terça-feira, 7 de maio de 2019

Não jogaram contra o dinheiro - jogaram contra a alma!

"O Tottenham voltou a uma meia-final da Liga dos Campeões. A última, e única até agora, disputou-se frente ao Benfica. A imprensa inglesa dava preços a todos os jogadores encarnados. Valiam fortunas. Mas...

'Quem diria que o destino faria isto connosco?', disse Mauricio Pochettino após o apuramento do Tottenham para a meia-final da Liga dos Campeões à conta do Manchester City.
Surpresa? Sim. E drama também, num jogo monstruoso que fica para a história.
E fica, também, para a história  do Benfica. Ah! Pois... Passaram-se, entretanto, 57 anos!
Na época de 1961-62, o Tottenham fez um caminho duro até às meias-finais da então chamada Taça dos Campeões Europeus: Gornik Zabrze (Polónia) - 2-4 e 8-1; Feyenoord (Holanda) - 3-1 e 1-1; Dukla de Praga (Checoslováquia) - 0-1 e 4-1.
Seguia-se o Benfica. Primeira mão na Luz.
As coisas piavam agora mais fino.
Grandes equipas, vejam só: Costa Pereira; Mário João, Germano, Cruz e Ângelo; Mário Coluna e Cavém; José Augusto, Eusébio, Águas e Simões, do lado dos encarnados; Billy Brown; Henry, Norman, Baker e White; Toni Marchi e Dave McKay; Blanchflower, Tommy Smith, Cliff Jones e Jimmy Greaves.
Logo aos 5 minutos, António Simões fazia o 1-0. Depois foi a vez de José Augusto, aos 19. Bobby Smith reduziu já na segunda parte: 54 minutos, dez minutos mais tarde José Augusto repunha a vantagem que o Benfica levou para uma noite fantástica em Londres.
O que sonhavam os ingleses com uma final dos campeões! Algo que lhes era vedado.
Já contei aqui esta história, uma vez qualquer, se calhar, mas eu conto aqui tantas histórias. Ou tento contá-las, com a vossa bendita paciência de leitores amáveis.
Quando o campeão da Europa aterrou na capital do Império Britânico naquele mês de Abril de 1962, a manchete do Daily Sketch dizia: 'Benfica! Oh! Meet the Lisbon Milionaires...' E depois a foto de cada um dos jogadores benfiquistas, todos com o seu preço. Faço logo o câmbio da época e dou exemplos:
Costa Pereira, 3600 contos; Cruz, 4000; Coluna, 6800; Ângelo, 2400; José Águas, 8000; José Augusto, 8000; Germano, 6400; Eusébio, 20000 contos!!!
Ufa!
Digo-vos mais: terá sido esse o grande erro dos engravatados ingleses - pensavam que iam jogar contra dinheiro, mas iam jogar contra a alma!
Uma libra esterlina valia 84$00, calculem.
Não haveria, certamente, equipa mais valiosa em todo o mundo. Era coisa para pagar todo o palácio de Buckingham mais o trono da rainha.
E Eusébio, embora valesse mais do dobro de qualquer um dos seus companheiros, era dado pela imprensa inglesa como certo no Real Madrid. E na Juventus. E no Inter! Os tablóides da Grande Ilha para lá da Mancha foram sempre de disparar em toda as direcções.



O Benfica era de outro mundo
Tottenham Hotspurs: fundado em 1882, é um dos grandes do futebol inglês, um dos grandes conquistadores da Taça de Inglaterra, apesar de contar apenas com dois títulos de campeão; primeira equipa britânica a ganhar uma competição europeia (a Taça das Taças, em 1963), viveu durante a década de 60 o seu período de maior fulgor.
Danny Blanchflower e Dave MacKay; Cliff Jones e John White. Acima de todos, Jimmy Greaves!
Houve quem se atrevesse a chamar-lhe o 'Pelé de Inglaterra'. Nasceu em 1940, jogou no Chelsea, passou fugazmente pelo Milan antes de se instalar no Tottenham ao qual custou a módica quantia de 99999 libras (o manager, Bill Nicholson, não quis criar-lhe a acrescida responsabilidade de ser o primeiro jogador inglês a custar 100 mil libras), terminaria a carreira no West Ham martirizado por problemas com o álcool.
Quando o Benfica entrou em White Hart Lane, o Tottenham Hotspurs exibia aquela montra aterradora de golos em casa de que vos falei no início - oito golos ao Gornik Zabrze, quatro aos grande Dukla de Praga. Um ano mais tarde venceria o Atlético de Madrid na final da Taças das Taças por... apenas 5-1!!!
Se, em Lisboa, o Benfica foi emocionante, em Londres encantou os exigentes adeptos britênicos: logo aos 15 minutos marcou um golo, por Águas, como quem entra preparado para tudo e mais alguma coisa. Em seguida gelou o inferno, um adversário revoltado e de um público à beira do fanatismo. A derrota por 1-2 garantia-lhe a sua segunda final consecutiva.
Bella Gutmann dissera antes do jogo de Lisboa: 'O difícil, para o Benfica, não será vencer o Real Madrid na final, mas sim eliminar o Tottenham. Na final, os espanhóis não terão a mínima chance de nos vencerem. Mesmo que o Real chegasse ao fim da primeira parte a ganhar por 2-0'.
Eusébio não marcou golos aos ingleses. Todavia, mais uma vez, Londres fora palco de uma das suas soberbas interpretações desse jogo que os britânicos tinham inventado mas já não dominavam. Marcado com dureza e até violência pelo escocês MacKay, foi a figura exaltante da valentia. Sairia ovacionado. Os ingleses, em pé, reconheciam os campeões como tal."

Afonso de Melo, in O Benfica

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