"Não pretendo mimetizar o padre António Vieira, pregador do acutilante sermão de Santo António aos Peixes, no qual verbera, com aspereza destemperada, os peixes graúdos desta era: os soberbos e arrogantes (roncadores); os pregadores (parasitas e oportunistas); os ambiciosos (voadores); os hipócritas (polvos), estes na essência traiçoeiros e maldosos.
Neste particular, a culpa, na óptica do Padre Vieira, ou responsabilidade, na minha, da falta da prioridade dada ao desporto, enquanto fenómeno de importância social, é das pessoas e organizações do desporto, seja porque não se prega a verdadeira doutrina, difusa, ou porque se diz uma coisa e se faz outra, ou porque se tende a pregar não aos fiéis, sociedade e outros acólitos (políticos), mas a dar resposta a outros interesses paladinos.
Se quisermos ser benévolos e sacudir a nossa responsabilidade objectiva, podemos sempre dizer que a culpa está na água, porque os ouvintes, peixes, não querem receber a doutrina, ou antes preferem imitar os pregadores e não o que eles dizem, servindo os seus apetites vorazes o que não me parece justo, para estes.
Aproxima-se uma nova legislatura e é com responsabilidade de cidadania activa, de cada um de nós e de todos institucionalmente, que devemos contribuir para este processo com propostas concretas, sustentadas, alicerçadas no conhecimento que temos da realidade que diariamente assistimos, sensibilizando os partidos políticos com propostas fundamentadas a serem inscritas nos programas de e para a legislatura de quem governar.
O diagnóstico está feito. Continuar a reforçar a importância social do desporto é mais do mesmo. Todos (ou quase) entendem que em termos educativos; de saúde pública; de sentido gregário; de penetração e mobilidade sociais; de identidade e exaltação da diáspora; económicos, isto é, nos termos, prisma e contexto em que se queira analisar, o desporto é de facto um dos mais, senão o mais importante, fenómeno social, pela sua transversalidade e abrangência.
O desporto confere a oportunidade, perante a sociedade globalizada, de se afirmar como um factor pacificador e promotor de grandes causas sociais de desenvolvimento sendo, definitivamente, um factor promotor do principal desafio que decorre do aumento da esperança de vida: a qualidade desta vida. No desporto, mais do que em qualquer actividade, o progresso para além de relevância técnica tem relevância ontológica: a potenciação de um ciclo de vida.
Então, se assim é:
1. Porque é que o desporto é constantemente desvalorizado em termos políticos, com um investimento residual para além do que resulta das receitas com os jogos sociais?
2. Porque é que o mesmo estado insiste em tutelar o desporto, subalternizando-o a outros domínios sociais, como se per si não tivesse a consistência suficiente para ser uma prioridade com actores próprios?
3. Porque é que não resolvem os problemas óbvios que obstaculizam o desenvolvimento desportivo e que são a causa dos nossos índices de prática deficitários e resultados pouco sistémicos?
Estes são os sinais gerais, para além dos que todos sentimos diariamente, de que o desporto não é uma prioridade!
Isto sucede, também, porque ainda não há uma agenda concertada! Os principais interlocutores institucionais, dirigentes das organizações desportivas, agem isoladamente, não reivindicam, adormecem (desa) sossegados com medo de à acção, hábil, se seguir uma reacção que os possa prejudicar por parte de quem nos tutela.
Vamos então, como estamos na era dos roncadores, roncar e voar com a ambição que sempre caracterizou os desportistas.
Compete às organizações desportivas, que são o elemento central da organização das modalidades desportivas no contexto nacional e internacional, passando por elas o essencial da actividade desportiva quanto à regulamentação e organização competitiva, assumir esta responsabilidade, porque são os principais parceiros do Estado na garantia do direito ao desporto.
O sucesso e as conquistas internacionais dos nossos melhores atletas são autênticos milagres, num país sem sistema desportivo alicerçado por políticas desportivas desagregadas que adiam o assumido, descuram o óbvio e esquecem o prospectivo. São autênticos milagres que resultam do esforço muitas vezes isolado de atletas, treinadores, árbitros, clubes, associações, federações e organismos que tutelam e dão corpo ao Desporto nacional.
Estamos no momento em que as organizações desportivas (federações; associações, clubes), seus agentes (atletas, dirigentes, treinadores, árbitros) e outras organizações da sociedade civil (sistema saúde, autarquias, sistema educativo, partidos políticos, comunicação social) têm obrigatoriamente de cooperar para criar a massa crítica tão almejada colocando na ordem do dia os aspectos que sufocam o desenvolvimento do desporto diariamente, com soluções pautadas pela exequibilidade para que quem tenha de decidir as possa assumir.
Precisamos, por isso, de uma agenda própria que resulte de e num movimento concertado, por uma vez consequente nos seus objectivos, estratégia e acção, em prole do desporto, contando como é óbvio com o Estado central, mas devidamente coordenado. Sem esse esforço sinérgico acrescido, não haverá desenvolvimento para além do que tem sido conseguido até agora.
Não é contra ninguém, é a favor do desporto. Esqueçam por isso os, pouco, argutos arautos das teorias conspirativas que o “tiro livre” com arma de caça, desta vez, não nos assustará. Já somos alguns."
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