"Benfica contra Sporting da Covilhã pode não ser um clássico. Mas faz parte da história do futebol português. Em 1957 jogaram a final da Taça de Portugal. É difícil encontrar um jogo mais nobre.
Uma multidão! Isso mesmo: uma multidão! Não para ver um Benfica-Sporting ou um Benfica-FC Porto, nem sequer para um Benfica-Belenenses. Uma multidão arrostou o caminho até ao vale do Jamor, nessa tarde de 2 de Junho de 1957, para ver o Benfica defrontar o Sporting da Covilhã numa inédita final da Taça de Portugal. Inédita até hoje.
Faltavam 15 minutos para o jogo começar e ainda havia gente a invadir a Praça da Maratona.
Ângelo Ferrari era o presidente da Federação Portuguesa de Futebol. Serviu de anfitrião. Com todos os requintes.
Era um tempo em que se entregavam medalhas comemorativas a todos os jogadores.
O Benfica atacou à bruta desde o primeiro minuto. Convenhamos: era a sua obrigação.
Mas foi Bastos o primeiro a ver-se em sarilhos por causa de Manteigueiro. Belo nome, este: Manteigueiro. De manteiga não tinha nada. Era agressivo, bruto, furioso.
Ângelo, sempre Ângelo, tudo nele era garra, tudo nele era vontade, disputa uma bola com um adversário: de tal forma, que a bola rebentou. Ficou micha. Veio outra.
Aos 12 minutos, Coluna foi Coluna, e Águas foi Águas. O passe, a categoria. De Águas para Salvador, que de repente, enfrenta o guarda-redes do Covilhã, Rita. Rita era terrível! Um lutador impenitente. Foi sempre assim. Mas Salvador conhece-o: sabe que vai sair furioso à bola que aproxima. Pica com um gesto simples a bola sobre ele e vai buscá-la do outro lado. A baliza está vazia. O golo é inevitável.
E agora?
Martim assume-se como a imagem da revolta dos homens da montanha. Luta, batalha, briga com todos os opositores, quer empurrar a sua equipa para a frente. É mais desespero do que categoria.
Natural superioridade
A bola anda ali, de um lado para o outro, à espera de quem a trate bem. A bola é feminina. É caprichosa. Gosta de ser tocada com ligeireza, com ternura. E obedece aos mesmos.
Águas é um amante da bola. Há algo que ela não faça por ele?
Recebe-a com carinho. Condu-la para a baliza com um toque tão simples como perfeito: 2-0.
Já ninguém tem dúvidas: o Benfica vai ganhar.
Mas ninguém pense que os serranos se entregam.
Pires recebe a bola à entrada da área do Benfica. Sente uma raiva funda por dentro. Transfere essa raiva para o pé direito. O pontapé é tremendo e indefensável.
Ah! Ainda há jogo; ainda há jogo. Acreditem ou não, estavam decorridos apenas dezoito minutos. Parecia uma eternidade.
Rita está no melhor de si próprio. Águas e Cavém obrigam-no a defesas tremendas.
Os rapazes da Covilhã entram para a segunda parte redobrados de força e entusiasmo. Será suficiente?
De um lado e do outro há ataques e contra-ataques. O povo está feliz. Foi por isso que encheu o Estádio Nacional.
Correm os 20 minutos do segundo tempo. Os encarnados são senhores dos acontecimentos. Atacam com velocidade e sem piedade. Querem resolver a questão do resultado a seu favor. Cabe aos covilhanenses defenderem-se até ao esgotar das energias. Durante alguns minutos parecem ser capazes de encostar, numa alteração terrível da realidade, os seus adversários às cordas. É o momento decisivo!
Ou o Covilhã chega ao empate, ou será derrotado.
Rita tem uma defesa fantástica a centro de Palmeiro.
O Benfica já sofreu o que tinha de sofrer. À beira do fim, toda a gente, no Jamor, entende que não há solução para os homens da montanha.
Palmeiro foge a um adversário, pela direita. Tem tempo para compreender a movimentação de Coluna. Dirige-lhe a bola de bandeja, croquete, palito e tudo. Mário Coluna ergue-se, negro, enorme, como se fosse feito de vinil. A sua cabeçada é insuportável: Rita que o diga.
O resultado está fechado: 3-1.
O Sporting da Covilhã, a despeito da derrota, vive momentos únicos da sua vida. Agora, está à beira de receber o Benfica outra vez. Como se a história se repetisse...
Não repete. Mas não vamos perder este novo jogo. Tem história. Está cheio de história!"
Afonso de Melo, in O Benfica
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