"Dias depois de Luís Filipe Vieira repetir, em entrevista à TVI, o objectivo de levar o Benfica ao título de campeão europeu, mais um desaire na Liga dos Campeões: segundo jogo, segunda derrota – frente ao Zenit fora, depois do Leipzig em casa – e, uma vez mais, vida complicada na fase de grupos.
Torna-se evidente a contradição para o Benfica entre as recorrentes proclamações dos amanhãs que cantam na Europa e os sucessivos choques com a realidade nos últimos anos. Ainda assim, o regresso à grandeza europeia é uma promessa de sempre de Vieira.
Em Abril de 2002, quando era ainda apenas responsável pelo futebol encarnado, afirmou: «Temos a coluna vertebral do futuro campeão europeu. Queremos só fazer alguns reajustamentos, sabendo que temos um grande técnico (Jesualdo Ferreira).»
Como presidente, em Setembro de 2006, afiançou: «Deixem chegar a 2011 e verão que o Benfica será um colosso europeu, para não dizer mundial.» E, em Setembro 2013, assumiu a vontade de disputar em casa a final da Liga dos Campeões, que acabou por se decidir num dérbi de Madrid entre Real e Atlético na Luz.
Em 2015, ainda Rui Vitória tentava afirmar-se como sucessor de Jorge Jesus e já Vieira se precipitava na comparação com o técnico acabado de sair, que havia levado a equipa encarnada a ser por duas vezes finalista da Liga Europa: «Finalmente, temos um treinador que respeita a dimensão europeia do Benfica.» A verdade é que, dois anos volvidos, Vitória terminou a fase de grupos da Champions sem qualquer ponto conquistado, registando pior participação de sempre de um cabeça-de-série ou sequer de um clube português.
Quem achou que esse desaire histórico haveria de levar a alguma contenção pública, enganou-se. Aparentemente, em nada suprimiu as ambições do presidente encarnado, que em Novembro do ano passado, de novo à TVI, clamava: «Não sairei do Benfica sem ser campeão europeu.»
Esta breve cronologia, na qual caberiam diversos momentos e declarações, serve para sublinhar que a obsessão presidencial pelo objectivo europeu já vem de longe.
Não seria descabido o desiderato, considerando que, neste período inferior a duas décadas, o rival FC Porto conquistou não só a Liga dos Campeões, mas também Liga Europa, Taça UEFA e Taça Intercontinental. O problema é que se em 2004 ainda houve uma talvez derradeira janela de oportunidade para a concretização da incrível façanha portista na Champions, actualmente tal parece absolutamente inalcançável para uma equipa fora dos Big-5.
A cada época que passa, a cada triplicação ou quadruplicação de orçamentos e valores investidos em contratações pelos grandes tubarões europeus, a tendência da alta-roda europeia faz com que seja cada vez maior o fosso desportivo e financeiro entre os grandes portugueses e os tubarões espanhóis, ingleses ou italianos. Mesmo com um novo modelo de Liga dos Campeões, não será expectável depreender uma inversão de sentido.
Ou seja, parece ser fatal como o destino: a realidade do futebol internacional afasta cada vez mais o Benfica de uma glória europeia que o clube não alcança há quase seis décadas. Tal como, aliás, comprovam os dados das últimas temporadas, que não revelam com Vitória, antes, ou agora com Bruno Lage um crescendo do desempenho desportivo nas campanhas europeias. Antes pelo contrário.
A cada vez mais assumida aposta na formação do Seixal mostra-se suficiente para realizar bons encaixes financeiros em cada defeso e chegará para uma candidatura firme à conquista de campeonato pouco competitivo e demais competições internas. Mais do que isso, seria inverosímil, mesmo se houvesse uma consistente retenção de talentos.
Assim sendo, este propalado e insistente discurso de um Benfica campeão europeu a médio prazo não cola com a realidade.
Vieira, que tem o mérito dirigir o clube com maior saúde financeira e melhores infraestruturas, poderia cingir-se a fazer promessas mais imediatas e, por conseguinte, exequíveis. Por exemplo, o Benfica poderia ter construído na presente temporada um plantel mais forte do que o da época anterior. No entanto, não o tem. Desde logo por não ter no ataque nenhum jogador sequer que se aproxime da qualidade e talento de João Félix ou Jonas.
Esta eterna promessa europeia deixa, portanto, a dúvida indelével de não passar disso mesmo: uma declaração de intenções. Uma jogada política. Uma proclamação de um objectivo praticamente inalcançável como estratégia de perpetuação do poder.
Mais do que o infeliz gesto de agarrar pelo pescoço um dos sócios críticos – que abordou esta e outras matérias – na última Assembleia Geral, uma das grandes dúvidas estruturais, que ocupará discussões infindáveis nos próximos anos, passa sobretudo por responder a uma questão que, de tão simples, pode até ser formulada em linguagem popular: será esta recorrente conversa do Benfica campeão europeu só garganta?"
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