições, iniciando-se mais um ciclo de jogos, que inclui, em cerca de 18 dias, recepções ao Gil Vicente e Vitória de Setúbal, intercaladas pela jornada inaugural da fase de grupos da Liga dos Campeões, cujo sorteio será realizado a 29 de Agosto, e a deslocação a Moreira de Cónegos para visitar o Moreirense, e culminará com a segunda jornada da Liga dos Campeões a 1 ou 2 de Outubro.
Mas agora todo o foco está nestes dois jogos com FC Porto e Braga.
“De todos, um” é mais que uma mera divisa no nosso emblema. É a atitude certa e a única para tornar ainda mais gloriosos o nosso palmarés e a nosso percurso. A união entre todos os benfiquistas, que não haja dúvidas, tem sido um trunfo imprescindível no passado recente marcado por tantas e inolvidáveis conquistas. Assim persistamos e estamos convictos de que continuaremos a trilhar o caminho do sucesso.

Cadomblé do Vata (Ansiedades...!!!)

"1. Continua tumultuosa a reacção dos adeptos sportinguista à anunciada venda de Bas Dost, por considerarem o valor da transferência muito baixo... eu também ficava desagradado se um jogador que foi comprado com 27 anos, 1 ano depois de ser o melhor marcador do 2º classificado da Bundesliga por 10 milhões, fosse vendido com 30 anos, 1 ano depois de ser o melhor marcador do 3º classificado da Liga Portuguesa pelos mesmos 10 milhões.
2. O Sporting anunciou um novo acordo de cedência de bilhetes às claques, obrigando-as a pagar quotas e bilhetes, revogando assim o acordo que entre borlas e pré pagamentos, lhes reservava 3.375 ingressos... isto num universo de Grupos Organizados de Adeptos que tem cerca de 2.900 adeptos inscritos.
3. Nos últimos dias apareceu a rolar pela internet um video de Manuel Vilarinho a cantar o hino do Sporting e ficou tudo chocado porque se trata de um ex. Presidente do Benfica... não vi as imagens e por isso pergunto: o que consideram Hino do Sporting é o que a desguedelhada de cabelo verde canta ou aquela música do "eram só três, venham mais duas"?
4. O Clássico é já amanhã e hoje o Record traz à estampa os "Novos Truques de Pizzi e Rafa" para o confronto com o FC Porto... continuo a aguardar impacientemente que o Record apresente os "Novos Truques Para Voltarmos a Ser um Jornal a Sério".
5. Petit diz que o Benfica está numa boa fase, porque "hoje estão Rafa e Pizzi a fazer golos, amanhã estarão De Tomas e Seferovic"... é esta a grande diferença para o seu tempo, onde "hoje estariam Simão e Nuno Gomes a fazer golos e amanhã Manduca e Kikin a falhá-los"."

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"Estamos já a menos de um ano dos Jogos Olímpicos e parece que ainda ontem os atletas estavam reunidos a tirar ilações do Rio de Janeiro e a planear o projecto para Tóquio 2020.
Se para a maioria dos portugueses o processo de qualificação (e os seus muitos altos e baixos) acaba por passar despercebido, para os atletas, mediante a forma de qualificação para Tóquio, posso assegurar que é um período de enorme tensão e em que tudo tem de correr bem. Mas muitas vezes não é isso que acontece. Afinal de contas, a “simples” presença nos Jogos Olímpicos já indica que se está na Elite da sua modalidade.
No meu caso, escrevi logo no início dos dois anos que demora a qualificação para a minha modalidade (BTT – Cross-Country Olímpico) que “não será certamente uma estrada alcatroada, mas sim uma dura batalha em caminhos com muitas pedras e raízes”. Escrevi isto de forma figurativa e com a consciência de quem já passou por duas qualificações olímpicas, tendo sido a primeira (Londres 2012) a estreia de Portugal a este nível. Mas estava longe prever que nos três meses seguintes ia passar por duas fracturas complicadas e que colocaram em risco não só a qualificação, que, à data, em igual período do ciclo anterior estava praticamente assegurada, mas a própria permanência na alta competição.
O meu caso não é isolado. Os atletas das modalidades ditas “amadoras” - terminologia comum mas redutora - passam por inúmeras situações que lhes podem hipotecar o objectivo Tóquio e não só. Não falo somente de lesões mas da própria estabilidade do atleta que, ano após ano, tem de rever o seu projeto desportivo em termos de apoios e se consegue (ou não) o mínimo: dedicar-se em exclusivo à modalidade. O atleta é o elo final das estruturas desportivas em que, quando algo corre mal, é a própria carreira que fica em jogo. O atleta de elite das modalidades extrafutebol (onde os salários felizmente dão para provisionar o futuro) é precário e, normalmente, o que ganha é para conseguir mais e melhores condições de treino/competição para chegar mais além.
Escrevo isto porque a sazonalidade quadrienal permite antever que uma das questões mais colocadas nos meses anteriores ao início dos Jogos Olímpicos seja: “Então e medalhas”? Acreditem: não há ninguém que se esforce tanto para as obter como os atletas nem quem fique mais frustrado quando as coisas não correm bem. Há que ter em atenção que os atletas nacionais vão contracorrente, estando na maioria dos casos em realidades desportivas e competitivas bem diferentes dos seus adversários. Quantos seguem “influencers” e não atletas Olímpicos/alta-competição? A valorização do atleta a nível social e junto de patrocinadores começa com algo tão simples quanto isto.
A minha mensagem é a seguinte: sigam os atletas das variadas modalidades, façam parte da sua caminhada e da sua luta de superação diária para que percebam o que é necessário para atingir a excelência desportiva. Em alguns casos somos brindados com medalhas, noutros com diplomas e em muitos a primeira vitória é poder alinhar à partida daquele que é o evento desportivo mais exclusivo que há. A partir daí, acredito que a questão deixe de ser “Conseguiste medalha?”, mas sim: “Superaste-te?”. Porque é isso que o atleta pode controlar no dia “D”.
Eu não sei se estarei em Tóquio ou não, mas trabalho para isso todos os dias acreditando que ainda é possível. Em qualquer um dos casos estarei sempre do lado dos atletas que lá estarão a representar o meu país, pois conheço na primeira pessoa o que significa poder vestir aquela camisola com orgulho e responsabilidade no maior evento desportivo do mundo."

As Olímpicas condecorações do Presidente da República

"Correr mais depressa, saltar mais alto, lançar mais longe e, sobretudo, marcar mais golos na baliza do adversário tornaram-se os espectáculos mais queridos dos portugueses. E o Presidente da República, numa dinâmica luso-populista, aderiu com força e entusiasmo ao novo atleticismo português pelo que não perde a oportunidade para se associar directamente à festa. E, assim, perante os extraordinários resultados desportivos conseguidos à custa do sacrifício dos atletas, da competência dos treinadores, do empenho dos dirigentes dos Clubes e Federações Desportivas e do notável envolvimento das famílias, o Presidente da República tem entendido por bem manifestar o reconhecimento da generalidade dos portugueses, atribuindo aos atletas campeões as devidas condecorações da República. Num País cujos órgãos, tanto públicos quanto privados, do vértice estratégico do Sistema Desportivo, primam por um oligárquico distanciamento relativamente às verdadeiras necessidades sociais, a atribuição das condecorações pelo Presidente da República não podia ser mais oportuna, clara e compreensível para os portugueses que assistem com orgulho, para os agentes desportivos que aderem com entusiasmo e para a comunicação social que as anuncia ao País.
Mas, assim, não entende o presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP)! E, dando mostras que, em termos institucionais, ainda não percebeu qual é lugar que ocupa na sociedade, publicou um artigo no digital Observador (2018-09-06) em que se permitiu comentar as condecorações atribuídas pelo Presidente da República dizendo: “… como em tudo na vida, o excesso ou uma opção não baseada em critérios de valor desportivo corre o risco de banalizar o que deveria ser considerado um registo de excelência”. E, mais recentemente, numa entrevista ao jornal Record (2019-07-21), o dito entendeu por bem voltar ao assunto e, na sua racionalidade burocrática, esclarecer que “o Comité Olímpico enviou pelos meios institucionais o seu entendimento sobre essa matéria. Que era necessário perceber-se o critério porque é que em certas circunstâncias o senhor Presidente da República convida e condecora, noutras só convida, noutras não convida nem condecora”. E informou acerca do “desconforto que os meios desportivos têm relativamente a esta matéria”, sem ter, concretamente, identificado as várias entidades desconfortadas. E concluiu que não fará mais nenhum comentário sobre as iniciativas que o Senhor Presidente da República toma relativamente a esta matéria, dizendo: “o que pensamos já ele sabe, o que eu penso ele conhece”. Por mim, concluo que o presidente do COP “perdeu o pé” na medida em que, de maneira nenhuma, é possível aceitar que um simples presidente de um Comité Olímpico Nacional (CON), enquanto tal, eleito num sistema fechado por duas ou três dezenas de representantes de Federações Desportivas, possa permitir-se questionar o critério de valor suportado na Constituição do país, de um Presidente da República eleito por sufrágio direto e universal.
O exercício do poder burocrático no século XXI está a deixar de se coadunar à realidade política teatral do século XX em que as instituições, na sua generalidade, acabaram transformadas em oligarquias completamente alienadas dos interesses das populações que deviam servir. E, foi o que aconteceu em 2004-2005 quando, à margem das Federações Desportivas, foram introduzidas alterações significativas na estrutura de competências no Sistema Desportivo que alteraram, radicalmente, a correlação de forças no desporto nacional sem que as Federações Desportivas tivessem meios para se oporem ou, sequer, defenderem os seus interesses uma vez que nunca foram consultadas. Em consequência, os resultados que deviam, pelo menos, incomodar a generalidades dos agentes desportivos, estão à vista.
Muito provavelmente, Marcelo Rebelo de Sousa foi o primeiro político português a compreender esta nova realidade política ao assumir, desde a organização da sua campanha de candidatura à Presidência da República, que o poder, em muitas circunstâncias, já não reside nas instituições tradicionais uma vez que elas, a partir de finais do século passado, começaram a transformar-se em máquinas oligárquicas de simples conquista e manutenção do poder completamente desligadas dos cidadãos e das suas reais necessidades. Assim, dispensou os “favores” do Partido bem como de todas as suas “prima donnas” e, com pouco mais do que a ajuda de um motorista, organizou uma campanha, simples, barata e eficaz, em regime de autogestão, numa ligação directa às populações. 
Nesta perspectiva de ligação directa ao povo, o actual Presidente da República, para além das burocracias institucionalizadas, de acordo com as suas competências constitucionais, entende dever atribuir condecorações a portugueses que conquistam resultados de pódio em competições internacionais nos mais diversos desportos. Ao fazê-lo, reconhece-os e honra-os. Aproxima o desporto da sociedade, atribuindo-lhe a importância que merece. E, na consciência do seu livre-arbítrio, toma as decisões à margem das preocupações, opiniões ou interesses, dos institucionais orgânicos que chefiam o sistema burocrático do desporto nacional, muitos deles, num quadro democrático, pelo menos, questionável.
E, ainda bem que o Presidente da República tem agido desta maneira. Porque, no actual contexto de concentração excessiva de poderes, acabou por atribuir um certo significado humano ao desporto nacional que está, cada vez mais, a cair num profundo vazio de princípios, de valores e de projectos com objectivos verdadeiramente sociais, num País com uma miserável taxa de participação desportiva e 20% da população a viver abaixo do limiar de pobreza.
A atribuição de condecorações desportivas, muitas ou poucas, deve ser processada de acordo com o modelo de desenvolvimento do desporto que se pretende para o País. E o modelo de desenvolvimento do desporto que se pretende para o país depende da sociedade em que se deseja viver, quer dizer, ou numa democracia popular de economia de Estado ou numa democracia liberal de economia de mercado. Porque, uma situação é viver-se num país como a Coreia do Norte onde o desporto, para lá dos festivais de performances coreográficas de massas em honra dos queridos líderes, termina nas sete medalhas conquistadas nos Jogos Olímpicos do Rio (2016) e outra situação, completamente diferente, é viver-se num país como a Finlândia que ganhou uma única medalha nos Jogos Olímpicos do Rio (2016) mas onde o desporto, na mais plena liberdade, é das actividades mais importantes das crianças e dos jovens e, de uma maneira geral, 90% da população pratica desporto pelo menos duas vezes por semana e 50% mais de quatro vezes.
Em cada uma destas perspectivas ideológicas, cada regime político atribui as condecorações à sua maneira.
Nos regimes autocráticos de esquerda e de direita, a nomenclatura político-desportiva, de acordo com a orientação do partido único, estabelece “cientificamente” o critério que determina o atleta que deve ser condecorado. E este, passa a ser, perante o povo que o ignora, o “herói” representante da oligarquia que o povo odeia. Nestas circunstâncias, não existe nada mais útil do que um critério que será sempre elaborado de acordo com o critério da burocracia que o concebeu. Tal como acontecida na antiga URSS com a Ordem Lenine, em Cuba com a Ordem José Martí, ou na generalidade das democracias populares satélites da URSS onde o desporto era um dos instrumentos mais eficazes ao serviço do aparelho repressivo do Estado.
Nos regimes liberais democráticos, as condecorações nacionais, de acordo com a respectiva finalidade, são atribuídas ou por propostas de terceiras entidades que podem ou não ser aceite ou, por iniciativa própria de entidades com competência constitucional para tal. Em qualquer das situações, a decisão final depende, exclusivamente, do livre arbítrio de consciência do decisor político que deve partir de um “véu de ignorância” que, na perspectiva de Rawls, pode ser traduzida numa espécie de “firewall” contra o uso de quaisquer interesses particulares das oligarquias que, nos últimos anos, têm vindo a destruir as próprias democracias liberais.
Infelizmente, o actual problema maior das democracias liberais é, precisamente, o liberalismo poder transformar-se em um agente destruidor da democracia através de oligarquias que, sem qualquer legitimidade democrática, se permitem questionar as decisões de políticos que, como os Presidentes de muitas Repúblicas, são eleitos por sufrágio directo e universal. Nestes termos, como, recentemente, tivemos a oportunidade de ver, através do exemplo das relações de um grande clube com o governo do respectivo país, o desporto, passou a ser um instrumento privilegiado para a mudança ideológica de um paradigma democrático liberal para um paradigma democrático iliberal. 
De acordo com as suas convicções ideológicas e estilo de magistratura, o Presidente da República só podia escolher o segundo modelo. Em conformidade, dispensou os solícitos institucionais orgânicos intermediários, passou a relacionar-se directamente com os desportistas através dos seus representantes orgânicos (Clubes e Federações Desportivas) e, independentemente dos olímpicos incómodos que podia causar, através do desporto, abriu, ainda mais, a Presidência da República à sociedade.
Portanto, não faz qualquer sentido pretendermos viver numa democracia liberal e, depois, aceitarmos a imposição de um modelo institucional triunfalista do tipo das democracias populares em que as condecorações desportivas têm, muito mais, a ver com os interesses dos regimes e das suas oligarquias e, muito menos, a ver com os êxitos dos atletas e a cultura desportiva da generalidade dos cidadãos. Neste sentido, com a sua estratégia luso-populista, o Presidente da República, se bem entendo, ignora os interesses das oligarquias e procura promover a importância do desporto entre os portugueses.
Assim sendo, ao contrário do que sugere o presidente do COP, o Presidente da República não desvaloriza as condecorações, despreza é uma visão burocrático-ornamental de configuração totalitária que lhes é conferida nos regimes autocráticos tanto de esquerda quanto de direita. Ao fazê-lo, suplanta a nomenclatura e passa a atribuir a devida importância aos atletas que, geralmente, são esquecidos, considera, na justa medida, o trabalho dos técnicos tantas vezes ignorados, respeita o esforço dos dirigentes dos Clubes e Federações Desportivas que, bastas vezes, são mal agraciados, valoriza a dedicação e o esforço das famílias e, sobretudo, faz passar para o País a ideia da necessidade de ultrapassar a medíocre taxa de prática desportiva nacional.
Ora, perante a abertura ao desporto do Presidente da República, o que se esperava era que o Presidente do COP, na tradição da liderança de Pierre de Coubertin que tinha Mundo, aproveitasse a disponibilidade da primeira figura da nação, a fim de, através do aproveitamento pedagógico do Efeito de Ídolo, desencadear programas de promoção do desporto com o objectivo de melhorar o volume da prática desportiva do País. Infelizmente, devido a uma lamentável falta de visão estratégica, assim não aconteceu.
Neste sentido, confrontados com líderes desportivos que já nem são de ontem mas de anteontem, cujas preocupações não vão além do “dress code” e dos protocolos das cerimónias públicas, bem como com lideranças políticas que, na maior das infantilidades, estão completamente alienadas pela bola (que não é a mesma coisa que futebol), os presidentes das Federações Desportivas, como tem vindo a acontecer no âmbito da Plataforma do Desporto Federado, devem reafirmar a sua vontade de voltarem a ser a “pedra de toque” do processo de desenvolvimento do desporto nacional. Deste modo, começam a corrigir o erro estratégico cometido em 2004/2005 quando as Federações Desportivas foram usurpadas das suas competências inalienáveis no que diz respeito, em primeiro lugar, à visão e intervenção global no processo de desenvolvimento da respectiva modalidade e, em segundo lugar, da capacidade de relacionamento directo com a tutela político-administrativa em todos os assuntos que digam respeito ao desporto que por delegação pública administram no âmbito nacional e no da representação internacional.
Para isso, seria muito bom para o desporto nacional e para o País que aproveitassem a oportunidade proporcionada pela abertura da Presidência da República ao desporto desencadeada pelo atual Presidente da República. Porque, tal abertura, do ponto de vista cultural, pode significar uma mudança radical do actual modelo de desenvolvimento do desporto que, cada vez mais, tem menos a ver com as verdadeiras necessidades dos portugueses e do País. Não se trata de nada de revolucionário ou de inédito uma vez que, sem se imiscuir nas questões do âmbito governativo, Nelson Mandela, na África do Sul, protagonizou um processo em que surgiu como o líder inorgânico do desporto sul-africano do qual resultou uma extraordinária mais-valia para a superação do “apartheid” e a consciencialização interna da unidade nacional.
Perante a forte atomização social que, nas últimas décadas, por todo o Mundo, tem vindo a animar as lutas sociais com o risco real de destruição identitária mesmo em países como Portugal com mais de oito séculos de história, é necessário desencadear uma nova perspectiva ético-cultural de desenvolvimento do Sistema Desportivo que, a partir do empenhamento da Presidência da República, ganhe coerência sistémica no longo prazo de maneira a ultrapassar a visão distorcida e desintegrada dos interesses partidários e dos proveitos dos institucionais orgânicos de que o desporto tem sido vítima ao longo dos anos.
Assim sendo, a Plataforma do Desporto Federado, no respeito pela sua inorganicidade, tem todas as condições para aproveitar a abertura ao desporto protagonizada pelo Presidente da República porque, parafraseando Nelson Mandela, se o desporto tem o poder de mudar o Mundo, tem, também, o poder de inspirar e unir as pessoas em torno de um país, incutindo-lhes, para além do próprio desporto, esperança num futuro partilhado.
Este é o grande desafio que, hoje, se coloca à generalidade dos dirigentes desportivos em Portugal a começar pelos presidentes das Federações Desportivas."