"O dia em que a mãe adormeceu ao volante e o futuro passou a ser em nome dela; Dani e o 7 que não era de Figo
1. Foi ao Barreirense que o Benfica o foi buscar no segundo ano de iniciado - e não tardou a marcar o balneário pela personalidade forte: irreverente, temperamental, folgazão, destemido «Sobretudo pelo corte de cabelo e o tom de pele», no Seixal chamaram-lhe um dia Cigano - e Cigas ficou. À alcunha respondeu, criando, inventivo, cognomes para alguns colegas - por exemplo: Joanete para Bruno Varela, Cabeça para Bernardo Silva, Portão para Fábio Cardoso.
2. Com ele no Benfica se cruzou o Pedro Torrado - e contou-o: «Detesta tanto perder que até amua. Certa vez, pensando que estava a jogar mal chegou ao balneário, para o balneário chorar, despiu a camisola, mas não: o mister não o tirou - e foi notável a segunda parte que ele fez...»
3. Não o escondia: queria ser como Dani Alves, o seu ídolo e não era só no seu jogo que punha o coração - nos treinos também. E, às vezes soltava-se-lha a rebeldia (e a intrepidez) - como naquela tarde em que Bruno Lage era seu treinador e, na peladinha, se juntou à equipa, para jogar a avançado. Andava pouco utilizado - e num lance entre os dois «fez carrinho às pernas do mister». Tão fogoso e destemperado o fez, que, pelo campo, ao espanto se seguiu o embaraço. Foi, de pronto, mandado para o banho - e a peripécia jamais deixou de andar, de boca em boca, contada como a vez em que ele até «deu pau no mister...»
4. Foi agarrando, fulgurante, o seu destino (umas vezes como lateral, outros como extremo, tanto à direita como à esquerda) - e talvez os dois golos que marcou ao Rio Ave, fazendo, em 2013, do Benfica campeão de Juniores, tenham sido os seus mais emocionais: meses antes, a tragédia colara-se-lhe à vida, num golpe cruel: Filomena, a mão, fora com ele e o irmão, levar o pai, que estava emigrado na Suíça, ao aeroporto. No regresso, coma ambos a dormitarem, Filomena adormeceu também, por Coina, o seu Audi A3 despistou-se na A2, os filhos sofreram ferimentos ligeiros, ela morreu.
5. Destroçado, ele fez-lhe declaração que se tornou o sentido do seu ataque ao futuro: «Perdi a luz da minha vida. Estejas onde estiveres, quero que olhes por mim, protejas o pai e o mano. Estou morto por dentro, vou ser forte e dar-te o maior orgulho do mundo».
6. Num ápice, desatou a cumprir-se-lhe a promessa - e de tal forma que Hélder Cristóvão, seu treinador, haveria de o afiançar (no ano passado à BTV): «É talvez o melhor jogador que já passou pelo Benfica B. Consegue sair de qualquer situação:ou de pé esquerdo ou de pé direito, ou por dentro ou por fora. Teve alguns conflitos internos com ele mesmo - superados no Valência. Fiz aposta com ele de que seria dos cinco melhores laterais do mundo, vai lá chegar...»
7. Vieira não o escondera: achava que seria o substituto de Maxi, mas Jesus escusou-se a aproveitá-lo: pô-lo titular, contra o FC Porto no último jogo de 2013/2014 (os 62 minutos que esteve em campo valeram-lhe o título de campeão) - e, semanas depois, o Valência o comprou-o por 15 milhões de euros.
8. Desatado rumor de que o Barça pensava nele para render Dani Alves, no verão de 2017 (após a polémica do gesto a mandar calar os seus adeptos na festa de golo ao Corunha) - foi emprestado ao Inter. Em Milão, pediu a camisola 7 - e a quem achava que a razão era uma, explicou que era outra: «Não é por ter sido o número de Figo aqui. Foi um dos melhores jogadores da histórica, mas eu não quero imitar ninguém, quero o 7 por ser o dia de nascimento da minha mãe».
9. O Inter podia ter exercício opção de compra, não a exerceu - Bergomi, um dos seus ícones, largara em remoque: «Nunca pagaria 35 milhões por um lateral como ele: pouco consistente do ponto de vista defensivo». Na Juventus, achou-se o contrário - por 40 milhões o levaram para Turim (e foi através do seu negócio, com Jorge Mendes a tratar dele, que se começou a escancarar a porta por onde Cristiano Ronaldo haveria de entrar).
10. Pela selecção se estreara em Agosto de 2016 com golo a Gibraltar - dois golos marcou no apuramento: a Andorra e às Ilhas Faroe. Porém, Fernando Santos acabou por não o convocar para o Mundial da Rússia. E o que, depois, do Mundial se tem visto na selecção (e na Juventus, também...) é que ele está cada vez mais perto do sonho que atiçou - do sonho de ser como o Dani Alves..."
António Simões, in A Bola
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