"O Sport Lisboa e Benfica acabou de conquistar o seu oitavo campeonato nacional de voleibol. Numa temporada que ficaria marcada por mudanças significativas, a equipa do Benfica realizou a segunda melhor época da sua história, ao ter feito o Triplete a nível interno e chegado aos quartos-de-final da Taça Challenge. Ao todo, foram 42 vitórias em 45 jogos Passadas todas as emoções, farei aqui um resumo e análise a temporada de 2018/2019.
O início desta temporada ficaria marcado por algo que significava um ponto de viragem na história do voleibol do Benfica. Após uma temporada de 2017/2018 em que os objectivos não foram cumpridos, o professor José Jardim, entendendo que o seu estilo de liderança estava gasto, colocou um ponto final no seu ciclo de mais 20 anos enquanto treinador de voleibol do Sport Lisboa e Benfica. No entanto, a estrutura do voleibol do Benfica, reconhecendo a sua importância no voleibol encarnado, ofereceu-lhe um cargo enquanto Director Desportivo e a sua entrada nessas novas funções abriu portas a um novo futuro na secção.
O festejo dos novos campeões no recinto do rival.
A 29 de Maio de 2018, seria anunciado o seu sucessor: Marcel Matz. Um jovem treinador brasileiro que ir partir apenas para a sua segunda temporada enquanto treinador principal. Por um lado, a sua pouca experiência como treinador principal deixava alguns adeptos desconfiados; por outro, a sua juventude e o facto de vir de uma escola de topo poderia ser um sinal de novas ideias e novos métodos de trabalho.
Apesar desta mudança no comando técnico da equipa ter significado grandes alterações em termos de metidos de treino, de trabalho e de preparação física, o plantel não sofreu muitas alterações para a nova época. Marcel Matz quis tirar proveito de uma espinha dorsal composta por jogadores com vários anos de casa, tais como Hugo Gaspar, Marc Honoré, Zelão, André Lopes, etc., adicionando-lhe reforços com capacidade para acrescentar qualidade à equipa.
A equipa entrou na época oficial com o pé direito, onde no feriado de 5 de Outubro, conquistou a oitava Supertaça do seu palmarés, com uma derrota por 3-0 sobre um Sporting que se tinha apetrechado com muitos reforços sonantes. Aquele resultado abriu boas perspectivas quanto ao futuro, mas a época ainda estava a começar e seria de esperar que ambas as equipas crescessem gradualmente ao longo da época.
Cerca de um mês depois, haveria um novo derby, desta feita no Pavilhão João Rocha a contar para a quarta jornada do Campeonato Honda. Ali, a equipa conseguiu superiorizar-se ao forte apoio à equipa leonina e à arbitragem polémica, ganhando o jogo por 3-2 e conseguindo assim a liderança isolada da Fase Regular.
Porém mais adiante, com um percurso imaculado até então, a equipa encarnada acabaria por consentir uma derrota no reduto do Fonte Bastardo por 3-2 depois de estar a ganhar por 2-0. Com este resultado, o Sporting saltou para a liderança isolada da Fase Regular com um ponto de vantagem sobre o Benfica, visto que fora a derrota contra a nossa equipa, os leões tinha ganho todos os jogos por 3-0 ou 3-1.
Entretanto, o Benfica voltou a participar na Challente Cup. Nas três primeiras eliminatórias, o SL Benfica realizou um percurso tranquilo, eliminando os cipriotas do Pafiakos Pafos, os gregos do Iraklis e os romenos do Muncipal Zalau. Até que nos quartos-de-final nos calhou na rifa a poderosa equipa russa do Belogerie Belgorod. Depois de uma derrota por 3-0 na Rússia, era de esperar uma resposta à Benfica no Pavilhão da Luz e esta apareceu. No dia 13 de Fevereiro no Pavilhão da Luz, a equipa encarnada exibiu-se a um nível extraordinário, rubricando uma das melhores exibições de que há memória no voleibol encarnado. Após terem ganho três sets sem resposta, acabariam por sucumbir no golden set e o sonho europeu terminava ali. Pela quarta vez nas últimas cinco edições, o Benfica cairia aos pés da equipa que viria a vencer a competição.
O plantel campeão
Pelo meio desta eliminatória, ainda houve o derby no Pavilhão da Luz, que acabaria por definir a liderança da Fase Regular. Cinco dias após ao jogo na Rússia e com complicações no voo de regresso a Portugal, a nossa equipa superou as adversidades e com a ajuda de um pavilhão bem composto, superou um Sporting com uma vitória esclarecedora por 3-0. Com este resultado, o Benfica retornou à liderança da Fase Regular, que viria a assegurar sem quaisquer sobressaltos.
Finda a Fase Regular, seguiu-se a Final Four da Taça de Portugal. Depois de ter derrotado o Académico de São Mamede na meia-final por 3-0, seguiu-se um Fonte Bastardo galvanizado depois de ter eliminado o Sporting CP por 3-1. Na final, a equipa açoriana foi mais forte no primeiro set, mas os encarnados esboçaram uma boa reacção, superiorizando-se nos três sets seguintes. Estava conquistada a 18ª Taça de Portugal na modalidade.
Seguiu-se então o play-off. Com o Benfica e Sporting CP a confirmarem o seu favoritismo nas meias-finais, ao eliminarem o Fonte Bastardo e o SC Espinho respectivamente, chegava a fase de todas as decisões. O Sporting tinha contratado reforços de grande qualidade individual, mas tardava encontrar um colectivo forte e consistente, tendo inclusive feito alterações no plantel a meio da época, saindo o búlgaro Todor Aleksiev e entrando o australiano Jordan Richards e o montenegrino Marko Gojic. Posteriormente, o búlgaro Nikolay Nikolov também seria dispensado devido a conflitos no balneário. Por outro lado, o Benfica sempre mostrou ter mais e melhor equipa que os rivais, mas tratava-se de uma final e tudo podia acontecer.
Fazendo um breve resumo daquilo que se passou na final, o que eu posso dizer é que a derrota no primeiro jogo no Pavilhão João Rocha foi apenas um dia mau da nossa equipa, muito graças ao desleixo que esta teve no primeiro set, onde desperdiçou três set points. Depois de um segundo jogo em que a equipa não deu hipóteses aos leões, a equipa teve algumas oscilações, mas no final sobressaiu a sua maior frescura física e capacidade mental nos momentos-chave de ambos os jogos.
Pela primeira vez em vários anos, não foi preciso recorrer à “negra” para definir o campeão nacional, factor que também espelhou a superioridade do Benfica em toda a temporada, mostrando sempre ser a equipa mais forte, consistente e unida. Está na hora de fazer uma análise individual a alguns jogadores que fizeram parte desta época repleta de conquistas.
Hugo Gaspar – o nosso “Doutor” foi o jogador em maior destaque no início da temporada, tendo sido o MVP da Supertaça. Atravessando um período de grande forma, acabaria por contrair uma fractura num dedo do pé que o deixaria afastado da quadra durante cerca de quatro meses. Depois de recuperar, Théo Lopes já era dono e senhor do lugar, mas o capitão sempre se mostrou disponível para ajudar a equipa quando fosse preciso, dando sempre uma boa resposta quando era chamado a jogo, sendo também um jogador muito influente no balneário. São já nove anos de águia ao peito.
Tiago Violas – na sua terceira temporada ao serviço do Benfica, afirmou-se como titular indiscutível. Era de esperar que Nuno Pinheiro fosse assumindo a titularidade gradualmente, mas o ex-jogador do Fonte Bastardo realizou uma temporada de altíssimo nível graças à sua qualidade e imprevisibilidade na distribuição, que não permitiu que o distribuidor regressado do estrangeiro pudesse assumir o lugar e mostrar todo o seu valor. É um luxo ter dois distribuidores desta categoria no Benfica.
Ivo Casas – para qualquer benfiquista que acompanhe a modalidade, é impossível não gostar do Ivo. Para além de ser sem sombra de dúvida o melhor libero português, é também um jogador que vive e sente o jogo como poucos. A sua entrega é contagiante e a forma como motiva os colegas de equipa é algo imprescindível num desporto como o voleibol, onde o factor mental tem muito peso.
Marc Honoré e Zelão – têm 8 e 10 anos de Benfica, respectivamente. São dois símbolos vivos do voleibol encarnado e a idade parece que não passa por ambos. Alternaram entre si ao longo da época sem afectar minimamente o rendimento da equipa. Ambos são fundamentais no bloco e possuem um serviço flutuante muito traiçoeiro e no remate, estão sempre lá quando é preciso. São dois dos melhores jogadores da história do voleibol do Benfica.
André Lopes e Frederic Winters – iniciaram a época a fazer dupla na zona 4. Depois, Winters perdeu a titularidade para Rapha, tendo alternado com André Lopes na final do play-off. O português, tal como Honoré e Zelão, é um símbolo vivo do voleibol encarnado e não mostra sinais da idade, sendo um zona 4 muito completo e eficaz nas suas acções. Já o canadiano, não sendo um “ás” que resolve jogos, é um jogador bastante competente em todos os aspectos do jogo e também tem uma personalidade muito serena e concentrada, sendo importante naqueles momentos de maior tensão. Um último pormenor em relação a Winters: já foi campeão na Áustria, Itália, Alemanha, China, Brasil e agora em Portugal.
Rapha Oliveira – depois de ter sido fundamental na conquista do campeonato em 16/17, o brasileiro regressou ao Benfica depois de um ano na Turquia. Apesar de ter contraído uma lesão na pré-temporada que atrasou a sua integração na equipa, depois de recuperado, rapidamente assumiu a titularidade. Rapha é provavelmente o zona 4 mais completo do campeonato, sendo muito forte no serviço, na recepção, no bloco e também tem um remate muito potente e versátil, seja na zona 4, ou a chamada pipe na zona 6. Foi um dos “áses” que fez a diferença neste campeonato.
Théo Lopes – chegou ao Benfica com um Campeonato do Mundo, uma Liga Mundial e duas Superligas brasileiras no currículo. Iniciou a época no banco, com o objectivo de ir ganhando ritmo aos poucos, assumindo a titularidade numa fase mais adiantada da época. Porém, a lesão de Hugo Gaspar apressou a sua integração na equipa. No início, o seu rendimento teve algumas oscilações, visto que ainda não tinha ritmo competitivo para jogar 2 ou 3 jogos por semana, mas assim que começou a carburar, tornou-se imparável. Dono de um serviço e de um remate potentíssimos, o seu braço direito fez muitos estragos nos pavilhões em Portugal, sendo claramente o “ás” de que a equipa precisava. É dele o ponto que nos deu o campeonato.
Peter Wohlfahrtstatter – apesar de ter vindo do conceituado campeonato francês, Wohlfi como é conhecido, chegou ao Benfica como um desconhecido, mas rapidamente convenceu a massa adepta com as suas exibições, tendo sido o único reforço que assumiu rapidamente a titularidade. No alto dos seus 2,04m, Wohlfi apresenta um perfil físico invulgar com uma elevada estatura e uns braços muito compridos que lhe conferem uma grande habilidade no bloco e um remate alto e difícil de bloquear, sendo também um jogador muito forte no serviço, algo pouco comum nos centrais que jogam em Portugal. Foi uma grande descoberta do voleibol do Benfica.
Marcel Matz – o treinador de apenas 38 anos fez evoluir o voleibol do Benfica. Introduziu novos métodos de treino, meteu a equipa a elaborar novas jogadas que não se viam no voleibol português e também implementou métodos de trabalho e análise mais modernos, tais como a utilização de um radar para medir a velocidade do serviço e de um tablet ponde acedia a todas as estatísticas do jogo, para além de ter uma grande capacidade de motivação. É também um homem bastante activo nas redes sociais, onde apelava constantemente à presença dos adeptos. Pa além de ser um treinador muito qualificado que valoriza o treino e o jogo, também é um homem que chegou de fora e rapidamente se identificou com o Benfica, sentindo mais o clube do que muitos que andam cá durante anos.
Para além dos jogadores, também houve outros aspectos na equipa que fizeram a diferença neste título:
Serviço – O serviço não é apenas o gesto técnico com que se inicia o jogo, o serviço é o próprio jogo. Um bom serviço terá influência na recepção e nos restantes toques da equipa adversária. Antes do aparecimento da equipa do Sporting, não havia muitos jogadores em Portugal capazes de fazer a diferença no serviço. Esse foi um dos aspectos pelo qual o conjunto leonino na época passada se superiorizou ao nosso. Mas nesta época, com a adição de reforços fortes no serviço, e com a importância que o técnico dá a esse gesto técnico, a equipa melhorou significativamente nesse aspecto.
Profundidade – depois de uma época em que a maioria dos reforços não vingou, as contratações cirúrgicas feitas nesta temporada acrescentaram muita qualidade à equipa e que deram muita profundidade ao plantel. Na Fase Regular, foi prática comum do treinador fazer alterações em várias posições quando havia jornadas duplas num fim-de-semana. Mas o maior exemplo disso mesmo foi a rotação feita na final do play-off. O 7 da final foi composto por Ivo Casas; Violas, Théo, Wohlfi, Zelão, André Lopes e Rapha. Para o segundo jogo, saiu André Lopes e entrou Winters. Durante o terceiro jogo, entrou Honoré para o lugar de Wohlfi. No jogo do título, André Lopes substituiu Winters durante o segundo set e Wohfli substituiu Honoré no quarto. Não é qualquer equipa que se possa dar ao luxo de ter um jogador como o Nuno Pinheiro no banco.
União – toda a equipa se mostrou muito unida ao longo da época e na final não foi excepção. A forma como festejaram cada ponto no jogo do título não deixa ninguém indiferente, tanto dentro da quadra, como no banco, onde até jogadores pouco utilizados como Filip Cveticanin e Bernardo Martins vibravam intensamente com cada ponto da equipa.
Este campeonato foi muito merecido e foi conquistado por uma equipa com base em três pilares: primeiro, um plantel de grande qualidade e profundidade que também mostrou muita união e força mental nos momentos decisivos; segundo, uma grande orientação técnica, com o conhecimento táctico de Marcel Matz e o conhecimento da casa de José Jardim a fazer uma mistura que promete dar muitas alegrias aos adeptos; e por último, numa altura em que a direcção das modalidades parece estar à deriva, o nosso voleibol tem uma estrutura séria, competente e dedicada que trabalha afincadamente para o sucesso do nosso voleibol, sem esquecer o professor Rui Mourinha, que dedicou muitos anos ao Benfica, e que no Quarto Anel certamente estará orgulhoso do que viu nesta época.
Veremos o que nos espera na próxima época!"
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