quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Vitória em Faro...

Farense 0 - 1 Benfica B


Mais 3 pontos, num jogo com poucos pontos de interesse, num relvado impróprio... onde os nossos jovens souberam fazer o necessário para ganhar, mesmo cometendo alguns erros, principalmente a nossa defesa...!!!

Descodificando um génio

"Na noite de ontem, o Benfica apresentou em simultâneo dois dos seus três mais talentosos. Faltou Jonas, claro.
Talento expresso na capacidade para decidir, percebendo e vendo com uma qualidade extrema, tudo o que se passa ao redor, e qual o caminho que aumentará as probabilidades de mais tarde a bola chegar à baliza adversária, e qualidade na execução para dar corpo ao que a mente alcança.
Krovinovic e João Félix, pois claro.
Dois jogadores ainda em processo de crescimento, por diferentes razões.
Com eles, associando-se a Jonas, o Benfica tem potencial para voltar a crescer e encantar na realidade nacional.
É nas coisas “simples”, que está a qualidade e a capacidade para ligar o jogo colectivo até à zona de finalização. É no ver sempre, e por vezes ver até mais que os próprios colegas.
Trago-vos uma lição de decisões e execuções de João Félix, na noite em que, tivesse coabitando o espaço com um avançado de outra competência e teria saído da Luz com uma mão cheia de assistências, juntando assim uma exibição sublime à notoriedade. Ora veja:
"

Os prémios da discórdia

"O ano de 2018 está a ser o mais incaracterístico da última década no que aos grandes prémios do futebol mundial diz respeito. Nos últimos dez anos assistimos ao domínio absoluto de dois jogadores de outro planeta, Cristiano Ronaldo e Lionel Messi.
Chegaram, aliás, a faltar adjectivos para caracterizar as prestações do português e do argentino, mas eis que, de um momento para o outro, nenhum dos dois conquista qualquer prémio em 2018.
E surge um novo nome que passou a reunir o consenso nos quatro prémios atribuídos este ano: Luka Modric. O médio croata do Real Madrid conquistou o Prémio de Melhor Jogador do Campeonato do Mundo, o Prémio de Melhor Jogador para a UEFA, o Prémio "The Best" de melhor jogador para a FIFA e esta semana a Bola de Ouro da revista France Football.
E o que fez Modric para merecer o pleno, pergunto eu e perguntar-se-á o leitor?
Desde já me confesso admirador da forma de jogar do croata, com uma inteligência e capacidade de antecipação acima da média, uma técnica refinada e um posicionamento táctico irrepreensível.
Mas daí até ao melhor do mundo vai uma distância gigante.
Terá então sido pelas prestações individuais? Não me parece.
Em 2018 Modric venceu a Liga dos Campeões, ao serviço do Real Madrid (feito idêntico ao conseguido por Cristiano Ronaldo que conquistou a sua quinta Liga dos Campeões), e foi finalista vencido do Campeonato do Mundo de 2018, no qual a Croácia perdeu com a França por 4-3, enquanto Portugal foi eliminado nos oitavos de final pelo Uruguai.
Na Rússia, Cristiano marcou quatro golos em quatro jogos, três deles à Espanha, Modric marcou dois em sete. Na Liga dos Campeões o português apontou 15 golos em 13 jogos com cinco assistências pelo meio, Modric marcou apenas um em 11 jogos, com uma assistência. A nível interno, no Real Madrid, CR7 cilindra o antigo colega de equipa, já que na mesma equipa e na mesma época, 2017/2018 o português marcou 26 golos em 27 partidas contra um único golo de Modric em 26 jogos. Apenas nas assistências para golo, o croata levou a melhor com 6 contra 5 do português.
Face a estes números, qual terá sido então o factor que desequilibrou o prato da balança?
Só podem ter sido aqueles 15 dias a mais em que Luka Modric se manteve no Campeonato do Mundo da Rússia, comparativamente com Cristiano Ronaldo.
Só pode.
Ou isso, ou uma mudança do paradigma, com os grandes prémios do ano a premiarem não o espectáculo do jogo, mas a cor das camisolas.
O branco e negro da Juventus contra o branco do Real Madrid?
Não sou muito fã de teorias da conspiração, mas já diz o ditado em castelhano que no creo em brujas, pero que las hay, las hay, e para muitos a influência do clube espanhol continua a ser brutal nas mais altas instâncias do futebol.
Só assim consigo acreditar que Cristiano, que continua a espalhar magia nos relvados por onde passa e a dar espectáculo sempre que joga, e até mesmo Lionel Messi, sejam relegados para segundo plano face a um excelente jogador mas, quanto a mim, não um super-jogador!

P.S.: Em relação à última votação, a da Bola de Ouro, o que dizer dos 35 países (sim, 35!!!) que pura e simplesmente se esqueceram de Cristiano Ronaldo nas suas votações? Alguns deles, a votarem em Neymar ou em Eden Hazard, sendo que nesses 35 estão, a título de exemplo, Suíça, Irlanda do Norte, Dinamarca, Finlândia ou Turquia... Países onde, supostamente, o futebol é igualmente uma paixão. 
Ou será que nem por isso?"

Eu tive um tio na Índia

"Pangim - “I had a farm in Africa”, começou por escrever Karen Blixen em “Out of Africa”. Depois vi cinco vezes consecutivas o filme. Era tão extraordinariamente bonito que não dormi descansado antes de sobrevoar num balão de ar quente os flamingos e os hipopótamos do lago Nakuru, os leões e elefantes e girafas da savana do Serengueti, e descer as ravinas do vulcão antigo do Ngorongoro.
Eu tive um tio na Índia. E nunca comecei a escrever um livro assim. Incompetência minha.
O meu tio Carlos viveu na Índia. E em muitos outros lugares em redor dos trópicos, como Sá da Bandeira e São Tomé. Fui lá procurá-lo, mas a vida tinha mudado demais. Era uma figura fascinante e estive com ele tão pouco. Dono de uma tristeza profunda, mas cheia de dignidade. Há tristezas assim: não provocam pena, provocam inveja. Acho que se alimentava dela. Ou ela dele. Sei que eram inseparáveis porque a tristeza nunca está nas coisas: está em nós. Ele e a tristeza eram e foram amantes. Até ao fim.
Comecei a vir à Índia há mais de 30 anos. Entretanto, o meu tio resolveu morrer e nunca pude falar com ele sobre os lugares onde esteve e eu o procurei. Se querem saber, não é importante. Aquilo que nos liga vai para além da vida e da morte. Vai para além do sonho e do sofrimento. Fica naquele lugar de apenas ser. Gostava de me oferecer livros de geografia e desafiava-me a ir pelo mundo. Fui. E irei.
É domingo. Milhares de goeses foram em romaria a Velha Goa para a novena. A tarde arde de um calor capaz de rachar a fachada da Igreja de São Caetano, que é uma cópia meio desajeitada de São Pedro, em Roma, não muito longe do Arco de Afonso de Albuquerque, na Rua Direita, que conduz ao porto dos ferries do Mandovi, mas ligeiramente mais longe da Basílica do Bom Jesus, onde repousa o corpo insepulto (e maltratado) de São Francisco Xavier, motivo de todas as peregrinações. 
Lá em Colva, a praia enche-se de mulheres que se deixam boiar ao sabor das ondas, os saris e os sarongues berrantes vogando na água como gigantes alforrecas polícromas. Não faltará muito para que a águia venha pescar, assustando os corvos.
Não, não me sinto em casa. É bem mais do que isso. Sinto-me no lugar ao qual sempre pertenci, mesmo quando ainda não tinha percebido. Do Malabar ao Coromandel. De Buj a Tiruchirappally ao ritmo monocórdico dos tirantes. Num autocarro que se desfazia enquanto trepava os contrafortes do Kachenjunga. Em Bikaner, onde há um templo onde os ratos são tratados a pires de leite, de tão sagrados; em Calcutá, a caminho do Sikkin, de Gangtok e de Darjeeling; em Madrasta, que agora se chama Chennai, a terra dos caris de todas as cores que se comem sobre folhas de bananeira. “Índia: meu pai, minha mãe, minha primeira grande verdade”, dizia Salman Rushdie.
Eu tive um tio na Índia. É uma frase que podia começar qualquer livro e ir por aí fora à medida do seu próprio ritmo. Quando me sento no lugar geométrico dos meus dias sem nome, convenço-me de que os fantasmas são como as moscas e é impossível enxotá-los. Aí olho o sol de frente, como num desafio, e ele envergonha-se e mergulha no mar, corado de tons laranja.
Goethe afirmou: “A coisa mais elevada a que um homem pode aspirar é ao assombro!” Eis-me assombrado. Nunca, desde que foi expulso do paraíso, Adão voltou a estar tão perto dele outra vez. Talvez um dia, um sobrinho meu escreva um livro começado assim: “Tive um tio que morreu na Índia.” Ou ganhe o atrevimento de copiar Guimarães Rosa: “Tive um tio que se encantou na Índia.” Talvez tenha razão. Posso ficar aqui para sempre, com o mar como música de fundo na noite de estrelas alinhadas. Por mim, o sítio mais longe onde posso ir parar é ao silêncio…"

Cadomblé do Vata

"1. Jogo de extrema utilidade... foram 90 minutos em que pude jantar, dar o pitéu ao puto, tratar da lareira e ver 2 golos do Maior.
2. Um enorme obrigado ao João Félix... se não fosse ele, daqui a alguns anos, este jogo seria recordado como aquele "em que o melhor do SLB foi o Alfa Semedo".
3. Svilar começa a parecer um daqueles casos em que quanto melhor está, mais banal fica... foi preciso esperar pelo último minuto da compensação para o ver jogar fora da área.
4. Seferovic está num excelente momento de forma, mas continua muito inconstante na finalização... tão depressa mete uma bomba no poste à Cardozovic, como no seguimento da jogada chuta nas orelhas da bola à Makukulovic.
5. É um mimo ver João Félix, Zivkovic e Krovinovic juntos... Rui Vitória tem a obrigação moral de os colocar em campo com o Jonas em todos os jogos."

Cadomblé do Vata (especial tuguices)

"1. Noticia-se hoje que o SL Benfica quer emagrecer o plantel e tem 7 jogadores na porta de saída... bastaria no entanto a venda do Gabriel para o efeito ser o mesmo.
2. Um estudo revelou que a Liga Portuguesa é a que menos tempo de jogo tem durante os 90 minutos... o que vale é que compensamos com longos prolongamentos após o apito final.
3. Modric ganhou a Bola de Ouro, relegando Cristiano Ronaldo para o segundo lugar... depois de anos a ser considerado o Melhor do Mundo com votações limpas e legais, o português é derrotado na primeira aparição da máfia e da podridão do futebol neste troféu.
4. Sérgio Conceição foi novamente multado pelo CD, após a 3ª expulsão só nesta época... o FC Porto vai recorrer da decisão, porque para uma SAD que está há anos a apresentar dezenas de milhões de prejuízo, uma suspensão por 10 jogos, é mais bem vinda do que uma coima de 765,00€.
5. Apenas 1 dia após ter dito que o Sporting era o seu amor, Coentrão emendou a declaração e agora afirma que afinal é o Rio Ave... amanhã vai ser o Vit. Setúbal, na sexta do Atlético Nacional e antes da próxima jornada ainda se torna ferrenho do Celtic."

Vermelhão: Sangue novo...

Benfica 2 - 0 Paços de Ferreira


Jogo com pouca história... Ambas as equipas a não apresentarem o 11 titular e com o Benfica a marcar cedo, mesmo sem 'forçar'...!!! Num jogo com pouca intensidade, o Svilar só foi obrigado a uma defesa digna desse nome, num livre directo... as outras oportunidades (poucas) foram nossas, incluindo uma bomba no ferro do Seferovic...
Sim, no 1.º golo o Seferovic está ligeiramente adiantado! Não percebi as queixas do Paços no 2.º golo do Benfica, se calhar toques de calcanhar são proibidos e ninguém nos avisou!!!
O destaque vai claramente para os jovens, com Félix à 'cabeça' (5 jovens da formação titulares, além do Svilar...), mas com Alfa a demonstrar pormenores de 'jogador'! Mesmo com muitas 'escorregadelas' gostei da evolução do Krovi, que está a ganhar ritmo...
Com os 4 pontos do Aves, este jogo acaba por não ser decisivo, vamos na última jornada à Vila das Aves e não podemos perder... Como é óbvio, temos tudo para nos qualificar para a Final Four, mas com uma qualificação matemática à 2.ª jornada, daria para 'rodar' completamente o plantel, assim temos que ir com algumas precauções, pois este Aves já provou ser uma equipa matreira...

PS: Hoje, antes do jogo respeitou-se 1 minuto de silêncio em memória do nosso Ex-Vice-Presidente da Assembleia Geral Vítor Neves.

VideoVAR

"1. Em seis anos, Jorge Jesus deu 6728 minutos a miúdos da formação do Benfica. Em menos de três anos e meio, Rui Vitória vai em 30311 - nestas contas não estão Oblak (2251' com JJ) nem Nélson Semedo (5664' com RV), pois nunca jogaram nos escalões de formação das águias, só na B. Mal de Luís Filipe Vieira e do seu projecto se só tiver Jesus como alternativa no dia em que Vitória sair.
2. Uma cadeia de restaurantes inglesa oferece as refeições às crianças se os pais desligarem o telemóvel enquanto comem. O CD da FPF devia pegar nisto e adaptar, dando um prémio a Luís Gonçalves sempre que não protestar com os árbitros nos jogos do FC Porto.
3. Por falar em CD da FPF, Brahimi foi multado em 19,13 euros por apertar o pescoço a Niltinho. Uma tentativa de decapitação seriam 38,26 euros?
4. «Em caso de dúvida, o VAR não tem sido muito feliz para nós», disse Sérgio Conceição há cerca de um ano. E sim, é verdade que os dragões tiveram razões de queixa, escrevi-o aqui. Seria justo, agora, que o Sérgio Conceição dissesse: «Em caso de dúvida, o VAR tem sido muito feliz para nós». Porque é verdade.
5. Face ao acumular de disparates, talvez esteja na altura de discutir a criação de um vídeoVAR, basicamente uma equipa de árbitros que, com recurso à tecnologia, auxilie o VAR.
6. Tinha escrito que o jogo com o Vildemoinhos era um copo de água em relação às análises sobre o Sporting de Keizer. Agora já pode dizer-se que há uma piscina de boas ideias. Só estranho que Bruno de Carvalho ainda não tenha culpado Keizer do ataque à Academia.
7. Aos que este ano decidiram dar todos os prémios a Modric (o álibi mais à mão para desenjoar), permitam-me citar, com ligeira adaptação, um famoso poeta da Roma, Kolarov. «Têm o direito de votar, mas também devem ter a noção de que nada percebem de futebol».
8. No fim de semana, o Penafiel foi a única equipa dos campeonatos profissionais que entrou em campo com 11 portugueses. Merecem ser dito «à boca cheia»."

Gonçalo Guimarães, in A Bola

O último lugar da nossa Liga

"O Observatório do Futebol levou a cabo um importante estudo sobre tempo útil de jogo em 37 competições de futebol disputadas na Europa, com os dados a serem recolhidos entre Junho a Novembro de 2018. Quem ficou em último lugar? A Liga portuguesa. Sem surpresa, posso dizer, já que acumulamos más práticas, não de ontem mas de há muito tempo a esta parte. Os males que levam a tão escasso tempo útil (na nossa Liga jogam-se em média 46 minutos, enquanto que, por exemplo, na I Liga dos Campeões se jogam 54...) são variados e vão da apologia de comportamentos errados na formação, no desequilíbrio competitivo no escalão principal, sem esquecer as sinfonias de apito com que muitos árbitros nos continuam a brindar. É pena que até agora ninguém tenha visto os resultados deste estudo como um grito de socorro do futebol português, a precisar de debater de forma adulta matérias relevantes como esta, que não cabem propriamente nas peixeiradas que fazem as delícias das audiências televisivas. Mas talvez um dia destes o International Board aceite o tempo cronometrado e assim recebamos, por via administrativa, uma ajuda que nos equipare aos melhores, no tempo útil de jogo...
Por outro lado, as cenas dos próximos episódios dos clubes portugueses a nível internacional não são entusiasmantes. Continuamos a cair no ranking da UEFA e haverá uma possibilidade mais do que académica dos nossos emblemas virem a engrossar as fileiras da nova competição que aí vem, uma espécie de terceiro escalão à medida da Europa.
Salva-se a Selecção dos emigrantes, que jogam em ligas a sério..."

José Manuel Delgado, in A Bola

Sabe quem é? Na Luz por falta de luz - Deyverson

"Guarda-redes no clube que o pai fez no bairro pobre, fome, pagode e salgados na rua; Maracugina, o outro segredo

1. Carlos Roberto Silva foi guarda-redes, não chegou onde pôs o sonho. Ao deixar de jogar, criou por Santa Margarida, bairro pobre da zona oeste do Rio, a Associação Esportiva Social e Cultural Mamaô. (Mamaô era a alcunha que tinha). Anderson, o filho mais velho logo se tornou seu guarda-redes - e quando o mais novo chegou aos 12 anos abriu-lhe igual destino. (É ele).
2. Dois anos andou entre postes, Anderson contou-o: «Venho que tinha qualidade para jogar na linha, disse a papal que talvez fosse melhor mudar ele para lá, que ser goleiro é posição ingrata - e papai logo achou que sim, que já tinha até pensado o mesmo». (E como ponta de lança saltitou para o Tigres do Brasil e para o Nova Iguaçu).
3. A caminho dos 18 anos, achou que não era no futebol que tinha a chave do paraíso: «Falei para papai que queria virar pagodeiro - e quase matei ele do coração. Sim, eu cheguei a ter dois grupos: o Juventude do Samba e o Banda Boa Influência, a gente tocava em festinhas do bairro». Deixou de treinar, pôs-se a vender salgadinhos pela rua. «Antes também vendi caldo de cana» - e a vida já lhe andara por outros caminhos de pedras (também foi Anderson quem o contou): «Nosso pai chegou a tirar do almoço dele para pagar a passagem de ônibus, para que ele fosse treinar lá a Mangaratiba...»
4. Pouco se deixou levar pela ilusão do pagode - e, ao chegar aos 20 anos, voltou ao Mangaratinense. (Estava-se por 2012). «Me prometeram 500 reais por mês. 500... quando recebia. E, às vezes, tinha de ficar sem café da manhã, almoço: era pipoca ou pão sem manteiga para a gente se alimentar».
5. No Mangaratinense estava quando o destino se lhe abriu aos pés (num capricho talvez): Francisco Oliveira, português que trabalha para o Benfica, estava na sua casa em Angra dos Reis - e, de súbito, a luz faltou-lhe. Sem TV, alguém o desfiou a ir ver um jogo da quarta divisão carioca, murmurando-lhe: «Tem lá cara que a gente chama Acosta que é fogo». (Acosta é um dos seus apelidos - e por Acosta haveria de entrar, como entrou, na história...) Meteu-se no carro, o que viu logo o deslumbrou: «miúdo rápido, que, de pé esquerdo, fez dois golos - e na semana seguinte outros três». Perguntou-lhe se queria ir fazer uma experiência a Portugal (sem lhe dizer onde). Ouvindo que sim, pegou no telefone - e a Luís Filipe Vieira e a Norton de Matos anunciou-lhes que descobrira um «diamante em bruto»...
6. O Benfica deu-lhe contrato a 1200 euros por mês (pondo-o na equipa B). El pediu a Jessica, a namorada, que viesse juntar-se-lhe. Como era uma ninharia o que recebia. Alan Kardec deu-lhe amparo, pondo-os a viver no seu apartamento. Jorge Jesus não lhe deu uma única oportunidade na equipa principal - e acabou dispensado ao Belenenses. Ainda se aventurou ao Colónia - com Lito Vidigal mostrou o futuro que tinha nos pés em pólvora (e, às vezes, na cabeça também).
7. 2 milhões de euros desviaram-no para o Levante, de lá saltou para o Alavés - onde fez mais do que histórico golo da vitória em Camp Nou, mais do que pôs o Alavés na final da Copa do Rei. (Deliciado, o revelou: «No primeiro jogo no Camp Nou alucinei ao ver Neymar entrar. A gente estava aquecendo e eu sempre olhando para ele, o meu ídolo. O treinador tocava a bola e eu devolvia errado. Ele falava: 'Atenção!'. Mas eu só ficava prestando atenção no Neymar, sem acreditar que eu estava ali com ele...»
8. O seu fulgor por Espanha levou a que Cuca o desafiasse para o Palmeiras (para substituir Gabriel Jesus que o City lhe levara), Bruno de Carvalho pensara nele, o telefonema de Cuca não o deixou um segundo na dúvida - e 5 milhões de euros levaram-no para São Paulo. Doença atirou Cuca para fora dos estádios, ainda andou em fugaz travessia de deserto - com Roger Machado quase não jogou, achava-o... «maluquinho».
9. Com o Palmeiras em negrume, foi Scolari para o lugar de Roger. Para «amansar a fera» usou sessões espirituais com Padre Pedro, para lhe travar a inquietude o irrequietismo pô-lo a tomar maracugina. Ainda teve de lhe suportar uma ou outra briga (que o deixou a jogar com 10) - e foi ele que rasgou a história no golo que fez do Palmeiras campeão. E bem mais fez para além desse golo ao Vasco - seu clube quando andava ainda por Santa Margarida e era goleiro sofrido."

António Simões, in A Bola

Passe e devolução: Tiago Dantas e um diálogo representativo do nosso futebol

"(...) escreve sobre Tiago Dantas, jovem jogador de 17 anos do Benfica, que representa um tipo de futebolista que ainda não é tão apreciado como devia ser em Portugal

Passe e Devolução é uma alusão clara à forma como o Nuno Amado, em três palavras, caracteriza a ideologia do melhor treinador que já existiu. Nunca vi ninguém definir tão bem e de forma tão simples o futebol de Guardiola. Veja-se a criatividade no uso de tão poucas palavras mas que abrangem toda a complexidade do jogo que vive na cabeça do génio catalão. E serve essa alusão para falar daquele que é o melhor jogador da sua geração.
Eis o diálogo:
T: Tiago Dantas recebe o passe e joga para trás.
T: A bola é devolvida para Dantas que de primeira toca, novamente, para trás.
D: Parece que o médio tem alguma dificuldade em jogar com a pressão, e ainda não está preparado para as exigências do futebol sénior. O facto de não arriscar jogar para a frente, e de preferir a segurança do passe para um colega mais recuado, é um claro indicador disso.
T: O médio volta a receber a bola e a sua opção é, novamente, jogar para um colega mais recuado.
D: Como estava a dizer, parece um jogador tímido que não quer arriscar e que está a atacar no sentido da própria baliza quando deveria estar a tentar jogar positivo para a baliza adversária. É um puto imberbe.
T: Tiago Dantas recebe e acelera, faz o passe que isola o colega e…
D: Aqui está! Tal como eu comentava, é isto que o Dantas deve fazer regularmente. Jogar com mais risco, jogar positivo, acelerar o jogo. Ele tem qualidade, mas fruto da sua inexperiência ainda não é algo regular no seu jogo e é isso que precisa de melhorar…
T: Talvez se sinta algo intimidado pelo choque, uma vez que não é um jogador potente.
D: Sim. A pouca robustez costuma resultar nisso, e numa maior dificuldade de adaptação ao futebol moderno. É um futebol que está cada vez mais rápido, mais intenso, que tem menos espaço e que por isso os jogadores chocam mais uns contra os outros. Essa vai ser uma barreira difícil de superar.
T: E o jogo aéreo?
D: Esse vai ser outro trabalho que os treinadores do Tiago vão ter que fazer com ele. Vão ter que ser criativos o suficiente para não deixar que esse factor prejudique as suas equipas. Um jogador com esta altura no meio-campo vai perder as bolas todas de cabeça. Aqui, no contexto de formação, ele pode ir jogando porque o resultado não é assim tão importante. Aqui pode errar sem grandes consequências. No patamar seguinte já não lhe vai ser perdoado não ser corpulento porque na alta competição joga-se para ganhar. Imaginem o que será deste jogador num jogo contra a selecção francesa…
FO: Perdoem-me a interrupção, mas está um olheiro do Manchester City a tirar notas e parece que se levantou para aplaudir o lance de pé.
T: Será possível que este jogador tenha espaço num clube tão poderoso?
D: Sim. Só um treinador como Guardiola é que pode apostar nele.
T: Numa equipa de uma liga tão física como a inglesa, não será uma aposta de risco?
D: Claro. Ainda mais na posição em que atua. Em Inglaterra o jogo é mais direto, tem menos interrupções, há os tackles, e é muito difícil para jogadores com este tipo de perfil. Para não voltar a falar do facto de não arriscar muito, e isso numa equipa grande não é visto com bons olhos.
T: Sim. Os números nunca mentem, e este lance é o exemplo disso. Nas quatro vezes que recebeu a bola fez três passes para trás, e só à quarta oportunidade é que tentou virar-se para a frente.
D: A estatística é clara, e diz-nos que ele não produz o suficiente para que se possa considerar neste momento como um talento emergente. E como dá para perceber pelos números apresentados por este gráfico, é dos jogadores que menos correu em campo. Falta-lhe intensidade, e uma maior amplitude no seu jogo para conseguir galgar mais metros.
FO: Entrevistei um adepto que me pede que questione ao nosso painel se este tipo de jogador não faz falta à nossa selecção.
T: Com maior robustez e mais objetividade, este miúdo poderia ser um caso sério para as selecções nacionais.
D: Concordo. Com mais altura, e mais peso, com mais músculo, de certeza que estaria sempre presente nas convocatórias das selecções mais jovens, e teria lugar de destaque como jóia do trabalho de formação que se faz em Portugal. Mas para isso, precisa de crescer e de trabalhar a atitude competitiva.
No diálogo acima: T é o Tiago, narrador de um jogo entre a equipa B do Benfica e o Estoril Praia, a contar para a segunda divisão. D é o Dantas, o comentador convidado. FO é o Filipe Oliveira, o repórter de campo. O diálogo não é mais do que uma conversa normal, e em larga medida representativa, do nosso futebol.
O futebol em Portugal, infelizmente, ainda é muito pensado assim. Não aprendemos nada com Cruyff e com Maradona, tão pouco com Chalana ou George Best. Tivemos o Ricardo Carvalho. Passou o Paulo Sousa, o Figo, o João Pinto, o Rui Costa e o Deco.
Jogadores para os quais todos olhávamos com um brilho especial, jogadores que todos admirámos, e nem por uma vez pestanejamos por serem baixos ou magrinhos. Não dissemos que não teriam hipótese de singrar. Foi-se Xavi, eternizou-se o Iniesta, e agora até temos um jogador que se olharmos com atenção parece que passa fome votado como o melhor jogador do mundo. Nem com a eleição de Modric, para quem só entende o estatuto, nos convencemos de que o critério fundamental para o futebol é o talento incomensurável. Talento que se percebe no pormenor.
Dos 58 quilos que Tiago Dantas pesa, 50 são massa encefálica, os restantes 8 são o suporte para essa musculatura. E é por isso que ele é capaz de brincar com o jogo com acções simples mas de uma enorme complexidade. É tão cerebral, o que ele faz do jogo, que dá até a impressão que ele faz de propósito para complicar os lances apenas para satisfazer a sua necessidade de resolver problemas mais complexos.
No jogo da equipa B do Benfica contra o Estoril, com passe e devolução, ele coloca três colegas no lance, fixa a oposição que se desloca para perto da bola, atraí a pressão de quatro elementos, para depois receber nas costas deles. Aí acelera. Arrisca manter a bola no mesmo sítio, arrisca manter a bola sob pressão, arrisca não fugir da pressão, arrisca provocar a pressão, arrisca que os colegas percam a bola por terem menos tempo e espaço, com um e apenas um só foco: transformar uma situação banal numa situação de verdadeira vantagem para ele ou para os colegas atacarem a baliza adversária.
Por aí, pela forma como envolve os colegas e os adversários se percebe a sua superioridade sobre os demais. Este lance é tão bom quanto qualquer um do Messi em que ele ultrapassa quatro, cinco, ou seis adversários em fila e depois atira ao ângulo. É um lance tão vistoso quanto esses, e que apresenta o talento do jogador de forma inequívoca. A forma como faz com que tudo pareça tão fácil e tão natural, tão limpo, é sublime.
Como se percebe, ele não precisa de corpo porque quando os adversários pensam tirar vantagem disso ele já soltou a bola e já caminha para outro espaço onde estará livre para receber. Infelizmente, o Dantas é mais um daquela estirpe que ousa desafiar a complexidade cognitiva com acções tão simples quanto o passe e a devolução. No Benfica há algum tempo que se percebeu o tamanho, a dimensão, que ele já tem; e percebeu-se também onde pode chegar no futuro. Falta o resto do nosso pequeno mundo tomar nota de algo que já é mais que evidente."