"A liberdade da asneira e a presunção da ignorância, ao contrário do que alguns pensam, não é uma inalienável garantia constitucional
A pior de todas as coisas que poderiam acontecer ao Sporting seria tornar-se num labirinto de caminhos propostos por quem não faz a mínima ideia do que é um grande clube de futebol, com uma história centenária, em toda a sua complexidade. É conhecida a tentação portuguesa para que todos tenham uma opinião. De facto, a opinião ainda é das poucas coisas que não paga imposto e basta ver os fóruns que por aí nascem como cogumelos nas redes sociais para se ter uma perspectiva minimamente consistente de que os portugueses continuam a vingar-se de 48 anos de ditadura. Só que se vingam da maneira errada: achando que a liberdade da asneira e a presunção da ignorância é uma das inalienáveis garantias da Constituição da República. Não é.
No Sporting, porque, de facto, foi indevidamente criada uma ilusão de que o clube, depois do caos do tresloucado modelo brunista, iria encontrar rapidamente suprema, o povo leonino divide-se entre os indignados e os desiludidos, um género de vencidos da vida, agora, em versão desportiva nacional.
Nem uns nem outros estão, neste momento, em condições de raciocinar com lucidez e discutir o futuro com o rigor necessário.
É evidente que o problema do Sporting não é a questão do treinador. Já não era essa a questão, quando Frederico Varandas, inopinadamente, despediu José Peseiro e, apesar de Marcel Keizer nos parecer um treinador deslocado e perdido, também não será ele, para já, o problema principal.
O primeiro e prioritário problema do Sporting é estratégico. No quadro actual de grande dificuldade económica, perdida que estará, como aliás, seria fácil de prever, o acesso aos milhões da Champions, o Sporting tem de traçar o rumo do futuro próximo, num quadro de realismo financeiro, preocupando-se em recuperar o tempo perdido em Alcochete, que o destronou de uma decisiva vantagem na área da formação de talentos e o coloca em sérias dificuldades na renovação com qualidade, enquanto vê o rival a ostentar na equipa principal, com indiscutível sucesso, meia dúzia de miúdos que já brilham como estrelas que prometem um futuro optimista ao Benfica.
Enquanto isto acontece, o Sporting esmorece, deixa esvair o filão, hesita, desvia-se do essencial.
Ora, o Sporting tem de se fazer regressar a Alcochete. Rapidamente e em força. Tem de recuperar e reanimar o modelo de competência da formação, tem de inovar, tem de criar, como já criou, uma das mais extraordinárias escolas de futebolistas do mundo.
Como vai precisar de tempo, o Sporting, através do seu presidente, vai também precisar de explicar duas coisas fundamentais: a primeira, é que foi o desastre da gestão de Bruno de Carvalho que destruiu e secou a fonte de Alcochete e que, por esse crime de lesa clube, o Sporting vai sofrer as consequências durante alguns anos; depois, que é preciso acreditar que o Sporting não tem outra solução para seu futuro, e, por isso, os adeptos têm de entender que o renovado projecto precisa de rigor, de competência, de pessoas certas nos lugares certos, e de tempo, para dar resultados consistentes.
Não sei, sinceramente não sei, se Frederico Varandas já conseguiu entender que, do ponto de vista comunicacional, tem sido um desastre que pode pôr em causa o seu projecto que, aliás, ninguém ainda sabe bem que é. E se vai ser necessário explicar de forma sistemática e até irritantemente repetitiva como se chegou aqui, quem foi, de facto, o responsável por esta desordem leonina de tão pesadas e até cruéis consequências, também vai ser preciso explicar, passo a passo, qual é o rumo escolhido para o leão ter futuro.
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Vítor Serpa, in A Bola