"Uma das vitórias deste natal foi o comentário de um familiar quase dez anos mais jovem do que eu. Sendo anfitrião, calhou-me em sorte a organização de várias tarefas, entre elas a escolha da música de fundo enquanto a família convivia, comia e bebia. Depois de várias semanas a levar com Wham e Mariah Carey em tudo o que era local público, optei por poupar as pessoas a tamanho suplício e poucas foram as músicas seleccionadas que possam ser associadas a esta época do ano. A meio da noite, o tal jovem veio-me perguntar como se intitulava a música que acabara de tocar do Zé Mário Branco. Algo desorientado porque não esperava aquela pergunta vinda de onde veio, lá respondi que tínhamos acabado de ouvir "Canto dos Torna-viagem", do álbum "Resistir é vencer" ", e resolvi questionar o porquê da pergunta. "noutro dia, um amigo mostrou-me esta música e eu fiquei fascinado... Como é que eu nunca tinha ouvido falar deste cantor?"
As mortes de artistas que, por uma ou outra razão, desapareceram do radar comercial e mediático costumam ter este efeito: ganha-se novos seguidores e muitos redescobrem coisas que já tinham sido apagadas da memória.
Vem isto a propósito do centésimo vigésimo aniversário de um dos grandes clubes europeus, o AC Milan. Não, o clube não morreu mas vive dias complicados. Praticamente ao mesmo tempo que os rossoneri sopravam as velas, a sua equipa principal era derrotada e humilhada pela Atalanta, 5-0. Ver o AC Milan em 2019 é algo penoso, principalmente para quem se lembra bem, por exemplo, da última década do século XX e da primeira deste novo milénio.
Mas não é só o AC Milan que vive dias complicados. Não saindo da Europa, Arsenal, Saint-Étienne, Sporting CP ou Hamburgo, todos em graus diferentes, podem ser englobados num grupo de históricos do futebol europeu que passam por momentos menos bons comparando com tempos mais ou menos recentes. E são exemplos que nos servem para lembrar, diariamente, que o sucesso no futebol é bastante efémero e difícil de quantificar.
Sei que talvez insista demasiado nesta coisa da memória, de não deixar morrer certas narrativas e de resistir contra o imediatismo do quotidiano que nos rodeia. Mas eu gostava muito que os novos adeptos de futebol - ainda os há? - não se limitassem a ver uma notícia sobre uma derrota histórica do AC Milan em 2019 como apenas uma nota de rodapé. Que possamos perceber como o AC Milan chegou até aqui depois de Baresi, Baggio, Weah, Maldini, Boban, Kaká ou Shevchenko - e Sílvio Berlusconi, claro - , ao mesmo tempo que ficamos maravilhados com o trabalho de Gasperini e com Papu Gómez nas entrelinhas. O futebol tem que ser uma constante inquietação, porque se há sempre qualquer coisa que está aí para acontecer, haverá outras que nós também devemos perceber."
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