quinta-feira, 18 de outubro de 2018

E agora, Fernando?

"Para Hélder Costa a estreia não podia ter sido melhor. Um golo ainda na primeira parte colocou o jogador do Wolverhampton nas nuvens. Fernando Santos apostou no avançado de 24 anos, que no início de 2017 trocou o Benfica pelo clube inglês a troco de 15 milhões de euros.
Já Cláudio Ramos viveu sentimentos opostos: a felicidade da estreia foi atraiçoada por um golo sofrido nos poucos minutos em que esteve em campo. Mas a alegria de jogar ao mais alto nível, já ninguém lha tira, ainda para mais por ser o primeiro jogador do Tondela a vestir a camisola das quinas.
Depois do Europeu de França, Fernando Santos pôs em marcha uma revolução tranquila, que sugere alterações significativas a curto/médio prazo.
Nesta altura há uma pergunta que muitos fazem: e quando regressar Ronaldo? Será que o futebol apresentado nos últimos jogos não sairá desvirtuado?
O seleccionador nacional garante que não, até porque o melhor do Mundo tem sempre lugar em qualquer equipa. Eu por mim tenho as minhas dúvidas: claro que não se coloca em causa o valor de Ronaldo, nem a mais-valia da sua presença na selecção nacional, mas a verdade é que há uma tendência evidente para colocar a bola no capitão, mesmo quando há alternativas melhores.
A criatividade de Bernardo, Bruma e tantos outros parece refém do seu posicionamento, mesmo que não haja uma explicação lógica para que isso aconteça.
Esperemos. Eu por mim não abdico de Cristiano Ronaldo, nem tenho porquê."

Portugal

"Portugal tem sido uma agradável surpresa depois do Mundial menos conseguido. Portugal venceu a Polónia com autoridade, classe e depende de si para estar na Final Four. A Itália venceu a Polónia já nos descontos e reentrou na luta pelo primeiro lugar, contudo se Portugal empatar em Itália está apurado.
É importante Portugal ficar em 1.º lugar no grupo. A fase de grupos da Qualificação Europeia: dez grupos, apurando-se os dois primeiros classificados de cada um (20 vagas na fase final). Vamos supor que Portugal não se consegue apurar directamente para a fase final do Euro 2020, as quatro vagas na fase final do Euro serão definidas pelo "play-off" da Qualificação Europeia, na qual participarão os vencedores dos 16 grupos da UEFA Nations League (ou seja, os vencedores dos quatro grupos de cada uma das quatro ligas dessa competição).
Deste modo, se Portugal vencer o seu grupo da Liga das Nações tem mais uma chance de apuramento para o Euro 2020.
Fernando Santos está a aproveitar fazendo uma transição sem dor e a pensar no futuro, reservando sempre um lugar especial para Ronaldo. Rúben Neves é exímio nos passes de longa distância, André Silva um verdadeiro ponta-de-lança, Pepe continua imperial, Renato Sanches renasceu, Bernardo Silva já é um valor acrescentado.
Portugal é o actual campeão europeu e deu provas que está aí para ir às meias-finais da Liga das Nações, mostrámos a nossa qualidade e técnica superior com trocas de bola sem nunca deixarmos de ter profundidade.
No jogo particular de Portugal contra a Escócia mantivemos a bitola alta e com novos protagonistas como: Rafa, Éder, Bruma e Hélder Costa. O futuro da selecção nacional está assegurado.
Foi um bom jogo para estes novos talentosos jogadores e uma experiência a repetir.
Ronaldo não tem feito falta a Portugal, sem ele joga-se de outro modo, mas os adversários também e não jogam tão retraídos, isso ajuda Portugal ter espaços. É importante para Ronaldo descansar e estar apto para o apuramento do próximo campeonato da Europa. Esta gestão de esforço intermitente de Ronaldo é bem visto, seguindo a linha de Zidane no Real Madrid, Ronaldo tem 33 anos e ainda muito para dar ao futebol pela sua forma cuidada e profissional de estar no futebol, mas não pode estar em todas, mas sim no mais importante.
Era importante Portugal ficar no 1.º lugar do seu grupo na Liga das Nações para algum percalço no apuramento na fase final do Euro 2020. Falta saber se este nível se mantém quando for mesmo a doer, pois Portugal quando joga de uma forma descontraída e sem pressão é um adversário temível, o pior é quando aparece o nervoso miudinho e fazer contas na calculadora. Mas vamos acreditar."

Ronaldo e as boas dores de cabeça

"A ausência de Cristiano Ronaldo nunca é uma boa notícia. Não é para a Selecção Nacional, como também não é para o Real Madrid, que achou que poderia abdicar sem danos estrepitosos do melhor jogador da história do clube. No caso da equipa nacional portuguesa, a ausência é (felizmente) temporária, mas tem sido brilhantemente minimizada por uma força colectiva fortíssima, ancorada em novos e solidificados talentos. Não apareceu mais nenhum “Ronaldo”, mas surgiu um conjunto de jogadores que permite a Fernando Santos abraçar um plano mais atractivo, com mais posse de bola e um futebol enleante. Agora só falta incorporar Ronaldo neste novo plano de voo da Selecção Nacional.
Antes disso, Portugal ainda tem pela frente mais dois jogos, dois “match-points” para confirmar o apuramento para a ”final four” da Liga das Nações e consolidar um elenco que parece cada vez mais definido.
No centro da defesa, Rúben Dias está em fase de crescimento acelerado, potenciado pela dupla com Pepe. A experiência e a classe do central do Besiktas têm ajudado a ancorar o defesa do Benfica no “onze” da Selecção Nacional. Apesar do processo de crescimento estar ainda longe da conclusão, está já encontrado o sucessor de uma linhagem de centrais de altíssimo nível.
O lado direito da equipa de Fernando Santos junta João Cancelo, Pizzi e Bernardo Silva, três talentos harmonizados e complementares. O lateral e o médio não falham no apoio ao jogador do Manchester City, enquanto Bernardo Silva procura zonas interiores, libertando o corredor para as incursões de Cancelo. O jogador da Juventus pode ainda vir a ser uma opção a considerar para o lado esquerdo da defesa (apesar da boa resposta de Mário Rui), por causa dos repetidos problemas físicos de Raphaël Guerreiro e do superavit de opções para o corredor contrário (Cédric Soares, Nélson Semedo, Ricardo Pereira e Diogo Dalot, para além do próprio Cancelo).
No meio-campo, o posicionamento de Rúben Neves como pivô defensivo nos últimos registos permite a libertação de João Cancelo, Mário Rui, Pizzi e até de William Carvalho para tarefas mais ofensivas, deixando o médio do Wolverhampton com a tarefa de iniciar a construção de jogo. É verdade que esta opção deixa Rúben Neves mais longe de poder utilizar o muito eficaz remate de meia distância, mas nem assim o afasta do coração do jogo, como se viu no superlativo passe para o segundo golo de Portugal.
Num ataque sem Cristiano Ronaldo voltou o brilho dos golos de André Silva, numa espécie de renascimento do “matador”, que começou a ser construído num início de temporada exuberante no Sevilha (sete golos em 12 jogos). Na Selecção Nacional soma dois golos nos dois primeiros encontros na Liga das Nações.
A ausência de Gonçalo Guedes permitiu a Fernando Santos promover um regresso emocional, que confirmou uma versão 2.0 de uma opção com história na equipa portuguesa. Éder será sempre nome de herói, mas demonstrou frente à Escócia que poderá voltar a ser uma boa solução, em caso de indisponibilidade de André Silva.
A chegada ao ataque leva-nos novamente à questão Cristiano Ronaldo. Quando o capitão está em campo, os olhares apontam quase todos para a camisola número 7. E isto é válido tanto para as bancadas como para o relvado. O jogo ofensivo de Portugal passou a ser por isso mais diversificado, com os talentos (com Bernardo Silva à cabeça) a libertarem-se e a procurarem um jogo mais combinativo e não tanto o farol ofensivo da equipa.
Com este novo “jogar” português, há duas hipóteses mais fortes no que toca à obrigatória (porque essencial) reincorporação de Cristiano Ronaldo na equipa. Por um lado, o jogador da Juventus poderá partir da esquerda para o meio, juntando-se a Bernardo Silva e André Silva no 4x3x3. No entanto, a melhor das opções poderia ser acomodar Ronaldo na posição 9, com Bernardo Silva na direita e Bruma ou Rafa (se atendermos aos últimos registos) na esquerda. Mas neste caso, sem André Silva como escolha inicial. O regresso de Cristiano Ronaldo poderá ser uma dor de cabeça para Fernando Santos? Sim, mas será seguramente uma das melhores de sempre."

Os coices assassinos de Albano

"Tarzan Taborda virava-se de costas para o adversário, mergulhava para o tapete, e esticava as pernas acertando-lhe com os pés

Entre Santa Camarão e Tarzan Taborda, o meu coração balança. Claro que o Santa, Homem Montanha de Portugal, tinha aquele toque carinhoso de usar sapatos feitos à medida para o seu pé número 49 e meio e a romântica relação com as mamas grandes da Ilda Fernandes, Rainha dos Mercados. Por seu lado, Tarzan não é nome que se deixe passar sem um sorriso de ternura, pouco importa se se chamava, na verdade, Albano Taborda Curto Esteves. Ficou Tarzan e nada mais, qual Johnny Weissmuller qual diacho, qual Edgar Rice Burroughs, qual «me Tarzan you Jane», o outro até era Johann Weißmüller, nascido nos confins do Império Austro-Húngaro, numa terriola chamada Szabadfalva (Freidorf também vale), que agora até pertence à Roménia.
Nesta coisa da luta livre, mais livre é impossível. Bem sei que há muita gente que franze o nariz delicado, é tudo uma grande aldrabice, como diria a Beatriz Costa, aliás Alice, filha do alfaiate Caetano, aliás António Silva, na Canção de Lisboa, rosando os lábios de açúcar pilé, e acha que os títulos europeus e mundiais do Taborda valem menos do que o seu segundo lugar no concurso de Mister Europa, e os seus papéis de duplo de Alain Delon, John Wayne ou Robert Mitchum, este um canastrão de alqueires bem medidos que por tudo e por nada se metia em cenas de pancadaria de criar bicho.
Convenhamos que há uma aura baça de fumo e um penetrante cheiro a álcool e perfume barato nas imagens do Coliseu e do Parque Mayer que ficaram para sempre encaixadas no imaginário lisboeta como se fossem em filmes super-8. Recordo-me do cartaz: ‘Tarzan Taborda contra meio mundo!’. E por baixo: ‘Sete-fortalhaços-sete!’.
Nunca pontos de exclamação foram tão bem empregues na história da literatura portuguesa. Ah! Pois. Não venham agora dizer que aquilo não era literatura e da boa. Melhor só nos livros de cowboys: «Entre os mortos havia um que respirava – Texas Jack!».
Havia também Manuel Grilo, o homem-que-só-apanhava. Não sei se era uma opção ou se lhe estava na massa do sangue. Sangue em ampolas, claro. Escondidas nos calções e tiradas à sorrelfa para avermelhar os supracílios, os narizes, as orelhas, como se os golpes tivessem sido autênticos, assassinos. Diz-se que Barrigana, o Domingos, irmão do Barrigana das balizas, usava uma bexiga de porco e, de repente, desatava a vomitar sangue como se umas trinta úlceras lhe tivessem rebentado ao mesmo tempo no duodeno, o que fazia o povo gritar de encantada preocupação. Falsa, também, claro está!
Nessa noite, no Coliseu à pinha, Tarzan Taborda teria de haver-se com uma avalancha de carne. Para não fugir à literatura, direi que o campeão mexicano se chamava Conde Maximiliano, e ainda faziam fila para se baterem com o fortalhaço de Aldeia do Bispo, Penamacor, um tal de Índio Blas Vega, o chinês Amet-Chong, o argentino Nino Mercuri, o belga Jeff Awweert e o misterioso Máscara Negra que ninguém fazia ideia de como tinha aparecido por ali, na Rua das Portas de Santo Antão. 
Acrescento, por vir a propósito que, em tempos que já lá vão, a rua servia de mostruário para os lutadores, tal como acontecia com os antigos gladiadores de Roma. Os empresários passeavam a mercadoria na esperança que os transeuntes se deixassem encantar pelo acervo de músculos ou pelo sorriso que não tardaria a ser estilhaçado por algum punho menos contemplativo. A malta interessava-se, apalpava um bícepe aqui e ali, deixava-se convencer a comprar o bilhete. Havia um belga, Henri Herd, ou melhor, Constant Le Marin, discípulo de um compatriota seu, Constant Le Boucher, o Açougueiro, que fez furor de São Domingos a São José graças à sua passada elegante de antigo herói da I Grande Guerra e vencedor inequívoco do francês Paul Pons, O Colosso, depois de quatro horas de combate ininterrupto em Buenos Aires, em 1910.
Tarzan Taborda tinha um truque muito seu: virava-se de costas para o adversário, mergulhava para o tapete, e esticava as pernas acertando-lhe nos queixos com os pés como se fosse um coice de mula. Em três tempos deu cabo do Índio Blas Vega, um cherokee que entrara no ringue com um archote aceso na mão evocando o grande Manitu e o apagou com uma lambidela de fazer inveja a qualquer labrador. Aí, até as senhoras nas frisas arrepelam os cabelos. Um gritou: «O que tu tens é fome!». Outros atiram-lhe moedas de tostão. Ouvem-se uns assobios dispersos, à laia de aviso de que não pode haver lugar a brincadeiras, e o extraordinário Taborda, que chegou a ir a Bagdad lutar para delírio de Saddam Hussein, virou as suas atenções para a próxima vítima, o espanhol Joy Adel, um gordalhão cheio de ademanes que não aguenta a primeira diaba sem recorrer à ampolazinha mágica que o pôs a sangrar das narinas. Contava o cronista que um senhor de casaca suspirou desiludido: «Este nem para chulo serve...»."

Dados roubados, trancas à porta

"As empresas ou os serviços públicos têm 72 horas para notificar a CNPD, logo que saibam de uma situação de violação de dados pessoais.

Em alerta. É neste estado que se encontrarão várias empresas depois da sucessão recente de notícias que dão conta do ciberataque recente ao Facebook, que expôs informação de cerca de 50 milhões de utilizadores, ou do encerramento futuro da rede social Google +, envolta em polémica após um incidente de segurança não reportado no passado mês de Março, alegadamente pelo receio das perdas reputacionais associadas, o qual terá desprotegido até 500 mil contas pessoais.
Em situações destas, as empresas têm agora, ao abrigo do Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados (ou RGPD), a obrigação de notificar a autoridade competente sempre que uma violação de dados pessoais origine um risco para os direitos e liberdades das pessoas singulares. Desta forma, procedeu aliás o Facebook, que notificou a Comissão de Protecção de Dados irlandesa, tendo esta dado imediatamente início a uma investigação sobre a adopção de medidas técnicas de segurança pelo gigante tecnológico. Caso esta entidade de controlo determine que o Facebook não fez tudo o que devia para prevenir o acesso por hackers às contas dos seus utilizadores, arrisca uma sanção que poderá chegar até 2% do seu volume de negócios anual a nível mundial.
Mas o que é uma violação de dados pessoais? Esta consiste num incidente de segurança que motive, de modo meramente acidental ou ilícito, a destruição, a perda, a alteração, a divulgação ou o acesso, não autorizados, a dados tratados por uma empresa ou um serviço público que permitam a identificação de pessoas singulares.
Imagine que envia um e-mail com conteúdo comum para centenas de destinatários e que, em vez de colocar os respectivos endereços em modo "BCC", estes são descritos em "Para" ou "CC", logo permitindo a sua visualização. Existe aqui um risco para a privacidade destes destinatários que pode motivar uma notificação à Comissão Nacional de Protecção de Dados (ou CNPD).
Acrescentemos agora que trabalha como profissional de saúde numa clínica ou num hospital. Ora, um e-mail inócuo que continha apenas informação sobre marcação de consultas permite, de repente, que todos os destinatários saibam quem frequenta uma determinada especialidade, por exemplo quem vai ao psicólogo. O risco para a privacidade acabou de aumentar exponencialmente, pelo que os próprios titulares dos dados pessoais utilizados devem ser notificados.
Existem regras a observar. Antes de mais, as empresas ou os serviços públicos têm um prazo de 72 horas para notificar a CNPD, a partir do momento em que tenham conhecimento da violação de dados pessoais. O formulário encontra-se disponível no respectivo sítio de Internet (www.cnpd.pt) e implica que descreva, entre outros aspectos, as medidas que irá adoptar para resolver a falha de segurança. Este prazo pode ser manifestamente curto, por exemplo quando o serviço de apoio ao cliente não é assegurado directamente pela clínica mas por uma entidade terceira, a qual ainda terá que avisar sobre o sucedido de modo a que a notificação possa ocorrer.
Já os destinatários do e-mail devem ser informados sem demora injustificada sobre o ponto de contacto que lhes permita obter mais esclarecimentos (o Encarregado da Protecção de Dados, sempre que exista), quais são consequências prováveis da violação de dados pessoais (como o carácter público das idas ao psicólogo) e as medidas que serão tomadas para reparar a violação de dados pessoais (qualquer contacto, a partir de agora, será efectuado de modo a proteger a sua esfera privada, v.g. por SMS).
Convém que qualquer entidade, como aquela em que trabalha, incorpore algumas preocupações na sua gestão diária. Mesmo que não disponha de um Encarregado da Protecção de Dados, deve ter uma pessoa responsável pela privacidade que se preocupe com estas temáticas.
Igualmente, deve desenvolver um registo, sempre actualizado, em que contenha todos os incidentes de segurança, mesmo os que não devam ser notificados, incluindo causas, efeitos e, muito importante, as acções de reparação tomadas.
Recorde-se, sobretudo, que é preciso saber agir com certeza e rapidez. Mal ocorra uma falha, é necessário que exista um processo instalado, o qual determine como é que esta falha de segurança surgiu, se envolveu ou não dados pessoais e, em caso afirmativo, perceber como mitigar sem demora as respectivas consequências, enquanto que as devidas notificações são efectuadas. Tal processo deve ser enquadrado numa política geral de protecção de dados e cibersegurança, com tarefas distribuídas aos diferentes colaboradores.
De algo pode estar certo: apenas será possível articular com sucesso tantos passos a dar se este procedimento estiver consolidado antes da primeira "data breach". Avise a sua organização para que meta mãos à obra."

O sexto continente e a nação-internet

"Estão em marcha alterações culturais e civilizacionais de grande amplitude que apenas aguardam uma oportunidade para explodir à superfície.

A internet, pela sua dimensão e projecção, é uma espécie de sexto continente, mas, como sempre, constituído por sub-regiões muito heterogéneas. No início afirmou-se o mito libertário da internet, uma “internet primordial” ao serviço dos cidadãos, de uma sociedade interpares e dos seus bens comuns colaborativos. Porém, muito rapidamente, assistimos à emergência de uma internet das grandes plataformas tecnológicas ao serviço do hipercapitalismo e dos grandes predadores que exploram os chamados “mercados biface”, mercados livres para os cidadãos utilizadores, mas pagos para aqueles que aí desejam anunciar os seus produtos e serviços. À nação-internet falta, digamos, uma “classe média digital” para democratizar o sexto continente.

A grande bifurcação da nação-internet
Neste momento a nação-internet passa por uma grande bifurcação. De um lado, a multidão, os cidadãos utilizadores, cidadãos anónimos e inocentes que aceitaram uma servidão voluntária e foram capturados por um número crescente de dispositivos tecnológicos, de outro, os gigantes tecnológicos administrando uma imensa economia das multidões e gerando lucros monumentais que canalizam para paraísos fiscais e sociedades offshores. Meio século depois, o mito libertário da internet já se esfumou. O problema hoje – que na sua essência é um problema de extra-territorialidade e repartição do poder - reside em saber, em primeiro lugar, como regular estes mercados biface emergentes em benefício das sociedades e dos seus cidadãos e, em segundo lugar, como regressar a uma internet primordial, bem distribuída, que nos possa conduzir até à sociedade colaborativa, aos ambientes inteligentes e aos bens comuns da humanidade enquanto instrumentos de realização dos direitos fundamentais, se quisermos, uma espécie de nova fronteira para o direito constitucional.
No futuro próximo, a evolução mais interessante dirá respeito às variadas formas de bifurcação da era digital. Entre redes distribuídas e descentralizadas herdeiras de uma internet primordial, colaborativa e cidadã, por um lado, e redes centralizadas ao serviço de um hipercapitalismo das grandes plataformas tecnológicas e empresariais, por outro.
No plano conceptual as redes sociais sempre existiram, o que muda, agora, é a compressão espácio-temporal e a fenomenologia da interacção. Isto é, na era digital estamos a fazer o caminho que nos levará da democracia representativa à democracia participativa e desta à democracia interactiva. Assim, quanto maior for o espaço ocupado pelas redes distribuídas maior será a conectividade e a interactividade entre os cidadãos. A fenomenologia da interacção significa que tudo muda a todo o momento e que as regras prévias que enquadram a representação e a participação não resistem à dinâmica desconstrutiva e reconstrutiva da interacção permanente. No final, a eficácia, a eficiência e a equidade de uma organização social e de uma nação-estado dependerão, em cada momento, do equilíbrio dinâmico entre estas três geografias e geometrias democráticas.
É aqui que nos encontramos hoje, a virtualização da sociedade pelas tecnologias digitais, a saber: a uberização e a plataformização das actividades, a inteligência artificial e a robotização das operações, a smartificação dos ambientes e dos territórios, a pluriatividade e o plurirrendimento dos mercados de trabalho, a emergência de um imenso quarto sector colaborativo e solidário. Todos estes factores de inovação acrescentam realidade à realidade já existente (realidade aumentada), inteligência à inteligência já existente (inteligência artificial) e homem ao homem já existente (homem aumentado).
A bifurcação da era digital significa, ainda, que temos pela frente uma batalha gigantesca, qual seja, a de estreitar o abismo que se abre entre sociedades e territórios com e sem acesso às tecnologias digitais, mas, também, entre sociedades e territórios com e sem humanidade. Em pano de fundo, a mesma matéria-prima e os mesmos transformadores. Falo dos dados infra-pessoais, a nossa pegada digital, e dos seus processadores universais, os algoritmos. É a sociedade algorítmica que chega.
Um longo caminho espera a nação-internet antes de se tornar “independente”. Até lá a nação-internet continuará a ser colonizada pelos grandes conglomerados tecnológicos que usarão e abusarão da sua posição dominante para afirmar o princípio da extra-territorialidade. Nessa trajectória, mais ou menos longa, continuaremos a ser, muito provavelmente, os idiotas úteis dos mercados biface que somos hoje e enquanto os níveis de “adição digital” não baixarem vamos continuar a acreditar que temos acesso directo à realidade e à verdade, sem necessidade de qualquer tipo de intermediação ou representação política, pois tudo o que é necessário já estará nos nossos “menus de aplicações”. 
Muito provavelmente, a próxima colisão desta revolução tecnológica será a propósito das políticas regulatórias para os mercados digitais. Neste sentido, os conglomerados tecnológicos não devem abusar da sua vertente extra-territorial nem subestimar os poderes do estado-administração em lidar com a revolução digital. Se do lado das grandes plataformas se pode falar em “colonização digital”, cuidado, pois do lado dos estados nacionais pode haver a tentação de “balcanização da internet”, isto é, de circunscrever uma internet nacional de acordo com a lei, a idiossincrasia e a cultura nacionais. 
O sexto continente continua a crescer e a deslocar-se. Uma imensa “nuvem virtual” cobre o mundo físico dos restantes continentes. Ninguém pode prever como estes dois universos, físico e virtual, irão coabitar e interagir no próximo futuro. Apenas poderemos dizer que nada ficará como dantes, até mesmo a evolução da nossa própria espécie que, em virtude da crescente hibridação homem-máquina, caminha em direção à imortalidade, seja lá o que isso for.

Os tópicos principais do próximo futuro
Aqui chegados, se quisermos fazer uma ordenação mais conceptual do problema, os principais tópicos de reflexão, agora e no futuro próximo, serão, talvez, os seguintes: - É fundamental manter a porta aberta da utopia que liberta, pois ela continua a ser necessária ao nosso imaginário colectivo para combater a compressão espácio-temporal, isto é, a atopia e a acronia da sociedade automática e algorítmica,
- É fundamental aprofundar as inovações institucionais da democracia colaborativa e interactiva, em ordem à democratização do estado-plataforma que irá chegar em breve e em força, com grande impacto sobre o perímetro político-administrativo e a estratificação social da função pública e da sociedade em geral,
- É fundamental aprofundar os processos regulatórios da economia das plataformas, das mais pequenas e localizadas, que devem ser incentivadas, às mais gigantescas e extra-territoriais que devem ser objecto de controlo rigoroso; aguarda-se que o mercado único digital da união europeia possa ser uma fonte inspiradora nesta matéria,
- É fundamental aprofundar o remix da pluriatividade e do plurirrendimento e rever a estrutura e organização dos mercados de trabalho e emprego; é um imenso campo para dar azo à inteligência e imaginação no que se refere às novas formas de trabalho, emprego e empreendimento em direcção ao chamado “quarto sector”,
- É fundamental incentivar o regresso dos bens comuns e o seu papel na estruturação do “quarto sector” onde se inclui a economia social, solidária, comunitária e colaborativa e, também, a abertura ao rendimento básico universal ou um seu sucedâneo próximo,
- É fundamental aprofundar a transformação digital e a virtualização da sociedade, no sentido de uma economia dos ícones, de uma (i)conomia, e estar muito atento à inversão das cadeias de valor em resultado da incorporação de elementos imateriais e intangíveis desta nova (i)conomia, o que, em si mesmo, é uma oportunidade única para os territórios mais desfavorecidos,
- É fundamental aprofundar a economia do Big Data, as métricas e os procedimentos dos calculadores universais, os algoritmos, e os processos de normalização decorrentes da “governamentalidade algorítmica”, e não esquecendo nunca que eles são uma criação humana que pode ser revertida a qualquer momento,
- Finalmente, é fundamental actualizar a prioridade atribuída aos bens comuns da humanidade, alargar a base dos direitos fundamentais da pessoa humana e colocar no local certo a bioética e a biopolítica em ordem a não inverter os termos da equação entre inteligência humana e inteligência artificial.
Já há, entretanto, muito caminho percorrido. Os bioprogressistas de Sillicon Valley, por via do “solucionismo” tecnológico, apostam tudo na inteligência artificial, nas plataformas digitais e nos ambientes inteligentes da sociedade algorítmica. A realidade ganha, assim, múltiplas dimensões, enquanto o homem e a humanidade caminham para o transumanismo e a pós-humanidade.
Num registo, digamos, mais conservador, o dos valores e limites bioéticos e biopolíticos, constatamos que a sociedade política não tem sido capaz de delimitar os termos do debate público onde esta discussão deve ocorrer. Por um lado, parece adquirido, teremos mais economia das plataformas, a uberização de muitas actividades, o regresso dos bens comuns, a emergência da economia colaborativa e do quarto sector. Por outro lado, porém, estamos sem argumento orientador para algumas trajectórias de ciência-ficção. Talvez o mais inquietante neste caminho seja mesmo tentar perceber até onde um projecto de vida, levado a cabo no horizonte de um tempo longo, pode ser substituído e tomado por uma colecção de episódios e actos de consumo sem guião nem argumento. Por isso perguntamos:
- Vamos continuar a ser os idiotas úteis ao serviço dos mercados biface e dos grandes conglomerados tecnológicos, colocando a nossa pegada digital à sua inteira disposição?
- Vamos ser, cada vez mais, um mero algoritmo orgânico à disposição dos algoritmos inorgânicos de serviço?
- Vamos manter os níveis de “adição digital” e continuar a acreditar que temos acesso directo à realidade e à verdade, sem qualquer tipo de intermediação ou representação política?
- Vamos inventar ou “produzir” a nossa identidade digital, convertê-la num activo pessoal e pô-la a render no universo real e material?
Sabemos como a digitalização da sociedade altera bastante as convencionais categorias da relação social e, portanto, a nossa sociabilidade. A fronteira entre o real e o virtual fará cada vez menos sentido, por isso, a sociedade, nos dias de hoje, é essencialmente um assunto interpretativo (veja-se a pós-verdade e as fake news) e muitos efeitos são não-desejados, não-intencionais e contraintuitivos. Por isso, as novas categorias do social, a sua matéria-prima, são a virtualidade, o risco, a simulação, a dissimulação, a representação. A simulação e a dissimulação não deixam ver o princípio da realidade e a plurissignificação da realidade segrega tanta contingência como liberdade. O universo digital e a cibercultura estão fascinados pela distinção entre autenticidade e simulação e a desordem entre consciência e inteligência passou a ser uma linha vermelha entre algoritmos orgânicos e inorgânicos, um lugar onde se deposita, apesar de tudo, a esperança de uma revelação.

Notas Finais
No quadro da grande transformação digital em curso há um aspecto que é muito perturbador e que coloca em rota de colisão a governação da coisa pública (o governing) e a governamentalidade da sociedade algorítmica. Na linha da desintermediação institucional, o discurso emergente diz-nos que o governo é uma indústria ineficaz, as instituições em geral são caras e preguiçosas e a democracia é cada vez mais desajeitada para lidar com a governação algorítmica. Quer dizer, temos de encontrar rapidamente um novo modo de pensar, de estar e fazer a política, sob pena de sermos reduzidos a uns idiotas úteis da governação algorítmica!!
Nesta sequência, poderíamos dizer que os algoritmos tanto podem ser uma guarda pretoriana de um candidato a ditador, como a guarda avançada de um capitalismo global e predador como, ainda, uma rede distribuída de proximidade ao serviço de uma sociedade mais igual e democrática. Ao ser tudo isto, o algoritmo revela aquilo que nós já sabíamos, isto é, a sua funcionalidade instrumental ao serviço de “homens sem rosto”, que, geralmente, desprezam os limites da política e as responsabilidades públicas que lhe são inerentes.
De facto, estão em marcha alterações culturais e civilizacionais de grande amplitude que apenas aguardam uma oportunidade para explodir à superfície. Eis algumas dessas questões finais que aqui deixo para reflexão:
- O humanismo como singularidade desde o século XVI: que humanismo vamos reabrir para lá dos algoritmos, do Big Data e do dataísmo, ou seja, haverá uma nova espécie humana, novas variedades em construção para lá do nosso algoritmo bioquímico?
- O que fazer com a nossa minúscula ilha de consciência, ou seja, será o pós-humanismo uma transição para outros universos de sentido e de estados mentais?
- Para lá dos modelos matemáticos da sociedade algorítmica, quem são os homens sem rosto que nos governam e qual é o grau de responsabilidade pública e democrática que eles nos devem?
- E sobre a governança da sociedade algorítmica, como é que o pensamento e a acção política lidam com estas novas “corporações do algoritmo, do Big Data e do dataísmo”?
Em síntese final, depois de tanto acaso e necessidade, de tanto determinismo e aleatoriedade, de tanta arte, política e filosofia, estaremos nós reféns da governação algorítmica, seremos nós os novos crentes do dataísmo? E nesta encruzilhada do tempo, onde fica o nosso livre-arbítrio e a incerteza sobre o futuro, afinal, a nossa pequena margem de liberdade?"

Custo em anos e em milhões

"A formação é um tema especialmente querido a Luís Filipe Vieira. Ainda esta semana, no discurso de abertura de mais um ano no Seixal, o presidente dos encarnados voltou a referir o sonho de ser campeão europeu com jogadores formados pelo clube. Uma meta que, de alguma forma, desafia a lógica que o recente histórico da Champions tem mostrado: entre os finalistas dos últimos 10 anos, não se encontra nenhuma equipa que não tenha vertido milhões para cima do plantel (o Barcelona, já em 2008/09, talvez tenha sido a mais poupada, mas tinha no onze da final Henry, Eto'o, Yaya Touré e Sylvinho).
Quer isto dizer que o sonho de Vieira é impossível? Pouca coisa no futebol é impossível, mas será preciso uma combinação rara de factores. Primeiro, que o Benfica consiga juntar, sem o perder (o maior desafio...), talento suficiente num prazo de três a quatro anos que lhe permita construir uma equipa capaz de ombrear com as melhores da Europa. Depois, será preciso um ano atípico, em que os clubes mais ricos passem por dificuldades. Por fim, alguma ponta de sorte, essencial em competições que se decidem em detalhes.
A nova 'geopolítica' do futebol europeu deixou Portugal, e os seus clubes, cada vez mais longe da sonhada 'orelhuda'. Os principais clubes europeus têm receitas que são o quádruplo das do Benfica, o clube português que mais se aproxima dessa realidade. Criar jogadores como Rúben Dias, Gedson ou João Félix custa largos anos; para um qualquer Manchester City custa apenas alguns minutos e muitos milhões."

Vitória em Fafe...

Fafe 22 - 40 Benfica
(13-19)

Jornada antecipada e invertida!!! Este jogo pertence à 11.º jornada (daqui a um mês, mais ou menos!) e trocámos as 'voltas', a 1.ª volta deveria ser na Luz, mas fomos a Fafe!!! Tudo para permitir uma melhor preparação para a decisiva eliminatória europeia, com a Hannover - sorteio efectuado ontem...

O cansaço do fim-de-semana acabou por não ser importante, deu para dar poucos minutos a alguns jogadores: Seabra, Belone, Grilo... O Pesqueira regressou... E o Ristovski nem sequer fez a viagem!

As contas do Porto

"A SAD do FC Porto apresentou contas perante a indiferença dos meios de comunicação e dos comentaristas de plantão, que aparentemente consideram normais as extraordinárias conclusões que qualquer leigo pode extrair da apresentação de Fernando Gomes.
- Desvio de 65% do Orçamento, com um prejuízo de mais de 28 milhões contra uma previsão de 17 milhões;
- Crescimento do Passivo e subida ao 1.º lugar do ranking nacional e, provavelmente, ao 2.º da Europa ultrapassando o Benfica;
- Ultrapassagem em quase 50% do limite de prejuízos imposto pelas regras europeias do fair-play financeiro (28 milhões para limite de 20M), só admissível no âmbito de cláusulas de amortização, infraestruturas e investimento, por benevolência da UEFA;
 Recorde de custos operacionais, ultrapassando o orçamento em quase 15% por cento;
- Custos com pessoal (perto de 80 milhões) mais elevados da história do clube e excedendo o orçamento pelo terceiro ano consecutivo, apesar de ter imposto ao treinador Sérgio Conceição um ano sem contratações de jogadores.
Nada digno de grandes comentários, portanto."

Seis meses de cadeia para ‘ultra’ francês

"No mesmo dia em que a Liga julgou o caso da colagem da tampa da sanita numa divisória do estádio da Luz, no Benfica-Porto, com mais uma multa ridícula, chegava ao fim o processo a dois “adeptos” que lançaram foguetes para o relvado no jogo Metz-Lyon, do campeonato francês em 2016, causando lesão auditiva ao guarda-redes português Anthony Lopes. O chanfrado mais jovem, de 25 anos, que lançou o foguete, foi condenado a seis meses de prisão efectiva e o outro, de 36, a seis meses de cadeia com pena suspensa. Ambos estão proibidos de frequentar estádios durante cinco anos. E saberão em Dezembro quanto terão de pagar de indemnizações pelos danos causados, a todos os níveis, com o Lyon a reclamar 1,2 milhões de euros.
Seis meses de cadeia, 5 anos de interdição, mais de um milhão de euros de indemnização.
Ouço desde 2003 que a lei portuguesa, recriada a propósito do Euro 2004, é das mais avançadas da Europa e, no entanto, vamos com 15 anos de criminalidade semanal, mais grave aqui e acolá, multas de brincadeira, acusações de terrorismo e condescendência vergonhosa. A lei mais avançada da Europa simplesmente não tem aplicação, queima nas mãos das autoridades.
Depois deste julgamento em França a dois ‘ultras' da claque Horda Frenetik, dois “idiotas que mancham o espírito do desporto e dão uma imagem negativa ao futebol” - no comentário do juiz -, fica a expectativa de observar uma alteração no futuro comportamento desta escumalha. Lyon e Marselha tiveram recentemente jogos à porta fechada e os indícios não apontavam para grandes transformações, mas acredito que nos próximos tempos esta sentença vá assustar alguns vândalos e aliviar o ambiente.
E é o que faz falta em Portugal, neste momento: a aplicação rigorosa da lei sobre dois ou três imbecis das claques, nomeadamente os que são apanhados a entrar nos estádios com engenhos pirotécnicos. Segundo os relatórios policiais, nos dois últimos derbis de Lisboa foram detidas 14 pessoas por posse ou lançamento de engenhos pirotécnicos. Na final da Taça de Portugal foram detidas outras quatro. Terão sido todos presentes ao Juiz, mas ninguém sabe o que lhes aconteceu depois, provavelmente andam por aí em acções de guerrilha (e terrorismo) desportiva de fim-de-semana."


PS: A pirotecnia só por si não deve ser crime, mas o Manha tem razão num ponto: a responsabilização individual, por via judicial, daquilo que acontece nas bancadas... algo que em Portugal raramente acontece!!!

Sabe quem é? Até 'pau' deu no 'mister'! - João Cancelo

"O dia em que a mãe adormeceu ao volante e o futuro passou a ser em nome dela; Dani e o 7 que não era de Figo

1. Foi ao Barreirense que o Benfica o foi buscar no segundo ano de iniciado - e não tardou a marcar o balneário pela personalidade forte: irreverente, temperamental, folgazão, destemido «Sobretudo pelo corte de cabelo e o tom de pele», no Seixal chamaram-lhe um dia Cigano - e Cigas ficou. À alcunha respondeu, criando, inventivo, cognomes para alguns colegas - por exemplo: Joanete para Bruno Varela, Cabeça para Bernardo Silva, Portão para Fábio Cardoso.

2. Com ele no Benfica se cruzou o Pedro Torrado - e contou-o: «Detesta tanto perder que até amua. Certa vez, pensando que estava a jogar mal chegou ao balneário, para o balneário chorar, despiu a camisola, mas não: o mister não o tirou - e foi notável a segunda parte que ele fez...»

3. Não o escondia: queria ser como Dani Alves, o seu ídolo e não era só no seu jogo que punha o coração - nos treinos também. E, às vezes soltava-se-lha a rebeldia (e a intrepidez) - como naquela tarde em que Bruno Lage era seu treinador e, na peladinha, se juntou à equipa, para jogar a avançado. Andava pouco utilizado - e num lance entre os dois «fez carrinho às pernas do mister». Tão fogoso e destemperado o fez, que, pelo campo, ao espanto se seguiu o embaraço. Foi, de pronto, mandado para o banho - e a peripécia jamais deixou de andar, de boca em boca, contada como a vez em que ele até «deu pau no mister...»

4. Foi agarrando, fulgurante, o seu destino (umas vezes como lateral, outros como extremo, tanto à direita como à esquerda) - e talvez os dois golos que marcou ao Rio Ave, fazendo, em 2013, do Benfica campeão de Juniores, tenham sido os seus mais emocionais: meses antes, a tragédia colara-se-lhe à vida, num golpe cruel: Filomena, a mão, fora com ele e o irmão, levar o pai, que estava emigrado na Suíça, ao aeroporto. No regresso, coma ambos a dormitarem, Filomena adormeceu também, por Coina, o seu Audi A3 despistou-se na A2, os filhos sofreram ferimentos ligeiros, ela morreu.

5. Destroçado, ele fez-lhe declaração que se tornou o sentido do seu ataque ao futuro: «Perdi a luz da minha vida. Estejas onde estiveres, quero que olhes por mim, protejas o pai e o mano. Estou morto por dentro, vou ser forte e dar-te o maior orgulho do mundo».

6. Num ápice, desatou a cumprir-se-lhe a promessa - e de tal forma que Hélder Cristóvão, seu treinador, haveria de o afiançar (no ano passado à BTV): «É talvez o melhor jogador que já passou pelo Benfica B. Consegue sair de qualquer situação:ou de pé esquerdo ou de pé direito, ou por dentro ou por fora. Teve alguns conflitos internos com ele mesmo - superados no Valência. Fiz aposta com ele de que seria dos cinco melhores laterais do mundo, vai lá chegar...»

7. Vieira não o escondera: achava que seria o substituto de Maxi, mas Jesus escusou-se a aproveitá-lo: pô-lo titular, contra o FC Porto no último jogo de 2013/2014 (os 62 minutos que esteve em campo valeram-lhe o título de campeão) - e, semanas depois, o Valência o comprou-o por 15 milhões de euros.

8. Desatado rumor de que o Barça pensava nele para render Dani Alves, no verão de 2017 (após a polémica do gesto a mandar calar os seus adeptos na festa de golo ao Corunha) - foi emprestado ao Inter. Em Milão, pediu a camisola 7 - e a quem achava que a razão era uma, explicou que era outra: «Não é por ter sido o número de Figo aqui. Foi um dos melhores jogadores da histórica, mas eu não quero imitar ninguém, quero o 7 por ser o dia de nascimento da minha mãe».

9. O Inter podia ter exercício opção de compra, não a exerceu - Bergomi, um dos seus ícones, largara em remoque: «Nunca pagaria 35 milhões por um lateral como ele: pouco consistente do ponto de vista defensivo». Na Juventus, achou-se o contrário - por 40 milhões o levaram para Turim (e foi através do seu negócio, com Jorge Mendes a tratar dele, que se começou a escancarar a porta por onde Cristiano Ronaldo haveria de entrar).

10. Pela selecção se estreara em Agosto de 2016 com golo a Gibraltar - dois golos marcou no apuramento: a Andorra e às Ilhas Faroe. Porém, Fernando Santos acabou por não o convocar para o Mundial da Rússia. E o que, depois, do Mundial se tem visto na selecção (e na Juventus, também...) é que ele está cada vez mais perto do sonho que atiçou - do sonho de ser como o Dani Alves..."

António Simões, in A Bola

Que fronteira para os clubes?

"O Barcelona congelou a actividade de Ronaldinho e Rivaldo, dois Bolas de Ouro do clube, como embaixadoras, devido ao apoio dos antigos jogadores a Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais brasileiras. Se Ronaldinho e Rivaldo apoiassem Fernando Haddad, o outro concorrente ao Planalto, não seriam discriminados pelo Barça. Que dizer da posição dos culés? Os clubes devem envolver-se na política e rejeitar ideologias e práticas que considerem erradas? Será essa a sua função? Ou deverão abster-se de comentar as opções dos que professam uma fé clubista comum? Olhando para os estatutos dos três maiores clubes portugueses, Benfica e FC Porto defendem explicitamente a não discriminação em função de sexo, raça, língua, convicções políticas, ideológicas ou religiosas, enquanto que o Sporting opta por um registo ligeiramente diferente, embora dentro do mesmo espírito, vedando na sua actividade e nas suas instalações manifestações de natureza política-partidária e de proselitismo religioso. Mas a grande questão é saber se os clubes - e muitos deles, ao longo da sua história, viveram em ditadura e em democracia - devem ser actores políticos e podem defender (ou combater) uma ideologia, a qual a fronteira que não podem ultrapassar, sob risco de implosão. Este caso do Barcelona (que tem por lema «Mais Que Um Clube») tem pelo menos o mérito de nos fazer reflectir sobre o papel das grandes organizações desportivas de massas, em pleno século XXI, e dos limites a que podem aspirar sem correrem perigo de desagregação, ao envolverem-se em temas que vão para lá do âmbito desportivo strictu sensu."

José Manuel Delgado, in A Bola

Circo

"1. Está a caminho a anunciada revolução no combate à violência desporto. A este propósito, disse Martha Gens, advogada da Direcção da Associação Portuguesa de Defesa do Adepto: «Ninguém quis ouvir os adeptos antes de os querer enjaular. Não existe qualquer intuito em trazer espírito desportivo saudável e positivo aos recintos desportivos». Está a brincar, dra.?
2. No caso de as suas pretensões não serem ouvidas pelo Governo, os clubes admitem parar os campeonatos. Mais ainda?
3. Frederico Varandas quer que os circo acabe no Sporting, mas já se percebeu que é difícil enquanto houver palhaços a rondar. E o estado de graça durou um mês.
4. Ao confirmar as exigências de Herrera para renovar, Pinto da Costa serviu o jogador aos adeptos como se fosse um prato de nachos. Um erro quase tão grande como o passivo da SAD azul e branca.
5. Luís Filipe Vieira voltou a falar do sonho de ver o Benfica campeão europeu com jogadores da casa. Vai deixar de atender Jorge Mendes?
6. Na entrevista ao jornal A Bola, em que conjugou mais vezes o verbo aglutinar do que o verbo ganhar, disse José Peseiro: «Neste momento não podemos fazer um jogo de querer comer». Ok, mas também não é preciso fazer um jogo de querer ser comido.
7. Dizer que a Selecção Nacional é melhor sem Ronaldo faz tanto sentido como entrar em contramão na Segunda Circular. Quanto muito é diferente e muda a perspectiva: já não se pensa em como adaptar a equipa a CR7, mas sim em como adaptar CR7 à equipa.
8. A presença de elementos dos Super Dragões numa loja do Benfica em Matosinhos (quer comentar, dra.?) foi hiperestúpida e mereceu reacções megaridículas de «fonte oficial» do Benfica e do director de comunicação do FC Porto, ambos misturando alhos com bugalhos (para não variar). Mas pelo menos Francisco J. Marques dá a cara."

Gonçalo Guimarães, in A Bola

PS: Já nem vale a pena comentar o trauma que o Gonçalo tem com a comunicação do Benfica, mas em relação à Dra. Martha Gens, ela tem toda a razão... e esta claque na redacção do jornal A Bola, a favor da nova legislação anti-violência, é das coisinhas mais ignorantes dos últimos tempos!!!

Xiuuuuuuuuuuuu. Não digam nada!

"O futebol português vive acima das suas possibilidades.
A narrativa exige que qualquer análise ao que as finanças dos três grandes nos transmitem a cada três meses comece por uma ideia lapidar: vivem muito acima das suas possibilidades.
No entanto nem todos os três grandes são iguais.
Lembro-me de já há uns dez anos, numa apresentação das contas do FC Porto, o então vice-presidente financeiro Fernando Gomes ter dito que era indispensável, como a UEFA recomendava, que os gastos com pessoal de um clube não ultrapassassem os 60 por cento de receitas operacionais, sem contar nestas com as transacções de jogadores.
Nessa altura, o FC Porto era o que estava mais próximo dessa meta fundamental.
De então para cá muita coisa mudou. A recomendação da UEFA passou a ser mais do que isso, passou a ser um dos critérios de avaliação do fair-play financeiro. Não se deve gastar mais de 70 por cento das receitas em salários (sim, houve um aumento de 10 por cento na margem).
A verdade, porém, é que olhando para os últimos relatórios percebe-se que só o Benfica leva este critério à letra. Os encarnados são os que têm uma folha salarial mais baixa (68 milhões, contra 74 do Sporting e 79 do FC Porto) e são os únicos que conseguem que essa folha salarial não ultrapasse em 70 por cento as receitas operacionais (sem contar com transacções de jogadores).
No caso do Benfica os salários representam 55,8 por cento das receitas, no caso do FC Porto representam 74,5 por cento e no caso do Sporting significam 80,4 por cento.
O que nos diz duas coisas.
Por um lado, o Benfica está a seguir à risca a recomendação da UEFA com mais de dez anos. Por outro, a política desportiva de aposta na formação tem-se traduzido num reequilíbrio das contas, confirmado pela descida do passivo, sem colocar em causa da competitividade desportiva: a equipa lutou até ao fim pelo título e perdeu naquele detalhe em forma de pontapé de Herrera.
No entanto, e mais importante do que isso, como tem sido possível aos clubes continuarem a investir como investem? Basicamente porque as transacções de jogadores reequilibram (ou melhor, aproximam o clube do reequilíbrio) as finanças.
O que nos remete para outra questão.
O futebol português está sobrevalorizado. Há pelo menos quinze anos que está sobrevalorizado. Lembro-me também de, em 2007, ter encontrado um olheiro do Bordéus no Euro sub-21 e lhe ter perguntado que jogador estava a observar.
«Português? Nenhum. Os vossos jogadores são demasiado caros para o futebol francês», respondeu-me ele na altura.
A verdade é que qualquer jovem português que aparece adquire imediatamente um preço muito acima do seu real valor: quinze, vinte, trinta milhões de euros, enfim.
Talvez por isso, a lista de jogadores saídos do futebol português que não corresponderam ao investimento neles realizado está sempre a crescer. João Mário, Gaitán, Jackson Martínez, Adrien Silva, Lindelof, Slimani, Markovic, Quaresma, Mangala, enfim, a lista pode ser grande.
Porquê?
Basicamente porque Portugal lhes dá condições perfeitas. Como dizia um brasileiro não há muito tempo, é normal que os jogadores dos grandes do futebol português deem nas vistas quando custam 5 ou 6 milhões de euros e defrontam adversários que custam 50 ou 60 mil euros.
A verdade é que o desnível do campeonato permite que os melhores jogadores se optimizem. Ao defrontar adversários inferiores, fazem boas exibições, vão adquirindo mais confiança e cada vez fazendo melhores exibições. É uma bola de neve que os deixa no topo de forma. Inclusivamente quando depois defrontam adversários mais difíceis: por exemplo, na Liga dos Campeões.
Portugal anda a enganar? Obviamente que não, os clubes grandes exportam de facto excelentes talentos. Basta ver casos como Ederson, Alex Sandro, Bernardo Silva, Oblak, James, Di Maria ou Rúben Neves. Mas também exportam muitos jogadores sobrevalorizados.
Quando os grandes clubes acordarem para esta realidade, então aquele limite de 70 por cento das receitas operacionais em gastos com o pessoal pode tornar-se dramática.
Mas até lá, xiuuuuuuuu. Não digam nada."