terça-feira, 16 de abril de 2019

Repórter, peso, navegação e informação

"Repórter é uma espécie aventureiro: alguém que vai para fora e traz o relato de algo que aconteceu longe

Repórter
1. A etimologia é uma forma lenta de olhar para cada palavra. É a história, a biografia, quase familiar, de um vocábulo. Quem foram os bisavôs, as bisavós, os avós, os pais de uma certa palavra? Quem são os seus irmãos, as suas irmãs?
A palavra repórter, por exemplo, para alguns estudiosos desta história particular, vem do francês medieval reporteur, mas «a origem remota é a raiz do verbo portare, trazer do porto, levar ao porto».
Repórter é, pois, aquele que transporta, não uma caixa pesada de mercadorias, mas informação. O repórter (politico, desportivo ou outro) traz ao porto marítimo (no caso da palavra repórter, no sentido actual, traz a redução do jornal, da televisão ou da rádio) essa carga leve de peso, mas com imensos quilos simbólicos: os quilos da informação.
A informação, diga-se, foi ficando cada vez mais leve, mais fácil por isso de transportar - mas isso é, para já, outro assunto.

Vasco da Gama, Bartolomeu Dias
2. Repórter é, portanto, na sua base, uma espécie de aventureiro: alguém que vai para fora e traz, ao cais do porto inicial, o relato de algo que aconteceu longe. É aquele que se afasta de casa e entre no barco, enfrenta o mar e, mais tarde, depois de muito balanços e contratempos, regressa dizendo: o que eu vi do outro lado do mundo foi isto e isto e aquilo.
Tem testemunhas, provas, tirou fotografias, fez entrevistas? Sim, responderá o repórter. O primeiro dos repórteres terá sido, assim, o primeiro dos navegadores.
Vasco da Gama, Bartolomeu Dias, Fernão de Magalhães, Cristóvão Colombo e etc., exemplos primeiros, portanto, daquilo que hoje se designa como Grandes Repórteres: no limite correm perigo de vida para trazer algo.
Claro que é bem mais nobre, parece-me a ideia de, em vez de trazer ouro e pedras preciosas ou até essa terrível carga humana que, em muitas décadas os navegadores trouxeram de longe, talvez seja mais bonito, dizia, a ideia de trazer conhecimento ou informação (que também foi trazida, sejamos justos, e em grande quantidade, no tempo da descoberta do caminho marítimo para a Índia e etc.).
- O que trazer no teu barco (em linguagem contemporânea: o que trazes no teu computador) a este porto? Ouro, jóias?
- Não, trago uma notícia, uma reportagem.
- Ah, que alegria!
Reportagem - e, de novo, porto marítimo na essência da palavra - é aquilo, o material, que se traz.
Em síntese, caro Grande Repórter, não te esqueças: o teu tetravô foi navegador.

Navegar em terreno seco e imóvel
3. A origem da palavra repórter, atirando para o acto de reportar - trazer de volta ao porto depois da viagem de barco - remete, então, para o viajante e não para o homem sentado na sua cadeira do poltrona. Um repórter diante de um computador pode simbolicamente simular um percurso, uma ida, um avanço, uma saída do seu espaço mental e um avanço para outras ideias, informações, etc., mas sejamos claros e lembremos o óbvio: estar sentado numa sala não é o mesmo que correr perigo num barco em alto mar.
O termo navegar aplicado aos utilizadores da Internet é uma bela metáfora, mas um pouco enganosa (aliás, muito enganosa: quer dar a sensação de que estamos em altíssimas movimentações quando afinal não mexemos um pezinho). A pacata realidade é esta: não navegamos, não há mar nem porto, e estamos com o rabinho sentado em sítio tranquilo e que não balança (se a cadeira for razoável).
(Um amigo meu propôs a colocação de uma vela de barco na mesa ao lado do computador. É uma hipótese).
No século XXI, estamos quase todos no mesmo barco, literalmente. Mas num barco parado."

Gonçalo M. Tavares, in A Bola

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