"Deve um treinador de jovens receber a mesma formação de um treinador de alto rendimento? Seguramente que não.
O actual treinador da equipa de futebol do Sporting Clube de Portugal não é o primeiro nem será certamente o último a exercer funções profissionais para as quais não está legalmente habilitado. Dir-se-á que não vem grande mal ao mundo, porque, embora de menor visibilidade mediática, são já tantos os casos existentes, que se pode concluir que a lei existe mas não é para cumprir.
Uma lei que na óptica do legislador e demais entidades corporativas do sector considera existir a necessidade de, sobre os treinadores de desporto, impender a obrigatoriedade de níveis de formação e de uma constante formação certificada, sob pena de caducidade (ou agora, com a recente alterações redenominada suspensão) dos seus respectivos títulos profissionais.
Que outras profissões se encontram sujeitas a este regime? Sobre que outros profissionais se regista a obrigação de participarem em acções de formação contínua sob pena de caducidade ou suspensão da legitimidade para exercerem as suas respectivas actividades profissionais?
Sabemos que a nossa opinião é minoritária. Reconhecemos que o actual modelo de formação de acesso à carreira de treinador merece amplo consenso da administração pública desportiva, dos partidos com assento parlamentar, das entidades representativas do sector, até da comunidade académica chamada a pronunciar-se. Mas deles discordamos porque entendemos que este modelo não se compadece com a realidade e a intenção de formar e profissionalizar a actividade do treinador de desporto.
Mas se poderá olvidar o facto de a grande maioria dos treinadores de desporto não terem carreiras autonomizadas ou autonomizáveis, tendo, ao invés, uma situação de carreira dual, ao que a lei impõe uma terceira via, que se atentar na necessidade de coligir, num só horário, o tempo de treino e da sua preparação, o tempo de estudos e pesquisa de acordo com as necessidades de desenvolvimento específicos da modalidade, da equipa e dos seus atletas e ainda o tempo de procura e frequência das impostas acções de formação para colecção de créditos de forma a garantir a manutenção do título de treinador devidamente certificado pelo Estado.
Não se trata de minorar ou desvalorizar a importância de uma formação inicial e contínua fortes ou da importância de constante actualização de conhecimentos, contudo, tal actualização terá e deverá ser feita numa base de iniciativa pessoal como, aliás, sucede na maioria das profissões, deixando que seja o próprio a escolher, considera a oferta existente, as que considera serem as melhores soluções a cada momento.
Em Portugal, para a esmagadora maioria ser treinador de desporto é uma missão, nuns casos benévola e em outros parcamente remunerada. Em Portugal, apenas um leque muito reduzido dos treinadores exerce esta actividade a título profissional. Mas sobre todos recaem responsabilidades em matéria de formação de maior exigência do que na vasta maioria das profissões.
Deve um treinador de jovens receber a mesma formação de um treinador de alto rendimento? Seguramente que não. O que não deve é um treinador de desporto que pretende trabalhar no alto rendimento seguir a via etápica da formação que o obriga, primeiro, a ter de dispor de formação em áreas de intervenção que não pretende exercer para, no final, poder exercer actividade que pretende. E aqui entronca a via-sacra dos níveis de formação de um modelo que o futebol inspirou e que depois foi exportado para todas as restantes modalidades desportivas.
Na verdade, a aprendizagem formal deveria esgotar-se nos conhecimentos considerados absolutamente necessário para o início da prática de treinador de desporto em áreas concretas (ou formação, ou animação, ou competição) porventura acrescida de competências básicas de prevenção e acção sobre problemas transversais à integridade do desporto como sejam a dopagem, a manipulação de competições, a violência ou o abuso sexual, ficando a responsabilidade pelas demais aprendizagens na esfera de cada um, cujo resultado final terá o seu devido exame semanal a cada prova desportiva em que os seus atletas actuem.
Adquirida a formação inicial, a actualização de conhecimentos não pode ficar refém dos créditos, como obrigação administrativa, sendo incontestável que o treinador, como qualquer outro profissional, tem direito à liberdade de escolher as formações que pretende realizar e, sobretudo, quando pretende fazer as mesmas, sem que haja qualquer tipo de penalização inusitada sobre a sua carreira profissional, para lá da natural adequação ou inadequação dos seus conhecimentos aos objectivos prosseguidos na sua actividade.
No modelo escolhido a formação inicial e as restantes etapas são inaplicáveis na generalidade das modalidades desportivas. Insistir no erro é querer impor por via burocrática o que a realidade não acolhe, nem aconselha.
A formação contínua transformou-se numa obrigação administrativa, sem um rigoroso e competente escrutínio de qualidade, sem avaliação, que pouco valor acrescentou às competições técnicas e à carreira do treinador, configurando-se numa formalidade burocrática e numa oportunidade de negócio para as entidades formadoras, sem tradução no aumento e consolidação das competências dos treinadores.
Em vez de assistirmos ao permanente e público desrespeito à lei, não teria sido preferível adequar o acesso à carreira de treinador às necessidades concretas da realidade desportiva nacional?
Não seria mais útil reforçar a componente formativa inicial do acesso à carreira de treinador e deixar aos profissionais da área o enriquecimento da classe, tal como sucede nos demais ramos profissionais existentes, cometendo-se ao mercado a responsabilidade de avaliar e seleccionar a competência de cada um?
Estamos todos confortáveis quando se atribui a uma entidade como a Autoridade Nacional de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) a competência de fiscalização de tudo isto (lei do acesso a carreira de treinador de desporto)?
José Manuel Constantino, in A Bola
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