quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Dérbi empatado, VAR avariado, canoa dourada

"Gostei do ambiente no dérbi. Não só por parte dos adeptos e claques, mas sobretudo de dirigentes, treinadores e atletas

1. Ao contrário das duas primeiras jornadas do campeonato em que os três 'grandes' venceram, à terceira foi a vez: nenhum ganhou. Os de Lisboa, no já habitual empate, seja na Luz, seja em Alvalade (creio que o quarto seguido). O do Porto, numa inabitual derrota caseira, com um score de 0-3 na segunda parte. Promete este campeonato. Se juntarmos o Sp. Braga e o 'ex-moribundo' Sporting, creio que vai ser um campeonato taco-a-taco.
Concentrando-me no dérbi dos dérbis, mais uma vez o Benfica teve no guarda-redes adversário o principal oponente. Grande prestação - como agora se diz, em vez de actuação - de um jogador pré-dispensável há dias e, provavelmente, agora mais titular que nunca. É assim o futebol dos adeptos e, não raro, dos dirigentes: um dia uma besta, outro dia bestial. Ou vice-versa.
Gostei do ambiente antes, durante e depois do encontro. Não apenas por parte dos adeptos e claques, mas sobretudo dos dirigentes, treinadores e atletas. Num futebol entrincheirado em ódios fidagais, inimigos inventados, respirou-se um ar bem menos poluído. Foi a principal vitória no empate.
Já o principal empata no empate foi um árbitro sem classe, titubeante, com momentos de manifesta incompetência durante a partida. Foi pena. Não querendo fazer o recorrente choradinho de não se ter ganho por causa dos homens do apito, houve critérios enviesados e uma actuação a nível disciplinar absolutamente indigente. Aliás, neste ponto, contrariando as instruções públicas dadas aos árbitros no início da época, o uso dos cartões deve ser uniformemente ajuizado do primeiro ao último minuto e não - como é prática na arbitragem nacional - concentrar-se nos minutos finais para infracções iguais. Neste jogo, dos 9 cartões amarelos exibidos, 6 foram mostrados nos últimos minutos. Por exemplo, Salin viu-o aos 94m (por demora na reposição da bola, prática que teve desde o minuto zero) e Ristovski teve-o aos 24m por carga imprudente sobre o Cervi quando aos 9 segundos (!) já o merecia por carga ainda mais imprudente sobre Fejsa. O cronómetro, esse foi um tormento: entre o penálti (bem assinalado) e o recomeço de jogo passaram 5 minutos, por causa de transtornos com a comunicação entre os juízes. Poís, se a isso juntarmos as substituições e paragens que houve, Luís Godinho concedei 6 minutos (onde, por sua vez, se jogaram de facto apenas 2 minutos). Por fim, assinalo a claríssima intencionalidade (ainda que não intensa) de Jefferson no último lance, derrubando na área João Félix. Nem sequer o VAR Jorge Sousa o mandou ver no monitor... Curioso, bem curioso mesmo, foi o comentário de 'o árbitro de A Bola (Duarte Gomes, que acho um bom analista) ter considerado Godinho «um jovem com muita personalidade, coragem e qualidade. Continua a crescer e ontem deu passe de gigante nesse sentido» (!). Esta coisa de ex-árbitro classificarem ex-colegas é no que dá. Mas agora está na moda (corporativa), seja nos jornais, seja nas televisões. Enfim... adiante.
Quanto ao jogo da minha equipa, terei ou consolidei (para mim) e ideia de que Facundo Ferreyra, que acredito ser um bom jogador, não pode jogar neste esquema táctico de um ponta-de-lança isolado. Não tem a robustez de choque de Castillo, nem a superior classe de Jonas. Evidentemente que compreendi a opção de Rui Vitória que não tinha alternativa, com as lesões dos outros jogadores, a não ser o quase dispensado Seferovic. Ou teria? Bastou ver João Félix uns minutos em jogo para, talvez, podermos afirmar que sim. Aliás, aquele passe açucarado do miúdo para Ferreyra que, depois, 'passou' a bola ao guarda-redes, no jogo contra o PAOK, é prova disso. O jovem craque mostrou, claramente, que a (jovem) idade não deve ser barreira quando é tão notória a capacidade, técnica e visão de um jogador talentoso. Este é até um ponto em que Rui Vitória tem evidenciado coragem, desde que está no SLB e cujo último exemplo é Gedson Fernandes, outro menino talentoso. Para eles, a receita deve ser dar-lhes as devidas oportunidades ser dar-lhes as devidas oportunidades e evitar que se estraguem com mimos e fartas declarações messiânicas de astros em que os media são pródigos.

2. O Benfica joga hoje a tudo (leia-se 40 muitos milhões), menos a feijões. Escrevo com a esperança de que seja ultrapassado o obstáculo grego, depois de um resultado injusto na Luz. Injustiça que se deve, em parte, à ineficácia na finalização e à grande exibição do guardião helénico (como contra o SCP, o guarda-redes foi decisivo, mas verdade seja dita, o keeper é um jogador dos onze, logo com o mérito do colectivo). O Benfica é manifestamente superior ao PAOK e, se a normalidade acontecer, alcançar-se-á a fase de grupos.

3. Ainda tenho memória suficiente para me lembrar do que ouvi, de portistas, quando no campeonato passado, no jogo Desportivo das Aves 1, Benfica 3, o VAR 'deu o prego'. Por acaso, coincidiu com  o terceiro golo encarnado, precedido por uma falta uns segundos antes no meio campo, por um jogador do SLB. Então, credo, o que ouvi eu. Manobras, esquemas, 'coincidências', num momento - recorde-se - em que o Benfica já estava a ganhar. Pois acontece que no melhor VAR, volta a cair o apagão. Só que agora no Dragão, onde o vírus do blackout técnico logo contagiou o árbitro Fábio Veríssimo (não confundir com Varíssimo) e seus ajudantes que confirmaram um golo tão claramente ilegal que até faz dó e não viram um penálti do tamanho dos Clérigos a favor do Vitória. Claro que, neste caso, a avaria do VAR foi... um mero acidente, tal qual foi um acidente o 0-3 da segunda parte. Depois e desta vez, o imbróglio teve honras de explicações oficiais da operadora e da FPF. O VAR parece estar para alguns momentos de jogos, como o SIRESP está para outros momentos da protecção civil.

4. Fernando Pimenta é bicampeão mundial em canoagem. Português de Ponte de Lima e benfiquista de clube. Um brilhante especialista que tem vindo a vencer provas mundiais e europeias com inegável classe e dedicação. Ao contrário do que é habitual nos jornais desportivos portugueses, sempre colados ao futebol, apreciei muito a capa de A Bola desta segunda-feira quase toda ela consignada a este grande feito desportivo deste 'senhor da água' (sic), recordando que nunca um canoísta havia vencido até agora dois títulos em campeonatos do Mundo. Claro que houve as felicitações dos principais políticos, a começar pelo Presidente da República. Mas, injustamente, aqui também se sente a hierarquia dos desportos. Se fosse no futebol, olá lá, as palavras, promessas, agraciamentos e condecorações já teriam fervilhado e o país já estaria suspenso por uma qualquer recepção de luxo e de discursatas. É a vida, dirão alguns. É que, também nas modalidades desportivas, há umas que são filhas e outras que são enteadas (e até há aquelas que são mesmo enjeitadas...).

Contraluz
- Citação: «o Sporting e o Benfica fazem a bandeira nacional» (José Sousa Cintra)
Gostei do significado da frase, depois do constante e truculento belicismo que vinha medrando. Com um pequeno reparo (de um benfiquista, claro): como o vermelho ocupa mais área na bandeira do que o verde, inverteria a ordem dos clubes, «o Benfica e o Sporting fazem a bandeira nacional».
- Desaparecido: Eliseu,...
... um jogador que no Benfica sempre deu tudo o que podia. Não vejo notícias sobre o seu futuro, agora que já terminou o contrato com a Luz. Acabou a carreira? Está sem clube? Tenho um especial apreço pelo seu genuíno benfiquismo.
- Pronúncia: não tenho paciência para ouvir, amiúde, o nome do defesa francês do SCP Mathieu (que deve ser lido como matiê com um e bem fechado, em vez de matiô ou mesmo matiú). E agora ainda tenho de gramar a pronúncia do meu homónimo J. Félix como félics e não correctamente dizendo-se félis.
- Entrevista: Há poucos dias pude ouvir na BTV uma entrevista com Sheu Han. Um senhor, como já há algumas semanas, aqui referi. Mas a entrevista foi saboríssima e reveladora da categoria do jogador e do homem. Eis algumas das suas frases: «No Benfica empatar é perder». Quando lhe foi perguntado qual o momento mais triste da sua carreira como jogador, a sua resposta foi: «momentos difíceis foram todos quantos o Benfica perdeu». Ao «porque nunca saiu do Benfica?» responde «do Benfica não se sai...». Deveria ser obrigatório o plantel do SLB ouvir a entrevista."

Bagão Félix, in A Bola

Paternalismo

"1. Os tempos não têm sido fáceis para o Sporting, é um facto, mas até quando vai durar o paternalismo da crítica? O Benfica foi a melhor equipa no dérbi e merecia vencer, mas coitadinho do Sporting, soube sofrer...
2. Por mais que se tente valorizar outros aspectos das exibições de Ferreyra, há que assumir com frontalidade que um ponta de lança (quase) sem golos é como um restaurante sem refeições. O argentino tem de mostrar mais, seja qual for a táctica.
3. Eu acreditava no acordo de paz entre as duas Coreias até a Coreia do Sul contratar Paulo Bento para seleccionador. Agora, há que reconhecer, tudo pode acontecer.
4. Um lance ilegal tão claro como o do segundo golo do FC Porto frente ao V. Guimarães (para não falar no penálti por marcar a favor dos visitantes...) não pode passar em claro só porque tinha sido perdida a ligação com o VAR. A verdade desportiva não pode ficar refém de um cabo.
5. A julgar pelas imagens do jogo de futsal do Sporting, frente ao Inter Movistar, em Portimão, deixo dois conselhos a Bruno de Carvalho: evitar a ingestão de sócios (são muito calóricos, está visto) e, sobretudo, pelo menos nesta fase de perda de forma, evitar as camisas slim fit.
6. Depois de Gedson, a vez de João Félix - com Rúben Dias a transitar de 2017/2018 (só para referir os casos mais recentes). Se o Benfica perder a Liga Revelação, o culpado é Rui Vitória (pois claro!).
7. Fez bem Sérgio Conceição em assumir, sem refúgios, que o campeão vai nu. Ou, por outras palavras, que o vinho da tasca está estragado. É o único caminho para voltar ao champanhe.
8. No espaço de um ano, Marega passou de patinho feio a pato-bravo (pelo meio foi cisne). É obra!
9. Não são os jornais que fazem os campeões, são os campeões que fazem os jornais. Bravo, Fernando Pimenta!"

Gonçalo Guimarães, in A Bola

Benfica voa ou Toumba

"Jogo crucial para o futuro próximo dos encarnados - desportivo e financeiro. Eficácia concretizadora é fundamental para evitar eliminação na Grécia

O Benfica fiou-se em demasia no defeso passado. Não se reforçou para compensar a sangria sofrida (Ederson, Lindelof, Nélson Semedo, Mitrolgou) e pagou caro o preço desta displicência: falhou o encontro com a história e perdeu um penta que estava claramente ao seu alcance - mesmo sem se reforçar, a verdade é que no mediano campeonato doméstico lutou com o FC Porto até ao fim; já na Champions, num patamar muitíssimo mais exigente, não deu para disfarçar e foi o que se viu. Um ano depois, o cenário é substancialmente diferente: o Benfica reforçou-se a sério embora com uma incompreensível demora no caso destes últimos alvos - Gabriel e vamos ver se Ramires - que deviam, como é óbvio!, ter ajudado o Benfica na qualificação para a Champions. O jogo de hoje em Salónica, no estádio Toumba (que raio de nome... longe vá o agoiro), é muito importante. Em jogo estão, no mínimo, 50 milhões de euros + exposição mínima de seis jogos na montra futebolística mais importante do Mundo. Trata-se de uma verba que pode condicionar fortemente o futuro próximo (desportivo e financeiro) das águias. Nem é preciso explicar porquê. Pelo que se viu há uma semana na Luz o Benfica tem futebol mais que suficiente para eliminar o PAOK. A equipa grega foi massacrada até ao intervalo e podia ter recolhido ao balneário em estado cadáver, a perder por quatro ou cinco. O cenário complicou-se muito com o golo do don Juan egípcio Warda mas, no essencial, julgo que o Benfica continua a ser superior e sobretudo, a ter mais experiência, mais calo, mais discernimento; que lhe poderão ser muito úteis numa noite em que o PAOK, à beira do milagre, quase de certeza vai sentir o peso do momento e, muito provavelmente, acusar ansiedade e nervosismo - como é natural num clube que nunca participou na Champions. Jogando também com isso, o Benfica precisa sobretudo de ser mais eficaz na concretização, como sublinhou diversas vezes Rui Vitória.
E esse é um problema muito sério, se pensarmos que, por esse mesmo motivo, o SLB também não conseguiu vergar no sábado o Sporting mais limitado destes últimos tempos. Vamos partir do princípio que o Benfica vai cumprir a sua obrigação de eliminar o PAOK que, por Zeus!, nunca ouviu o hino da Champions sem ser na televisão. Mas é verdade que Luís Filipe Vieira corre o risco de ter reforçado fortemente a equipa (e carregado na mesma medida a folha salarial, diga-se...) para jogar na Liga Europa e nas competições domésticas, um contrassenso que implicará reajustes a curto prazo (Janeiro).
Para o Benfica falhar a décima presença consecutiva na fase de grupo da Champions basta que o APOK, que mostrou uma cara mais inquietante na segunda parte do jogo do Estádio da Luz (boa organização e forte espírito de corpo), consiga preservar o 0-0 inicial. É isso que o Benfica tem de impedir. Há que marcar... e voar.
(...)"

André Pipa, in A Bola

A importância de Salónica

"O Estádio Toumba, em Salónica, Grécia, vai ser palco, esta noite, de um dos mais importantes exames porque o Benfica passou, em 61 anos de participações na UEFA. O adversário não tem o glamour daqueles que o Benfica venceu em finais europeias (Real Madrid e Barcelona), ou mesmo dos que derrotaram os encarnados nas decisões continentais e intercontinentais (Inter, AC Milan, Santos, Peñarol, Manchester United, PSV, Anderlecht, Chelsea ou Sevilha). O opositor, desta feita, é bem mais modesto, chama-se PAOK e só foi duas vezes campeão no seu país, nas décadas de setenta e oitenta, ocupando o 58.º lugar no ranking de clubes da UEFA. Mas para o Benfica, a montanha que o PAOK representa é de categoria especial, porque ultrapassá-la significa aceder de imediato a 43 milhões de euros e partilhar palco com os melhores emblemas da Europa, na melhor competição de clubes do mundo.
O desfecho de Lisboa não deixou a equipa portuguesa em boa situação, obrigada que está a assumir a iniciativa da partida, frente a um adversário que sabe que se não sofrer golos está na Liga dos Campeões. É por isso que o Benfica precisa de puxar dos galões, mostrar de que massa é feito, e entrar no inferno do Toumba com a personalidade das grandes equipas.
Se o resultado não for favorável à equipa portuguesa, não será o fim do mundo, o sol continuará a nascer todos os dias e o Benfica tratará de virar agulhas para a Liga Europa. Mas só por inconsciência poderá pensar-se que ficar à porta da Champions não terá graves consequências desportivas, económicas e sociais. Tem a palavra, esta noite, a equipa de Rui Vitória..."

José Manuel Delgado, in A Bola

Silêncio na Trafaria...

"Há quem diga que Os Belenenses cumpriram finalmente o seu destino: divididos em dois, como estão, obedecem à regra do plural que marcou o seu baptismo. O meu querido amigo Luís Alberto Ferreira, que escreve maravilhosamente de fazer inveja, com cujas prosas muito aprendi da habilidade de dominar os adjectivos, chamava aos azuis de Belém «o clube dos muitos infortúnios». 
Nunca ninguém esquecerá Pepe: por extenso, José Manuel Soares Louro. Tinha apenas 23 anos quando se encantou, como diria Guimarães Rosa. Na noite de 22 de Outubro de 1931, um jantar de família na sua casa modesta da Rua do Embaixador, em frente ao Mercado de Belém, onde a mãe tinha uma banca de fruta, ser-lhe-ia fatal. Uma intoxicação alimentar, muito provavelmente provocada por uma sopa de grão temperada com chouriço, atirou com a sua mãe, Maria José, e os seus irmãos, Rogério e Suzana para as camas do Hospital de São José. Pepe, deu entrada no Hospital da Marinha. Contorcia-se com dores, queria vomitar e não conseguia, começou a sofrer de hemorragias. Morreu às dez e meia do dia 24 de Outubro. Tinha 23 anos e fora, durante a sua carreira fulgurante, a imagem de conto de fadas do menino pobre que chegara ao vértice do sucesso. A morte prematura, como geralmente acontece, guardou-o no livro sempre misterioso dos mitos. Morrem cedo aqueles que os deuses amam. Viveu depressa, foi um cadáver bonito.
Sobre a morte de Pepe há muitas versões, deixei aqui apenas uma delas. Tantos dramas viveram muitos dos que vestiram a camisola azul com a cruz de Cristo ao peito que o clube devia usar no equipamento oficial o fumo negro do luto na manga do lado direito. Ou melhor, na manga do braço esquerdo. Porque também caminhou sempre pelo lado esquerdo da vida.
Nem sempre o drama termina na morte. Há dramas que se prolongam no tempo como uma maldição de Macbeth. Houve António Eloy, que depois de sair do clube e ter passado uns anos em Moçambique, viria morrer, de cancro, em Lisboa, no Hospital Pulido Valente. E houve, sobretudo, Rafael: Rafael Correia.
Se a morte de Pepe, operário nas docas de Lisboa, involuntariamente envenenado por excesso de sódio, ganhou aura de mistério, a morte de Rafael ganhou laivos de G.K. Chesterton em a Inocência do Padre Brown. Um enigma nunca esclarecido de estranhíssimas circunstâncias.
Escrevia o grande Luís Alberto Ferreira no seu estilo incomum de elegância requintada: «Em 1945/1946, as Salésias insuflavam-se do nome da artéria em que se situava o estádio: Rua das Casas de Trabalho. Rua de casas térreas, aos domingos a vizinhança à janela para ver chegar os jogadores do Belenenses. Alguns deles vinham do centro de Lisboa nos mesmíssimos carros eléctricos pejados de adeptos. Um tempo em que os futebolistas exerciam, durante a semana, profissões diversas. Fatinho engomado, gravata, uns cavalheiros que a miudagem interpelava, no carro eléctrico: “Senhor Mariano Amaro, vamos ganhar?!”. Lá vinha o sorriso complacente e cúmplice do jogador».
1945/46 não vem ao acaso. Os Belenenses sagravam-se pela primeira e única vez campeões nacionais. Que equipa! Que equipa! Deixo que o Luís a descreva. Fá-lo bem melhor do que eu: «As “Torres de Belém”, Manuel Capela, guarda-redes, de Angeja, distrito de Aveiro; Vasco de Oliveira, defesa-direito, lisboeta, e António Feliciano, defesa-esquerdo, natural da Covilhã. Constituíam a linha média Mariano Amaro, Gomes e Serafim das Neves, leiriense, labutador, esquerdino. A linha avançada era de composição variável, podendo ser, por exemplo, Mário Coelho, extremo-direito, mais tarde funcionário da Carris, onde foi colega de Homero Serpa, probo jornalista de “A Bola”, ou Armando, também extremo-direito ou avançado-centro; António Eloy, extremamente habilidoso, como interior-direito, posto também ocupado, quando necessário, por Artur Quaresma, barreirense. O mesmo Quaresma, outro artista da bola, foi, por vezes, avançado-centro. Os de pedra e cal, no ataque de Belém, eram José Pedro, interior-esquerdo, e Rafael Correia, ponta-esquerda, também da Outra Margem do Tejo».
Rafael Correia já vivia da reforma, na Trafaria, quando foi encontrado sem vida em sua casa. Conheciam-se-lhe antipatias perante o Regime, tal como acontecia com Mariano Amaro. A polícia reportou a presença recente e frequente no local de um antigo guarda nacional republicano. Convenientemente, não identificado. O povo murmurava. Os jornais ignoraram o assunto. Em eco, parecia escutar-se a infame frase de Salazar sobre o assassinato de Humberto Delgado : «A nós convinha que falasse. A outros conviria mais o silêncio que só a morte poderia com segurança guardar». O fascismo era como os lobos de Aquilino e atacava pela calada."

Juízes e futebol

"Por mim, lamento dizer, mas o lugar dos juízes no futebol é só nas bancadas, a apoiar os seus clubes, ou no campo a jogar à bola com os amigos.

Como juiz e cidadão, sempre me incomodou ver juízes nos clubes e organismos de gestão do futebol profissional. Demasiadas vezes, juízes envolvidos nos órgãos de justiça e disciplina viram os seus nomes e função publicamente arrastados na lama da irracionalidade e má-criação, por dirigentes e comentadores desportivos, ou porque o jogador expulso só levou dois jogos de castigo, ou por causa da classificação do árbitro que não marcou a falta. Isso até pode ser bom para o futebol e para as televisões; mas para a Justiça não é de certeza. Aqui viveram “dois gangs" de freiras e uma mulher apaixonada
Desde os anos 1980, vários juízes integraram os conselhos de justiça e disciplina e os próprios clubes de futebol e apareceram mesmo como candidatos a presidentes. Desconheço a dimensão actual do fenómeno — antes de escrever decidi não ir ver se há juízes na federação ou na Liga para não ficar influenciado. Portanto, peço antecipadamente desculpa se aqui “pisar os calos” a alguém, mas a minha opinião vem de há muito tempo e é sobre a instituição Justiça e não sobre pessoas.
O problema é sério e tem que ver com os princípios constitucionais relativos às incompatibilidades dos juízes, que são instrumentais da percepção social sobre independência e imparcialidade da Justiça.
Em 1993, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) deliberou que os juízes não podiam exercer quaisquer cargos ou funções relacionados com o futebol profissional. Chegou a ser aditada uma norma no Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) que passaria a proibir o exercício dessas actividades, sem prévia autorização do CSM. Porém, chamado a pronunciar-se sobre esse acrescento ao EMJ, o Tribunal Constitucional considerou-o violador da Constituição. A conclusão não me convence, mas a verdade é que a partir daí ficou claro que o CSM não podia impedir a participação de juízes no futebol. Mesmo assim, em deliberações de 2005, 2006 e 2008, à falta de melhor instrumento legal, o CSM não deixou de vincar o seu desagrado e de desaconselhar essas actuações. 
Os juízes partilham as reservas manifestadas pelo seu órgão de gestão. Em 2008 aprovaram um Compromisso Ético, que é muito claro nessa reprovação. A propósito do princípio da integridade profissional, social e pessoal do juiz, lê-se nesse documento: “A participação em actividades cívicas externas às funções do juiz, mesmo que não haja objectivamente risco para a sua imparcialidade, é rejeitada em todos os casos em que seja razoavelmente de prever que implica sujeição a apreciações públicas vexatórias e pouco dignificantes. Será normalmente o caso da participação em órgãos associativos ligados aos desportos profissionais, onde, por via do seu contexto emocional específico e pelo tipo de linguagem utilizada e controvérsias que aí se desenvolvem, facilmente o juiz se sujeita a referências desprestigiantes e é conotado com situações pouco transparentes.”
Em 2010, também o Grupo de Reflexão sobre a Ética Judicial (composto por três juízes, um advogado e uma professora universitária), num estudo sobre a matéria, concluiu que, apesar de não ser legalmente proibido, é totalmente desaconselhável que juízes integrem órgãos de disciplina e de justiça no âmbito dos desportos profissionais.
Apesar deste historial de desconfiança e censura informal, com quase 30 anos, a verdade é que não foi possível evitar a participação de vários juízes nos órgãos do futebol profissional. Trata-se, claro, de uma questão da consciência ética de cada um e não de violação da lei. Contudo, não pode deixar de causar apreensão a persistência de actuações individuais contra o sentimento generalizado dos juízes sobre o que está certo e o que está errado.
Felizmente, parece que esta potencial fonte de quebra de confiança na Justiça tem os dias contados. A proposta de revisão do EMJ, já aprovada na generalidade, contém uma norma que passará a proibir expressamente a participação de juízes nos órgãos estatutários de entidades envolvidas em competições desportivas profissionais, sem prévia autorização do CSM. Muito bem.
Por mim, lamento dizer, mas o lugar dos juízes no futebol é só nas bancadas, a apoiar os seus clubes, ou no campo a jogar à bola com os amigos. Em actividades que não acrescentam prestígio, credibilidade e confiança, é totalmente dispensável."

João Félix: saber esperar

"Para todos os grandes jogadores, a memória colectiva reserva um começo. Um momento que é recordado como aquele em que uma jovem promessa dá um passo que anuncia o estrelato. Quem não se lembrará, por exemplo, da extraordinária exibição de Ronaldo frente ao Manchester United na inauguração do Estádio Alvalade XXI? Da mesma forma, o 'começo' de João Félix foi o golo no dérbi.
O enorme talento do jovem avançado é indiscutível. A este junta-se-lhe um faro de golo – revelado na época passada quando foi utilizado como avançado, primeiro, esporadicamente na equipa B (quatro golos, hat trick ao Famalicão) e, depois, em permanência, na fulgurante fase final do campeonato de juniores (15 golos em 11 jogos).
Félix, tal como Bernardo Silva antes dele, é um daqueles que não engana: dotado de criatividade e capacidade técnica invulgares, executa o que intui e intui o que a esmagadora maioria dos jogadores tenta pensar. O passe para o golo cantado, mas não concretizado, de Ferreyra com o PAOK e dois ou três lances, além do cabeceamento fulminante, com o Sporting (em cerca de meia hora no total de ambas as partidas...) são pequenos indícios da genialidade do tondelense. Sinais que só surpreendem quem não teve a felicidade de o acompanhar nas camadas jovens e na equipa B do Benfica. Só alguns eventuais obstáculos poderão impedir João Félix de concretizar o futuro que se anuncia (ignoro propositadamente as lesões, por serem incontroláveis).
Como acontece a todos os jovens talentos, o primeiro obstáculo é a tentação de se deixar enredar nos pequenos sucessos obtidos e no mediatismo subsequente, julgando que nada resta para conquistar. A postura após o dérbi e, sobretudo, o empenho que colocou, no ano passado, no regresso aos juniores, depois de ter brilhado na equipa B, são bons indicadores da personalidade de João Félix.
Os treinadores têm também um papel fundamental nesta fase de transição: caso não concedam oportunidades aos jovens promissores ou insistam em utilizá-los em posições desadequadas às suas características. No caso de Rui Vitória, cujo currículo é, nesta vertente técnica, insuspeito, Félix está em boas mãos (vide o caso de Guedes, que evoluiu quando transitou para o meio).
Sobra a gestão de carreira. Um processo que, hoje, é da responsabilidade do atleta e de quem a gere, mas também dos dirigentes. É quase inevitável que, mais cedo do que tarde, o futuro de Félix passe pelo estrangeiro. Resta apenas saber quando e onde. Cabe-lhe avaliar a melhor oportunidade das muitas que se lhe apresentarão e resistir, com sentido estratégico, tanto à tentação do dinheiro rápido como, igualmente frequente, à pressa que os clubes têm em fazer mais um 'grande negócio'."

O dérbi teve um vencedor: o futebol

"Aqui se escreveu há uma semana que era imperativo que este campeonato fosse diferente — com rivalidade, mas sem ódio e violência — embora sem grande esperança que algo mudasse. Benfica e Sporting apostaram, de forma clara, nessa mudança.
Vimos cenas infelizes antes do jogo, escaramuças entre adeptos com a polícia chamada a intervir. Mas vimos também cenas felizes, que há muito não se viam. Domingos Almeida Lima, no papel que caberia a Luís Filipe Vieira, ao lado do presidente do Sporting, ambos a falar para a Benfica TV, algo impensável nos encontros entre os dois clubes nos últimos anos.
O vice-presidente do Benfica deu as boas-vindas à delegação do Sporting em nome do presidente, disse que era um prazer recebê-la na Luz e deixou votos para que desfrutassem o jogo. Sousa Sintra devolveu a simpatia, lembrou que sempre veio ao estádio e destacou a "relação impecável" com os dirigentes do Benfica.
Ambos falaram do que era importante falar: a magia do derby. Domingos Almeida Lima evocou a "rivalidade saudável de mais de um século que faz vibrar as multidões" e Sousa Cintra usou a poderosa imagem dos dois clubes "que fazem a bandeira nacional".
Apelou-se ao "fair play" — "que seja um jogo com respeito e que no fim aceitemos o resultado" — e enterrou-se o machado — "o futebol precisa de paz, tranquilidade, de acabar com as guerrilhas".
Que contraste com o passado recente. E não ficou por aqui. O ambiente cordato continuou com a entrada dos treinadores, que se cumprimentaram com visível satisfação. O encontro, fora um momento mais acalorado, normal num jogo de nervos, correu de forma correcta. Que ganhe o melhor, disse o vice do Benfica.
Que ganhe o melhor e que o melhor seja o Sporting, disse Sousa Cintra. Não foi, mas conseguiu um bom resultado no relvado do rival, em que poucos apostavam, a mostrar que em Alvalade se tem gerido bem a pesada herança da época anterior.
Nem Benfica, nem Sporting venceram, mas ganhou o futebol português. Só assim ele se pode afirmar, cativar adeptos e marcas, criar valor. Só assim será possível construir as pontes necessárias para o levar mais longe.
Os dois clubes quiseram que este derby fosse um virar de página. O tempo dirá se, de facto, o foi. O que se viu no sábado seria impossível com Bruno de Carvalho, espera-se que seja possível com quem ganhar o lugar de Sousa Cintra."

O dérbi e a internacionalização

"Este fim de semana assisti ao primeiro dérbi da temporada num ambiente muito diferente dos que se viveram nas épocas anteriores. A rivalidade entre Sporting e Benfica, assim como tantas outras que marcam o nosso campeonato, de norte a sul, são o veículo para dar a conhecer ao mundo o futebol português, independentemente das divergências que existem fora de campo. Parabéns às equipas pela intensidade, pelo jogo limpo, e uma nota para o discurso dos treinadores antes e após o jogo, houve, ao fim de muito tempo, respeito mútuo.
Quero aproveitar esta análise ao dérbi e a rivalidade histórica entre Sporting e Benfica para tocar noutro assunto forte da última semana, a internacionalização das ligas e a disputa de jogos de competições internas noutros pontos do globo.
O Sindicato espanhol (AFE) reuniu os capitães das equipas que participam na La Liga para dizer o que não deveria ser preciso dizer: uma decisão tão importante como a de levar jogos para outros países, afretando clubes, jogadores e adeptos, não deveria ser atomada e anunciada unilateralmente. 
Os jogadores querem, cada vez mais, fazer parte das soluções e não dos problemas, sobretudo em temas que afectam a organização da sua vida profissional e pessoal, e em especial a sua saúde física e mental. Imagine-se o que seria se amanhã, invés de excepcionalmente, fosse exigida a compatibilização dos calendários nacionais com a disponibilidade regular para viagens para diferentes pontos do globo? Poderíamos continuar a falar de futebol espanhol, ou português? Admito que o mundo mudou, tenho maiores dúvidas que as noções de diálogo e lealdade tenham mudado. 
Esta semana termino com os Parabéns ao Fernando Pimenta e à canoagem portuguesa, que há muito tem em Montemor o velho um baluarte para o desenvolvimento. Quando damos condições aos nossos atletas, tudo é possível!"

Invencibilidade e liderança isolada...

Sporting 0 - 1 Benfica


Boa vitória, num jogo interessante, com oportunidades para os dois lados, mas com o Benfica a vencer...

Vários jogadores que neste momento fazem parte do plantel da equipa B, 'baixaram' (Álvaro, N. Tavares, Santos, Umaro, Anjos)... como o Sporting não tem equipa B, acaba por ter uns sub-23 mais 'velhos'...! Mesmo assim, o Benfica jogou com vários Juniores, alguns de 1.ª ano...!!! Mas este facto criou um problema: vários destes jogadores que 'baixaram' não têm jogado na equipa B, alguns têm mesmo 0 minutos... hoje, foi praticamente o primeiro jogo oficial da época, e assim se explica alguns problemas de cãibras e cansaço muscular nos últimos minutos, além das dinâmicas colectivas não estarem afinadas, porque este ano não têm treinado juntos...!!!

Além do Celton Biai (bastante seguro...), destaco o mais novo de todos: Tomás Tavares, faz todas as posições da defesa, hoje foi lateral direito, e demonstrou muita classe... O Diogo Mendes confirmou a evolução que se tem notado (um dos mal amados da nossa formação!)... O Daniel dos Anjos voltou a demonstrar o faro pelo golo que o tem acompanhado esta época... O Umaro mostrou que está com pouco ritmo, mesmo assim meteu a cabeça em água aos Lagartos nas bancadas!!! Esta indefinição, com o contrato profissional está a prejudicar o miúdo... aparentemente o Benfica, não quer promover um activo, que se arrisca a 'perder' daqui a ano e meio! E por isso, não tem tido utilização regular em nenhuma das nossas equipas... mostrando falta de ritmo!

PS: Uma curiosidade, a jogada que o Diogo Mendes leva Amarelo, não é igual, mas é parecida com o penalty não assinalado sobre o Félix, no último sábado! A diferença é que o Félix estava no ar... e foi desequilibrado, e neste jogo, o puto Lagarto tinha os pés no chão e decidiu-se atirar para a piscina!!! Gostava de saber qual seria a avaliação dos expert's Lagartos, deste lance...!!!