terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

E até o general sorriu...

"Um dos dérbis mais abracadabrantes para a Taça de Portugal teve lugar em Junho de 1952. Final no Jamor. Golpe e contragolpe. O Benfica ganhou no último minuto: 5-4!

'O Chefe do Estado e alguns ministros assistiram ao jogo no estádio que registou de uma grande enchente'.
Era a manchete de um periódico lisboeta.
O Chefe de Estado...Ah! Era de abrir a boca de espanto.
Claro que, em 1952, estas coisas se levavam muito a sério. Um Chefe de Estado, assim mesmo com maiúsculas, não andava por aí a tirar fotografias com a malta a torto e a direito. Havia um certo recato. Uma certa cerimónia.
O jogo era o Benfica - Sporting.
Mais ainda: primeira final da Taça de Portugal entre Benfica e Sporting. Com o nome de Taça de Portugal, claro! Deixemo-nos de bizantinices: antes da Taça era o Campeonato de Portugal e ponto final. O revisionismo já deixou de ter espaço nas sociedades que se querem democráticas.
Final e que final: o Benfica venceu por 5-4!
Foi com jogos destes que se fez a lenda dos dérbis.
'Pode dizer-se que esta final da Taça traduziu um fecho magistral para as grandes competições nacionais de futebol'.
Fecho, sim. A Taça disputava-se a partir do momento em que o campeonato já tinha terminado. O campeão desse ano fora o Sporting. Mais um motivo para puxar pelo brio dos jogadores encarnados.
Há, sobre a relva, praticantes de suprema qualidade: Carlos Gomes, Juca, Travassos, Albano, Rola, Martins, do lado dos leões; Félix, Francisco Ferreira, Arsénio, Águas, Corona, Rogério do lado das águias.
O povo entusiasmado transbordava nas bancadas.
Havia até gente dependurada nas árvores à espreita dos golos.
E foram nove! Ah! Nove golos num Benfica - Sporting...
E com o sr. general Craveiro Lopes a não perder pitada.

Pontualmente!
Um rigor de pontualidade: 17 horas e 35 minutos, a bola começa a rolar.
Nunca mais ninguém teve descanso.
Bola cá, bola lá. Ritmo, imagens, emoções!
Albano chuta a centímetros do poste; Arsénio responde com uma arrancada feroz.
Fernandes derruba Martins na área de Bastos. 'Penálti!', grita a multidão em ovação. 'Rapaziada, a vitória será nossa...', cantam os adeptos verdes-e-brancos.
Albano faz 1-0 aos 9 minutos.
O Sporting ataca mais, mas agora há quezílias constantes. O árbitro adverte, aqui e ali. Precisa de estar atento. O ambiente ferve. Afinal, trata-se de um Benfica - Sporting.
24 minutos. Mão de Juvenal. Mais um penálti! Agora na outra baliza. Rogério garante o empate.
Não ficaria por aqui.
Águas tem na cabeça o 2-1. Falha. Carrega Carlos Gomes. Este queixa-se. Mais tempo perdido.
41 minutos: novo penálti. Mas Rogério não consegue repetir o que fizera minutos antes. A bola sai ao lado.
O início do segundo tempo é frenético! 49 minutos, e Corona com um pontapé rasteiro, engana o keeper do Sporting.
Esperem. Quase não há tempo para comemorações. Dois minutos mais tarde, e é Rola, com um remate vistoso, que bate Bastos.
Ninguém está disposto a ceder.
Passam-se mais três minutos. Martins vira o jogo. Os leões estão na frente. 3-2.
E agora, Benfica? Que resposta?
Tremenda. Forçando até ao limite as fraquezas contrárias. Rogério é o autor do empate. Falta jogar vinte minutos, talvez nem isso.
O ardor posto na refrega é impressionante. O povo, em redor, rói as unhas de nervoso miudinho. Não há quem consiga estar sentado. Tudo se desenrola por entre sobressaltos.
Rola, de imediato, faz o 3-4.
Exige-se tudo da alma encarnada. Águas é de uma classe impressionante: dribla Passos, espera pela saída de Carlos Gomes e concretiza nova igualdade.
O que falta para o fim é abracadabrante! Os jogadores de um lado e do outro vão ao ponto mais alto da sua resistência. E da sua capacidade de vergar o Destino.
Disputam-se os segundos derradeiros. Rogério recebe uma bola à entrada da área do Sporting, adianta-se um pouco, aplica-lhe o golpe definitivo.
É golo! Golo do Benfica!
A Taça já não tem como fugir das mãos dos encarnados.
Francisco Ferreira subirá à tribuna de honra para recebê-la. Até o sr. general Craveiro Lopes, chefe do Estado, sorri. E alguns ministros com ele..."

Afonso de Melo, in O Benfica

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