"Guarda-redes no clube que o pai fez no bairro pobre, fome, pagode e salgados na rua; Maracugina, o outro segredo
1. Carlos Roberto Silva foi guarda-redes, não chegou onde pôs o sonho. Ao deixar de jogar, criou por Santa Margarida, bairro pobre da zona oeste do Rio, a Associação Esportiva Social e Cultural Mamaô. (Mamaô era a alcunha que tinha). Anderson, o filho mais velho logo se tornou seu guarda-redes - e quando o mais novo chegou aos 12 anos abriu-lhe igual destino. (É ele).
2. Dois anos andou entre postes, Anderson contou-o: «Venho que tinha qualidade para jogar na linha, disse a papal que talvez fosse melhor mudar ele para lá, que ser goleiro é posição ingrata - e papai logo achou que sim, que já tinha até pensado o mesmo». (E como ponta de lança saltitou para o Tigres do Brasil e para o Nova Iguaçu).
3. A caminho dos 18 anos, achou que não era no futebol que tinha a chave do paraíso: «Falei para papai que queria virar pagodeiro - e quase matei ele do coração. Sim, eu cheguei a ter dois grupos: o Juventude do Samba e o Banda Boa Influência, a gente tocava em festinhas do bairro». Deixou de treinar, pôs-se a vender salgadinhos pela rua. «Antes também vendi caldo de cana» - e a vida já lhe andara por outros caminhos de pedras (também foi Anderson quem o contou): «Nosso pai chegou a tirar do almoço dele para pagar a passagem de ônibus, para que ele fosse treinar lá a Mangaratiba...»
4. Pouco se deixou levar pela ilusão do pagode - e, ao chegar aos 20 anos, voltou ao Mangaratinense. (Estava-se por 2012). «Me prometeram 500 reais por mês. 500... quando recebia. E, às vezes, tinha de ficar sem café da manhã, almoço: era pipoca ou pão sem manteiga para a gente se alimentar».
5. No Mangaratinense estava quando o destino se lhe abriu aos pés (num capricho talvez): Francisco Oliveira, português que trabalha para o Benfica, estava na sua casa em Angra dos Reis - e, de súbito, a luz faltou-lhe. Sem TV, alguém o desfiou a ir ver um jogo da quarta divisão carioca, murmurando-lhe: «Tem lá cara que a gente chama Acosta que é fogo». (Acosta é um dos seus apelidos - e por Acosta haveria de entrar, como entrou, na história...) Meteu-se no carro, o que viu logo o deslumbrou: «miúdo rápido, que, de pé esquerdo, fez dois golos - e na semana seguinte outros três». Perguntou-lhe se queria ir fazer uma experiência a Portugal (sem lhe dizer onde). Ouvindo que sim, pegou no telefone - e a Luís Filipe Vieira e a Norton de Matos anunciou-lhes que descobrira um «diamante em bruto»...
6. O Benfica deu-lhe contrato a 1200 euros por mês (pondo-o na equipa B). El pediu a Jessica, a namorada, que viesse juntar-se-lhe. Como era uma ninharia o que recebia. Alan Kardec deu-lhe amparo, pondo-os a viver no seu apartamento. Jorge Jesus não lhe deu uma única oportunidade na equipa principal - e acabou dispensado ao Belenenses. Ainda se aventurou ao Colónia - com Lito Vidigal mostrou o futuro que tinha nos pés em pólvora (e, às vezes, na cabeça também).
7. 2 milhões de euros desviaram-no para o Levante, de lá saltou para o Alavés - onde fez mais do que histórico golo da vitória em Camp Nou, mais do que pôs o Alavés na final da Copa do Rei. (Deliciado, o revelou: «No primeiro jogo no Camp Nou alucinei ao ver Neymar entrar. A gente estava aquecendo e eu sempre olhando para ele, o meu ídolo. O treinador tocava a bola e eu devolvia errado. Ele falava: 'Atenção!'. Mas eu só ficava prestando atenção no Neymar, sem acreditar que eu estava ali com ele...»
8. O seu fulgor por Espanha levou a que Cuca o desafiasse para o Palmeiras (para substituir Gabriel Jesus que o City lhe levara), Bruno de Carvalho pensara nele, o telefonema de Cuca não o deixou um segundo na dúvida - e 5 milhões de euros levaram-no para São Paulo. Doença atirou Cuca para fora dos estádios, ainda andou em fugaz travessia de deserto - com Roger Machado quase não jogou, achava-o... «maluquinho».
9. Com o Palmeiras em negrume, foi Scolari para o lugar de Roger. Para «amansar a fera» usou sessões espirituais com Padre Pedro, para lhe travar a inquietude o irrequietismo pô-lo a tomar maracugina. Ainda teve de lhe suportar uma ou outra briga (que o deixou a jogar com 10) - e foi ele que rasgou a história no golo que fez do Palmeiras campeão. E bem mais fez para além desse golo ao Vasco - seu clube quando andava ainda por Santa Margarida e era goleiro sofrido."
António Simões, in A Bola
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