sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Mais dogmático que pragmático

"Dêem-me mais Famalicão, mais Vitória de Guimarães e mais Rio Ave. Dêem-nos a nós, aos que são felizes durante duas horas perante um rectângulo verde. A Liga portuguesa é pouco apelativa? Verdade, e menos será se não valorizarmos os que procuram fazer diferente e melhor, em particular os que investem no risco e na criatividade. E nos jogadores, que o jogo depende de boas ideias e treino competente mas é jogado por homens, que o determinam no limite. E quem os escolhe melhor, semana a semana, está mais perto de ser feliz.
É por isso que aprecio mais o actual Benfica que o de há um par de meses, porque se reencontrou com o talento. E bem pode ser Carlos Vinicius o rei das manchetes - é mais fácil paginar golos que qualidade de jogo - que o essencial da mudança foi tipo pudim instantâneo: bastou juntar Grimaldo, Taarabt, Chiquinho e Pizzi. Parece outra equipa, com muito mais ligação e menos busca da profundidade inútil. Ao FC Porto tem faltado mais capacidade de criar, criar mesmo, mudar o rumo dos jogos, algo demasiado dependente, por agora, dos dois pés igualmente magníficos de Corona ou do esquerdo de Alex Telles. É preciso mais Nakajima ou Luis Díaz de volta, mais Sérgio Oliveira ou Uribe de volta, para que o jogo ofensivo não fique demasiado preso a lançamentos longos em busca dos avançados potentes ou à comprovada eficácia nas bolas paradas.
É justo reconhecer que Silas conseguiu equilibrar um pouco este Sporting, crónico na instabilidade. Só que o plantel é de qualidade sofrível e apenas com remendos se faz um onze razoável. Tem três estrelas de primeira grandeza - Bruno Fernandes, Vietto e Mathieu - mas não há fitas de qualidade sem actores secundários de bom nível e esses escasseiam. O exemplo do ataque: Luiz Phellype, Bolasie, Jesé, Rafael Camacho, Jovane, Fernando, Plata, qual destes seria titular de um Sporting "a sério"? É isso, talvez nenhum.
Os rivais maiores na luta pelo terceiro lugar moram no Minho e rivalizam. O Sporting de Braga, de Sá Pinto, sobrevivente de lesões e um calendário apertado, foi salvando match points e reergueu-se, mas ainda não encontrou o caminho que o faça ser tão competente quando lhe roubam espaço como quando tem de o aproveitar apenas. A rotatividade foi necessária mas a equipa é sempre melhor quando os Hortas, André e Ricardo, podem ser irmãos também em campo. O Vitória de Guimarães, com o plantel mais amplo e equilibrado em muitos anos, busca ser tão competente como consegue ser sedutor, e o próprio técnico, Ivo Vieira, o admite. Talvez o caminho possa estar em fazer coincidir mais vezes Evangelista e João Carlos Teixeira, e sem deixar cair Al Musrati, já agora, o 6 que tem mais a cara do jogar de Ivo. E haverá sempre Marcus Edwards, um dos achados do ano, que vale sozinho o bilhete de alguns jogos.
Seguem-se o Famalicão, que faz mais sentido elogiar agora. É que perdeu pontos mas não deixou cair a identidade que, acredito, o fará ganhar de novo. Apresenta um plantel jovem mas escolhido num critério em que o talento conta e exibe um jogar de iniciativa que podia ser de equipa grande. Arrisca? Arrisca. Pode ser surpreendido por equipas especialistas em contra-ataque, como o Tondela? Pode. Mas estará mais perto de ganhar na maioria do jogos do que quem especula apenas. E vai em terceiro, a propósito, que os resultados não podem servir apenas para louvar os pragmáticos. E aos da frente já se chegou também o Rio Ave, guiado pelas mãos competentes de Carvalhal, com um meio campo que é mais de jogar que de correr - Felipe Augusto e Tarantini - e se equilibra na cobertura a um ataque de aceleração mas desenhado para ferir com qualidade, sobretudo quando junta Carlos Mané, Nuno Santos e Taremi.
Sou mais dogmático que pragmático quanto ao jogo. Acredito no talento e mais ainda na associação de talentos. Prefiro o Santa Clara com Rashid, Lincoln e Ukra, como gosto tanto mais do Moreirense quanto mais vezes Filipe Soares, Pedro Nuno e Luther Singh se conseguem encontrar no jogo. E os sintomas de retoma em Setúbal não se podem desligar de ver em simultâneo Eber Bessa, Carlinhos, Zequinha e Hildeberto, como os do Belenenses resultam de uma vontade de guardar bola, desde logo nos pés maduros de André Santos, Varela e Licá. Não é a melhor liga do mundo,? Não, nem perto, mas melhora com equipas que assumem iniciativa e acreditam que há vantagem em aumentar o número de criativos em campo. Sou sempre mais de ilusão que de resignação. Quero antes o dogmatismo utópico do belo jogo que o falso pragmatismo da eficácia bafienta.

Nota colectiva:
Real Socidedad - Imanol Alguacil, um desconhecido de 48 anos, tem dirigido em San Sebastián a melhor novidade da Liga espanhola deste ano. Os bascos afirmam-se pela convicção de ter a bola e de a ir tocando, num caos ordenado de mobilidade criativa. Seja em 1.4.3.3 ou num losango alternativo, emerge o talento, a partir dos passes de um central a que vale a pena atentar - Diego Llorente - mas que se sublima nas sociedades estabelecidas entre o esquerdino Oyarzabal (craque já de selecção espanhola), o rápido Portu e esse magnífico Odegaard, que confirma aos 20 anos tudo o que se lhe vaticina desde que o Real Madrid o contratou, ainda adolescente. Não percam de vista esta Real.

Nota individual:
Luís Alberto - sempre me encantaram os médios elegantes e este espanhol da Lazio com nome de ator de novela enfileira com os melhores, na linha de Antognoni, Falcão (o brasileiro) ou Kaká. Vê-lo é apreciar o melhor da qualidade com bola, no modo como a trata com ambos os pés, como decide entre progredir ou passar, assistir ou rematar. Ver Luis Alberto é bonito, sem mais, mas os números também falam, que vai em 2 golos e… 11 assistências. Se Immobile é rei dos goleadores e vive o apogeu de uma carreira muito lhe deve. Com Milinkovic-Savic, Luis Alberto faz a dupla de criativos que vale o terceiro lugar em Itália e umas quantas horas de prazer a quem gosta mesmo deste jogo único."

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