"Primeiros tempos do Benfica obrigavam o pai a fazer 200 quilómetros por dia; De táxi acabou por ir parar ao futuro
1. Nasceu por finais de Novembro de 1996 - nas traseiras da casa de família era o campo do Benavente. Tinha irmão mais velho, o João Maria - e, num fósforo, se lhe desatou a perceber o fascínio: «Nunca quis brinquedos, andava sempre com uma bola - aliás, às vezes com mais do que uma. Era uma loucura» (recordou-o Rogério, o pai).
2. Quando não se esgueirava para o campo a ver os treinos, atirava-se, lá por Santo Estevão, à rua para jogar onde calhasse, atrás do João Maria (que, ao contrário dele, tinha tentação para guarda-redes). Franzino, foi-se-lhe percebendo encanto a soltar-se-lhe cada vez mais dos pés - o João Maria contou-o: «Tendo 6 anos, jogávamos num grupo que tinha vários escalões etários, até quase aos 20 anos. Era o mais pequeno, a bola era bem maior do que os pés dele - uma vez foi-lhe passada com tanta força que ele com o impacto caiu no chão».
3. Aos 8 anos só não jogava (oficialmente) nos infantis do Benavente (onde jogava o João Maria) por a idade não lho permitir - mas lá treinava, lá jogava partidas ou torneios particulares. Delegado da equipa era Rogério (o pai) - e para torneio assim convidou a Geração Benfica. O seu fulgor deslumbrou Helena Costa: «Sobressaiu dos demais, no fim do jogo fui lá falar com os pais - para o levar para a nossa escolinha».
4. Com ele, para o Benfica, foi o João Maria (acabaria, depois, de se desligar do futebol para se dedicar ao curso que tirou: Relações Internacionais). No primeiro torneio que disputou pelo Benfica (em Lourel, à sombra de Sintra) - ganhou a final po 5-0 (e foi ele que marcou os cinco golos).
5. Tê-lo a ele e o irmão no Benfica, pôs Rogério num virote: «Nessa altura eu trabalhava em Lisboa. Ao sair do emprego, corria a Benavente para os buscar. Levava o irmão ao Seixal, levava-o a ele aos Olivais - e, o regresso, era por volta das nove da noite. Fazia 200 quilómetros por dia - uma média de 50 mil quilómetros por ano. Ou seja, com ele devo ter gasto três ou quatro carros...»
6. Ao MaisFutebol largou Helena Costa a confidência: «Sempre foi miúdo muito humano, que se preocupava com os colegas, divertido - e dado a maluqueiras. Num torneio no Norte, em que ficámos numa escola, estávamos num tempo morto, deixei-os ir jogar às escondidas para o pátio. Quando chegou hora de recolher todos apareceram menos ele. Fiquei a pensar que era uma escola não podia ter desaparecido. Olho para árvore de uns sete metros e vejo uma mancha vermelha no topo. Era ele, tinha-se escondido no seu topo. Era assim, um miúdo do campo, bom, irreverente».
7. Ainda houve outra peripécia que Helena Costa se delicia ao lembrá-la: «Era reguila à mesa também, não gostava de comer - Eu tinha instruções do pai para o obrigar. Certo dia, vendo pêra à sobremesa disse-me que não queria, não gostava. Respondi-lhe que, se não comesse a pêra, não jogava. Andou o dia todo com a pêra, brincou, correu, quando chegou ao balneário disse-lhe que não jogava, que não tinha comido a pêra. Os colegas pressionaram-no a comê-la, disseram-lhe que ele era muito importante para a equipa. A custo deu-lhe uma trincadela e, afirmando: afinal, até é bom - devorou-a».
8. Estando já Helena Costa no Catar, mandou-lhe mensagem a informá-la de que tinha coisa para lhe entregar: era a sua primeira camisola na selecção, na selecção sub-16. Logo depois, deu-lhe o Benfica o primeiro contrato profissional. Andava pelos 17 anos, quando mensagem o acordou pela manhã: que tinha de arrancar dum fogacho para o Seixal - para se juntar à equipa que iria ao Mónaco jogar a Champions. Ligou ao pai para o levar lá, o pai não ouviu o telemóvel. Para não perder mais tempo, apanhou um táxi - e de táxi chegou ao seu futuro.
9. O resto é o que se sabe. No Benfica ganhou três campeonatos (e duas Taças da Liga e uma Supertaça), no Paris Saint-Germain ganhou um campeonato (e uma Taça e uma Supertaça de França), no Valência ganhou (ao Barcelona de Messi) a Copa do Rei - e, no Dragão, na final da Liga das Nações, o tiro que Cillessen não parou abriu-lhe o caminho à eternidade (como aquele pontapé de Éder em França, três anos antes)."
António Simões, in A Bola
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