"Não vou entrar aqui em grandes reflexões filosóficas sobre comportamentos geracionais, pois falta-me o engenho e a arte para tal. Até podia tentar sacar uma reflexão importante de Bauman, fazendo uma ligação à sua modernidade líquida, mas, lá está, sobra-me a preguiça e o talento escasseia.
O que falta também nos dias que correm é paciência e capacidade para resistir ao imediato, pois rapidamente conseguimos aceder a imensa informação já trabalhada, organizada e agregada para consultar o que queremos. No futebol é fácil saber como joga o defesa direito titular do quarto classificado da liga checa – olá, Tomas Holes – e com meia dúzia de cliques e alguma manha para evitar fake news conseguimos fazer brilharetes entre amigos, quando as discussões futebolísticas aquecem – “o teu clube precisa é de um médio posição 8, com perfil x, conheço um muito bom na liga dinamarquesa”. Se temos acesso a esta informação toda em pouco tempo e não somos profissionais de futebol, estes têm mais que obrigação, do ponto de vista do adepto comum, de garantir num curto espaço de tempo os melhores resultados possíveis e tomar as melhores decisões, independentemente do clube onde estão, dos meios financeiros que têm, ou de outras condicionantes importantes. A falta de resultados – ou quererei dizer sucesso? – de um clube é encarada, por estes dias, como uma grande frustração e a vontade de alterar tudo em pouco tempo passa sempre pela cabeça de muitos.
Os treinadores há muito que são vítimas preferenciais da falta de paciência e de tempo por parte de adeptos e dirigentes. As chicotadas psicológicas em massa são um fenómeno já não muito recente, embora se tenham intensificado nos últimos 25 anos. Já muito se escreveu sobre os efeitos positivos e negativos da mudança de treinador a meio da época. Não quero entrar por aí. Atentem, apenas, no exemplo de Vítor Oliveira. Como era visto este treinador há vinte anos, ele que agora é, e justamente, encarado como um treinador de culto? A quem é que andamos a cortar as pernas nos dias que correm e que se tornará, daqui a duas décadas, no treinador da moda por essa altura?
E não são só os treinadores que sofrem na pele este tratamento. Os jogadores de futebol de elite também já não escapam a esta lógica. Penso, sobretudo, em Marega – mas podia, por exemplo, pegar em Rafa. Pode-se discutir o perfil do maliano, defendendo que não tem qualidades para uma equipa de topo em Portugal ou achar que é um jogador fortíssimo em transições e que assenta como uma luva no estilo de Sérgio Conceição? Claro que sim. Mas Marega já provou que as primeiras impressões sobre a sua qualidade quando chegou ao Dragão foram, como as notícias da morte de Mark Twain, manifestamente exageradas. Por isso, talvez seja importante fazer uma avaliação final quando acabar o consolado do maliano no Futebol Clube do Porto. Até porque durante os reinados de Jardel e Hulk, que a esta distância são encarados como jogadores inquestionáveis em relação à importância que tiveram quando passaram pelo clube portuense, houve quem abrisse os seguintes debates: “a equipa está dependente de Jardel e o brasileiro não joga bem com os pés” e “Hulk é individualista e não estimula o jogo colectivo”. E não, não estou a comparar Marega com nenhum deles. Creio é que se Marega tem marcado pelo menos um golo em Anfield o debate teria contornos diferentes. Faltou também, dirão uns, uma pontinha de sorte.
E por falar em sorte, agora que entramos no tramo final dos vários campeonatos europeus e alguns deles serão decididos por detalhes quer na luta pelo título, quer na luta pela sobrevivência, nós estaremos cá para falar da bola que bate no poste, do corte em cima da linha, do pé preso na relva, da bola que escorregou das mãos do guarda-redes. Os sportinguistas ainda hoje têm pesadelos com o remate de Bryan Ruiz. Os bracarenses sentem que se Mossoró tem marcado a Hélton na final de Dublin talvez hoje tivessem uma competição europeia na vitrine. E os benfiquistas recordam o final da época 12/13 como uma maldição. Sinto-vos a sussurrar “a sorte procura-se” ou “há mérito em provocar o erro do adversário”. Pois tomai lá, não do O’Neill, mas do Nélson Rodrigues: “o que marca o campeão é a sorte, ou seja – uma virtude sobrenatural”."
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