terça-feira, 18 de junho de 2019

A exageração do exagero

"Sei da lógica impositiva das audiência. Mas não me curvo perante a inundação intragável da banalidade

1. A exageração é um dos traços da contemporaneidade. Por exemplo, os constantes alertas coloridos de meteorologia sobre a fatalidade de uns pingos de chuva em Junho ou de uma rabanadas de vento de 40 Km, tal como há semanas aconteceu com a misteriosa depressão 'Miguel'. Esta lupa aumentativa dos (não) factos e das (muitas) palavras é um dos traços do que gira à volta do futebol. O tempo de pousio futebolístico - quase reduzido a pó - é agora pasto para toda a sorte de demasia e de imoderação. Não há dia em que não se fale de ninharias de milhões sobre milhões, a propósito de transferências, empréstimos, cláusulas de rescisão e até - imagine-se tal contradição - de aquisições conhecidas a custo zero! Agora há espaço televisivo para, horas a fio, nos repetirem até à náusea, as (im)prováveis, (in)desejáveis e (im)possíveis transacções, em misturas capciosas de «pelas informações que obtivemos, estamos em condições de afirmar», «ao que julgamos saber de fonte segura», «parece haver movimentações nesse sentido», «tudo está preso por detalhes», etc. Em todos os programas sobre futebol é raro ouvir o moderador (?) avisar da falta de tempo, ao invés do que acontece no resto da actualidade onde a norma é ele ou ela dizerem «conclua, por favor», «30 segundos para finalizar», «o nosso tempo esgotou-se». Em certos programas (não todos, felizmente), há intervenientes que cumprem o seu tempo de glória, com fanfarronices, truques, gritaria de taberna e outras formas pouco urbanas e elegantes de serem pagos. Durante o prime time da noite agora e por mais quase três (!) meses só dá mais mercado, mais transferências e outros mais todos à condição para perorar horas seguidas sobre hipóteses que, nestes casos, bem poderíamos definir como algo que não é, mas que a gente faz de conta que é, para ver o que seria se fosse. Uma pessoa que abra a televisão nos canais informativos só vê essa névoa espessa em torno da bola. Mesmo os canais, que souberam construir o seu caminho e prestígio ao longo de muitos anos, renderam-se à tabloidização futebolística (e não só) e dão-nos mais do mesmo. Matraqueiam os espectadores (aqui não ficaria pior essa pérola do AO: espeta... dores) com antevisões, previsões, explicações, sugestões, constatações em redor de (quase) nada. Eu - que sempre gostei muito de futebol - já não suporto tanta conversa, tantos lugares-comuns, tanto bulício artificial, tanta especularão, sem sentido, tantas imagens repetidas, tantos euromilhões num mercado de pessoas, tanta peleja sobre minudências, tantos absolutismos de retórica... Tudo em dose cavalar, com o devido respeito pelo animal e o pedido de indulgência do PAN.
Até 31 de Agosto (uff!) o prime time dos canais noticiosos generalistas é quase todo delicado ao dito mercado, se exceptuarmos o canal público. Aproveita-se a circunstância dessa obscenidade anti-desportiva de o período de transferências entrar pela época dentro, em nome do primado do dinheiro da mercadoria. Junta-se o inútil ao patético. Perdeu-se o sentido da proporcionalidade.
João Félix, a fazer fé em certos programas e nos respectivos rodapés ou oráculos, já terá sido transferido para aí umas 50 vezes para uma mão-cheia de clubes-lavandarias. Já terão perguntado por Bruno Fernandes não menos de outras 50 vezes. Já não há balizas que cheguem para tantos guarda-redes novos no Benfica ou no Porto. Enfim, dantes dizia-se que o segredo era a alma do negócio. Agora parece que estes programas são a nova alma do negócio. Só não sei para quem, mas suspeito.
A diversidade, que deveria advir da concorrência, esfuma-se no monolitismo. Se exceptuarmos o serviço público de televisão, encontrar um mero nicho televisivo fora da futebolândia + novelândia é um achado. Cultura? Ciência? Música não-pimba? Literatura? História? Etc., onde param essas extravagâncias? Mais tarde ou mais  cedo se pagará o excesso, a imoderação, a destemperança, a estupidificação, a alienação. A não ser que, em Portugal, nos conformemos com esta triste realidade: futebol mais futebol mais futebol para encantar as massas (em ambos os sentidos) e nos distrair ou abstrair de tudo o resto.

2. Outra exageração habitual é a da distância que vai do bestial a besta e vice-versa, normalmente alcandorada a título de primeira página ou à abertura de programas da rádio ou televisão. Um grande humorista brasileiro, Millor Feranndes, chegou a caricaturar este exagero: «o futebol é o ópio do povo e o narcotráfico dos media».
Vivemos freneticamente o tempo dos superlativos, dos endeusamentos sem travão e da obsessão pelas medidas da quantidade: mais, maior, super, hiper, maxi, numa caminhada aumentativa sem stop. No futebol já não chega o excelente, o fabuloso, o prodigioso, o notável. Sabe a pouco. É preciso chegar ao monstro, ao colosso, ao gigante e tantos outros epítetos em regime de concorrência entre os media. O problema é que se há - uns poucos - que talvez justifiquem esta forma de exageração elevada ao quadrado, outros a conquistam efemeramente por um golo saído do acaso, por um pontapé em forma de tatuagem, ou por uma cabeçada nas nuvens.
Ronaldo é um jogador incomparável. Mesmo na última fase da sua notável carreira continua a oferecer-nos momentos de eleição e, há dias, quase só a ele devemos a vitória sobre a Suíça. Mas daí a desqualificar Deus vai uma grande distância. Cito um exemplo: no dia seguinte a este jogo, neste mesmo jornal, a capa era toda preenchida com o título «Cristo Rei: mais três passos rumo à imortalidade». Percebo o jogo magnífico de mistura de palavras, mas depois disto o que se dirá em tom ainda mais encomiástico, agora que o nosso ídolo já chegou à divindade?

3. Mesmo no chamado defeso, os briefings e conferências de imprensa não nos largam: tudo interrompem em nome do sacra-futebol (como nos costumam dizer nas televisões «temos de interromper porque se impõe um directo para ouvir...»). Qualquer notícia da bola aparece intercalada entre o importante e o excitante. Para além do insólito de certas interrupções, tal evidencia também o inqualificável critério de prioridades noticiosas. Repito: gosto muito de futebol, mas abomino o exagero e a fantasia alienante à sua volta.
Nas famosas conferências de imprensa antes dos jogos, temos sete canais a reportar mimeticamente tais fascinantes momentos: SIC N, TVI 24, RTP 3, CMTV, alé dos jornais dedicados ao desporto, como A BOLA TV, SPORT TV e quase sempre um canal afecto ao clube.
Na larga maioria dos briefings, o que vemos e ouvimos? Praticamente nada. Um amontoado de frases feitas, umas perguntas de micro-ondas, uns tiques de falar sem dizer, uma perda total de tempo.
A oferta é exaustiva no exagero: directos a toda a hora e repetição seleccionada, mas extensa em todos os noticiários. Qualquer minudência desinteressante do campeonato espanhol tem honras de telejornal, eles que, em Castela, se estão borrifando para os feitos - que também os há - do nosso futebol (por exemplo, soberbamamente quase ignoraram até a nossa conquista da Liga das Nações!).
Sei da lógica impositiva das audiências. Mas não me curvo perante a inundação intragável da banalidade.

Futsal
A terceira Reconquista do SLB esta época: depois do futebol e do voleibol, agora o futsal. Fantásticos 5 jogos entre o Benfica e o Sporting, enormes equipas. Na 4.ª parida, o Benfica esteve a 30 segundos de ser campeão, e no derradeiro encontro, o Sporting, a 6 segundos do fim, ia levando a final para prolongamento com um remate que saiu ao poste! Como tem sido regra, ganhou a equipa que foi líder na fase regular. O Benfica soube renovar e diversificar o seu plantel.
Importa, sobretudo, registar a entrega e profissionalismo dos atletas de ambos os lados e como foi bonito ver, no fim do jogo, jogadores e treinadores a respeitarem-se exemplarmente. Não podendo ambas as equipas ganhar, souberam aceitar, como inexcedível fair-play, as posições de vitória e de derrota. Parabéns a todos por esta excelente propaganda feita a um desporto cada vez mais popular.

Contraluz
- Interrupção: Tal como em 2017, não haverá na época que se vai iniciar a Eusébio Cup. É pena, instituída em 2008, mereceria continuar sem hiatos, honrando a memória do grande jogador do Benfica.
- Sugestão: Com tantas referências nas camisolas dos jogadores, por que não assinalar nas costas das camisolas e por baixo do nome do atleta, o valor da respectiva cláusula de rescisão? Talvez levasse mais gente a perceber esta fantasia mercantilista...
- Exemplar: Grande e substantiva entrevista de Fernando Santos em A Bola de domingo. Assim vale a pena ler ou ouvir quem se exprime com clareza, sabedoria, sinceridade e até humildade perante o erro."

Bagão Félix, in A Bola

João Félix não fez a melhor escolha

"Chegados a este ponto das negociações para a transferência de João Félix, já não retorno. O jovem ídolo benfiquista sairá, certamente para o Atlético de Madrid, e Luís Filipe Vieira passará a ostentar o título de recordista de vendas de passes de jogadores em Portugal.
Estão ainda por definir os derradeiros pormenores do negócio, mas sabe-se que será concretizado logo que fique também a saída de Griezmann para o Barcelona.
Não penso que, desportivamente, seja, esta a melhor solução para João Félix, e também não penso que o Atlético de Madrid seja o clube indicado para o jovem jogador consolidar as suas evidentes potencialidades. Nem sequer acredito que João Félix, que há um ano era, apenas, uma das jovens promessas do futebol do Benfica, tenha maturidade profissional para aguentar a pressão que se exige (clube, adeptos e crítica) a quem é contratado por 120 milhões de euros, porque não se espera de alguém que custe tanto dinheiro, e que supostamente irá substituir um jogador como Griezmann, seja, somente, um craque em formação, a precisar de tempo, paciência e tolerância para continuar os erros próprios da sua inexperiência na elite das elites do futebol.
Não tenho dúvidas em afirmar que João Félix precisava de ter tudo espaço e tempo para continuar a crescer e para ganhar uma personalidade competitiva que ainda está em formação.
No entanto, percebo as razões de uma sofreguidão que leva a esta aposta no imediato. É difícil, admito, não ceder à tentação milionária. Porém, suspeito que o preço que João Félix ainda irá pagar, também não seja barato."

Vítor Serpa, in A Bola

E aquele guarda-redes que parecia uma criança

"De repente, uma memória solta-se da sua prisão como um pássaro que fugisse da gaiola. Início de Março de 1984. O Benfica foi goleado na Luz (0-5) pelo Hvidovre. Um Benfica de segundas linhas apenas a cumprir o papel que lhe cabia no contrato de aquisição de Manniche.

Às vezes é bom deixar a memória à solta, como o cavalo do meu querido Fernando Tordo. E não correr à procura do momento exacto da história certa. Lembrar. Lembrar só. Mesmo que coisas incompletas que obrigam ao esforço das meningues.
Estou em Águeda, terra da minha infância, ponto mais alto da ternura.
De certa forma, estou no meu posto.
Durante quatro dias viajei entre Águeda, Porto e Guimarães por causa da Liga das Nações, sempre com aquela excitação do jornalismo a correr-me pelas veias, aquele excitação de ir ao sítio onde as coisas acontecem e não ficar à espera que elas nos entrem em casa pelo ecrã da televisão.
Sentando num grupo de amigos, entre os quais o meu camarada de A Bola, Celestino Viegas, recordámos aquela vez em que o Benfica veio jogar ao Municipal, ali no Sardão.
Na época de 1983/84 o Recreio de Águeda estava na I Divisão: pela primeira e única vez.
Estive lá e vi. E muito não vi.
Sim, porque não havia espaço para todos. O público transbordou das bancadas até às linhas laterais - os dirigentes do Benfica viriam a fazer um protesto, alegando que o campo tinha sido reduzido - encavalitava-se atrás das balizas, os guardas republicanos passeavam a cavalo procurando impedir que as pessoas saltassem para dentro do pelado.
Havia quem gritasse: «Tira o cavalo do frente!!! Quero ver a bola!»
Bem podia gritar... De nada servia. A autoridade cavalgava a passo, farda a condizer e uma certa vaidade mal escondida.
O Benfica ganhou fácil: 4-1.
Mas a gente recorda-se sempre dos cavalos republicanos.

Um miúdo chamado Peter
Depois, a memória começou a inquietar-me.
Não sabia porquê, mas tinha que ver com o Manniche. O Manniche dinamarquês. Grande figura! Grande figura!, como exclamaria Otto Lara de Resende.
Mal desembarcou em Lisboa, José Maria Pedroto, que era treinador do FC Porto, tratou de diminui-lo: 'É um rapaz alto e louro'.
O rapaz alto e louro foi campeão pelo Benfica. Chegara de uma equipa meio desconhecida, o Hvidovre.
Depois, por entre as tais brumas da memória, chegou-me a vaga imagem de ver o Hvidovre jogar na Luz. Era por causa do contrato. Metera dinheiro pelo jogador e um jogo amigável ao qual o Benfica ligou pevas, entretido que estava a ser campeão.
Mas houve esse jogo e eu também estive lá.
Noite desoladora e fria.
Por muito que me esforce, os pormenores fogem-me e eu prometi, logo na primeira linha,que não ir ia recorrer aos subterfúgios de foçar nos canhenhos ou na internet. Faço um esforço. Um esforço grande.
O jogo contra o Hvidovre, na Luz, foi próximo da vinda do Benfica aqui, a Águeda.
Lembro-me de o Filipovic estar em campo. Depois da chegada do Manniche, foi perdendo o lugar nas escolhas de Eriksson.
Lembro-me de, dois ou três dias mais tarde, ver o Benfica dar 7-0 ao Braga, e de o Manniche fazer golos.
Lembro-me de que o jogo foi estranhamente dominado por aqueles dinamarqueses que sentíamos não virem de parte alguma.
E ganharam de goleada: 5-0. Com 3-0 ao intervalo.
Mas o que já não me lembrava, e de repente lembro-me como se uma luz se acendesse na escuridão do cérebro, é que na baliza do Hvidovre estava um calmeirão, também alto e também louro. Um tipo imponente, elástico, exibindo a calma intocável dos veteranos.
Depois, muito depois, ficou conhecido em todo o mundo. Filho de um músico de jazz polaco, nascido em Soborddard, na região de Gladsaxe, na Dinamarca. Foi empregado de limpeza num lar de idosos, vendedor, chamado ao serviço militar numa altura em que estava no Algarve, a fazer um estádio com a sua equipa, e libertado do fardo por alegação de ter os joelhos demasiados fracos.
Percebo, só assim não vão lá.
E isto também não é um concurso de adivinhas.
O rapaz chamava-se Peter Schmeichel. Tinha vinte anos.
Esteve na Luz e ganhou.
E eu ganhei uma nova recordação. Que estava há muito perdida nos labirintos do esquecimento."

Afonso de Melo, in O Benfica

O hoquista que não gostava de hóquei

"António Livramento, um dos melhores hoquistas do mundo, custou a encarrilar na modalidade em que vingaria como atleta

António José Parreira do Livramento nasceu em São Manços, perto de Évora, a 28 de Fevereiro de 1943, dia em que o Sport Lisboa e Benfica comemorou o seu 39.º aniversário. Três anos depois, a sua família deixou o Alentejo e rumou a Lisboa, instando-se em Benfica.
Ainda miúdo, despertou para o desporto, fortemente influenciado por Torcato Ferreira. Vizinho da família e familiarizado com as prestações de Livramento nos jogos de futebol do bairro, o treinador de hóquei em patins aconselhou o seu pai a inscrevê-lo na modalidade. Mas, para Livramento, uma coisa era o futebol, outra bem diferente era o hóquei em patins: 'Devo esclarecer que não gostava de hóquei'.
No entanto, Torcato, que via nele o presságio de um grande jogador, não desistiu e, aos 11 anos, Livramento acabaria por ingressar no Clube Futebol Benfica, onde Torcato era treinador. Mas custou a encarrilar na modalidade, como explicou no jornal A Bola em 1975: 'A aprendizagem é longa e caía muitas vezes (...) só à terceira tentativa é que me fiquei pelo hóquei patinado, o que aconteceu quando Torcato Ferreira me ofereceu umas botas novas, que me fizeram sentir importante e me levaram a entregar-me à modalidade'. Porém, em pouco tempo, 'gostava tanto de jogar, que trocava tudo pelo rinque'.
Aos 15 anos e já com um enraizado gosto pelo desporto, chegou ao Sport Lisboa e Benfica. Aí confirmou uma predilecção pela posição de avançado: 'É a posição da minha preferência (...) há um sabor especial quando se marca um golo'. Pelo Benfica marcou vários. De 'águia ao peito' jogou por 14 épocas (1960/61 - 1969/70, 1972/73 - 1973/74) e somou vários títulos, foi internacional, campeão do mundo e reconhecido além-fronteiras como um dos melhores hoquistas do mundo.
Em 1999, após a sua morte a 7 de Junho, a Federação Portuguesa de Patinagem, que o categoriza como 'uma das maiores lendas do hóquei em patins mundial', homenageou-o colocando o seu nome na Supertaça de hóquei em patins, que desde então passou a designar-se Supertaça António Livramento.
António Livramento, que representou ainda os italianos Hockey Roller Monza e Amatori Lodi, a equipa de hóquei do Banco Pinto e Sotto Mayor e o Sporting CP é uma das figuras em destaque na área 2  -Jóias do Ecletismo do Museu Benfica - Cosme Damião."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

Confiança...

"Se superámos a saída destes heróis, e de tantos outros excelentes jogadores, temos de encarar o futuro com confiança. O Benfica saberá colmatar a saída de qualquer jogador porque insubstituível só o Rei Eusébio.
O grande desafio que se coloca é o de preservar o Seixal da loucura que jorra destas operações. São valores inimagináveis que passam a estar na cabeça de miúdos que viram um deles fazer um caminho que está ali tão perto... João Félix tem um talento reconhecido mas realizou metade de uma época em muito bom plano.
Foi o que bastou para accionar uma cláusula de resolução unilateral de contrato fixada abstractamente em 120M€.
O que era abstracto está em vias de se concretizar para incredulidade geral. Saiba o Benfica reinvestir e teremos o lançamento de uma equipa apta para surpreender positivamente na Europa."



O papel da Federação no percurso de um jovem jogador (a propósito do crescimento de João Félix)

"A sociedade em que vivemos habitua-nos desde tenra idade a normalizar os nossos comportamentos. As nossas acções, das mais simples às mais complexas (como a nossa forma de falar, de vestir, de andar, de rir, as nossas expressões corporais e até a nossa forma de pensar), sofrem uma influência tremenda do meio em que estamos inseridos. Essa pressão social, que é exercida sobre nós desde que somos crianças, leva-nos demasiadas vezes a sentir necessidade de arrumar tudo em gavetas, de agrupar sem ter de acordo a especificidade, de querer transformar tudo em coisas ordinárias que se podem amontoar em cima umas das outras. Um pouco como fazemos quando arrumamos um baralho onde cada carta de espadas, de paus, de copas ou de ouros só tem espaço junto aos seus pares.
Claro que este mecanismo que nos é imposto pela interacção a que somos obrigados com outros seres humanos tem a sua importância e o seu espaço nos nossos processos cognitivos; mas, quando deixámos a preguiça de lado (que também tem muita importância para a nossa vitalidade), somos capazes de nos opor a esta tendência opressora de raciocínios originais.
Isto vem ao caso da discussão sobre os critérios que se devem utilizar na convocatória dos jogadores para as fases finais de competições para as selecções jovens.
Há uns anos, no Europeu de sub-21 de 2015, critiquei a escolha de William Carvalho, de João Mário e de Bernardo Silva para representar o nosso país nesse torneio. A nossa selecção acabou por perder a final para a Suécia, e ficaram todos com a dúvida na cabeça: “Se eles eram assim tão bons, assim tão melhores do que os outros, como este gajo dizia, por que raio é que estando os três a jogar ao mesmo tempo não trucidámos e trouxemos o caneco para Portugal?” No mais recente Mundial de sub-20, a não convocatória de João Félix trouxe de volta a mesma controvérsia. Desta vez eu estava de acordo com a decisão da Federação, mantendo a mesma linha de pensamento que na altura utilizei para justificar que William, Bernardo e João Mário ficassem a ver o Europeu pela televisão.
O meu argumento não se prende apenas no facto de eles andarem a passear o seu talento numa prova que já não tem o nível adequado para que sintam muita dificuldade, para que sintam a pressão. Também não se esgota no facto de eu achar que eles iriam sair dali sem nenhum ganho assinalável. Tão pouco termina na minha leitura do estímulo ser mais adequado a outros jogadores que estão num nível de maturação futebolística diferente, com mais dificuldade do que os citados. O meu ponto é: qual é, ou qual deve ser, o papel da Federação de um país no percurso de um jogador? Para mim, o objectivo principal é dar condições para que os jogadores se tornem elementos efectivos da selecção principal. E para isso, em cada selecção, em cada convocatória, para a situação de cada jogador, há princípios de acção diferentes a ter em conta.
Olhe-se, por exemplo, para o caso dos três jogadores citados acima, que participaram no Euro sub-21. Na altura, no final da época 2014/2015, para lá da qualidade que apresentavam, todos eles tinham cimentado os seus lugares nos clubes – João Mário e William no Sporting, Bernardo no Mónaco. Os três eram titulares, já eram figuras das respectivas equipas e só por motivos de lesão, para gerir a sua condição física, e por uma ou outra nuance estratégica, estiveram de fora. Fizeram a maior parte dos jogos em que os clubes participaram como titulares, e muito raramente não entraram na convocatória. Isto é, tinham conseguido um estatuto que lhes permitiu continuarem a ser expostos na equipa principal dos seus clubes, que disputavam provas europeias, o que lhes garantiu a continuidade da sua evolução e uma aproximação mais célere daquele que é o nível que se tem na selecção principal.
João Félix é um caso muito parecido. Sendo que não teve a mesma exposição, em termos de minutos somados, em termos de jogos como titular, a chegada de Bruno Lage representou para ele o acesso à ribalta. É seguro dizer-se que sem Lage ele não teria conseguido chegar ao nível mediático que chegou, ou pelo menos que com Rui Vitória ainda haveria pessoas a dizer que o miúdo não tinha ainda demonstrado nível suficiente para ser titular no Benfica. Não só por ir entrando aos soluços e saindo aos solavancos, mas por jogar amarrado ao corredor lateral numa posição que em nada beneficia as melhores qualidades que ele tem. Assim como ainda fazem com Zivkovic, que continua sem ser aposta firme, e que rendeu na única vez que Rui Vitória lhe deu consecutivamente a estabilidade que Félix ou Rafa têm actualmente.
Se pensarmos em Florentino e em Gedson, que foram alternando a titularidade no Benfica com outros jogadores, em períodos diferentes da época, o caso muda de figura. Não só porque nenhum se estabeleceu definitivamente como titular, mas por não gozarem do estatuto que, em tão pouco tempo, os golos e as assistências deram a João Félix. Estes dois ainda têm de batalhar para conseguirem cimentar as suas posições na equipa e para que também possam ser cobiçados e reconhecidos na esfera internacional. Obviamente que, se tivesse que escolher entre Gedson e Florentino, convocaria o primeiro, por força dos momentos de confiança em que um e outro terminaram a época, e da exposição que um e outro tiveram nestes últimos meses.
Neste Euro sub-21, há o caso de Dani Ceballos. O médio criativo espanhol, do Real Madrid, já leva algumas épocas na bagagem como titular do Bétis de Sevilla na La Liga. Porém, nunca se afirmou na equipa merengue, e nunca teve o espaço para mostrar o seu talento de forma regular. Sendo que é um jogador que aos 22 anos ainda não conseguiu cimentar a sua posição no clube, cabe à Federação Espanhola usar a maior arma que tem para alavancar a posição dos jovens jogadores nos respectivos clubes: protagonismo.
É dando-lhes o palco que eles não têm nas suas equipas, para que possam evidenciar o seu talento, para que sejam falados, e para que consigam até despertar o interesse de outros clubes, que as Federações melhor conseguem pressionar para que se aposte nos jovens jogadores. Quando lhes é dado o que eles não têm nas equipas (condições para expressarem as suas qualidades), está-se de forma muito directa a mandar um sinal aos clubes de que podem e devem fazer mais por aquelas individualidades. E isto, se feito com astúcia, nas selecções mais jovens e, em casos muito particulares, na selecção principal, poderá levar a que as Federações consigam um melhor cenário para os jogadores em que apostam. Isto porque o melhor cenário é ter todos os jogadores seleccionados como figuras incontestáveis dos clubes onde jogam.
Não sabemos que caminhos poderiam ter seguido as carreiras de Rúben Neves e de Iuri Medeiros; mas naquela altura em que lutavam para se afirmarem nos seus clubes, em 2015, ter-lhes-ia dado muito jeito participar de forma activa (como titulares) no Europeu de sub-21, despertando os clubes para os colocar na mesma situação em que já tinham chegado Bernardo, William e João Mário."

O Mundial dos sonhos delas

""Eh pá, se eu fosse tailandesa, já podia estar a jogar um Mundial".
Quando recebi esta mensagem, durante o primeiro jogo da Tailândia no Mundial feminino que decorre em França, ri-me. Sim, foi insensível (perdão), mas a minha amiga - também ela ex-jogadora - tinha razão: as tailandesas, ainda que estejam no 34º posto do ranking mundial (por comparação, Portugal é 30º - e recentemente ganhou 4-1 à Tailândia), não tinham qualidade suficiente para segurarem as campeãs mundiais e, por isso, foram atropeladas pelas norte-americanas, por 13-0, naquela que ficou para a história como a maior goleada de sempre em Mundiais femininos.
Os EUA não fizeram, obviamente, mais do que a sua obrigação - ganhar, querendo marcar mais golos, do princípio ao fim -, mas foi difícil, ainda assim, não sentir pena do underdog, que está no Mundial mas não tem, ao contrário do adversário, jogadoras 100% profissionais.
Foi por isso que, domingo, mesmo perdendo e mesmo já tendo havido golos bem mais espectaculares na prova, o golo de Kanjana Sung-Ngoen foi o mais emocionante do Mundial. A Tailândia já perdia por 4-0 com a Suécia, mas quando a capitã tailandesa marcou o primeiro golo da selecção na prova, até os adeptos suecos bateram palmas, e houve uma mulher (a de branco na foto que encabeça esta newsletter) que não conteve as lágrimas.
Além de directora executiva da Muang Thai, uma das maiores empresas de seguros da Tailândia, Nualphan Lamsam é presidente do Port FC, clube tailandês, e é líder do futebol feminino do país, porque é a principal contribuinte para que o mesmo exista: não só o financia directamente, como emprega muitas das jogadoras da selecção, para que elas tenham tempo e possibilidades de treinar condignamente - a história é contada pelo "The New York Times".
Como o nosso Diogo Pombo escreveu na edição mais recente do Expresso, o Mundial feminino está a ser uma montra do enorme crescimento do futebol feminino na última década - inclusive em Portugal, onde o número de federadas tem crescido todos os anos. Ainda nem todas as federações olham para ele - ou melhor, para elas - de forma séria, como se vê pelo exemplo tailandês, que ainda está longe de ter as condições que têm as norte-americanas, mas enquanto houver gente a lutar por ele - no campo, nos escritórios ou nas bancadas (45 mil pessoas encheram o Parque dos Príncipes para o EUA-Chile) - o futuro será bonito.
Se ainda não viu um jogo, aproveite hoje, às 17h, no RTP Play (lamentavelmente, os jogos não estão nas televisões portuguesas, o que diminui drasticamente o impacto da competição, particularmente entre as jovens praticantes, mas adiante): é que Portugal, depois de ter estado no Europeu, não se qualificou para o Mundial, mas há lá uma árbitra portuguesa, que apitará o África do Sul-Alemanha. Parabéns, Sandra Bastos - tão pioneira quanto Nualphan Lamsam.

O Que se Passou
Depois de cinco dérbis incríveis, o Benfica sagrou-se campeão nacional de futsal; Maurizio Sarri vai mesmo treinar a Juventus; Miguel Oliveira conquistou pontos na Catalunha; Alonso brilhou em Le Mans; e a Argentina continua uma desgraça."

Predadores(as) sexuais (I)

"Aos 17 anos, recentemente, Noa Pothoven morreu em sua casa em Arnhem, depois de anos a lutar contra a depressão, a anorexia e o stress pós-traumático. Transtornos provocados por violações de que foi vítima em criança. Apesar de solicitada, a eutanásia não foi autorizada.
Morreu, com acesso a cuidados paliativos, depois de deixar de se alimentar e com a anuência tanto de médicos como dos seus pais em não lhe ministrarem alimentos por via artificial.
Segundo a comunicação social, a jovem publicou o livro «Winnen of leren» (que ora é apresentado como «Winning or losing» ora como «Winning or learning») em Novembro de 2018, onde relatou como “por vergonha e medo” escondeu durante anos os abusos que sofreu. Nas suas próprias palavras o seu objectivo era tornar público aquilo por que passou e tentar quebrar o tabu em torno destas questões e dar apoio a jovens que passavam por situações semelhantes.
Uma morte que parece ter sido consciente e bem ponderada e que, sem estarmos na posse de todos os dados, nos parece enquadrada num suicídio de honra, o que nos aproxima da noção japonesa de “seppuku”, dizendo-nos Maurice Pinguet (1) que “é bom e bonito aprender a vencer, mas cedo ou tarde, em qualquer vida, por mais triunfante que o imaginemos, vem o último momento: é preciso saber então ser vencido.”
Catherine Moyon de Baecque, abusada sexualmente pelos seus colegas masculinos da equipa de França durante um estágio organizado pela Federação Francesa de Atletismo em 1991, também resolveu colocar em livro aquilo por que passou (2). Catherine relata no mesmo aquilo que sofreu, mas não só: mostra como os responsáveis colocaram em primeiro lugar o interesse das instituições, pois em vez de ajudarem a vítima tentaram silenciá-la.
Uma vintena de antigas alunas do treinador Régis de Camaret acusaram-no de violação. Entre elas a antiga n°2 francesa, Isabelle Demongeot, que conta a sua história no livro “Service volé” (3). Nove anos de abusos sexuais…
Ao contrário de Noa, Catherine, lançadora de martelo, e Isabelle, tenista, não recorreram ao suicídio. Eventualmente, a prática do desporto poderá ter tido aqui alguma influência… Ao ser inculcado ao praticante desportivo a ideia de esforço, de sacrifício, a fim de se superar a si mesmo ele vai construindo o seu próprio caminho… vai-se formando. A procura incessante da excelência, o culto do corpo e da “performance” e, a superação de si próprio, a tentativa de ultrapassar os limites são motivados pela crença de que ser um “verdadeiro atleta” significa assumir riscos, fazer sacrifícios e jogar o preço de ser tudo o que se pretende e poderá ser.
Habituados a comportamentos de violência física no desporto, de violência verbal, de violência psicológica e de violência gestual, normalmente descura-se a violência sexual no mesmo. Ignora-se ou procura-se mesmo esconder…
Em 2009 realizou-se em França o “Étude des violences sexuelles dans le sport en France : contextes de survenue et incidences psychologiques” (4) o qual na altura mostrou muito do que não chega ao público nem faz notícia… e que vale a pena consultar apesar dos seus já 10 anos!
Em 2012, a campeã americana de judo, Kayla Harrison, explicava ao New York Times (5), precisamente antes dos J. O. de Londres, o que não era um segredo: “eu fui violada pelo meu primeiro treinador. E isso é realmente a coisa mais difícil que eu tive que superar.”
O poder e a dominação masculina, tanto de pares como de treinadores e até de dirigentes serão as principais causas destes comportamentos de barbárie (veja-se o artigo de Aline Flor (6) intitulado “Reagiu ao assédio sexual e foi repreendida pela chefia. «Isto é um mundo de homens»”). São casos de cultura, de educação, de respeito pelo ser humano, já que “não é a fatalidade hereditária que determina que os homens dominem as mulheres”, tal como nos diz Germano da Fonseca Sacarrão (7). Mas que não se pense que a violência sexual funciona só num sentido… ou que o desporto é só uma escola de valores ou de virtudes…
O denominado «el mayor caso de pederastia de España» (8) eclodiu precisamente no seio de uma modalidade que se apresenta como formadora do carácter do indivíduo e detentora de inúmeros valores: o karate. Torres Baena, ex-campeão de Espanha e presidente da «Federación Gran Canaria de Kárate» foi acusado de abusos a menores de 9 a 17 anos que se prologaram durante mais de 20 anos num julgamento em que depuseram mais de 100 pessoas, 61 delas como vítimas. A 15 de Março de 2013 a «Audiencia de Las Palmas» torna pública a sua sentença: 302 anos de prisão para Fernando Torres Baena por se comportar como um predador sexual com os seus alunos, 148 anos para María José González (companheira do anterior e também treinadora) e 126 anos para Ivonne González (outra treinadora de karate).
Será de admirar que exista violência sexual numa actividade em que um atirador tinha um botão instalado no punho do seu florete para fazer acender a luz do marcador quando accionado (Boris Onischenko nos J. O. de Montreal em 1976), em que um futebolista no último jogo da sua carreira pela selecção do seu país agrediu um adversário com uma cabeçada (Zidane na final do Mundial de 2006), em que o ginasta mais medalhado de sempre afirmou que se habituou “a conseguir das mulheres aquilo que queria” (Vitaly Scherbo em 2010) ou em que uma ciclista é apanhada com um motor dissimulado na sua bicicleta (Femke van den Driessche, no Mundial de sub-23 de Ciclocrosse de 2016)?
(continua...)"

Desmentido oficial

"Face ao conjunto de notícias publicadas nestas últimas horas, o Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD esclarece que é falso que esteja neste momento em curso qualquer processo negocial a propósito de uma eventual transferência do jogador João Félix.

As condições para a sua negociação são públicas e de todos conhecidas, tendo em conta a cláusula de rescisão definida no valor de 120 milhões de euros.
Mais grave, e que merece o nosso mais veemente repúdio e desmentido, é a falsa notícia que faz referência a negociações que envolvem comissões de 30% e que, infelizmente, mereceu eco em Portugal por parte do jornal "A Bola", com intenções e objectivos que desconhecemos de todo. Repetimos: essa informação é totalmente falsa, absurda e tem intenções claramente dolosas para a reputação e dignidade do Sport Lisboa e Benfica."


PS: Este desmentido serviu essencialmente para negar a existência de negociações, mas isso não impede de amanhã, existir uma rescisão unilateral do contrato por parte do jogador, assumindo o pagamento da cláusula! São coisas diferentes...
Após as declarações públicas por parte do Presidente, após a conquista do 37, não existe margem de manobra. Quem quiser, paga os €120M, e o Benfica nada poderá fazer... Por acaso o Atlético de Madrid, já tomou uma decisão parecida: Oblak...

Tem existido alguma histeria online nos últimos dias, parece que a evolução dos hábitos e costumes da sociedade, fez com que hoje, existam mais fãs de determinados ídolos, do que adeptos do Clube. Os jogadores passam e nós, adeptos, sócios, ficamos... Nós somos o Clube, os jogadores tem o privilégio momentâneo de nos representar!!!
O ano passado, o nível de histerismo com uma suposta venda do Jonas, atingiu níveis completamente absurdos, e este ano parece que vamos pelo mesmo caminho...
Talvez por isso, se aplauda o Renato Sanches quando marca um golo ao Benfica, em pleno Estádio da Luz... o ídolo vs. o Clube!!!

A minha preocupação neste momento, é perceber qual será o plantel do Benfica, no dia 1 de Julho, depois perceber se teremos o plantel completo no dia do primeiro jogo oficial (Supertaça) e depois, perceber que plantel teremos quando o Mercado fechar... Com ou sem o Félix... Aquilo que interessa é o Benfica... Sabendo que o objectivo, terá que ser sempre ganhar tudo internamente, mas mesmo tudo...