terça-feira, 23 de outubro de 2018

A noite vibrante dos homens sem descanso

"O Benfica recebeu o América do Rio à luz holofotes. O espectáculo foi grandioso, embora sem golos e com falta de público. Ainda havia o preconceito contra a iluminação artificial nos campos de futebol. Perderam aqueles que ficaram em casa.

O futebol nocturno já era uma realidade mas não uma banalidade. Não admira que, nesse dia 2 de Junho de 1959, pudéssemos ler num período nacional: 'Há quem afiance que o futebol disputado sob luz artificial conduz a uma ilusão de óptica. Todos os movimentos, os dos homens e o da bola, gizados sobre o relvado parecem adquirir uma velocidade invulgar. Na verdade, muitas tem acontecido verificar-se essa ilusão, mas ontem ninguém decerto terá ficado com dúvidas. Houve, de facto, rapidez, acção palpável, ritmo constante e exteriorização de força física e de reflexos'.
Estamos a falar de um jogo amigável entre Benfica e o América do Rio de Janeiro. À noite, pois claro!
O resultado desmentiu, no entanto, todo o festival de ataque oferecido pelas duas equipas.
Perdidas flagrantes, lances contínuos de apuro, momentos cruciantes nos quais Ary e Costa Pereira defenderam as suas balizas como se defendessem a própria vida.
Dizem que José Águas não esteve ao seu verdadeiro nível: se estivesse, não iria para casa sem um ou dois golos no bolsinho do colete.
Faltou, em redor do relvado, uma grande multidão.
Pois é: jogos à noite ainda não eram do hábito dos portugueses.
E a noite foi fantástica, no entanto.
'Este desafio, sem desdouro, alinha ao lado dos mais impressionantes que vimos realizar ao Benfica', contava o cronista. A gente imagina a categoria dos lances interpretados por Alfredo e Palmeiro, Chino e Águas, Santana e Mendes.
Santana: um dos mais injustiçados jogadores que vestiram a camisola encarnada da águia orgulhosa. Uma técnica refinada, uma elegância impressionante, uma formidável apetência pelo golo.
Coluna e Cavém ficaram de fora, por lesão.
O treinador do América era Yustrich, que viria a fazer história no FC Porto.
'Ambos os adversários se equivaleram, alternando nas situações de comando ofensivo, na eficácia e brilho da tarefa defensiva e no espírito da luta no qual teve amplo cabimento e serenidade de certos choques que raro se caracterizam pela deslealdade ou pela intenção malévola',
Foi tão a sério esse amigável!

Uma pepita de ouro
jogos assim: ninguém se recorda deles e, apesar de tudo, foram fantásticos. É preciso descobri-los em imagens velhas, em páginas de jornais amarelecidos pelo tempo, trazê-los à superfícies como pepitas de ouro que não se desvalorizam apesar do esquecimento.
O Benfica - América foi um deles.
'Noventa minutos decorridos em ritmo alucinante, sem uma trégua, um momento de ociosidade ou retardamento da manobra para recuperar energias esbanjadas a rodos. Carregou-se num hipotético botão e jamais se lhe tirou o dedo de cima. Um tratado de aplicação, do pundonor e de explanação de futebol moderno, de ataque e de defesa, o que é rato ver-se num ciclo em que predomina a preocupação das tácticas defensivas. Se o virtuosismo táctico dos brasileiros não ofereceu dúvidas de uma manifesta superioridade (homens elásticos que sabem acariciar a bola), não deixou de ser um prazer constatar-se a capacidade do Benfica, alicerçada numa alma gigantesca, e que em vários trechos não ficou a perder no encontro'.
Que dizia eu? Basta fechar os olhos e imaginar o corre-corre dos jogadores sobre a relva, golpe e contra-golpe, bola perdida e bola ganha, um nunca mais acabar de lances divididos, exigindo do físico, dos músculos e das articulações.
Quem ficou em casa ficou a perder.
Por duas ou três vezes, em gestos emocionantes, os encarnados estiveram à beira da vitória. Águas, o cavalheiro do golo de costas viradas para ele. Abanou a cabeça. Sentiu os erros.
Um tiro de Mendes, a trinta metros: um defesa (Amaro?) que desvia para canto.
A arte de Lucio e Leônidas absorve palmas admirativas.
Alfredo ergue-se numa imensidão de cortar o fôlego: o centro do terreno é dele.
Espera-se o golo a qualquer momento.
A espera estende-se a todo o comprimento dos minutos. Um a um escorrendo na ampulheta do tempo até aos 90.
Ninguém sai frustrado de um espectáculo vibrante que provoca sobressaltos atrás de sobressaltos e exclamações de espanto em uníssono.
Talvez nenhum mereça vencer. Mas merecem ambos ficar presos na parede branca da casa da memória."

Afonso de Melo, in O Benfica

Um pintor com amor à camisola

"Barata Moura, o artista que dedicou mais de um quarto da sua vida em prol da actividade cultural do Benfica

José Barata Moura (1911-2011), o conhecido pintor das beiras - assim referido pela sua obra representar maioritariamente paisagens do concelho do Fundão, onde nasceu -, tinha outro tema que o inspirava: o desporto. Da sua vida centenária, dedicou mais de um quarto a colaborar activamente com o Sport Lisboa e Benfica.
O fascínio pela pintura surgiu-lhe quando, com 10 ou 11 anos, viu Eduarda Lapa a pintar. 'Fiquei embriagado. Comprei uma paletezinha com pastilhas de aguarelas.. e comecei a pintar!', contou ao jornal O Benfica. Aos 17 anos, decidiu estudar pintura e rumou a Lisboa, para ingressar na Escola de Artes Aplicadas. Na capital, aproximou-se do Benfica e, em 1957, ao conhecer o programa de expansão cultural do Clube, fez-se sócio e integrou a Secção Cultural (que passaria a designar-se Comissão de Estudos e Cultura em 1965).
No final de 1958, expôs pela primeira vez na secretaria do Clube, no Jardim do Regedor. A 'exposição (...) de características inteiramente desportivas' contava, entre as obras apresentadas, com 'uma série de retratos - incluindo de dirigentes e campeões', 'apontamentos desenhados durante várias provas de modalidades' e 'até um óleo - aspecto do Estádio em dia de desafio'.
Mas essa não seria 'filha única'. Durante a sua colaboração com o Benfica, realizou diversas exposições em instalações do Clube, de 'entrada livre para sócios, não sócios e suas famílias'. Em 1964, por exemplo, apresentou um conjunto de paisagens inspiradas nos bicampeões europeus. A inspiração disse, surgiu após uma visita ao Lar do Jogador: Troquei então interessantíssimas impressões sobre viagens e arte com os nossos «bicampeãoes»... E sem que eles sonhassem, sequer, iam-me dando o «mote», (...) indicando-me assuntos para eu pintar'. Entre as obras encontravam-se Crepúsculo no Estoril, Moinhos do Barreiro e Um bom petisco - sardinhas assadas, inspiradas em Costa Pereira, José Augusto e Ângelo, respectivamente, 'demonstrando que o jogador não é apenas o homem do músculo, mas que tem sensibilidade para saber compreender e apreciar outros aspectos da vida do espírito também'.
No Museu Benfica - Cosme Damião, na área 16 - Outros Voos, Barata Moura é recordado através do retrato a óleo de Orlando Settimelli pintado em homenagem ao fundador do orfeão do Clube."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

Benfica: apontar não é feio

"Luís Filipe Vieira apontou o caminho para um novo título europeu do Benfica. E, neste caso, apontar não é feio.
Outra coisa diferente, mesmo que nos digam por onde ir, é chegar ao destino.
O exercício é simples. Em 25 anos, apenas duas equipas de fora das cinco grandes ligas se sagraram campeãs europeias: FC Porto e Ajax. Nos outros 23, a ditadura do dinheiro não permitiu quaisquer sonhos a emblemas de ligas mais pequenas.
Aliás, basta olhar as finais por outro lado: quem as disputou.
Em 50 equipas que chegaram ao último jogo da Champions, apenas três foram de uma liga dita menor: o Ajax de 95, o Ajax de 96 e o FC Porto de 2004. As restantes 47 eram de Espanha, Inglaterra, Itália, Alemanha ou França.
É um número brutal. Quer outro? Nesses 25 anos, das 100 equipas que disputaram as meias-finais, 92 eram das cinco grandes ligas.
Portanto, apenas oito vieram de campeonatos periféricos.
FC Porto em 93/94 e 2003/04
Ajax em 94/95, 95/96 e 96/97
Panathinaikos em 95/96
Dínamo Kiev em 1998/99
PSV, a última, em 2004/05
Provam os números que chegar aos quatro últimos da UEFA Champions League é um feito extraordinário para alguém que não joga em Inglaterra, Espanha, Alemanha, França ou Itália.
Pense nisto: nunca na História da Taça/Liga dos Campeões Europeus existiu um período tão prolongado como agora só com equipas das Big Five nas meias-finais. O fosso aumentou claramente.
Extraordinário e histórico, acrescente-se então sobre quem de Holanda, Portugal, Bélgica, Ucrânia, Rússia, etc, conseguir furar a regra estabelecida pelo poderio financeiro.
Claro que essa equipa também pode ser o Benfica. Não agora, não já, mas lá à frente onde o futuro é muito incerto.
Uma declaração daquelas de Vieira tem eco, porque aponta a um fim longe da realidade actual quando se pensa nos registos de cima e a maioria dos adeptos fixa-se aí. Creio, porém, que aquela afirmação acarreta inevitabilidade.
Sem a mesma quantidade de dinheiro que clubes de outras economias resta ao Benfica fazer diferente: se não pode comprar, cria; se não pode adquirir, já não pode achar que 15 milhões são uma anormalidade de dinheiro. A inevitabilidade está aqui.
Em 2014, Luís Filipe Vieira dizia: «O Benfica não pode ignorar uma proposta de 15 milhões por um jogador que nunca jogou na equipa principal.» Ainda que nenhum clube de ligas menores se possa dar ao luxo de não vender, um olhar rápido ao lado direito da selecção diz que o que talvez fosse verdade há quatro anos, provavelmente já não o é em 2018.
Dizia que apontar, neste caso, não é feio. Feio é não seguir o que se aponta, com a certeza de que quando os demasiado ricos dizem isto, o meio passa a ser muito mais relevante do que o fim que ele anuncia."

Direitos desportivos. #somostodosadeptos

"Já passaram quase cinco meses desde que a Eleven Sports adquiriu os direitos da Liga dos Campeões e da Liga espanhola, em concorrência com a Sport TV. Mas até agora perdemos todos. 

Está aí à porta mais uma jornada da Liga dos Campeões. Para os amantes de futebol, dificilmente alguém descortinará competição mais espectacular do que esta. Mas vivemos tempos de incerteza. Ou, pelo menos, de algum desconforto. Todos queremos ver os jogos, mas não sabemos muito bem como, nem onde. Sim, eu sei, parece estranho.
Desde final de Maio, e já passaram quase cinco meses desde que a Eleven Sports adquiriu os direitos da Liga dos Campeões e da Liga espanhola, que estamos a assistir a um novo paradigma em Portugal. A entrada em cena deste novo player num ecossistema, até então monopolizado pela Sport TV, na luta pelos direitos televisivos das mais mediáticas competições europeias, veio levantar dúvidas em muita gente. A primeira das quais nos adeptos que apenas e só querem ter acesso aos conteúdos, de preferência pelo menor custo possível.
Perguntas como: Onde posso ver? Que tenho de fazer? Quanto tenho de gastar?, ecoam ensurdecedoramente todas as semanas. Não era preciso alongar-me muito mais, para já se ter percebido que a mensagem ainda não passou. E repito, já passaram cinco meses. Mais, a mensagem ainda não passou para o vector mais importante deste problema: Os adeptos. Acontece muito, não só em Portugal, os grandes decisores esquecerem-se de quem, no final das contas, lhes garante a subsistência.
Meus caros, #somostodosadeptos. Temos assistido a diferentes estratégias, muito centradas em guerras de bastidores e muito pouco nas pessoas.
Começando pela Eleven. Entrou no mercado em força, conseguiu fazer o mais difícil e bateu a concorrência em conteúdos premium como a Liga dos Campeões, La Liga, Bundesliga, Ligue 1, só para citar os mais mediáticos. Os problemas começaram quando foi ‘obrigada’ a colocar o produto numa operadora sem expressão em Portugal. “A única operadora independente”, justificam-se. Sob o lema #forthefans, o que é certo é que o número de consumidores com acesso ao conteúdo é ainda muito reduzido. Meus caros, #somostodosadeptos. Sabendo que MEO, NOS e Vodafone têm cada uma 25% da rival Sport TV, não é crível que a Eleven fosse ingénua ao ponto de pensar que estas lhe estenderiam a passadeira. Acredito que a crença de que a força do produto pudesse ser suficiente tenha motivado este raide no mercado português. E atrevo-me a dizer que num outro qualquer mercado, sem as singularidades do nosso, o seria. Por outro lado, parece-me pouco compreensível que não tenha garantido um lugar na mesa das negociações pela revenda e redistribuição pós-Nowo. 
Futebolisticamente falando, a Eleven, assiste a este momento fulcral para o seu sucesso sentada na bancada, qual adepto crente, esperando até ao último minuto do tempo de descontos para que a sua equipa consiga marcar o golo salvador… Com tanto dinheiro investido, digamos que é no mínimo arriscado. A ver vamos.
Continuando pela Sport TV. Sem Liga dos Campeões, sem La Liga e sem Ligue 1, a Sport TV viu diminuída significativamente a sua oferta em termos de conteúdo premium – mantendo no entanto o preço da assinatura mensal. Valha a verdade, e por mais que nos pareça a todos um absurdo, esta estratégia era fácil de adivinhar. E para além disso, fácil de explicar.
Esta estratégia assenta basicamente na convicção de que não será expectável que os assinantes cancelem a subscrição e deixem de ter acesso à maioria da LIGA NOS (com excepção do Benfica em casa) ou à Premier League. Por conseguinte, qualquer redução do preço significaria aumentar a disponibilidade financeira do consumidor para subscrever a Eleven, seu concorrente. E obviamente isso não lhes interessa.
Meus caros, #somostodosadeptos.
Por fim, a Nowo. Poucos seriam os portugueses que sabiam que existia. Uma coisa é certa, a Nowo já ganhou. Ganhou expressão, ganhou mediatismo, ganhou certamente clientes. Do seu lado, e voltando à gíria futebolística, encontra-se de ‘cadeirinha’. E, mais uma vez, até me atrevo a adivinhar a sua estratégia.
Vai continuamente ganhar clientes nos próximos meses, não só os particulares, mas nomeadamente nos bares, cafés e restaurantes. Atingindo uma quota de mercado razoável, e certamente multiplicando várias vezes a que teria antes da compra destes direitos, revenderá os mesmos à Vodafone, MEO e NOS. Ganhará nas duas frentes: fidelização e maior quota clientes bem como na referida revenda. It’s not rocket science.
É desde aqui que se levantam inúmeras questões, que poderemos (ou não) ver respondidas nas próximas semanas.
1. Quanto tempo, e dinheiro, terá a Eleven para esperar que a Nowo chegue a acordo com as restantes operadoras?
2. Quer mesmo a Nowo revender os direitos? Ou prefere esperar e aproveitar os conteúdos da Eleven para ganhar quota de mercado?
3. Querem as restantes operadoras ser parte da estratégia da Eleven para combater a posição (ainda) dominante da Sport TV?
4. Se, por absurdo, a Nowo estivesse disposta a oferecer os conteúdos a custo zero, as operadoras teriam interesse em distribuí-lo?
5. Quanto tempo vão UEFA e La Liga aceitar que o seu produto não tenha exposição num mercado pequeno, mas apaixonado, como Portugal?
6. Posto isto, será isto assunto para a Autoridade da Concorrência?
Em suma, até agora perdemos todos. Por isso, façam um esforço e lembrem-se de quem verdadeiramente importa, porque #somostodosadeptos."

Da arrogância à humildade: José Mourinho é agora igual aos iguais

"Um dos melhores treinadores da história do futebol! É esse o carimbo que Mourinho vai carregar até ao final da sua carreira (que ainda está bastante longe), independentemente dos acontecimentos futuros.
Desde que chegou, sempre foi uma personagem que não deixou ninguém indiferente – cativava ou criava repulsa – por força da forma como apresentava as suas convicções, e da segurança com que as proferia. Ele criou uma personagem prepotente que lhe permitiu influenciar as equipas de forma positiva, mostrando-lhes que, juntos, poderiam alcançar grandes feitos.
Tinha uma confiança inabalável nas suas ideias e a equipa em campo era o reflexo inquebrável disso mesmo. Era arrogante, porque pensava que as ideias que tinha eram as melhores e, por isso, desenvolvia todo o jogo da equipa e moldava cada jogador para responder às exigências do seu modelo de jogo.
Para muitos, como eu, inspirador. Fez com que um miúdo que ainda jogava à bola sonhasse chegar mais alto como treinador do que como jogador, pela coerência entre o que dizia, o que fazia e o que a equipa jogava.
A dita arrogância era um dos maiores valores das equipas de Mourinho! Era de um valor inestimável a autoestima, a confiança nos seus processos de jogo, a solidariedade e a conexão com o treinador que os jogadores mostravam. O desejo e a vontade de conquistar o mundo, dominar o jogo, ou, nas próprias palavras de Mourinho, dar ao adversário “massacres que nem respiram”, eram o selo que diferenciava as suas equipas de todas as outras.
Era o que o diferenciava do resto. Havia uma congruência enorme em tudo o que fazia e as suas equipas demonstravam-no de forma inequívoca e arrogante. Não há uma equipa na história que tenha ganho muito, e consecutivamente, sem essa arrogância, sem esse sentimento de superioridade. Havia equipas com individualidades incríveis que ficaram para trás no somatório dos títulos ao longo dos anos e aí os títulos apareciam como consequência de uma ideologia diferente. Resultavam de uma forma “Grande” de pensar e de viver o jogo. Não bastava chegar ao pódio; Mourinho desafiava o Olimpo.
No Inter de Milão, onde ganhou, e ganhou muito no seu segundo ano, ficou convencido que tinha lá chegado.
Despiu-se das convicções com que tinha chegado até ali e dizia ter encontrado um grupo de jogadores incapazes de executar a sua ideologia. Mudou! Mudou e ganhou como nunca antes na sua carreira, e essa conquista levou-o à humildade.
Hoje, Mourinho diz ser mais humilde, por ser mais flexível nas suas ideias e por não trabalhar especificamente para uma forma de jogar. Molda-se aos jogadores para que eles se moldem também ao adversário. Não é fundamentalista de um estilo e a humildade de que agora se gaba levou-o a uma mudança drástica de registo.
“Hoje”, junta-se a um número enorme de treinadores humildes cujas conquistas não marcam, não cativam e causam indiferença. Não se distingue dos demais e, por isso, apenas esporadicamente vai vencendo.
Num passado recente, se alguém perguntasse quem era José Mourinho, todos conseguiriam responder com um número de características que faziam sentido para ele, e que eram devidamente visíveis nas suas equipas.
No presente, é tanta a confusão com que ele nos brinda (desde os jogos onde diz querer assumir a bola, jogar entre linhas e pressionar alto, aos jogos onde quer é despachar a bola, esperar perto da área e jogar para não sofrer golos; aos jogos onde quer que os seus jogadores joguem com marcações individuais; aos jogos onde prefere que se comportem de forma zonal; até aos jogos onde junta as referências todas, deixando aos jogadores a interpretação de cada momento) que não sei bem caracterizar Mourinho.
Diz que se tornou mais estratega e que joga mais em função do adversário. Pois bem, é essa falta de arrogância, é o facto de se submeter à vontade do adversário que o torna, agora, igual aos iguais. 
“Mostra-me como joga que eu digo-te como treinas”. A frase é de Mourinho e é bastante elucidativa da mudança. Olhando para o jogo do Manchester United, Mourinho não seria capaz de perceber “como é que a equipa treina” e para que treina. A humildade levou as regularidades e trouxe uma confusão tal ao nível dos comportamentos que os jogadores não sabem o que fazer, como fazer, quando fazer.
É através do jogo que se percebe que os jogadores não estão convictos do que têm que fazer, que não são verdadeiramente uma equipa. É dos comportamentos tão díspares e desligados que demonstram em campo que se entende que a equipa não treina regularmente em torno de uma ideia sua. Ou melhor, que a equipa treina diariamente em torno da ideia do próximo adversário. E isso, por mais anos que passem, é uma forma pouco eficiente para transformar um conjunto de jogadores numa equipa, porque não lhes é dado nada que seja exclusivamente deles. Daí a desconexão, a disparidade e a quantidade de informação incongruente que (a humildade) transmite nas conferências de imprensa.
Johan Cruyff disse que havia dois grupos de treinadores: os corajosos e os outros. E, mesmo havendo algum exagero nas palavras do génio holandês, a verdade é que Mourinho já não pertence ao pequeno e restrito grupo dos corajosos."

As notícias estão loucas?

"No mundo pós-verdade, ou auto-verdade, a mentira prolifera: na falsificação de resultados eleitorais, na manipulação dos factos, na criação de ambientes propícios a certas propostas políticas.

Em tempos idos, que não era melhores do que os actuais – nenhum tempo do passado é melhor ou pior, é apenas diferente -, ouvíamos ou líamos notícias para sermos informados.
E acreditávamos nelas. Por vezes, à leitura de um texto demasiado alinhado, favorável às teses de alguém, força política, personalidade, acusado ou acusador, podíamos suspeitar tratar-se de um frete feito a essa força ou pessoa, mas era fácil de interpretar.
Nesse tempo falávamos de fontes, de gestão dos fluxos de comunicação, de “gate keepers”, e confiávamos nas notícias. A maior parte, como hoje sucede, víamo-las na televisão, ouvíamo-las na rádio – em geral no caminho para o emprego –, nos jornais e revistas da nossa preferência.
Hoje a informação parece ter enlouquecido. Às fontes tradicionais, ao labor honesto e por vezes frustrante dos jornalistas, substituiu-se o frenesim das redes sociais, em que cada um pode ser uma fonte; e estranhas centrais de desinformação fabricam inverdades (neolíngua para mentiras).
Vivemos a era da pós-verdade. Há dois anos, os dicionários Oxford elegeram-na “palavra do ano”. A expressão não é nova, sendo o seu uso pela primeira vez atribuído ao americano Steve Tesich, em 1992. Pós-verdade significa, numa frase, o uso de argumentos emocionais, de apelo às crenças e aos medos individuais, para a obtenção de ganhos (políticos, em geral). O dicionário Oxford define-a como “relacionando ou denotando circunstâncias em que os factos objectivos são menos capazes de moldar a opinião pública do que o apelo às emoções e crenças pessoais”. Daí não adviria problema especial se esses argumentos não falseassem a verdade e os factos. O que fazem.
A pós-verdade é a era das chamadas notícias falsas – as “fake news” tomaram conta das redes sociais, com o Facebook à cabeça. De acordo com o site “statista”, entre Agosto de 2016 e a data das eleições americanas, o FB partilhou, comentou ou reagiu 8,7 milhões de vezes a notícias falsas, e apenas 7,3 milhões a verdadeiras. E essas notícias viajam à velocidade da Internet: uma informação falsa pode dar a volta ao Mundo instantaneamente.
Mas as notícias falsas não ficam confinadas às redes sociais e à Internet, são cada vez mais repercutidas pelos órgãos de comunicação social “mainstream”, os que todos lemos, vemos ou ouvimos diariamente. Dá menos trabalho e, sobretudo, permite estar à frente da concorrência (que faz o mesmo). Há excepções, mas são cada vez menos.
Por outro lado, as pessoas tendem a basear-se nas crenças e juízos moldados cultural ou socialmente ao longo das suas vidas, e a não prescindir deles. É difícil separar o trigo do joio, a verdade da falsidade. Sabendo disso, os criadores das notícias falsas, bem como robots alimentados a “machine learning” (através dos algoritmos de aprendizagem), moldam as suas histórias a essas crenças e juízos. Haverá notícia mais desejável do que a que confirma ou justifica aquilo em que já acredito? Haverá notícia mais bela e desejável? E rejeitar, à contrário, todas as notícias e factos, sobretudo estes, que contrariam as nossas convicções? Como escreveu uma jornalista brasileira, já não se trata de pós-verdade, mas de “auto-verdade”. Acreditamos naquilo em que escolhemos acreditar. Quando em plena campanha Trump foi noticiado que o Papa Francisco lhe tinha declarado o seu apoio, a notícia, naturalmente falsa, deu a volta ao mundo em poucos dias, chegando a milhões. Os fãs de Trump não mais quiseram voltar a ouvir o contrário.
E em Portugal? Os portugueses indignaram-se com um vídeo sobre a agressão a um sem-abrigo e foram milhares as reacções de ódio nas redes sociais? Fake news. Mas o ódio racial vai crescendo, insidioso, latente, à espreita. A divulgação de uma fotografia de alguém que seria a (futura) nova PGR em casa de Sócrates levou milhares a indignar-se. Mesmo sem ter visto, apenas por ouvir dizer. Fake news. Mas a suspeita ficou. Em Portugal, 61% dos portugueses diz identificar notícias falsas pelo menos uma vez por semana. Não é mau mas é pouco, considerando os milhares que circulam. Dizem-nos que vários sites de “fake news” estão alojados no Canadá, com notícias inventadas sobre a política portuguesa, as quais são multiplicadas por vários grupos no FB. O caso do relógio da Catarina Martins é um exemplo – e li comentários indignados nas redes sociais.
No mundo pós-verdade, ou auto-verdade, a mentira prolifera: na falsificação de resultados eleitorais, na manipulação dos factos, na criação de ambientes propícios a certas propostas políticas. O populismo alimenta-se dela e cresce graças a ela, imune à verdade. Um apoiante incondicional de um chefe populista pura e simplesmente não escuta, não vê, não liga a qualquer notícia que descredibilize o seu amado líder; para ele, são todas fake news.
O problema da pós-verdade é que não há remédio milagroso. O que a distingue, ou à auto-verdade, como lhe chamei, é a resposta pública que o uso das novas tecnologias e das redes sociais promove e potencia: resulta a polarização da opinião, o sentimento de clã, a deriva auto-identitária. A agressividade (bastar visitar certos blogs ou caixas de comentários). O resultado ameaça o nosso modo de vida, a democracia como a conhecemos, cria culpados instantâneos e torna-nos totalmente vulneráveis perante um espaço público exacerbado e perigoso.
E por isso não podemos resignar-nos. Temos de reagir. A começar pelo reforço da precaução em relação às notícias, mesmo as veiculadas por respeitáveis meios de comunicação. Cada um de nós pode ser um zeloso vigilante contra a mentira, sobretudo a que medra e prospera na Internet.
Só assim a democracia e a decência poderão vencer. Afinal, vistas bem as coisas, uma fake news mais não é do que uma mentira com esteroides."


PS: Nos últimos dias têm-se sucedido as colunas de opinião, em jornais portugueses, sobre a temática das Fake News! Seja sobre o Trump, o Bolsonaro, a PSP, Catarina Martins... etc...!!! Curiosamente, nos últimos 2 anos, temos assistido à maior campanha negra, com Fake News à mistura, que alguma vez Portugal assistiu, contra o Benfica, e nenhum destes senhores ou senhoras que agora escreve, tiveram a coragem de opinar sobre o tema...!!!

“Sabia que...“ (...) esclarece todas as dúvidas sobre os insultos, a celebração de golos e a famosa lei da vantagem

"A pausa dos campeonatos acabou por abrir espaço para falarmos, nesta crónica, sobre três situações de jogo cuja decisão correta o caro leitor pode ter dúvidas ou, porventura, até desconhecer por completo.
Porque, em boa verdade, o saber não ocupa espaço e todo o ensinamento é curto para percebermos a verdadeira dimensão das regras que circunscrevem o mais apaixonante dos jogos.
Então vamos a isso:
1 - Palavras ofensivas ou grosseiras
Sabia que, se um jogador usar de linguagem injuriosa ou grosseira em direcção a um árbitro (ou adversário ou, até mesmo, colega de equipa), não é punido com pontapé livre directo ou com pontapé de penálti?
A Lei 12 é clara e refere expressamente que "as infracções verbais" (mesmo os meros protestos, puníveis com cartão amarelo) são punidas com... pontapé livre indirecto.
Claro que isso pressupõe que o jogo esteja a decorrer e que o árbitro o interrompa para punir quem se exceda na linguagem.
Portanto, já sabe, sempre que vir algum defesa, dentro da sua própria área de penálti, ser expulso por injuriar directa e inequivocamente um adversário, não espere pelo castigo máximo. Ele não vai acontecer.
Nota - Não confundir "injuriar" com o desabafo, tantas vezes compreensível, que os jogadores podem ter, depois de disputarem um lance mais intenso ou impetuoso. Eles estão sob enorme pressão, a viver momentos que mexem com a adrenalina.
Essa linha, a que separa o limite máximo da frustração com o da ofensa pura e dura, deve ser bem calibrada pelo árbitro, a quem se exige bom senso.
2 - Celebração de Golos
Sabia que a lei especifica quais as situações em que um jogador deve ver o cartão amarelo devido a festejos exacerbados, aquando da celebração de um golo?
De facto, marcar é o ponto alto do jogo e deve ser comemorado com alegria máxima.
No entanto, a lei baliza alguns limites que, concordando-se ou não, devem ser levados em conta. 
Assim sendo, será advertido o atleta que:
A - Trepar as redes da vedação e/ou se aproximar dos espectadores, originando problemas de segurança;
B - Fizer gestos ou atue de uma maneira provocatória, de troça ou inflamatória;
C - Cubra a cabeça ou a cara com uma máscara ou outro artigo semelhante;
D - Tire a camisola ou cubra a cabeça com ela.
Se tiverem mensagens de conteúdo político, publicitário, religioso ou de outra natureza (por exemplo, na camisola interior), não serão advertidos mas o árbitro está obrigado a dar disso conta no seu relatório de jogo. A punição (ou não) ficará a cargo da entidade organizadora da competição. 
Naturalmente que, caso um jogador perca tempo de maneira tão evidente quanto desnecessária, pode também ver o amarelo. Vê-lo-á aí como em qualquer outro momento de jogo em que isso se verifique.
Moral da história - Comemorar sim, mas com desportivismo e respeito pelas regras, pelo adversário e... pelo público.
3 - Lei da vantagem
Sabia que a LV não é uma lei, em si, mas apenas uma das muitas premissas da Lei 12 (Faltas e Incorrecções)?
O que hoje queremos chamar a atenção é para uma situação de jogo que acontece com frequência e que pode voltar a acontecer já na próxima jornada:
- Dizem as regras que a vantagem não deve ser aplicada em situações de falta grosseira, conduta violenta ou numa segunda infracção passível de advertência, a menos que se trate de uma clara oportunidade de golo.
Ou seja, sempre que um jogador tiver que ser expulso, o árbitro deve interromper logo a partida, a menos que da sua continuidade resulte uma óbvia oportunidade de golo para a equipa lesada.
Mas, na prática, nem sempre isso acontece.
Isto porque, não raras vezes, o árbitro não se apercebe, de imediato, de quem fez a infracção (focou exclusivamente na possível continuidade da jogada).
Também porque, devido ao número de cartões entretanto exibidos, o árbitro pode não se recordar que o infractor já tinha visto antes o cartão amarelo.
Há casos ainda em que a lei da vantagem pode ser tão útil para a equipa que sofreu a falta, que seria quase "criminoso" interromper o jogo, porque isso daria a sensação exterior de benefício ao infractor. Não seria a decisão que o futebol esperaria.
Quando isso acontece, é importante perceber o seguinte:
A - Se a infracção aconteceu no sentido de cortar uma clara oportunidade de golo (ex: defesa, fora da sua área, rasteirou avançado, que ia isolado em direcção à sua baliza) e, após a lei da vantagem, o lance até acabou por resultar em golo... o infractor já não será expulso: verá apenas o cartão amarelo, por comportamento antidesportivo.
No fundo, atenua-se a gravidade disciplinar daquela conduta porque ela acabou por ser inconsequente. Não obteve o seu objectivo principal, que era evitar um golo quase certo.
Faz sentido, certo?
B - Se, em qualquer outro tipo de lance, o árbitro acabar por aplicar a LV para depois expulsar (ou exibir a segunda advertência), deve então actuar disciplinarmente na primeira interrupção de jogo.
No entanto, se antes disso, o infractor voltar a jogar a bola, disputá-la com um adversário ou, de algum modo, interferir com ele, o árbitro deve interromper de imediato a partida e expulsá-lo.
Isto para quê? Para que alguém que supostamente já não devia estar a participar no jogo não venha, por exemplo, a ter influência no resultado.
Imaginem o que seria um jogador que iria ver o segundo amarelo na interrupção seguinte, marcar antes disso o golo que decidiria o resultado, a eliminatória, o campeonato? Injusto, verdade?
Nesses casos - em que interrompia o jogo quando o referido jogador interferisse com o jogo/adversário - a partida recomeçaria com um pontapé-livre indirecto (se ele tivesse jogado a bola, por exemplo) ou com pontapé livre directo/penálti, se tivesse cometido infracção mais grave (por ex, rasteirar adversário na sua área). 
Parece difícil... mas, na prática, é bem mais fácil do que parece. Vamos estando por aqui."

Sabe quem é? Um Dean de chuteiras - Vítor Baptista

"Levou o cão, o treinador teve de deixá-lo ficar preso ao poste; Hagan atirou-lhe bola à cara, safou-se da pedra...

1. Ainda antes dos 18 anos, assinou com o primeiro contrato profissional. «Deram-me uma insignificância de luvas: 15 contos - e 3000 escudos de ordenado. Para quem tão pouco tinha, pareceu-me uma fortuna, claro...»

2. Fernando Vaz abriu-lhe a equipa que ganhou à Académica a final da Taça de 1967. Era já estrela quando se chegou a Março de 1970. Por Setúbal andava Pedroto - e encantou-se com o isqueiro de ouro que lhe viu na mão, nas Antas. Pedroto prometeu-lhe: «se marcares dois golos é teu». O Vitória venceu o FC Porto por 3-0 e aos 57 minutos já tinha o isqueiro ganho.

3. Fulgurante, a sua época em 1970-1971. Só na última jornada perdeu a Bola de Prata para Artur Jorge. Comprometera-se com o Sporting - mas o Benfica correu a desviá-lo de lá. O Vitória arrecadou 3000 contos (que actualmente seria menos que 800 mil euros) - e ainda ficou com José Torres, Praia e Matine. «Eu? Não fui muito beneficiado. Fui ganhar 40 contos por mês, já com luvas». (Os 40 contos não chegariam agora a 10620 euros).

4. Os dias foram correndo em vertigem, com ele vivendo numa espécie de James Dean de chuteiras. Na queda da ditadura, um capitalista assustado com os ventos do PREC vendeu-lhe um Jaguar por 150 contos. Contratou um motorista, comprou-lhe traje a preceito, exigiu-lhe que andasse sempre assim (de boné e tudo...) nas viagens que o levavam de Setúbal para Lisboa e de Lisboa para Setúbal.

5. Lançou-se, entretanto, em braço de ferro: «Sou o melhor futebolista português, sou o Maior, pelo dinheiro que me pagam não jogo mais no Benfica». Umas vezes aparecia a treinar, outras não. (Antes, já chegara a levar cão para o treino, obrigando o treinador a deixá-lo ficar preso a um dos postes da baliza). Era já Outubro de 1975 quando renovou: «Estava mentalizado para ficar um ano sem jogar, se fosse preciso. Felizmente para o Benfica, isso não aconteceu. Chamam-me tudo e mais, alguma coisa, mas eu faço vida de verdadeiro profissional. E, comigo, agora, o Benfica volta a ter grande equipa!»

6. No último domingo de 1976, o Benfica bateu o Leixões por 3-1 - um golo marcou. A caminho do balneário insultou Alder Dante. O árbitro fez de conta que não ouviu, um adepto seu, ouvindo-o, repreendeu-o com um piropo - descalçou a chuteira, só não lhe acertou com ela no rosto porque a grade metálica o impediu. Foi suspenso por seis jogos. Mortimore não o utilizou mais a titular (e foi o ano do seu último título no Benfica).

7. Na temporada de 1977-78, Mortimore voltou a lança-lo a jogo - e o Benfica foi a Moscovo jogar com o Torpedo para a Taça dos Campeões. Mosquitos por cordas se notaram logo no aeroporto: «Eu vestia calças de ganga, os outros levavam fatos e calças de fazenda. Também ia de chinelas, estava na moda. Directores e o treinador disseram-me que era feio estar assim vestido e mandaram-me mudar de roupa. Não mudei, é mentira terem-me metido no avião à força».

8. Em Moscovo, levantou-se o rumor de que decidira não jogar, afirmando: «Disseram-me que os russos são amadores, não jogo contra amadores - só jogo contra profissionais». Que não foi bem assim, revelou-o em A Bola: «O que é verdade, verdadinha e que senti dores ao sprintar e disse ao sr. Mortimore que só jogaria se, no caso de se agravar a lesão, o Benfica me pagasse o ordenado por inteiro durante a inactividade. A resposta foi não - perante isso disse que então, era preciso arranjarem outro para colocar no meu lugar...»

9. No regresso da URSS, Ferreira Queimado suspendeu-o. Toni convenceu o presidente a dar-lhe mais uma oportunidade. Deu-lha - e contra o Boavista no desafio seguinte até foi dele o passe para o golo de Chalana que permitiu o empate (Campeão não foi, foi o FC Porto de Pedroto...).

10. Amuado por o Benfica não lhe querer aumentar o ordenado e dar-lhe um Porche foi para Setúbal ganhar seis vezes menos. Por lá, cruzou-se com Jimmy Hagan - que, certo dia, cansado dos seus desatinos, lhe atirou com chuteira à cara. Foi buscar uma pedra e, enfarinhado, atirou-lhe em urro: «Agora, faz lá o mesmo com isto, se tiveres coragem!» Não fez - e andava, cada vez mais arrastado, a caminho do abismo, levado pela droga."

António Simões, in A Bola

“A malta tinha a mania de dizer que era vadio. Mas eu não ia sozinho: eu dançava, outros encostavam-se ao balcão para não caírem no chão”

"Depois do início de carreira por terras algarvias, da breve passagem pelo seu amado Benfica e de jogar no clube da cidade onde ainda vive, Setúbal, Rui Esteves tornou-se no primeiro português a jogar futebol na Coreia, isto ainda no século passado. Aos 51 anos mantém o mesmo espírito jovem, alegre e livre que o levou a virar costas a clubes, responder a presidentes e a ajudar os amigos sempre que é necessário. Diz que nunca foi um futebolês, nem quer ser e que acima de tudo ama o desporto 

Nasceu onde?
Numa clínica privada na Av. da República, mas a minha infância foi toda em Benfica, porque o meu pai, José Manuel Esteves, era completamente louco pelo Benfica.

O que fazia o seu pai?
Esteve sempre ligado ao basquetebol. Tinha o seu trabalho no banco, mas foi sempre uma pessoa ligada ao basquetebol, chegou a ser profissional e foi treinador. E a minha mãe, Edite Esteves, é jornalista mas também esteve ligada ao basquetebol. Por isso, lá em casa, o desporto esteve sempre presente.

Começou por praticar o quê?
Fiz atletismo no Benfica, federado. Lembro-me de ser puto e de fazer os 200 m, o salto em altura...Joguei basquetebol também, lembro-me de terem posto um contrato à frente para assinar e de virar-me para o Sr. João Donato, o meu treinador, que era o dono da Valentim de Carvalho, e dizer-lhe: "Não, Sr. João. Agora apetece-me ir jogar futebol". E fui jogar futebol.

Era um rebelde?
Não acho que isso seja rebeldia. Acho que isso é gostar de fazer desporto. Estou sempre a dizer que gostaria de ter vivido nos anos 50, altura em que o Jesus Correia jogava hóquei em patins e depois foi jogar futebol. O Costa Pereira jogava basquetebol e futebol no Benfica, ao mesmo tempo. Se pudesse, era nessa altura que gostava de jogar, para praticar vários desportos ao mesmo tempo.

Tinha talento nato para o desporto?
Sempre tive talento para todos os desportos, menos andar de patins. Tudo o que fosse especialmente com bola, tinha jeito. E adoro desporto. Ainda hoje. Os meus amigos vão a minha casa e levam com 4/5 horas de etapas da Volta a França. Vão-se logo embora (risos). Vejo tudo. Em casa tenho uma televisão só para mim. Papo tudo, baseball, râguebi, ciclismo, basquetebol, andebol, tudo. Eu não sou um futebolês, não quero ser nem nunca quis ser. Eu tenho gosto pelo desporto. Se calhar é por isso que a minha carreira de treinador foi um bocado curta, porque cheguei à conclusão de que não é nesta mentalidade que quero estar inserido.
Já lá vamos. Tem irmãos?
Dois. Uma irmã, a Carla Sofia, que foi das jogadoras de basquetebol mais internacionais de sempre e é agora fisioterapeuta no País de Gales. É um ano e pouco mais nova do que eu. E o meu irmão Pedro Miguel, que foi uma das vítimas do que ficou conhecido como o "processo de Leonor Beleza". Era hemofílico e levou uma transfusão com sangue infectado. Era o mais novo dos três, tinha uma diferença de pouco mais de dois anos para mim. Éramos todos em escadinha. Ele ainda foi jogador e treinador de basquetebol em cadeira de rodas. Faleceu há 10 anos, por causa da doença.

Como era o Rui na escola?
Não ligava nenhuma àquilo. Gostava só de história, geografia e principalmente desporto. O resto era uma seca, estava completamente desinteressado.

Não era chamado a atenção em casa?
Eu escondia muita coisa (risos). Só estudei até ao 8.º ano. Depois o meu pai foi para Moçambique treinar o basquetebol do Maxaquene. Quem treinava o futebol era o Joaquim Meirim. Fui passar umas férias com o meu pai a Moçambique e todos os dias jantava à mesa do Sr. Joaquim Meirim, que era uma lenda viva do futebol. Ouvi histórias incríveis. Entretanto o Meirim sai, entra o Rui Caçador. E há um dia em que faltavam jogadores para fazer um treino qualquer e o Rui Caçador pediu-me para ir treinar com a malta, para fazer número. Fui e ele pegou logo em mim "Tu não vais jogar mais basquetebol, tu vais jogar é futebol". Começou a dar-me cabo da cabeça.

Tinha quantos anos?
Não me façam essas perguntas porque datas, idades, são coisas de que não me lembro, mesmo. Devia ter uns 17, sei lá. O Rui Caçador ligou para o prof. José Lemos que era treinador do Torreense e disse-lhe: "Vou-te mandar um puto daqui". Quando cheguei a Portugal fui ao Torreense, assinei contrato, fiquei lá e assim começou a minha carreira.

Lembra-se do valor do ordenado?
Não. Sei lá, devia ser para aí uns 15 contos.

Qual foi a primeira coisa que comprou com esse dinheiro?
Não sei, nunca fui materialista. Lembro-me uma vez no Olhanense, com o Cajuda a treinador, vender rifas na rua, em dezembro, só para ir passar o natal a casa.
Porquê, gastava o dinheiro todo?
Não, não recebíamos. Tínhamos para aí uns seis meses de ordenado em atraso. Jogávamos na II divisão na altura. Para os mais velhos devia ser chato para caraças, mas para nós os mais novos, desenrascávamo-nos uns aos outros. Alguém sabia de um restaurante onde o senhor acaba por oferecer o almoço ou o jantar e lá íamos todos. Reconheço que para a malta mais velha, casada, com responsabilidades, devia ser gravíssimo.

Como é que vai para o Olhanense?
No Torreense entra o Pedro Gomes; e eu não tinha oportunidade de jogar e queria ir embora. Quem estava no Olhanense era um senhor ligado ao basquetebol, o Sr. Humberto Gomes que, não digo que é o Manuel Sérgio do Desporto, mas quase. É uma pessoa com uma mentalidade extraordinária e o Manuel Cajuda puxou esse Humberto Gomes para a sua equipa técnica, no Algarve.

O Manuel Cajuda foi o primeiro treinador português a ir buscar técnicos de outras modalidades para o futebol...
...O Cajuda é um treinador que anda à frente, muito à frente. Tenho muita pena que ele não tenha tido oportunidade de ter treinado uma equipa grande. Ele está muito à frente há muitos anos. É super inteligente. E foi pegar num homem do basquetebol e fez uma equipa técnica de que nunca mais me esqueci. Aquele primeiro ano...Treinos completamente diferentes, abordagens a jogos completamente diferentes e marcou-me muito.

Foi então o Humberto Gomes que o levou para o Olhanense.
Não. Isto vem da tal ligação dos meus pais ao basquetebol, desde sempre que me habituei a viver com tabelas e cestos dentro de casa, as reuniões dos clubes eram todos em minha casa... E o Humberto Gomes é um conhecido do basquetebol. Como eu não jogava no Torreense o meu pai perguntou-lhe se eu podia ir lá treinar à experiência. Fui lá, bati à porta, no final do primeiro treino o Cajuda disse: "Tu ficas aqui".

Gostou logo do Cajuda?
Sim. É um treinador que dá uma grande moral ao jogador, uma pessoa sente-se muito confortável a jogar, tranquila... e nós íamos lá para dentro e dávamos tudo por ele. Na minha opinião ele é de outro planeta. Tenho pena que não haja dirigentes de outro planeta para dar a esse senhor condições porque ele fazia uma coisa de outro mundo. Aliás, fez. Foi para o SC Braga e fez um grande trabalho, foi para o V. Guimarães e fez um grande trabalho, só que não lhe dão a oportunidade com que ele sonhava tanto e que merecia.
Depois do Olhanense vai com o Cajuda para o Louletano?
Não. Ele vai para o Portimonense, quer que eu vá para o Portimonense, mas eu não sei porquê embirrei e fui para o Louletano. Ele leva uns três ou quatro jogadores do Olhanense para Portimão e eu acho que tinha mais um ano de contrato e naquele tempo era muito difícil que os clubes nos libertassem e fiquei no Olhanense. Mais tarde fui para o Louletano, que era um clube muito forte financeiramente na altura, o treinador era o Manuel de Oliveira. Era só craques na equipa. O Louletano da II divisão ia buscar jogadores ao Vasco da Gama, do Brasil, titulares e capitães de equipa. Eu tinha na equipa o Mauricinho que era internacional sub-21 no Brasil, e que sai do Louletano para o Espanhol de Barcelona; o Fernando, defesa centra,l era o capitão do Vasco da Gama; o Henrique no meio campo; o Gilmar que era o 10 do Flamengo, não jogava no Louletano mas estava lá. Tínhamos grandes jogadores. Mas nunca conseguimos subir de divisão nas duas épocas em que lá estive.

Segue-se o Farense. Como?
Contrataram-me. Mas a minha relação com o Paco Fortes nunca foi saudável, entre aspas. Adoro-o, não gosto de confundir a pessoa cá fora e o treinador. Eu Rui Esteves como pessoa e ele, Paco Fortes, como pessoa, sempre impecáveis. Mas como treinador e jogador não dava.

Porquê?
Não dava. Ele tinha uma maneira de pensar o jogo e eu tinha outra.

Mas que diferenças eram essas?
Ele era um treinador que gostava de apostar mais na malta mais velha e eu nessa altura era jovem. Toda a gente sentia que eu tinha lugar naquela equipa e ele nunca me dava oportunidade e depois castigava-me por ser um bocado irreverente nos treinos. Ele tinha a sua razão e eu tinha a minha, não vou discutir isso agora. Adoro o Paco, se o encontrar dou-lhe um grande abraço porque ninguém guarda mágoa nem rancores de ninguém. Isto é só futebol, é um desporto.

Volta ao Louletano e vai com o Cajuda para o Torreense.
Vou. O Torreense tinha acabado de descer e fomos tentar subir de divisão, mas o Cajuda sai a meio da época, as coisas não estavam a correr muito bem...Lá está, as pessoas não sabem esperar. Por isso é que eu como treinador desliguei-me um bocadinho disto porque...Eu compreendo que os presidentes têm de ser uns carolas porque os clubes não têm receitas e têm que inventar, mas depois falta-lhes a cultura desportiva. Três mau resultados e vai embora o treinador; empata, vai embora o treinador. A culpa é sempre do desgraçado do treinador. Ninguém é capaz de pensar: "Espera aí, este gajo trabalha bem, é um grande treinador e mais cedo ou mais tarde os resultados vão aparecer".

Os clubes não sobrevivem sem resultados.
Não há é cultura desportiva em muitos clubes. Hoje há mais felizmente e cada vez mais vemos os presidentes a tentar rodear-se de ex-atletas ou pessoas ligadas ao desporto, que praticaram um desporto e têm essa sensibilidade. O que é muito importante. Mas na altura em que comecei a minha carreira como treinador aquelas carolas só pensavam: “Como é que vou arranjar dinheiro para sustentar isto?”. Como treinador cheguei a levar com vice-presidentes ao meu lado, quilómetros e quilómetros, no autocarro, a questionar porque não punha a jogar o A e punha o B, que o jogador C tinha jogado muito mal, que o D assim...Eu só pensava: "Nunca mais lá chego". Eu não tinha paciência para esse tipo de coisas.

Depois do Torreense vai para o Vitória de Setúbal. Como?
Evidenciei-me no Torreense, eu e vários atletas e cada um foi para seu sítio. Para o Vitória veio comigo o Rosário. E há uma situação muito engraçada, porque nesse ano para subir de divisão estavam o E. Amadora e o V. Setúbal. E o último jogo do Torreense é aqui em Setúbal com o Vitória, que tinha de ganhar para subir à I divisão. Eu já tinha assinado com o Vitória e na semana antes do jogo chamei o presidente do Torreense e o treinador, prof. Rui Mâncio, e disse-lhes: “Eu não quero jogar este jogo. Vocês multem-me, tirem-me o salário, eu não quero receber o meu ordenado, mas estou a ser sincero, eu no próximo ano quero jogar na I divisão por isso quero que o Vitória ganhe o jogo. Querem que eu vá para o estádio fazer figura de quê se eu quero que o Vitória ganhe ao Torreense?”. Expus de tal maneira o problema que eles entenderam perfeitamente. Disse a verdade. E pronto, rescindi o contrato na hora e fui-me embora. Fui honesto.

Nessa altura já tinha a alcunha de “Varetas”?
Já, já me chamavam “Varetas” por causa das minhas pernas fininhas. Foi lá para o Algarve que começaram com o “Varetas” para aqui, o “Varetas” para ali, acho que foi o meu amigo Mota, do Louletano. Comparado com eles que tinham umas grande “mocas” eu tinha umas pernas fininhas. Ainda me chamam o “Varetas”. Lembrei-me agora de um episódio muito giro no Louletano, com o Cajuda.

Conte.
Quando o Cajuda sai do Louletano e nos foi informado, levantei-me do balneário, fui bater à porta do presidente e disse-lhe: “Olhe, eu estou solidário com o treinador, também me vou embora”. Acho que nunca nenhum jogador fez isto. Peguei nas minhas coisas e ainda equipado, com botas de futebol, disse que estava solidário com o treinador, meti-me no carro e fui embora.
Não tinha já outro clube?
Nada, não tinha nada. Achei que aquilo que estavam a fazer ao homem era uma injustiça. Só que, mais tarde, maduramente, percebi que era uma coisa normal do futebol, entra o Manuel sai o Joaquim, sai o Manuel entra o Joaquim, é normalíssimo. E o prof. Luís Flávio que era uma pessoa extraordinária e foi quem ficou à frente da equipa do Louletano, passadas três semanas veio ter comigo. Teve uma conversa espectacular comigo e voltei outra vez. Em boa hora e em bom tempo. 

Nesses dois anos no Vitória o que mais o marcou?
Foram dois anos magníficos. Ainda hoje vivo aqui, em Setúbal. Casei aqui.

Porque decidiu ficar a viver em Setúbal?
Ter nascido em Lisboa e depois ter andado não sei quantos anos no Algarve... A minha mãe é algarvia, tenho casa na praia de Faro e vou para lá desde bebé. Os meus três meses de férias eram sempre no Algarve. Ainda hoje. No último dia de aulas dos meus filhos pego neles e aí vamos nós para baixo e só cá apareço no primeiro dia de aulas. A vivência do Algarve e em Torres Vedras fez com que fosse impossível voltar a viver em Lisboa. Trânsito, relógio, horas, pressa, não. O Algarve fez-me olhar para a vida mais serenamente, ter mais calma. Só vou a Lisboa para ver o Benfica ou outras coisas, mas venho logo. É ir e voltar.

Conheceu a sua mulher em Setúbal?
Sim. Foi uma aventura, era muito imaturo. Casei e divorciei-me. Ponto final.

Tinha empresário?
Tinha um empresário mas que não sabia os contrato que eu assinava (risos). Eu chegava ao pé dele e dizia-lhe: Toma lá que isto é teu”. Era o Renato Araújo, um senhor de cor espectacular, muito bonzinho, que não tinha nada a ver com os empresários que andavam aí na moda. Era empresário do Lito e de outros jogadores, era cinco estrelas. Só que o Renato quando aparecia já estava tudo feito (risos). “Oh Renato anda jantar”. “Então porquê?”. “Assinei pelo Belenenses, anda lá”. Era assim. “Toma lá a tua parte”. Dava-lhe sempre os 10%. Ou seja, nunca tive um empresário a sério mesmo. 

Então como é que consegue entrar no Benfica?
Tenho contrato com o Vitória, o Diamantino na altura era o meu treinador aqui, deve ter havido conversas. As pessoas sabiam que eu sou doente pelo Benfica. Aliás eu fiz uma claque no Benfica. 

Que claque? Quando?
Era o Exército Rubro. Mas já não existe, por causa de um acidente. Nós andamos todos na secundária de Benfica e entre nós estava o Carlos Sampaio, um actor muito alto, loiro, de olho azul. Éramos todos loucos pelo Benfica, íamos a todo o lado. Na altura já havia os Diabos Vermelhos mas não havia No Name Boys. Fomos para a baliza do outro lado fazer o Exército Rubro que era a nossa claque lá da secundária de Benfica. A claque começou a crescer. Mas um dia, a seguir a um jogo de hóquei em patins, íamos atravessar a segunda circular, que na altura só tinha uma passeio pequenino no meio, para apanhar o autocarro do outro lado. Estava chover. Na altura estavam na moda os protectores de ferro que se punham debaixo das botas para fazer barulho a andar. Éramos uns 20 ou 30 e quando íamos a atravessar a segunda via, ouvimos um carro a grande velocidade e demos todos um passo atrás, mas o Carlos patinou por causa dos protectores e o piso molhado e...É uma imagem que ficou sempre na minha cabeça, foi apanhado pelo carro e como o carro tinha a parte da frente muito baixa não lhe passou por cima mas arrastou-o. Lembro-me de ver a cabeça dele a rolar uns bons metros. Pensamos que tinha morrido. Mas dentro da infelicidade teve a felicidade de ter escapado, embora tenha ficado em coma uns dois meses. A partir daí a claque esmoreceu, até porque ele era uma das cabeças do grupo.
Estava dizer que o Diamantino é que é o responsável...
...O Diamantino deve ter passado a informação. O presidente da altura, o Manuel Aurélio, que era um homem ligado ao basquetebol, um tipo com uma cultura desportiva acima da média, e que foi presidente da Federação de basquetebol mais tarde, chamam-me e pergunta: “Queres ir para o Benfica?”. Ele sabia que era o meu sonho. E pronto. Chegaram a acordo com o Benfica. Foi por empréstimo, um ano. Foi pena ter chegado ao Benfica na era Artur Jorge.

Porquê?
O Artur Jorge é intocável, a sua classe, a sua postura. É quando lhe aparece um problema na cabeça e as pessoas às vezes gostam de misturar e dizer que tem a ver com aquilo que se passou, mas não. Ele apanhou um Benfica muito mal organizado. Eram para aí uns 40 jogadores e quando se tem tantos jogadores é impossível gerir o balneário.

Esse era o Benfica do Manuel Damásio, Gaspar Ramos...
Queriam fazer uma boa equipa e tudo o que mexia contratavam. Eu compreendo essa parte, mas depois o Artur Jorge tinha de levar com 40 jogadores e ter um balneário com tantos jogadores em que todas a semanas caíam jogadores, é difícil haver união. Porque toda a gente quer jogar no Benfica, toda a gente quer ser titular. É tudo muito bonito, mas dentro do plantel há uma guerra pelo lugar. Depois, começa a haver grupinhos para a esquerda, grupinhos para a direita, e percebeu-se perfeitamente que não conseguiríamos chegar lá apesar de todo o esforço do Artur Jorge. E há um dia em que o Artur Jorge me chama, com o Gaspar Ramos e o Abílio Rodrigues, põe uma folha branca à minha frente e diz: “Rui três anos de contrato, assina aí”. Não estava nada escrito. E eu: “Então mas...”. “Quanto é que tu queres ganhar? Tu é que fazes tudo. A gente quer-te cá mais três anos”. E eu disse-lhes: “Não quero ficar aqui”.

Está a gozar.
A sério. Expliquei-lhes que aquele não era o meu Benfica, não era aquele Benfica que me levava ao terceiro anel todos os fins de semana e cada vez que via a cabeça do Humberto Coelho e do Nené a aparecer arrepiava-me todo. Não era aquilo que eu sonhei, não era o Benfica que eu pensava que era. Ficaram os três a olhar para mim, eu levantei-me e fui embora. Mais tarde, quando o Artur Jorge é seleccionador nacional, estava eu no Belenenses, ele chamou-me e disse: “Rui, tu tinhas razão. Vão-te chamar maluco por não quereres ter ficado, mas tu tinhas razão”. Hoje muita gente diz-me: “Três anos de contrato? Podias ter ficado”. Mas eu sou assim.
Como é que vai parar a Inglaterra a seguir?
Foi o meu empresário da altura, já era o Ângelo Martins.

Qual foi a sua reacção quando ele falou em sair de Portugal? Era o que queria?
Sempre fui um aventureiro. Nunca tive problemas de adaptação. Fui sozinho para lá. O Birmingham City estava na II divisão, eu era um médio criativo e ali não tocava na bola. Aquilo era da defesa para o ataque, só bolas longas. Quem tinha um sucesso do caraças era o Dominguez porque jogava encostado à linha e apanhava as sobras. Nós, no meio campo, só olhávamos para cima, parecia que estávamos a ver os aviões. Isto já foi há mais de 20 anos, na II divisão inglesa, era “charuto” para a frente e se calhasse alguma bola ali tinham de despachá-la rápido. Não tinha nada a ver com o meu estilo de jogo nem hoje em dia o futebol inglês é assim. Passados dois, três meses, pensei: “Vou-me embora, isto não tem nada a ver comigo”.

Mas gostou de estar em Birmingham, gostou dos ingleses?
Foi porreiro. O Domínguez também integrou-me bem na cidade. Fiquei sempre num hotel.

E o inglês?
Sempre me safei. Muitos anos no Algarve queria o quê? Temos que aprender a falar inglês (risos). Sempre me desenrasquei em tudo. Na cozinha, a engomar, lavar. Ainda hoje, tenho mais jeito que a minha mulher nessas coisas, chego ali e limpo a cozinha num instante (risos).

Vem para o Belenenses entretanto.
Estava já aqui e chego a acordo com o Vitória de Setúbal. Era o Quinito o director do futebol. Entretanto, estava no Algarve de férias, sossegadinho, e aparece num jornal: “Rui Esteves já não fica no Vitória”. Por causa de uma entrevista qualquer que eu tinha dado. Já não sei o que disse nessa entrevista, mas as pessoas interpretaram mal as coisas porque eu sempre quis voltar ao Vitória. Cheguei aqui e percebi que não era bem isso, que utilizaram a situação porque o treinador na altura não queria ficar comigo. Havia um jogador que era o Stepanovic, que vinha do Farense, e o treinador dizia que eu era igual a ele. Foi por aí. Mas arranjaram a desculpa da entrevista. Tudo bem, tranquilo. O João Alves soube o que se tinha passado e convidou-me para o Belenenses. E fui. Mais tarde apanhei o Quinito, no Belenenses, como treinador. É uma pessoa espectacular, um excelente treinador só que as coisas não estavam a correr bem.

E entra o Vítor Manuel.
O Quinito olhava para o futebol de uma maneira...entramos no mundo do David Copperfield, no mundo da magia, isto é tudo magia, é tudo lindo, fabuloso, uma coisa de outro mundo. E o Vítor Manuel é um treinador mais pragmático. E nunca mais me esqueço que, no primeiro treino (espero que ele me perdoe eu dizer isto), ele começa a tratar os jogadores por você. Você isso, você aquilo. Ele a falar para nós assim e nós a darmos toques uns nos outros com vontade de rir. Nós, que éramos todos uns “bandidos” bons, brincalhões, passámos o treino todo: “olhe, você não se importa de me passar a bola”. No balneário: “olhe, você trouxe o champô”. Era você isso, você aquilo, uma risada. Tanto que o Vítor percebeu e emendou aquilo. E fizemos uma época fabulosa. A nível individual a nossa equipa não era nada de especial, mas fizemos um campeonato bom porque ele conseguia motivar-nos, mesmo com muitos problemas de salários em atraso. Defendeu-nos sempre e defendeu sempre a direcção do Belenenses. Não me esqueço que nós, às vezes, queríamos ter atitudes mais radicais e ele: “Não façam isso, vejam isto desta maneira”. Foi sempre um grande campeão. Final da história? Mandaram-no embora. Um homem que sempre defendeu os interesses da direcção do Belenenses, sempre fez com que as suas tropas dessem sempre tudo no dia dos jogos, por ele. Por isso é que digo, vale a pena ser treinador? Vale a pena perder tempo?

Como fazia para sobreviver com tantos ordenados em atraso?
Nessa altura eu já estava quase na casa dos 30, já tinha algum guardado, que dava para ir gerindo.

A seguir começa a aventura pelo Oriente. Vai para a Coreia do Sul.
Acaba o meu contrato com o Belenenses. O Mladenov, que ia entrar para treinador, teve uma conversa comigo, queria contar comigo. Achei que aquilo que fizeram ao Vítor Manuel não foi correto e não queria ficar de maneira alguma no Belenenses. Não me revia naquela direcção. Entretanto apareceram vários clubes, o Cajuda queria levar-me para Braga. Foi o Manuel Cajuda que começou a montar este SC Braga forte que se vê hoje.
Não quis ir para Braga porquê?
Porque, entretanto, surge uma proposta completamente maluca da Coreia. Ligaram-me, pensei que era alguém a brincar comigo, nunca liguei muito àquilo. Na altura brincávamos muito a fazer telefonemas uns aos outros para a palhaçada. Ligaram uma, duas vezes, três vezes. “A gente vai aí, queremos reunir”. Até que eu disse: “OK, venham lá”. E apareceram aí um dia, fizeram-me uma proposta irrecusável. Lá fui eu.

Encontra um mundo completamente diferente.
Nem mais. Sou o primeiro português a jogar lá. Tanto que a seguir, no meu segundo ano, vai o Futre para o Japão. Eu e o Futre passávamos horas e horas a falar um com o outro porque quando vim de Inglaterra, o Futre tinha tido uma lesão gravíssima no Atlético de Madrid e estava a tentar voltar ao futebol outra vez. E eu fui três semanas para casa do Paulo só para fazermos treino. Passávamos horas e horas a jogar um contra um, num campo de ténis que ele tinha, mas com os pés. Era o dia todo naquilo. E ele conseguiu, devido à sua força de vontade, regressar ao futebol novamente. Por isso quando ele estava no Japão passávamos horas a falar.

Do que é que gostou mais e o que mais o surpreendeu nessa Coreia de 1998?
Em termos desportivos, os treinadores ainda eram muito ditadores. Nunca ouviam um jogador. Cheguei a ver o treinador a dar estaladas nos jogadores. A mim e aos outros estrangeiros não dava, mas aos jogadores coreanos dava estaladas grandes e os jogadores com as mãos atrás das costas a dizer que sim. Essa é a parte negativa. Mas quando entretanto se sabe que o próximo mundial, de 2002, era na Coreia, começa a haver uma transformação. Tanto que no princípio da época tínhamos cerca de 5000 pessoas a ver os jogos e, de repente, passaram a estar 40.000. De um dia para o outro. Fazia lembrar a época balnear lá também.

Como assim?
Eu vivia na praia, ia para a praia todos os dias, estava calor e não havia ninguém. A água quente e só um estrangeiro aqui, outro ali. E aquela cidade estava cheia de praias, com água quente. E ninguém. Um dia saio para ir dar um mergulho e quando chego lá, nem um lugar para pôr a toalha. Que é isto? Alguém me diz: “Ah, é que hoje começa a época balnear”. Como aquilo é só regras, começava a época balnear e já toda a gente podia ir para a praia e no dia em que acabava a época balnear, desapareciam todos, de repente. Uma dia ia a passar de carro e já não estava ninguém outra vez (risos). E tenho mais episódios lá.

Conte mais.
Eu vivia num condomínio, aquilo são prédios que nunca mais acaba, morava num 18.º andar, nem me aproximava da varanda e não tenho vertigens, mas metia-me respeitinho. Eu vivia em Busan, virado para o Japão, mesmo no sul da Coreia. Como muitas vezes há tempestades tropicais por ali, os prédios estão preparados para oscilar. A primeira vez que isso aconteceu, “borrei-me” todo. Estava na cama no 18.º andar e de repente comecei a ficar mal disposto. Levantei-me, fui à cozinha e aquilo tudo mexia. “Ai, se esta porcaria cai, já fui” (risos). Outra coisa engraçada nesses condomínios: eram quatro prédios muito grandes a fechar em quadrado e no meio havia um supermercado, uma mercearia, um talho, tudo com acesso a esse quarteirão, e havia altifalantes dentro das casas.
Dentro dos apartamentos mesmo?
Sim, uma coluna dentro de casa. E todos os dias às 7 da manhã pá, pá, pá, pá, aquela porcaria a “falar” e eu olhava para aquilo, “Mas como é que esta porcaria se desliga?”. Ia tentando todos os botões e não conseguia desligar. Ia ao porteiro que não percebia o que é que eu estava a dizer, chamei-o lá a casa e ele disse que era normal. Ou seja, todos os dias às 7 da manhã, uma gritaria pelos altifalantes, em coreano, claro, e eu não conseguia dormir, nem saber o que é que era aquilo.

O que era afinal?
Eram os gajos das lojas a dizerem que hoje o ananás em vez de custar 5 euros, custa dois, em vez de um quilo de bifes leva três... Eram as promoções, às 7 da manhã (risos). Resultado, comprei uma data de caixas de papelão, colei aquilo tudo à volta da coluna e só a partir do segundo mês, quando consegui abafar aquele som todo, é que comecei a dormir descansado. Outra coisa gira, que eu não sabia, um dia o porteiro chegou lá a casa e começou a pedir as chaves do carro. E eu “Why?”. E o gajo sempre a pedir o carro. Mas o que é que se passa com o meu carro? Às tantas lá lhe dei a chave do meu Daewoo. Então o que era? Eles iam todos os meses mudar o óleo e fazer uma revisão de graça, mas eu não sabia. Toda a gente tinha direito a essa revisão mensal de graça. Tenho tantas historias de lá.

Força. Conte mais uma.
Nós treinávamos nas montanhas. Aquilo era tipo Setúbal, tinhas a praia e depois tinhas a serra que era onde nós treinávamos, lá em cima, nos campos de treino. Depois de aprender o caminho, disse que já estava em condições de levar o carro. Deram-me um carro e no primeiro dia em que vou para o treino de carro, lá vou eu pela autoestrada... Estás a ver, o portuguesinho antes do treino a fumar um cigarrinho...E jogo a beata pela janela. Passado um quilómetro tenho a estrada bloqueada. Uma data de carros a bloquear a estrada. Eram os gajos que vinham atrás de mim, não eram polícias. Eram pessoas normais, a bloquearam-me a estrada, saíram dos carros, vieram por um lado e pelo outro, começam a gesticular e a gritar, pá, pá, pá, pá.... Entrou um pelo lado direito abre o cinzeiro e diz: “o cigarro é para apagar no cinzeiro”. Levei ali uma lição de civismo. Eu estava aflito a pensar, mas o que é que eu fiz, vai tudo bater-me? Eram uns 10 (risos). Disseram para nunca mais mandar uma beata pela janela.

Eles falavam bem inglês?
Nem pensar. Hoje vais à Coreia e toda a gente fala inglês, eu fui na altura em que aquilo começou a abrir um bocadinho mas as pessoas com mais de 30 anos não falavam inglês, só os putos de 20 anos. Havia muitos programas na televisão para ensinar as pessoas mais velhas a falar inglês, em casa. Mas há um dia em que tenho de ir para o aeroporto, vinha para Portugal, apanho um táxi e para explicar ao homem que queria ir para o aeroporto? Eu bem lhe dizia: “Então você não está a ver as malas? Quer que eu vá para onde?”. Isto tudo por gestos. Eram cinco da manhã, tinha que estar às seis no aeroporto, e eu com as malas no chão e a correr à frente dele com os braços abertos a fazer de avião, para tentar explicar-lhe que queria ir para o aeroporto. Era cada figura que uma pessoa tinha que fazer... Mas adorei lá estar e até tenho saudades.

O que fazia para se divertir?
Aquilo funcionava de uma forma que eu defendo, mesmo para Portugal, que é, às duas da manhã acaba tudo. Saía à noite, estava tudo muito animado, muitas pessoas na rua, muita gente em todo o lado, os cafés cheios, as discotecas cheias, os bares cheios, sempre muita gente, todos os dias. Mas às duas horas fechava tudo. Porquê? As pessoas jantavam mais cedo, iam mais cedo divertir-se, deitavam-se mais cedo, podiam dormir e acordar fresquinhas. Defendo isto. Hoje, aqui, queres ir a uma discoteca dançar e só às cinco da manhã é que passam música para dançar. Eles realmente têm razão. Lá eu ia para a discoteca às nove da noite, saía à meia noite, dava tempo perfeitamente para dormir e no outro dia ir porreiro para o treino. Aqueles gajos têm uma mentalidade muito diferente.

E o futebol?
A nível de futebol eles ainda estavam no começo. Têm excelentes jogadores. Eu cheguei lá, via os gajos a dar toques, aquilo era como os brasileiros, os gajos metiam a bola em todo o lado. E hoje vês uma Coreia cada vez mais forte. Na altura estava a aproximar-se o Mundial de 2002 e ai é que começa a revolução no futebol coreano. Quando eles vão buscar o holandês, o Guus Hiddink para treinar a selecção. Aí muda tudo. Muda a mentalidade, muda a forma como olham para o jogo. Antes aquilo era mais o confronto físico, jogar à bola era para segundo plano. Isso muda com o treinador holandês que percebe que o jogo da Coreia podia deixar de ser só músculo.
O Rui mal chega é campeão.
Sou, faltavam poucos jogos para a época acabar. Joguei, mas depois lesionei-me gravemente no joelho. Ao 5.º jogo fiz uma ruptura de ligamentos cruzados, depois recuperei, comecei a jogar na época seguinte e a meio vou para a China, sou vendido ao Beijing Guoan.

Outra realidade. Melhor, pior?
Diferente. Jogava no estádio que agora é o “Ninho de Pássaro”, mas que na altura era como o antigo estádio do Sporting, era tudo por ali acima, para umas 160, 170 mil pessoas, era uma loucura de estádio. Fomos fazer a pré temporada para Pamplona e tive outra vez problemas de ligamentos no mesmo joelho. Falo com o clube, mas apesar de serem clubes grandes, gigantes, ainda não eram muito profissionais. Eu precisava ser operado. Eles queria mandar-me para Pequim. “Beijing, Beijing” e eu “mo, no, no. Lisboa, Lisboa”. “Beijing, Beijing” e lá fui para Pequim. O que é que me fizeram? Em vez de me operarem o joelho, a recuperação era andar a correr à volta do estádio e a subir aquelas bancadas todas. O joelho cada vez pior. Injectavam-me para eu poder jogar, mas eu não conseguia. O clube na altura era ligado a uma área de agentes secretos, era como na Rússia. As forças armadas tinham um clube, o exército tinha outro clube e o meu clube era um clube acho que estava ligado aos serviços secretos. Entretanto comecei a utilizar bicicleta para ir para o treino.

Por causa do joelho também?
Não, porque apesar de morar a três quilómetros do estádio olímpico, demorava quase três horas para lá chegar de carro e de bicicleta eram cinco minutos. Quando acabava os treinos e ia para o hotel tinha uns 100 ciclistas à minha volta, eram adeptos que estavam a assistir ao treino. Acompanhavam-me ao hotel de bicicleta também (risos). Era uma loucura. Vinha um punha-se ao meu lado falava comigo e depois ia para trás e vinha outro. Era um pelotão a acompanhar-me ao hotel. E depois roubavam-me sempre a bicicleta, quase todos os dias tinha que comprar uma. Tinha a bicicleta à porta do hotel no outro dia de manhã já não estava lá. Eu acho que o gajo a quem comprava a bicicleta, era o mesmo que me roubava (risos). Mas aquilo custava 50 cêntimos. Ia ao centro comercial, quando saia já não tinha a bicicleta, andava sempre a comprar bicicletas (risos).

Porque não ia de táxi ou carro?
Os táxis lá, por amor de Deus, aquelas comidas. Em Pequim mandava-se parar um táxi, fingias que ias entrar só para sentir o cheiro, fechavas a porta: “Não, não, siga”. Mandavas parar outro e só ao 5.º ou ao 6.º é que entravas. Eles comem dentro do carro e aquele cheiro a fritos...Não aguentas estar lá dentro. Não é por estar sujo, é mesmo o cheiro a comida. Eu nunca gostei da comida deles. E essa era uma conversa entre os estrangeiros. Atrás do hotel onde eu estava, havia uma rua com quatro ou cinco quilómetros, uma avenida, que era só estrangeiros, com bares estrangeiros, irlandeses, havia de tudo. Ia para lá jogar um bocadinho às setas, conversar. Mas foi pena porque tive que fugir.

Fugir?
Sim. Porque, como estava a dizer, aquilo era ligado aos serviços secretos e eu falei com um amigo nosso, da Lusa, um gajo que me disse: “Rui, cuidado, isto é tudo muito giro mas cuidado”. Isto já foi há 18 anos, eles já estavam a querer sair da casca mas ainda era tudo um bocadinho controlado. Pequim não tem nada a ver com o resto da China, é uma cidade completamente politizada. Mas eu já não aguentava mais aquilo, eles prendiam-me para dar injecções no joelho, já não aguentava mais. Explicava-lhes que tinha que ser operado e eles continuavam a fazer-me aquilo. Tinha que fugir. Falei com esse amigo da Lusa. “Não podes ir assim, estás num clube controlado, chegas ao aeroporto, eles arranjam um mandato e vão te buscar”.

O que fez?
Fui comprar um bilhete de avião e combinei tudo com esse meu amigo. Ele dois dias antes pegou nas minhas malas e levou-as para casa dele. O clube ligava-me todos os dias, eu dizia-lhes: “Vou sair agora”. Eles já sabiam o tempo que eu demorava, cinco minutos de bicicleta. Só que no último treino fui de táxi, de propósito. Disse-lhes que já não conseguia pedalar e demorei uma hora e tal de táxi a lá chegar. Disse ao tradutor que no dia seguinte também ia de táxi e que muito provavelmente também iria demorar muito tempo. Era o dia em que tinha que estar no aeroporto às seis da manhã. Eles ligam-me, digo-lhes que estou atrasado e que há muito trânsito, por isso vou demorar bem mais de uma hora. Foi o tempo de pegar num táxi e ir para o aeroporto. Enquanto o avião não descolou, nem imaginas como é que estava o meu coração, bum, bum, bum... Depois meti-os em tribunal.
Por causa do joelho.
Sim, acabaram com a minha carreira. O Jorge Jesus nessa altura estava a pegar no Felgueiras, queria subir o clube de divisão e nunca mais me esqueço o gesto de carinho que teve comigo: “Eh pá Rui, tu mesmo coxo, anda para aqui para ao pé de mim. Vou-te recuperar”. Queria que eu fosse jogador do Felgueiras. As palavras dele... Foi um orgulho. “Mister não faço isso, não consigo andar sequer, estou mesmo aflito”, expliquei-lhe que não podia dar o meu contributo. Ele ainda insistiu mas não deu, não tinha condições para jogar mais.

Nessa altura já tinha ideia do que é que queria fazer no futuro?
Sempre tive a paixão de ser treinador. Nunca fui capitão de equipa em lado nenhum porque isso para mim não interessava para nada, andar com um paninho aqui no braço, isso não quer dizer nada. Mas dentro de campo fui sempre um jogador muito activo, muito táctico. Falava muito com toda a gente. Desde criança que estava habituado a ter mãe treinadora, pai treinador, isto tem a ver com o sangue. Foi sempre a minha paixão, mais do que jogador, sempre fui muito interessado pelo treino. Toda a gente diz: “Rui, passaste ao lado de uma grande carreira”, mas...

Acha que passou ao lado de uma grande carreira?
Conforme o ponto de vista. O meu é completamente lúdico, não monetário, nem materialista. Olho para aquilo que fiz com paixão, com amor e com alegria por onde passei. Adorei fazer aquilo que fiz, nunca liguei se era o clube “a”, o clube “b”, clube “c”...

Tirando o Benfica.
Sim, claro. Isso era um sonho de criança. Mas lá está se aos vinte anos tivesse tido um empresário que me dissesse, “Rui vais fazer isto, vais fazer aquilo, é melhor ires para aqui”, se calhar podia ter ido muito mais longe. Mas também não me arrependo porque aquilo que fiz, fiz por gosto, por amor, por paixão. Todos os sítios onde estive, foi com alegria, nunca com tristeza apesar de algumas dificuldades em alguns clubes. Isso para mim conta muito, fazer aquilo de que mais gostas.

Tinha ídolos quando era miúdo?
Tinha, o Néné.

Porquê?
Não sei, era o do meu pai e o meu pai passou para mim. Sempre foi. Era um jogador que utilizava a inteligência em campo. Para marcar golos não precisava de fazer carrinhos ou outras coisas para se mostrar aos sócios. Foi sempre o nosso ídolo lá de casa. Depois admiro outros grandes jogadores, o Diamantino que era uma classe a jogar à bola. E tantos outros: o Paulo Futre, ainda hoje sou do Atlético de Madrid por causa dele. Também queria que o Figo ganhasse sempre no Barcelona ou no Real Madrid.

Onde é que ganhou mais dinheiro, foi na Coreia?
Foi.

Investiu o dinheiro em algum negócio?
Não, só na minha felicidade. Ainda abri uma vez um restaurante em Vilamoura, mas só durou dois ou três meses. Aquilo era muito complicado. Estava com um sócio, mas ele depois vendeu a outra parte e aquilo ficou meio confuso.

Como é que se chamava o restaurante?
Já não me lembro, juro que não me lembro. Um dia estava a dar um jogo na televisão e estava uma pessoa à porta que queria um frango assado. Só que não estava lá cozinheira nenhuma e eu deixei a pessoa à seca... Olhei e disse-lhe: “Agora não”. A pessoa esteve uma hora e tal lá fora à espera, na esplanada, com um saquinho de plástico. Quando fui abrir a porta, era o presidente do União de Leiria, o Bartolomeu. Apanhou uma seca (risos). Não correu bem. Tinha uma grande cozinha,umas grandes cozinheiras mas eu não dava para aquilo, andava a leste de tudo, não tinha a noção de nada. Houve um dia que aquilo de repente encheu. Mais de 200 pessoas, tinham começado as férias de Agosto. Um dia. um casal reclama porque o bife nunca mais vinha e pede o livro de reclamações. Assim que ele pediu o livro, disse-lhe que o ia buscar; na cozinha havia um alçapão desci por ele, fui ter à garagem, peguei no carro e ala.

Foi-se embora?
Eram os gajos todos do restaurante a ligar para mim e eu desliguei o telefone. Acabou-se, não quero saber mais disto. Fui para a pesca e nunca mais.
A pesca é um hóbi?
Desde pequenino, adoro.

Quem é que lhe passou esse gosto?
O grupo de amigos que tenho desde pequeno. Íamos apanhar sol e pescar. Só não tenho paciência para ir apanhar ameijoa. Ainda hoje fazemos directas para ir apanhar choco. Chegamos à ponte e vamos apanhar robalos, se não estiver a dar, vamos até à barra, andamos uns quilómetros a pé e é a noite toda nisto, à procura do peixe, a ver onde é que ele está. Andamos entretidos, os velhos jarretas. Mas é engraçado que os velhos jarretas são os mesmos de há 30 ou 40 anos. É uma maneira de passarmos o tempo.

Quando chega a Portugal, voltemos aí, o que é que acontece à sua vida? Já tinha algum curso de treinador?
Não, fui tirar o curso. Recebo um telefonema do meu actual padrinho de casamento, que não conhecia pessoalmente, o senhor António Rola. “O que é que estás a fazer?” “Não estou a fazer nada”. Pegou em mim e foi um dos meus mentores para eu ser treinador de futebol. Apresentou-me a um grande amigo meu, o senhor Botas, presidente do Fazendense, de Fazendas de Almeirim. Sou padrinho de casamento do filho dele. Mas na altura o António Rola convida-me a ir ver um jogo do Fazendense com o Mafra para eu ter uma ideia de como era a equipa. Estava a ver o jogo, há um jogador do Fazendense que estava a aquecer e que entrou. Estava eu, o presidente do Fazendense do meu lado direito e o António Rola e eu virei-me de repente e disse: “Eh pá quem é este tosco que entrou?”. Era o filho do presidente (risos). Entrei logo bem. O António Rola dá-me um safanão: “Está calado, é o filho do presidente”. No primeiro dia de treino, chamei-o: “Jorge chega lá aqui. Que idade é que tens?”. “28”. “Tens o curso de educação física?”. “Tenho”. “Queres ser treinador?”. “Eh pá, mas eu adoro jogar”. “Está bem, também jogas ai um bocadinho, mas eu quero-te ao meu lado”. Tirei um mau jogador para passar a ser um bom treinador. Era o filho do presidente. Consegui diplomaticamente dar a volta ao contexto. Fizemos um trabalho muito giro.

E porque vem embora?
Lá está, a minha maneira de estar...Ia para o 2.º ano de contrato, tínhamos feito um campeonato extraordinário, mas a dois meses do fim, vou tirar o 2.º nível de treinador que era em Sesimbra. O horário do curso coincidia com o horário dos treinos do Fazendense, em Almeirim. Cheguei ao pé do presidente e disse-lhe que não ia treinar mais o clube. “Se sou responsável e estou sempre a dizer que não quero que os meus jogadores faltem ao treino, então vou eu faltar?”. Disse-lhe que tinha o Jorge, o filho dele, que eu tinha preparado e que podia ficar a tomar conta. E siga para bingo, foi assim que fiz. Perdi, se calhar, a oportunidade de dar continuidade ao bom trabalho que estávamos ali a fazer. 

Entretanto passa pelo Alcochetense, o Olivais e Moscavide...
No Olivais e Moscavide fui substituir o Rui Vitória. Só que o clube tinha salários em atraso. Quando íamos almoçar ou jantar, para não tocarmos no assunto do dinheiro, o presidente tinha uma brincadeira: não se podia dizer nem que sim nem que não e quem falasse em dinheiro tinha que pagar cinco euros. Ou seja, não recebíamos e se falássemos em dinheiro, ainda tínhamos que pagar. Fiz-lhe uma boa, mas há gajos que merecem isto. No último jogo do campeonato, meti os putos todos a jogar que tinha que meter e disse ao Jorge Ferreira, que era o meu adjunto: “Ao intervalo, troca já de roupa e quando o jogo acabar mete o carro a trabalhar”. “O que é que vais fazer Rui?”. “Está calado, faz aquilo que te digo”. Despedi-me dos jogadores ao intervalo, disse-lhes que quando terminasse o jogo ia embora e que desejava toda a sorte do mundo a todos. Assim faço: o jogo acaba e quando vou a sair, está o presidente com as mãos no ar a pedir para eu parar. E eu: “Ai agora quer conversa? Agora não se pode dizer nem que sim, nem que não, nem nada.” E fui embora. O jogo que ele fez durante dois ou três meses, ao jantar, fiz-lhe eu no dia em que me fui embora. “Arranca Jorge, vamos embora…”.

Seguem-se o Beira Mar de Monte Gordo e pelo Sintrense de depois começa a fazer umas entrevistas e a escrever umas crónicas na Capital, em 2000? Como é que isso surge?
Através da mamãzinha. Estava também o José Manuel Delgado na parte do desporto. Adorei a experiência. Eu tinha a mania de escrever muito, mas fui perdendo tempo, comecei a ter filhos, a ter família.

Quando e onde conheceu a sua segunda mulher?
A Marta é veterinária. Foi uma paixão muito maluca. Conheci-a aqui em Setúbal há 15 anos. Ela tinha três filhos, foi uma paixão doida e quando assim é só temos de olhar para a frente. Depois tivemos dois filhos. A Maria do Mar, que tem 12 anos, e que foi feita no mar, na casa da praia em Faro. E o Rodrigo que tem 10 anos. Os mais velhos já têm 17, 20 e 22 anos.

Vivem todos consigo?
Agora não. Estão dois na universidade. Agora só vivem três. E são todos bons alunos.
Depois do Sintrense, entra na Quinta das Celebridades. Porquê?
Foi uma brincadeira. Fui convidado. mas pensava que era uma palhaçada porque o meu amigo, o Albano Homem de Melo que é o dono dos hambúrgueres H3, era da minha rua. Convivemos, somos amigos de infância. Ele era amigo do Piet-Hein Bakker que lhe disse que precisava de um gajo da bola, para fazer uma coisa nova, diferente. O Albano lembrou-se de mim. Ligou-me, mas como eu pensava que era uma palhaçada da minha malta amiga, da minha antiga rua, porque estamos sempre a fazer partidas uns aos outros, marquei encontro num restaurante que conheço bem e onde sabia que conseguia espreitar sem me verem, para perceber se estava lá alguém ou não. Porque eu pensei: “Estes gajos estão a dar-me uma grande tanga”. É que nós tínhamos o hábito de fazer essas partidas uns aos outros. Cheguei a estar com um amigo no Algarve e ligar para outro amigo que estava aqui em Setúbal para lhe dizer que esperasse por nós numa rotunda, para irmos jantar. “Eh pá estou aqui há três horas com a minha mulher, onde é que vocês estão?”. Nós no Algarve a rir que nem uns perdidos. “Estamos quase a chegar, estamos quase a chegar”. E a gente na praia (risos). Eu gosto é dessas coboiadas. Ele ia-se divorciando nesse dia. A mulher dizia-lhe: “Os teus amigos são uns estúpidos e mais estúpido és tu” (risos). Nós sabíamos que a mulher dele era lixada. Ele esteve três horas à nossa espera, porque nós primeiro dizíamos que íamos a caminho, depois que já estávamos no restaurante, ele quando chegava não nos via, ligava e nós: “Não é nesse, é no outro a seguir” (risos). 

Voltando à “Quinta das Celebridades”.
Escondi-me atrás de um carro, sou macaco velho, para ver se não era nenhuma partida. Quando olho e vejo a mesa com o Piet-Hein Bakker pensei: espera lá que isto é uma coisa mesmo a sério. Liguei para a minha mulher: “Estou entalado porque isto é mesmo a sério”. Fui ter com eles, estivemos a conversar, eu não queria ir, mas eles pediram: ”Rui, por favor”. Houve um acordo e fui.

Foi pelo dinheiro?
Também teve a ver com o dinheiro, mas não podia deixar o meu amigo Albano ficar mal perante uma coisa daquelas que eu pensava que era uma palhaçada, tanto que fui o segundo a sair.

Gostou das personagens que lá estavam? Lili Caneças, Tino de Rans, Capitão Roby, etc.
Tudo malta porreira. Um dos melhores jantares que tive na minha vida foi com o capitão Roby. É uma personagem incrível, com histórias incríveis. Sou falador para caraças e não abri o pio; eu e as respectivas esposas. Estive quatro horas a deliciar-me com as histórias.

Gostou da experiência então.
Foi porreira, foi fixe.

Houve alguém que o tivesse surpreendido pela positiva?
O Gonçalo da Câmara Pereira e o Miguel Melo, gajos porreiríssimos.

Depois salta para o Portosantense.
Fazemos uma grande época e estava já tudo falado para começarmos a época seguinte. Vou construir a equipa numa reunião, onde estão o presidente e o filho, e digo: “Presidente fizemos um grande campeonato, estão aqui estes sete ou oito jogadores para ver se os consegue contratar para o ano, que era importante para a nossa estrutura. Veja lá se consegue quatro ou três pelo menos”. O presidente vira-se para mim: “Ó mister isso não é assim”. Olhei para ele: “Então como é que é?”, “Espere ai”, pegou no telefone. “Oh ‘não sei o quê’ (que era um empresário não sei de onde), o que é que tem aí de baratinho?”. Foi mesmo assim, à minha frente. E o empresário lá do outro lado começou a dizer o que tinha e ele para mim: “Já temos lateral esquerdo. Quanto é que custa esse? 100!? Já temos defesa central...”. Levantei-me e digo: “Presidente, espere aí que eu já venho”. Fui embora na hora. Mas foi um homem do caraças porque fez muito pelo Portosantense. Tenho que fazer essa homenagem ao senhor José Lino e ao seu filho porque. podiam não ter cultura desportiva, mas eram uns carolas e o Portosantense só existiu por causa deles.

Andou ainda pelo Torreense, Maia, Fabril do Barreiro, Farense. Quando andava fora de Setúbal ficava sozinho?
Ia e vinha. Sempre vivi aqui, mesmo em Torres Vedras ia e vinha todos os dias. No Torreense também saio de treinador porque o presidente queria mandar meia dúzia de jogadores embora, os que ele achava que não tinham qualidade. Recebi a ameaça de que no treino a seguir tinha que mandar seis jogadores embora e, como não concordei, nem sequer apareci no treino. Foi mesmo assim: “Vai ficar a falar sozinho”. E ficou. Depois quis reunir comigo, mas eu não quis. Sou assim por isso é que não tenho.... Para ser treinador tens que engolir muito sapo. Hoje em dia os treinadores são os meus heróis. Os treinadores portugueses são uns heróis.

Quando deixou de ser treinador, há oito anos, o que é que foi fazer a seguir?
Durante três ou quatro anos não fiz nada. Há quatro anos conheci por intermédio de um amigo, o Julinho, que hoje é o meu melhor amigo. É brasileiro. O Sérgio Araújo disse-me que tinha um amigo que jogou no Atlético Mineiro oito anos que estava cá com uns jogadores e pediu-me para eu lhe dar uma ajuda. A partir desse dia parecíamos almas gémeas, parecia que já nos conhecíamos há muito. Nunca mais perdemos contacto e desenvolvemos um projecto de uma academia. Ele estava a dar os primeiros passos para criar uma academia de elite. Quando falo em elite não é de dinheiro, é das capacidades e das potencialidades dos atletas que possam vir a singrar na Europa. Colocámos o nome: “Personal Europa” e temos 30 jogadores, escolhidos a dedo.

Funciona onde?
No Brasil, em Minas Gerais. Não é o jogador chegar lá, mostrar e ir embora. Não. Os jogadores têm que ficar no mínimo seis meses na Academia, são treinados pelo Julinho e depois do Julinho dar o primeiro carimbo, manda-me vídeos, vejo tudo, observo os atletas individualmente e só depois desses seis meses é que estão preparados para vir fazer testes à Europa. Entretanto, fui fazendo parcerias com clubes aqui para poder trazer os meninos. Já começou a dar frutos.

Já colocou jogadores cá?
Temos no 1.º Dezembro, ainda não são clubes de top, mas tenho as portas abertas do Vitória de Setúbal, já aqui tive jogadores. Temos jogadores no Badajoz, em Espanha, no Fazendense, tanto que “obriguei” o presidente do Fazendense a fazer uma estrutura para albergar os jogadores e que vai ser estreada daqui a 15 dias. É de alto nível, tomara muitos clubes da 1.ª Liga. Nós trazemos miúdos para os juniores e para o 1.º ano de sénior. Temos jogadores com grande capacidade e aproveitamos o Fazendense que está num campeonato mais fácil, de distrital, para eles se adaptarem mais facilmente, para não ser um choque. Há jogadores que tecnicamente são muito bons, mas precisam de uma terapia, de levar umas pazadas para perceberem que têm que soltar mais a bola.

Quais são as fontes de rendimento?
A Academia dá rendimento porque os pais pagam mensalidade e dá para podermos manter a estrutura. Cá temos uma parceria com a Blue Private Investment, do meu amigo Manuel José Tomás. 

Pelo seu entusiasmo, percebo que está a gostar dessa experiência.
Estou a adorar, porque ver a alegria dos meninos quando vêm para cá, ver os sonhos que trazem na bagagem e eu poder ser uma das pessoas a ajudá-los a tornar esses sonhos realidade, nem imagina como é gratificante.

Já não pensa mais em ser treinador? 
Ao fim e ao cabo estou a ser treinador porque tenho de observá-los, dou-lhes dicas, etc.

Qual é a maior frustração que tem em relação ao futebol?
Nenhuma.

Alguma vez foi à selecção?
Não, mas nunca tive essa ambição. Nunca joguei para os grandes contratos, joguei para ser feliz, joguei porque me dava muito gozo jogar futebol.

Andou sempre um bocadinho ao sabor do vento...
Fui sempre atrás do meu coração e da minha paixão, da minha alegria e do meu bem estar, mais do que o material.

Foi muito rotulado em relação às noitadas…
Era mais fama do que proveito, mas é para o lado que eu durmo melhor. E quando fazia nunca ia sozinho, ia sempre com colegas. Só que a malta tinha a mania de dizer que eu era um vadio. Mas onde estava eu, estavam os outros também. Só que os outros eram espertos, encostavam-se ao balcão...Mas se saíssem do balcão, caíam. Eu adorava dançar, adoro música. Oiço tudo, é conforme o meu estado de espírito. E adoro dançar e bater o pé. Aqui em Setúbal há um barzinho, o Decibel, que tem concertos de bandas ao vivo e que me faz lembrar o Até Que Enfim”, em Lisboa, eu adoro aquilo. Aos domingos, depois do jogo, era um espectáculo, disso tenho saudades. Depois dos jogos aos domingos, íamos ao Até Que Enfim, estávamos lá um bocadinho e depois íamos até ao Plateau ou Kremlin, mas aos contrário do que a malta pensa, que era mulherada para a esquerda e mulherada para a direita, não. Uns tinham namoradas outros não, mas a malta queria era beber uns canecos e estar na conversa.

Qual foi o melhor Benfica de sempre?
O melhor Benfica que eu tenha visto é o Benfica da final da Liga da Europa, a equipa do Eriksson. Bento, Pietra, Humberto, Bastos Lopes e Álvaro. No meio campo era Shéu, Carlos Manuel, às vezes João Alves, Strömberg, Diamantino, Zé Luís, Chalana, Filipovic, Nené, era uma equipa grande."