quinta-feira, 15 de agosto de 2019

A queda do jornalismo

"A subversão do que deveria ser uma normal concorrência não tem merecido a mínima atenção nem da ERC nem da Autoridade da Concorrência nem dos sucessivos governos, entidades que se encontram confortavelmente sentadas passando a responsabilidade umas para as outras

As sociedades democráticas assentam no pressuposto da igualdade de direitos e oportunidades entre cidadãos ou empresas, sendo aquelas garantidas pela constituição e pelo Estado através das entidades reguladoras de cada sector. É um princípio básico do desenvolvimento e do progresso, porquanto os privilégios e os direitos adquiridos, sendo estacionários, de certa forma impedem a renovação, o aparecimento de novos desafios e de novos caminhos. Não é uma tarefa fácil, porquanto os novos, quer sejam pessoas ou estruturas societárias, tiram espaço aos mais velhos, sendo que estes dificilmente abdicam das facilidades, entretanto, adquiridas. Enquanto nas pessoas estes problemas geram conflitos de gerações, nas sociedades levam à concentração de meios e sectores, quer na horizontal quer na vertical, proporcionado o desenvolvimento de monopólios que pelo seu tamanho e poder económico estão ao abrigo de novos chalengers. Todos sentimos esta realidade com o aparecimento de Google, Facebook e Amazon, empresas que, pela sua dimensão, conquistaram grande parte do mercado americano e europeu, desafiando os poderes nacionais de regulação e de concorrência.
Mas não é só a este nível que se sentem factores que levam, pela sua importância, à alteração das condições normais de concorrência. Ao nível dos países, quanto menor for o número de pessoas envolvidas e menor o número de empresas de cada sector mais fácil é, para estas, criar posição dominante assegurando dessa forma uma atitude predatória perante os concorrentes.
Ora é sabido que as empresas de comunicação social, com o desenvolvimento da era digital, estão a sofrer a maior crise da sua história com a diminuição das receitas na venda de conteúdos e na publicidade. Enquanto as televisões por cabo estão subordinadas aos interesses dos operadores, muitas vezes em actuação conjunta, os jornais sofrem com a expansão dos respectivos sites sem que estes consigam receitas significativas pelo acesso aos conteúdos, ou possam enfrentar os grandes sites agregadores. Esta realidade leva o que o mercado diminua o valor atribuído aos conteúdos gerados pelas empresas, diminuindo também o seu próprio valor, tornando-as vulneráveis a serem adquiridas ou pelo menos controladas por organizações de produção vertical dentro do sector ou pelo menos detentoras de acesso privilegiado e direito ao consumidor. Este novo equilíbrio muda radicalmente o conceito de empresas de comunicação social enquanto produtoras, em primeira linha, de conteúdos informativos com acesso direito ao consumidor e leva a que passem a ser meras fornecedoras de grandes supermercados digitais onde convivem com a venda de mercearia, de música, de filmes, etc. ou se convertem em meros canais de distribuição de direitos de espectáculos organizados por outrem.
Relativamente a direitos de espectáculos, nomeadamente desportivos, também aqui se assiste a uma concentração total não só na respectiva titularidade como na sociedade que detém os canais que os disponibilizam. Pese embora os conteúdos, sujeitos a direitos especiais, sejam normalmente exibidos em canais de acesso condicionado, desta forma rentabilizado o investimento na sua aquisição, parte deles são exibidos, em exclusividade e ao arrepio do estabelecimento legalmente como direito à informação, em canais próprios de acesso livre não condicionado. Situação que condiciona o aparecimento de alternativas dentro do mercado dos canais temáticos desportivos de acesso não condicionado, enquanto altera e subverte a normal concorrência entre os canais existentes.
Tudo isto tem vindo a ser observado e mediatizado com o relevo que esta realidade merece, mas não tem merecido e mínima atenção nem da ERC nem da Autoridade da Concorrência nem dos sucessivos governos, entidades que se encontram confortavelmente sentadas passando a responsabilidade de intervenção umas para as outras.
O nosso campo de batalha já está cheio de mortos. Felizmente, ainda há quem lute e tenha talento, força e coragem para resistir."

Mário Agra e Lima, in A Bola

1 comentário:

  1. Mário Agra e Lima , o teu "post" retrata o desespero , pelo afundamento lento mas seguro dos jornais Desportivos Portugueses , com os jornalistas a fazerem-lhes companhia...MERECIDAMENTE . E não é culpa da "crise" como tentam fazer passar alguns, com poder, nesta profissão de rastejantes , subservientes e lacaios dos que têm poder de persuasão. A cobardia dos jornalistas não pode ser sempre desculpada pela ...coação . E qual coação ? Se ela de facto existe , quem melhor que os jornalistas para o denunciar ? Muitos são cobardes por vontade própria. Aguentem-se . Já agora , no artigo , não vem explicado o que o autor entende por JORNALISMO …e talvez devesse começar por fazê-lo .

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