"Srs. deputados do PS, BE e Livre.
Antes de mais, deixem-me contar-vos uma história. (Não sei se a conhecem, uma coisa já eu sei: que não conhecem Bernardo Silva). O pai de Guilherme Espírito Santo era negro, a mãe era branca. No Benfica de Luanda descobriu o jeito para o futebol - e vindo (em 1936) estudar para Lisboa trouxe carta com pedido de teste no Benfica. Meia dúzia de minutos bastaram para que lhe dessem a ficha para assinar. Problema de varizes obrigou Vítor Silva a largar o futebol, Herczka logo chamou Espírito Santo para o seu lugar - e assim se lhe abriu caminho à eternidade. (Indo, fugaz, ao atletismo tornou-se também recordista nacional na altura, no comprimento e no triplo). Algures por 1949, foi, o Benfica, jogar ao Funchal. Ao vê-lo, ao Guilherme, bem como a Alfredo Melão, o recepcionista do hotel atirou, rançoso, ao director do clube que tratava do check-in.
- Neste hotel, não podem entrar pretos. Menos ainda, dormirem. Por isso, aqueles dois senhores terão de ficar instalados no anexo que serve para os criados de quem cá fica...
e, de fogacho, recebeu em réplica:
- E esse anexo tem espaço suficiente para nos instalarmos todos nós, lá?
Percebendo a ironia, chamou atabalhoado, o responsável pelo hotel - e ninguém dormiu no anexo. Não, não tenho dúvidas de que se passasse por circunstâncias assim, Bernardo Silva seria o primeiro a saltar contra os «pretos atirados para o anexo». Por isso, aquilo que os srs. fizeram no Parlamento: impedir a aprovação de um voto de solidariedade para com «vítima» (sim, vítima!) de uma «condenação injusta por acto que nunca cometeu, nem cometeria» devia envergonhar-vos. Envergonhar-vos por na estúpida decisão da federação inglesa se obrigar até o Bernardo a «curso educacional» - e por, tal como a FA, também vocês, srs. depurados do PS, BE e Livre, não saberem «separar o que é racismo de uma mera brincadeira entre amigos que se estimam e respeitam». Que foi, pois, o que deu na injustiça e na vítima."
António Simões, in A Bola
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