"No Brasil, imprensa e torcida queixam-se da arrogância europeia em relação à América do Sul, afinal, o berço dos maiores talentos da história do jogo. Essa arrogância, argumentam, reflecte-se por exemplo no Mundial de Clubes, a que os sul-americanos dedicam uma atenção extraordinária e ao qual os europeus comparecem, com ares de colonialistas, apenas para cumprir calendário.
É óbvio: ao vencedor da incomparável Liga dos Campeões ir ao Japão ou às Arábias, interrompendo um Dezembro intenso de provas nacionais e continentais, soa a maçada por causa da diferença de investimento entre clubes europeus e restantes, mesmo os tão míticos, charmosos e tradicionais emblemas sul-americanos.
O que é menos óbvio é o seguinte: o preconceito contra a América do Sul parte também dos próprios brasileiros. No passado, cada “grande” achava mais importante ganhar o respectivo estadual do que uma Taça dos Libertadores; hoje em dia, se a Libertadores se tornou, e ainda bem, a prioridade dos principais clubes, esse preconceito manifesta-se na Copa América.
No Brasil, Copa América é, ao contrário dos seus vizinhos, assunto secundário. O que move o país são os mundiais. A prova da falta de atenção à competição continental por selecções está no número de títulos: se os canarinhos lhe dedicassem cuidado, convenhamos, não teriam apenas cerca de metade (oito) das conquistas dos rivais Argentina (14) e Uruguai (15).
Na Europa, terminado o Mundial russo, fala-se, em primeiro lugar do Euro-2020 e só depois se apontarão baterias ao Qatar-2022.
No Brasil não: a selecção daqui a menos de um ano disputará mais uma Copa América – em casa! – e imprensa e adeptos não gastam um minuto com o assunto. Desde a queda – não é piada a Neymar – da selecção aos pés da Bélgica que só se fala em Qatar, como se a Copa América fosse, como os Mundiais de Clubes no entendimento dos europeus, uma maçada.
A primeira convocatória de Tite, na sexta-feira, será pois, escreve a imprensa e dizem os adeptos, o tiro de partida do Mundial-2022. Como no Brasil devemos agir como brasileiros, concedamos que assim seja. Mas, nesse caso, acrescentemos um dado: a operação Mundial 2022 não começa na tal convocatória para os jogos particulares de Setembro com Estados Unidos e El Salvador; já começou no último dia 24.
Nessa movimentada terça-feira no mercado de transferências europeu, os jogadores brasileiros movimentaram em poucas horas quase 100 milhões de euros. E o mais relevante é que tanto Richarlison, a caminho do Everton por 45 milhões, Malcom, em trânsito para o Campo Nou por 41, ou Éder Militão, que custou a bagatela de sete milhões ao FC Porto, não estiveram no Mundial. Ou seja, o mercado, que não mente, num só dia disse que o futuro do futebol do Brasil é valiosíssimo.
Se somarmos aos negociados daquele dia, os nomes de Vinícius Junior e Rodrygo (um já no Real Madrid e outro a caminho por 90 milhões somados), de Fabinho (no Liverpool, por 45), de Felipe Anderson (no West Ham, por 38), de Arthur (no Barça, por 31) e de Paulinho Sampaio (no Bayer Leverkusen, por 18,5) chegamos a 315 milhões de euros movimentados só por atletas ausentes do Rússia-2018 na actual janela.
Outros jogadores que estiveram entre os 23 de Tite e, à partida, entram nas contas para o Qatar custaram aos cofres dos clubes de destino 646 milhões de euros nos últimos dois anos – são os casos dos guarda-redes Alisson e Ederson, do defesa Danilo, do médio Fred, dos avançados Douglas Costa e Gabriel Jesus e dos dois principais, e mais caros, craques canarinhos da actualidade, Neymar e Phelippe Coutinho.
Com a continuidade de Tite no comando da selecção, uma coluna vertebral a caminho da segundo ou terceiro (no caso de Neymar) mundiais da carreira e um grupo de craques a pedir passagem, o Brasil parte como um dos grandes favoritos à conquista do próximo mundial.
Mas, cá entre nós, é uma pena que não valorize a mais antiga das competições de selecções do planeta, essa maçada da Copa América."
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